a trajetória silenciosa de pessoas portadoras do hiv contada pela ...
a trajetória silenciosa de pessoas portadoras do hiv contada pela ...
a trajetória silenciosa de pessoas portadoras do hiv contada pela ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
125<br />
Eu vivia na roça, com minha família, foi lá que conheci o F. [o mari<strong>do</strong>], ele foi meu<br />
primeiro e único homem (...) nos conhecemos e começamos a namorar. Ele<br />
queria casar, e me casei uns 6 meses <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> namoro. Aí vim para Curitiba<br />
morar com ele. Morávamos numa casa muito pequena, ele trabalhava numa<br />
distribui<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> bebidas e eu não conhecia ninguém aqui. Eu não trabalhava,<br />
cuidava apenas da casa. Sabia que <strong>de</strong> vez em quan<strong>do</strong> ele usava droga, mas<br />
como eu não conhecia isto nunca pensei que ele pu<strong>de</strong>sse estar com o vírus da<br />
AIDS, (...) nunca tinha para<strong>do</strong> para pensar sobre isto. Acho que nunca tinha<br />
associa<strong>do</strong>s as coisas. Eu já tinha escuta<strong>do</strong> sobre a AIDS, mas nunca pensei que<br />
o F. po<strong>de</strong>ria ter. A gente acha que a pessoa que a gente ama não po<strong>de</strong> passar<br />
estas coisas pra gente. Mesmo saben<strong>do</strong>, eu não conseguia conversar com ele<br />
sobre isto. (colabora<strong>do</strong>ra 2)<br />
Tive meu primeiro namora<strong>do</strong> com 14 anos e ele queria muito transar comigo. Eu<br />
era muito boba e achei que daria uma prova <strong>de</strong> amor se transasse com ele e<br />
acabou acontecen<strong>do</strong>. No começo não gostava, mas <strong>de</strong>pois comecei a gostar. E<br />
<strong>de</strong>pois <strong>do</strong> primeiro namora<strong>do</strong> a coisa foi rolan<strong>do</strong> naturalmente. Transar com eles<br />
era normal. E se não transasse o cara te <strong>de</strong>ixava. Sabe os caras querem mesmo<br />
é sexo! (colabora<strong>do</strong>ra 3)<br />
O exercício da sexualida<strong>de</strong> basea<strong>do</strong> na concepção <strong>do</strong> amor romântico, e<br />
que prevalece até hoje, influencia tanto as relações permanentes, como no caso <strong>do</strong>s<br />
casamentos chama<strong>do</strong>s monogâmicos, quanto as relações sem cunho legal ou<br />
esporádicas, como vimos nos relatos acima.<br />
Segun<strong>do</strong> Ávila (1998), a concepção <strong>do</strong> amor romântico:<br />
tem implica<strong>do</strong> para as mulheres um lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>spossuimento. A renúncia, o sofrimento, a<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> são elementos constitutivos <strong>do</strong> lugar <strong>do</strong> feminino, enquanto lugar no jogo <strong>do</strong><br />
amor romântico. Nesse jogo <strong>de</strong>sigual, as mulheres são o outro sem <strong>de</strong>sejo, apenas um<br />
corpo para servir a realização <strong>do</strong> <strong>de</strong>sejo alheio (ÁVILA, 1998, p.19).<br />
Para elucidar esses aspectos, reporto-me ao <strong>de</strong>poimento da segunda<br />
colabora<strong>do</strong>ra que mostra extrema resignação <strong>pela</strong> sua condição, após ter si<strong>do</strong> infectada<br />
pelo seu mari<strong>do</strong>.<br />
Parece que não me resta mais nada [a voz ficou muito triste]. (...) Para mim a<br />
única coisa que me resta é ficar com o F. [o mari<strong>do</strong>] até eu morrer, porque ele<br />
também tem AIDS. (...) fui criada para ser esposa, eu não sei fazer outra coisa se<br />
não isto. Acho que se ele tivesse a iniciativa <strong>de</strong> se tratar isto me daria força para<br />
também procurar ajuda. (colabora<strong>do</strong>ra 2)