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O Controle de Licitacoes e Contratos - Governo do Estado do Rio de ...

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O CONTROLE DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS PELOS TRIBUNAIS<br />

DE CONTAS<br />

1 – Introdução<br />

Marianna Montebello Willeman*<br />

Sumário: 1- Introdução; 2 - Vetores <strong>do</strong> controle externo: legalida<strong>de</strong>,<br />

legitimida<strong>de</strong> e economicida<strong>de</strong>; 3 - <strong>Controle</strong> prévio <strong>do</strong>s editais <strong>de</strong> licitação:<br />

a questão <strong>do</strong> art. 113, §2º, da Lei nº 8.666, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1993;<br />

4 - Função corretiva: po<strong>de</strong>r geral <strong>de</strong> cautela e sustação <strong>de</strong> contratos;<br />

5 - <strong>Contratos</strong> <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> convênios e subvenções: a diretriz traçada<br />

pelo Tribunal <strong>de</strong> Contas da União por meio <strong>do</strong> Acórdão nº 1.070, <strong>de</strong> 2003;<br />

6 - Síntese conclusiva.<br />

O Tribunal <strong>de</strong> Contas situa-se no or<strong>de</strong>namento jurídico-constitucional como órgão público<br />

especializa<strong>do</strong> e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte que colabora com o Po<strong>de</strong>r Legislativo no exercício <strong>do</strong> controle da<br />

ativida<strong>de</strong> financeira pública, prestan<strong>do</strong>-lhe auxílio técnico 1 . Cuida-se <strong>do</strong> <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> controle externo<br />

que, à luz <strong>do</strong> art. 70 da Constituição da República <strong>de</strong> 1988, visa a resguardar a probida<strong>de</strong> da<br />

Administração e a regularida<strong>de</strong> da guarda e <strong>do</strong> emprego <strong>do</strong>s bens, valores e dinheiros públicos, assim<br />

como a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> na execução <strong>do</strong> orçamento.<br />

O perfil constitucional <strong>do</strong>s Tribunais <strong>de</strong> Contas acha-se <strong>de</strong>linea<strong>do</strong>, essencialmente, no<br />

capítulo <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> à fiscalização contábil, financeira e orçamentária – arts. 70 e seguintes da<br />

Constituição da República. Por meio <strong>de</strong> tais dispositivos, as atribuições e competências <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong><br />

Contas da União foram substancialmente dilatadas, atingin<strong>do</strong>, por simetria, também os Tribunais <strong>de</strong><br />

Contas <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s, Municípios e Distrito Fe<strong>de</strong>ral. De fato, nunca haviam as Cortes <strong>de</strong> Contas<br />

concentra<strong>do</strong> em suas mãos leque tão abrangente <strong>de</strong> competências, sen<strong>do</strong> a atual Carta Constitucional<br />

responsável por operar uma evolução <strong>de</strong> cento e oitenta graus na sistemática <strong>do</strong> controle externo a cargo<br />

<strong>de</strong> tais colegia<strong>do</strong>s.<br />

A perspectiva inaugurada com a Constituição da República <strong>de</strong> 1988 acerca das atribuições<br />

das Cortes <strong>de</strong> Contas vai ao encontro <strong>do</strong> caráter <strong>de</strong>mocrático e moraliza<strong>do</strong>r <strong>do</strong> novo Texto<br />

Constitucional, em franca ruptura com o mo<strong>de</strong>lo autoritário. Priorizam-se os <strong>de</strong>veres <strong>do</strong> administra<strong>do</strong>r<br />

<strong>de</strong> transparência e retidão no trato da coisa pública.<br />

Conjugan<strong>do</strong>-se os arts. 70 e 71 da Carta Política <strong>de</strong> 1988, resulta que o Congresso Nacional,<br />

com o auxílio <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Contas, exerce a fiscalização contábil, financeira, orçamentária,<br />

operacional e patrimonial da União e das entida<strong>de</strong>s da administração direta e indireta, mediante controle<br />

externo. Seguin<strong>do</strong> as lições <strong>do</strong> Professor Diogo <strong>de</strong> Figueire<strong>do</strong> Moreira Neto 2 , o controle financeiro é o<br />

gênero, <strong>de</strong>stinan<strong>do</strong>-se à fiscalização da disposição administrativa <strong>do</strong>s recursos públicos, envolven<strong>do</strong> o<br />

controle contábil, em seus termos técnicos. O controle orçamentário, por seu turno, importa em<br />

* Procura<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Ministério Público junto ao Tribunal <strong>de</strong> Contas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro. Mestre em Teoria <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e<br />

Direito Constitucional pela PUC-<strong>Rio</strong>. Professora <strong>do</strong> curso <strong>de</strong> graduação da PUC-<strong>Rio</strong>. Trabalho produzi<strong>do</strong> em homenagem ao<br />

estima<strong>do</strong> Professor Francisco Mauro Dias, <strong>de</strong> quem tive a honra <strong>de</strong> ser aluna e orientanda no curso <strong>de</strong> graduação em Direito<br />

e, posteriormente, no mestra<strong>do</strong> em Teoria <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e Direito Constitucional, ambos na Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>do</strong><br />

<strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro. O Professor Francisco Mauro Dias, sem sombra <strong>de</strong> dúvida, influencia intensamente as minhas escolhas<br />

profissionais e acadêmicas e a ele <strong>de</strong>dico este artigo, fruto <strong>de</strong> algumas reflexões com as quais me <strong>de</strong>parei a partir da atuação<br />

como custus legis junto ao Tribunal <strong>de</strong> Contas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro<br />

1 Os Tribunais <strong>de</strong> Contas não são, absolutamente, órgãos auxiliares <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Legislativo. Ao contrário, a partir da<br />

interpretação sistemática <strong>do</strong>s dispositivos que disciplinam tais instituições, percebe-se facilmente que a Constituição <strong>de</strong> 1988<br />

inaugurou um verda<strong>de</strong>iro mecanismo <strong>de</strong> colaboração e cooperação mútua e integrada no que diz respeito ao controle externo<br />

da ativida<strong>de</strong> financeira estatal.<br />

2 Curso <strong>de</strong> Direito Administrativo. <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 11ª edição, 1997, p. 440


assegurar a observância das leis orçamentárias (art. 165 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral) quan<strong>do</strong> da disposição<br />

das verbas públicas. Quanto ao controle operacional, <strong>de</strong>stina-se à supervisão das ativida<strong>de</strong>s<br />

administrativas em cotejo com os resulta<strong>do</strong>s por elas alcança<strong>do</strong>s (busca da eficiência administrativa em<br />

prol <strong>do</strong> bem-estar social). Finalmente, o controle patrimonial objetiva a fiel observância das normas<br />

regula<strong>do</strong>ras da disposição jurídica <strong>do</strong> patrimônio mobiliário e imobiliário <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.<br />

É fácil perceber, a partir <strong>do</strong> exame das competências constitucionalmente outorgadas aos<br />

Tribunais <strong>de</strong> Contas, que é precisamente no campo <strong>do</strong>s contratos administrativos que o controle externo<br />

exerci<strong>do</strong> por tais órgãos apresenta um <strong>de</strong> seus pontos <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque. Nessa perspectiva, o objetivo <strong>do</strong><br />

presente trabalho, sem qualquer pretensão exaustiva, é abordar alguns <strong>do</strong>s principais aspectos<br />

relaciona<strong>do</strong>s aos limites e às possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> atuação das Cortes <strong>de</strong> Contas sobre o procedimento<br />

administrativo licitatório e sobre as contratações administrativas, especialmente à luz da jurisprudência<br />

já firmada pelos Tribunais Superiores a propósito <strong>do</strong> tema.<br />

As reflexões a serem apresentadas terão como ponto <strong>de</strong> partida os três vetores que, nos<br />

termos <strong>do</strong> art. 70 da Constituição da República, <strong>de</strong>vem nortear a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle externo: (i) o<br />

controle <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong>, oportunida<strong>de</strong> em que se enfrentará a discussão quanto à subsistência, ou não, da<br />

orientação pretoriana firmada no Enuncia<strong>do</strong> nº 347 <strong>do</strong> Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral; (ii) o controle <strong>de</strong><br />

legitimida<strong>de</strong>, ainda pouco exerci<strong>do</strong> pelas Cortes <strong>de</strong> Contas, embora constitua uma das mais preciosas<br />

ferramentas <strong>do</strong> controle externo; (iii) e, finalmente, o controle <strong>de</strong> economicida<strong>de</strong>, tema que suscita a<br />

discussão quanto à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> os Tribunais <strong>de</strong> Contas responsabilizarem solidariamente o<br />

particular em hipótese <strong>de</strong> contrato superfatura<strong>do</strong>.<br />

2 – Vetores <strong>do</strong> controle externo: legalida<strong>de</strong>, legitimida<strong>de</strong> e economicida<strong>de</strong>.<br />

O caput <strong>do</strong> art. 70 da Constituição da República <strong>de</strong>ixa claro que o controle externo a ser<br />

exerci<strong>do</strong> com o auxílio técnico <strong>do</strong>s Tribunais <strong>de</strong> Contas transcen<strong>de</strong> a apreciação da legalida<strong>de</strong> formal da<br />

gestão <strong>do</strong>s contratos administrativos, esten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se, necessariamente, aos aspectos <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> e<br />

economicida<strong>de</strong>. Resulta, portanto, que as Cortes <strong>de</strong> Contas, ao examinarem procedimentos licitatórios e<br />

contratos administrativos, <strong>de</strong>vem fazê-lo, por imposição constitucional, sob o tríplice aspecto da<br />

legalida<strong>de</strong>, da legitimida<strong>de</strong> e da economicida<strong>de</strong>, ou seja, proce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a uma “análise global <strong>de</strong> mérito” 3 .<br />

Passan<strong>do</strong> em revista os três aspectos supramenciona<strong>do</strong>s, inicia-se a abordagem pela<br />

legalida<strong>de</strong>, que implica a sujeição <strong>do</strong> administra<strong>do</strong>r público aos mandamentos legais, só lhe sen<strong>do</strong><br />

permiti<strong>do</strong> agir baliza<strong>do</strong> pela lei. Especificamente em termos <strong>de</strong> gestão <strong>de</strong> recursos públicos, o exame da<br />

legalida<strong>de</strong> requer a apreciação da valida<strong>de</strong> formal e da a<strong>de</strong>quação <strong>do</strong>s atos da administração pública em<br />

face <strong>do</strong>s preceitos orçamentários, das normas pertinentes à licitação e contratação administrativa e das<br />

regras <strong>de</strong> direito financeiro, em especial aquelas estabelecidas na Lei <strong>de</strong> Responsabilida<strong>de</strong> Fiscal.<br />

O controle da legalida<strong>de</strong>, entretanto, não se exaure no exame infraconstitucional. É claro que<br />

os Órgãos <strong>de</strong> Contas carecem <strong>de</strong> competência para <strong>de</strong>clarar a inconstitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei ou ato<br />

normativo em abstrato; contu<strong>do</strong>, inci<strong>de</strong>ntalmente, no caso concreto, po<strong>de</strong>m reconhecê-la, inclusive<br />

conforme orientação sumulada pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral 4 . Assim sen<strong>do</strong>, os Tribunais <strong>de</strong> Contas<br />

po<strong>de</strong>m/<strong>de</strong>vem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> aplicar um ato normativo por consi<strong>de</strong>rá-lo inconstitucional. Po<strong>de</strong>m, a<strong>de</strong>mais,<br />

sustar atos pratica<strong>do</strong>s com base em leis inconstitucionais, por força da faculda<strong>de</strong> que lhes atribui o<br />

inciso X <strong>do</strong> art. 71 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Nada obstante a referida orientação pretoriana, o tema relativo à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> os<br />

Tribunais <strong>de</strong> Contas <strong>de</strong>ixarem <strong>de</strong> aplicar leis ou atos normativos que reputem inconstitucionais vem<br />

sen<strong>do</strong> atualmente revisita<strong>do</strong> no âmbito <strong>do</strong> próprio Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em <strong>de</strong>cisões monocráticas<br />

a<strong>do</strong>tadas em manda<strong>do</strong>s <strong>de</strong> segurança envolven<strong>do</strong> a submissão da Petrobrás ao Regulamento <strong>de</strong><br />

Procedimento Licitatório Simplifica<strong>do</strong> (art. 67 da Lei nº 9.478, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1997).<br />

3<br />

Expressão utilizada por Eduar<strong>do</strong> Lobo Botelho Gualazzi. In: Regime Jurídico <strong>do</strong>s Tribunais <strong>de</strong> Contas. São Paulo: Editora<br />

Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 1992, p. 172.<br />

4<br />

Nos termos <strong>do</strong> Enuncia<strong>do</strong> nº 347 <strong>do</strong> Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, o Tribunal <strong>de</strong> Contas, no exercício <strong>de</strong> suas atribuições,<br />

po<strong>de</strong> apreciar a constitucionalida<strong>de</strong> das leis e <strong>do</strong>s atos <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público.


Pois bem. O Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, por enten<strong>de</strong>r que a submissão da Petrobrás a um<br />

procedimento licitatório simplifica<strong>do</strong> atentaria contra disposições constitucionais, <strong>de</strong>terminou que<br />

aquela entida<strong>de</strong> se abstivesse <strong>de</strong> aplicá-lo. Foram impetra<strong>do</strong>s, então, diversos manda<strong>do</strong>s <strong>de</strong> segurança<br />

contra tal <strong>de</strong>terminação <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, oportunida<strong>de</strong> em que se submeteu ao Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral a questão relativa à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> as Cortes <strong>de</strong> Contas, no exercício <strong>de</strong> suas<br />

atribuições, estarem legitimadas a proce<strong>de</strong>rem à apreciação da constitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> leis e atos<br />

normativos.<br />

A matéria vem sen<strong>do</strong> examinada monocraticamente, mas, até o momento, as <strong>de</strong>cisões já<br />

proferidas sobre o assunto fazem referência ao prece<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s, nos autos <strong>do</strong><br />

Manda<strong>do</strong> <strong>de</strong> Segurança n.º 25.888/DF, em que se salienta a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reavaliação da subsistência<br />

<strong>do</strong> Enuncia<strong>do</strong> n.º 347 à luz da or<strong>de</strong>m constitucional instaurada em 1988. Confira-se trecho significativo<br />

<strong>de</strong> sua <strong>de</strong>cisão:<br />

“Não me impressiona o teor da Súmula n° 347 <strong>de</strong>sta Corte, segun<strong>do</strong><br />

a qual ‘o Tribunal <strong>de</strong> Contas, no exercício <strong>de</strong> suas atribuições, po<strong>de</strong><br />

apreciar a constitucionalida<strong>de</strong> das leis e <strong>do</strong>s atos <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público’. A<br />

referida regra sumular foi aprovada na Sessão Plenária <strong>de</strong> 13, <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1963, num contexto constitucional totalmente diferente <strong>do</strong><br />

atual. Até o advento da Emenda Constitucional n° 16, <strong>de</strong> 1965, que<br />

introduziu em nosso sistema o controle abstrato <strong>de</strong> normas, admitia-se<br />

como legítima a recusa, por parte <strong>de</strong> órgãos não-jurisdicionais, à<br />

aplicação da lei consi<strong>de</strong>rada inconstitucional. No entanto, é preciso levar<br />

em conta que o texto constitucional <strong>de</strong> 1988 introduziu uma mudança<br />

radical no nosso sistema <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong>. Em escritos<br />

<strong>do</strong>utrinários, tenho enfatiza<strong>do</strong> que a ampla legitimação conferida ao<br />

controle abstrato, com a inevitável possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se submeter qualquer<br />

questão constitucional ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, operou uma<br />

mudança substancial no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong> até<br />

então vigente no Brasil. Parece quase intuitivo que, ao ampliar, <strong>de</strong> forma<br />

significativa, o círculo <strong>de</strong> entes e órgãos legitima<strong>do</strong>s a provocar o<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, no processo <strong>de</strong> controle abstrato <strong>de</strong> normas,<br />

acabou o constituinte por restringir, <strong>de</strong> maneira radical, a amplitu<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

controle difuso <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong>. A amplitu<strong>de</strong> <strong>do</strong> direito <strong>de</strong><br />

propositura faz com que até mesmo pleitos tipicamente individuais sejam<br />

submeti<strong>do</strong>s ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral mediante ação direta <strong>de</strong><br />

inconstitucionalida<strong>de</strong>. Assim, o processo <strong>de</strong> controle abstrato <strong>de</strong> normas<br />

cumpre entre nós uma dupla função: atua tanto como instrumento <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>fesa da or<strong>de</strong>m objetiva, quanto como instrumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> posições<br />

subjetivas. Assim, a própria evolução <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> controle <strong>de</strong><br />

constitucionalida<strong>de</strong> no Brasil, verificada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, está a <strong>de</strong>monstrar a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se reavaliar a subsistência da Súmula 347 em face da<br />

or<strong>de</strong>m constitucional instaurada com a Constituição <strong>de</strong> 1988.”<br />

Como se percebe, o <strong>de</strong>bate é interessantíssimo não só <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista da atuação <strong>do</strong>s<br />

Tribunais <strong>de</strong> Contas, mas especialmente à luz <strong>do</strong>s próprios mecanismos <strong>de</strong> controle <strong>de</strong><br />

constitucionalida<strong>de</strong> a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s no Brasil. Por enquanto, como já menciona<strong>do</strong>, somente existem <strong>de</strong>cisões<br />

monocráticas a respeito <strong>do</strong> tema, mas em breve a matéria <strong>de</strong>verá ser submetida à apreciação <strong>de</strong> uma das<br />

Turmas <strong>do</strong> Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral ou, quem sabe, será afetada ao Plenário por envolver a possível<br />

revisão <strong>de</strong> um enuncia<strong>do</strong> <strong>do</strong> Tribunal.<br />

Há que se pon<strong>de</strong>rar, porém, que negar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> as Cortes <strong>de</strong> Contas <strong>de</strong>ixarem <strong>de</strong><br />

executar ou <strong>de</strong> aplicar leis ou atos normativos que, fundamentadamente, reputem inconstitucionais<br />

significa negligenciar o princípio da supremacia da Constituição em hipótese em que qualquer outra


forma <strong>de</strong> controle concentra<strong>do</strong> se revela extremamente dificultada. Isso porque os Tribunais <strong>de</strong> Contas,<br />

como se sabe, são órgãos <strong>de</strong>stituí<strong>do</strong>s <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> para suscitar o controle <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong> pela<br />

via direta e, portanto, a prevalecer o entendimento que vem sen<strong>do</strong> majoritário no âmbito da Corte<br />

Suprema, a única alternativa que restaria às Cortes <strong>de</strong> Contas, diante <strong>de</strong> atos ou leis inconstitucionais,<br />

seria executá-los e, ao mesmo tempo, provocar um <strong>do</strong>s legitima<strong>do</strong>s para submeter o tema ao controle<br />

pela via direta.<br />

Retornan<strong>do</strong> ao exame <strong>do</strong>s vetores que, nos termos <strong>do</strong> caput <strong>do</strong> art. 70 da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, norteiam o controle da administração financeira, merece <strong>de</strong>staque o exame <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> a ser<br />

exerci<strong>do</strong> pelas Cortes <strong>de</strong> Contas, importan<strong>do</strong> em confrontar-se a gestão da coisa pública<br />

primordialmente com o atendimento ao <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> interesse público primário 5 , ou seja, aquele<br />

pertencente à coletivida<strong>de</strong> e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> interesse eventualmente diverso da entida<strong>de</strong> pública. Por<br />

sua vez, os interesses secundários <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> – interesses priva<strong>do</strong>s da pessoa estatal – somente po<strong>de</strong>m<br />

ser busca<strong>do</strong>s <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que coincidam com a realização <strong>do</strong>s interesses públicos propriamente ditos, isto é,<br />

<strong>do</strong>s interesses primários. Como observa Diogo <strong>de</strong> Figueire<strong>do</strong> Moreira Neto:<br />

“A legitimida<strong>de</strong>, como se assentou, refere-se diretamente aos<br />

interesses da socieda<strong>de</strong>, mas os interesses públicos secundários <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

também <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s e protegi<strong>do</strong>s como interesses públicos,<br />

que realmente o são; não, porém, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> autônomo, mas na suficiente<br />

medida em que sejam instrumentais para a manutenção ou realização <strong>do</strong>s<br />

interesses públicos primários da socieda<strong>de</strong>.<br />

Tais interesses públicos secundários, <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>s interesses<br />

estatais, são também, por isso, chama<strong>do</strong>s <strong>de</strong> interesses públicos <strong>de</strong>riva<strong>do</strong>s<br />

ou <strong>de</strong> interesses públicos adjetivos. Ambos, interesses públicos,<br />

substantivos e adjetivos, por certo hão <strong>de</strong> ser atendi<strong>do</strong>s, mas esse<br />

atendimento sempre se fará com rigoroso respeito à hierarquia axiológica<br />

da legitimida<strong>de</strong>, pois os adjetivos <strong>de</strong>vem ce<strong>de</strong>r aos substantivos, que são a<br />

própria razão da existência <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>” 6 .<br />

Vê-se, pois, que o controle <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> guarda íntima relação com o fato <strong>de</strong> que os<br />

contratos administrativos <strong>de</strong>vem ser celebra<strong>do</strong>s e geri<strong>do</strong>s consoante os objetivos politicamente aceitos<br />

pela socieda<strong>de</strong>. Sem dúvida alguma, o controle exerci<strong>do</strong> sob o ângulo da legitimida<strong>de</strong> reveste-se <strong>de</strong><br />

extraordinário cunho <strong>de</strong>mocrático, invocan<strong>do</strong> a idéia <strong>de</strong> consensualida<strong>de</strong> na administração pública.<br />

Infelizmente, porém, os Tribunais <strong>de</strong> Contas têm si<strong>do</strong> extremamente tími<strong>do</strong>s no que diz<br />

respeito ao exercício <strong>do</strong> controle <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong>, especialmente no que diz respeito às contratações<br />

administrativas. É compreensível, <strong>de</strong> um la<strong>do</strong>, a forma reticente com que se trata <strong>do</strong> tema, ten<strong>do</strong> em<br />

vista as dificulda<strong>de</strong>s impostas pelo princípio da separação funcional <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res, bem como a<br />

circunstância <strong>de</strong> que é efetivamente o administra<strong>do</strong>r aquele que ostenta representação <strong>de</strong>mocrática para<br />

executar as políticas públicas <strong>de</strong>finidas pelo legisla<strong>do</strong>r. Assim, a opção administrativa <strong>de</strong>ve, <strong>de</strong> fato, ser<br />

respeitada, não caben<strong>do</strong> às Cortes <strong>de</strong> Contas substituírem-se ao administra<strong>do</strong>r público na <strong>de</strong>finição das<br />

priorida<strong>de</strong>s a serem atendidas. Essa é a regra, sem sombra <strong>de</strong> dúvida.<br />

5 Renato Alessi <strong>de</strong>dica-se à tarefa <strong>de</strong> estremar os conceitos <strong>de</strong> interesse público primário e secundário: “Questi interessi<br />

pubblici, collettivi, <strong>de</strong>i quali l’amministrazione <strong>de</strong>ve curare il soddisfacimento, non somo, si noti bene, semplicemente<br />

l’interesse <strong>de</strong>ll’amministrazione intesa come aparato arganizzativo, sibbene quello che è chiamato l’interesse collettivo<br />

primário, formato dal complesso <strong>de</strong>gli interessi individuali prevalenti in uma <strong>de</strong>terminata organizzazio negiuridica<strong>de</strong>lla<br />

collettività, mentre l’interesse <strong>de</strong>ll’aparato, se può esse concepito um interesse <strong>de</strong>ll’aparato unitariamente consi<strong>de</strong>rato,<br />

sarebbe semplicemente uno <strong>de</strong>gli interesse secondari che si fanno sentire in seno allá colletività, e che possono essere<br />

realizzati soltano in caso di coinci<strong>de</strong>nza, e nei limiti di siffatta coinci<strong>de</strong>nza, com l’interesse collettivo primário. La<br />

peculiarità <strong>de</strong>lla posizione giuridica <strong>de</strong>lla publica amministrazione sta appunto in ciò, che la sua funzione consiste nella<br />

realizzazione <strong>de</strong>ll’interesse collettivo, pubblico, primario.” (Principi di Diritto aministrativo. Milano: A. Giuffre, 1966, pp.<br />

200 e 201).<br />

6 Obra citada, p. 560.


Mas, ao mesmo tempo, é imposição constitucional que o controle externo seja exerci<strong>do</strong> sob<br />

o prisma da legitimida<strong>de</strong>. Esse vetor não se encontra positiva<strong>do</strong> na Constituição por mero capricho <strong>do</strong><br />

constituinte; ao contrário, existe uma missão fundamental a ser cumprida, qual seja, a verificação da<br />

compatibilida<strong>de</strong> entre a atuação administrativa e a vonta<strong>de</strong> presente na socieda<strong>de</strong>. Essa imposição não<br />

po<strong>de</strong> ser negligenciada pelos Tribunais <strong>de</strong> Contas, que <strong>de</strong>vem investigar se a opção <strong>do</strong> administra<strong>do</strong>r<br />

efetivamente correspon<strong>de</strong> aos anseios <strong>do</strong> grupo social a ser atingi<strong>do</strong> pela política pública.<br />

Essa tarefa, por óbvio, não é fácil; é, inversamente, um <strong>de</strong>safio que se coloca à atuação <strong>do</strong>s<br />

Tribunais <strong>de</strong> Contas, que <strong>de</strong>vem ser pru<strong>de</strong>ntes na apreciação da legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contratos<br />

administrativos – afinal, seus membros não foram eleitos para <strong>de</strong>finir ou executar políticas públicas –,<br />

mas que não po<strong>de</strong>m, absolutamente, ignorar a missão constitucional que lhes foi conferida.<br />

Finalmente, o terceiro vetor enfatiza<strong>do</strong> pelo Texto Constitucional como orienta<strong>do</strong>r da<br />

ativida<strong>de</strong> controla<strong>do</strong>ra é o da economicida<strong>de</strong>. Parte-se da premissa <strong>de</strong> que, para que a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

controle seja completa, é necessário, a par <strong>de</strong> sua realização <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista quantitativo, também se<br />

proce<strong>de</strong>r a uma análise qualitativa, perquirin<strong>do</strong>-se em quê, quan<strong>do</strong> e para quê foram as receitas<br />

aplicadas, sem olvidar <strong>do</strong> exame da avaliação <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong> baliza<strong>do</strong> pela concepção <strong>do</strong> custo / benefício.<br />

Percebe-se, pois, que a idéia da economicida<strong>de</strong> está intimamente relacionada à operacionalização com o<br />

menor custo possível; ou seja, é mister investigar se não há para aquele mesmo gasto solução alternativa<br />

mais barata e igualmente eficaz.<br />

Verifican<strong>do</strong> o Tribunal <strong>de</strong> Contas que um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> contrato administrativo revela-se<br />

antieconômico, abrem-se duas possibilida<strong>de</strong>s: (i) em sen<strong>do</strong> viável, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, no âmbito da própria<br />

Corte <strong>de</strong> Contas, apurar-se o dano causa<strong>do</strong> ao erário e i<strong>de</strong>ntificar-se o responsável, <strong>de</strong>ve-se converter o<br />

procedimento <strong>de</strong> exame <strong>do</strong> contrato em procedimento <strong>de</strong> Tomada <strong>de</strong> Contas ex officio, com imputação<br />

<strong>do</strong> débito ao responsável e aplicação <strong>de</strong> multa; (ii) por sua vez, não sen<strong>do</strong> possível a quantificação <strong>do</strong><br />

dano a partir <strong>do</strong>s elementos constantes <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> análise <strong>do</strong> contrato, caberá ao Tribunal<br />

<strong>de</strong>terminar ao órgão <strong>de</strong> controle interno que instaure Tomada <strong>de</strong> Contas Especial, visan<strong>do</strong> à<br />

quantificação <strong>do</strong> dano e apuração da responsabilida<strong>de</strong>.<br />

Questão interessante a ser explorada diz respeito à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se imputar o débito<br />

<strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> um contrato antieconômico também ao particular/contrata<strong>do</strong>. Vale dizer, po<strong>de</strong>riam os<br />

Tribunais <strong>de</strong> Contas imputar a responsabilida<strong>de</strong> pelo dano causa<strong>do</strong> ao erário solidariamente ao<br />

administra<strong>do</strong>r público e ao contrata<strong>do</strong>?<br />

Em se tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> contratação direta superfaturada, não há espaço para qualquer dúvida,<br />

pois a solidarieda<strong>de</strong> encontra-se prevista expressamente na Lei nº 8.666, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1993,<br />

po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> – e <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> – ser aplicada no momento <strong>do</strong> exercício <strong>do</strong> controle externo. Confira-se, a esse<br />

respeito, a norma <strong>do</strong> art. 25, §2º, <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> diploma legal:<br />

“Art. 25. É inexigível a licitação quan<strong>do</strong> houver inviabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

competição, em especial:<br />

(...).<br />

§2º. Na hipótese <strong>de</strong>ste artigo e em qualquer <strong>do</strong>s casos <strong>de</strong> dispensa, se<br />

comprova<strong>do</strong> superfaturamento, respon<strong>de</strong>m solidariamente pelo dano<br />

causa<strong>do</strong> à Fazenda Pública o fornece<strong>do</strong>r ou o presta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> serviços e o<br />

agente público responsável, sem prejuízo <strong>de</strong> outras sanções legais<br />

cabíveis.”<br />

– Os grifos não são <strong>do</strong> original –<br />

Por sua vez, em hipótese <strong>de</strong> contratação antieconômica <strong>de</strong>vidamente precedida <strong>de</strong><br />

procedimento licitatório, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> imputação <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> solidária ao administra<strong>do</strong>r<br />

público e ao presta<strong>do</strong>r <strong>do</strong> serviço ou fornece<strong>do</strong>r encontra fundamento legal no art. 16, §2º, da Lei<br />

nº 8.443, <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1992 (Lei Orgânica <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Contas da União), que prevê<br />

expressamente a solidarieda<strong>de</strong> entre o agente público responsável e o terceiro contratante em caso <strong>de</strong><br />

julgamento <strong>de</strong> contas irregulares por ato <strong>de</strong> gestão antieconômico. Confira-se:


“Art. 16. As contas serão julgadas:<br />

(...);<br />

III - irregulares, quan<strong>do</strong> comprovada qualquer das seguintes ocorrências:<br />

(...);<br />

c) dano ao erário <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> ato <strong>de</strong> gestão ilegítimo ao antieconômico;<br />

d) <strong>de</strong>sfalque ou <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> dinheiros, bens ou valores públicos.<br />

(...).<br />

§ 2° Nas hipóteses <strong>do</strong> inciso III, alíneas c e d <strong>de</strong>ste artigo, o Tribunal, ao<br />

julgar irregulares as contas, fixará a responsabilida<strong>de</strong> solidária:<br />

a) <strong>do</strong> agente público que praticou o ato irregular, e<br />

b) <strong>do</strong> terceiro que, como contratante ou parte interessada na prática <strong>do</strong><br />

mesmo ato, <strong>de</strong> qualquer mo<strong>do</strong> haja concorri<strong>do</strong> para o cometimento <strong>do</strong><br />

dano apura<strong>do</strong>.”<br />

– Os grifos não são <strong>do</strong> original –<br />

O entendimento que tem prevaleci<strong>do</strong> no âmbito <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Contas da União perfilha, <strong>de</strong><br />

fato, a inequívoca possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a responsabilida<strong>de</strong> solidária entre gestor público e contrata<strong>do</strong> ser<br />

imposta no momento <strong>do</strong> exercício <strong>do</strong> controle externo, valen<strong>do</strong> citar, a título <strong>de</strong> ilustração, duas <strong>de</strong>cisões<br />

plenárias que enfrentaram o tema, essencialmente sob a perspectiva da restrição prevista no art. 25, §2º,<br />

<strong>do</strong> Estatuto <strong>de</strong> Licitações e <strong>Contratos</strong> Administrativos:<br />

“Embora o dispositivo menciona<strong>do</strong> somente faça alusão às<br />

hipóteses <strong>de</strong> dispensa e inexigibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> licitação, insustentável se<br />

afigura <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r tese em que se apregoe a responsabilida<strong>de</strong> exclusiva da<br />

Administração quanto à <strong>de</strong>tecção <strong>de</strong> preços superfatura<strong>do</strong>s em convites,<br />

tomadas <strong>de</strong> preços e concorrências, e se pretenda partilhar tal<br />

responsabilida<strong>de</strong> também com os fornece<strong>do</strong>res nas situações em que a<br />

licitação não ocorre. Se o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> zelar pelos preços justos fosse<br />

exclusivo da Administração, assim o seria em todas as situações.”<br />

(Acórdão Tribunal <strong>de</strong> Contas da União nº 15, <strong>de</strong> 2002).<br />

“Em que pese não haver, no Estatuto das Licitações, dispositivo<br />

expresso acerca <strong>de</strong> imputação <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> solidária <strong>do</strong><br />

contrata<strong>do</strong> e <strong>do</strong> agente público, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> superfaturamento nos<br />

contratos <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> procedimentos licitatórios, uma interpretação<br />

sistemática da Lei n.º 8.666, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1993 permite concluir que<br />

a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> responsabilização é extensiva a to<strong>do</strong>s os contratos<br />

administrativos, mesmo não se tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> contratação direta. Isso,<br />

porque a licitação <strong>de</strong>stina-se a selecionar a proposta mais vantajosa para<br />

a Administração (art. 3º da Lei nº 8.666, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1993). Se os<br />

valores contrata<strong>do</strong>s forem superiores aos <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>, não se terá, por<br />

conseguinte, logra<strong>do</strong> obter o proveito almeja<strong>do</strong>, pelo contrário, a<br />

vantagem <strong>de</strong>sejada terá cedi<strong>do</strong> lugar ao prejuízo para a Administração<br />

Pública, impon<strong>do</strong>-se, pois, àquele que lhe <strong>de</strong>u causa, nos termos <strong>do</strong> art.<br />

159 <strong>do</strong> Código Civil, a obrigação <strong>de</strong> reparar o dano. Nessa linha <strong>de</strong><br />

raciocínio, a Lei <strong>de</strong> Licitações, ao tipificar as condutas penalmente<br />

relevantes, capitulou como criminosa, em seu art. 96, a ação <strong>de</strong> 'fraudar,<br />

em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para aquisição ou<br />

venda <strong>de</strong> bens ou merca<strong>do</strong>rias, ou contrato <strong>de</strong>la <strong>de</strong>corrente: I - elevan<strong>do</strong><br />

arbitrariamente os preços; (...) V - tornan<strong>do</strong>, por qualquer mo<strong>do</strong>,<br />

injustamente, mais onerosa a proposta ou a execução <strong>do</strong> contrato'. No<br />

caso, a frau<strong>de</strong>, conforme ensinamento <strong>de</strong> Marçal Justen Filho (ob. cit., p.<br />

613), refere-se justamente à finalida<strong>de</strong> da licitação, por frustrar o intento


<strong>de</strong> alcançar a proposta mais vantajosa, lesan<strong>do</strong> o interesse patrimonial da<br />

Administração.” (Acórdão Tribunal <strong>de</strong> Contas da União n.º 189, <strong>de</strong>2001).<br />

Analisa<strong>do</strong>, portanto, o <strong>de</strong>lineamento aplicável à ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle externo sobre<br />

contratos administrativos a partir <strong>do</strong>s três vetores constitucionais, nos termos previstos no artigo 70,<br />

caput, da Constituição da República, passa-se, <strong>do</strong>ravante, ao exame da controvérsia existente em torno<br />

da interpretação da norma <strong>do</strong> art. 113, §2º, da Lei <strong>de</strong> Licitações e <strong>Contratos</strong> Administrativos,<br />

envolven<strong>do</strong> a possibilida<strong>de</strong>, ou não, <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> controle prévio sobre editais <strong>de</strong> licitação.<br />

3 – <strong>Controle</strong> prévio <strong>do</strong>s editais <strong>de</strong> licitação: a questão <strong>do</strong> art. 113, §2º, da Lei nº 8.666,<br />

<strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1993.<br />

Cumpre mencionar, ainda no que tange à fiscalização exercida sobre as contratações<br />

administrativas, a norma pertinente ao controle <strong>do</strong>s editais <strong>de</strong> licitação, prevista no art. 113, §2º, da Lei<br />

n.º 8.666, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1993 7 , segun<strong>do</strong> a qual os Tribunais <strong>de</strong> Contas po<strong>de</strong>rão solicitar para exame,<br />

até o dia útil imediatamente anterior à data <strong>de</strong> recebimento das propostas, cópia <strong>do</strong> edital <strong>de</strong> licitação já<br />

publica<strong>do</strong>, obrigan<strong>do</strong>-se os órgãos ou entida<strong>de</strong>s da Administração interessada à a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> medidas<br />

corretivas pertinentes que, em função <strong>de</strong>sse exame, lhe forem <strong>de</strong>terminadas.<br />

Pois bem. Antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver especificamente o tema ora proposto, é importante registrar<br />

que existem basicamente três mo<strong>de</strong>los distintos <strong>de</strong> controle externo no direito compara<strong>do</strong>, que se<br />

diferenciam pelo momento <strong>de</strong> seu exercício. No sistema francês, a fiscalização exercida pelas Cours <strong>de</strong>s<br />

Comptes é repressiva, operan<strong>do</strong>-se a posteriori, ou seja, após efetuada a <strong>de</strong>spesa. O mo<strong>de</strong>lo italiano, por<br />

sua vez, a<strong>do</strong>ta a fiscalização preventiva <strong>do</strong>s atos administrativos, <strong>de</strong> forma que, sem o registro no<br />

Tribunal <strong>de</strong> Contas, o ato não produz os efeitos pretendi<strong>do</strong>s. Por fim, um mo<strong>de</strong>lo intermediário é<br />

segui<strong>do</strong> pela Bélgica, em que a fiscalização é preventiva, porém sem a rigi<strong>de</strong>z italiana. Se o<br />

administra<strong>do</strong>r insistir na prática <strong>do</strong> ato, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da ausência <strong>de</strong> registro pela Corte <strong>de</strong><br />

Contas, o faz sob sua total responsabilida<strong>de</strong>.<br />

O sistema <strong>de</strong> controle externo a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> pela Constituição da República <strong>de</strong> 1988 segue<br />

essencialmente o mo<strong>de</strong>lo francês <strong>de</strong> contrasteação: a fiscalização opera-se a posteriori. Assim,<br />

consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que não há constitucionalmente prevista hipótese <strong>de</strong> controle prévio a ser exerci<strong>do</strong> pelos<br />

Tribunais <strong>de</strong> Contas, discute-se sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tais colegia<strong>do</strong>s exigirem o encaminhamento<br />

prévio <strong>do</strong>s editais <strong>de</strong> licitação para registro. É dizer, questiona-se a constitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas<br />

<strong>de</strong>liberações que exigem, genericamente, a submissão prévia <strong>de</strong> editais <strong>de</strong> licitação – notadamente<br />

editais <strong>de</strong> concorrência – aos Tribunais <strong>de</strong> Contas, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> o registro <strong>de</strong> tais instrumentos como<br />

pressuposto inafastável para o prosseguimento <strong>do</strong> certame licitatório 8 .<br />

Inicialmente, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, aprecian<strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> formula<strong>do</strong> em se<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

suspensão <strong>de</strong> segurança 9 , cassou medida liminar concedida pelo Tribunal <strong>de</strong> Justiça local que<br />

<strong>de</strong>terminava que o Tribunal <strong>de</strong> Contas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro se abstivesse <strong>de</strong> examinar<br />

7 “Os Tribunais <strong>de</strong> Contas e órgãos integrantes <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> controle interno po<strong>de</strong>rão solicitar para exame, até o dia útil<br />

imediatamente anterior à data <strong>de</strong> recebimento das propostas, cópia <strong>do</strong> edital <strong>de</strong> licitação já publica<strong>do</strong>, obrigan<strong>do</strong>-se os órgãos<br />

ou entida<strong>de</strong>s da Administração interessada à a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> medidas corretivas pertinentes que, em função <strong>de</strong>sse exame, lhes<br />

forem <strong>de</strong>terminadas”.<br />

8 A constitucionalida<strong>de</strong> da própria norma <strong>do</strong> art. 113, §2º, da Lei <strong>de</strong> Licitações e Contrato Administrativos encontra-se<br />

questionada perante o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral nos autos da ADI n.º 934, ajuizada pela Mesa da Assembléia Legislativa <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Paraná. Sustenta-se, precisamente, que tal dispositivo estaria a negligenciar a regra <strong>do</strong> controle repressivo a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong><br />

pela Constituição da República, importan<strong>do</strong> em vulneração ao princípio da separação funcional <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res, na medida em<br />

que autorizaria a intervenção ilegítima das Cortes <strong>de</strong> Contas sobre a ativida<strong>de</strong> administrativa. Com a <strong>de</strong>vida vênia, não se<br />

po<strong>de</strong> concordar com tal linha <strong>de</strong> argumentação. De fato, a Constituição da República não contemplou, como regra, o controle<br />

preventivo da ativida<strong>de</strong> administrativa financeira pelos Tribunais <strong>de</strong> Contas, mas previu inúmeras hipóteses <strong>de</strong> controle<br />

concomitante, especialmente por meio <strong>de</strong> auditorias e inspeções. Ora, a solicitação para exame <strong>de</strong> um edital <strong>de</strong> licitação para<br />

exercício <strong>de</strong> controle externo concomitante não representa qualquer vulneração aos mecanismos <strong>de</strong> controle consagra<strong>do</strong>s pela<br />

Constituição. Muito ao contrário, trata-se <strong>de</strong> medida salutar que, exercida com razoabilida<strong>de</strong>, só vem a resguardar e a<br />

fortalecer a própria ativida<strong>de</strong> administrativa.<br />

9 Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, SS 1308/RJ.


previamente qualquer procedimento licitatório envolven<strong>do</strong> a concessão <strong>do</strong> serviço público <strong>de</strong><br />

saneamento básico. Na oportunida<strong>de</strong>, ao <strong>de</strong>ferir a suspensão <strong>de</strong> segurança, o então Presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong><br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, Min. Celso <strong>de</strong> Mello, salientou que: “torna-se evi<strong>de</strong>nte que essa proibição<br />

genérica, imposta pela liminar ora questionada, frustra, por completo, com grave prejuízo para o<br />

interesse público, a atuação <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Contas. Cabe enfatizar que a presunção juris tantum <strong>de</strong><br />

legitimida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s atos <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público não <strong>de</strong>ve impedir que o Tribunal <strong>de</strong> Contas exerça, em<br />

plenitu<strong>de</strong>, a ação fiscaliza<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> que foi incumbi<strong>do</strong> pela Lei Fundamental da República. Essa<br />

interdição genérica, fundada na liminar mandamental em causa, parece ofen<strong>de</strong>r a competência<br />

institucional <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Contas, por neutralizar, in<strong>de</strong>vidamente, o <strong>de</strong>sempenho da insuprimível<br />

atribuição fiscaliza<strong>do</strong>ra que, às Cortes <strong>de</strong> Contas, assiste no sistema <strong>de</strong> direito constitucional positivo<br />

vigente no Brasil, especialmente se se consi<strong>de</strong>rarem os paradigmas ético-jurídicos que <strong>de</strong>vem pautar a<br />

atuação <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público.”<br />

Em igual senti<strong>do</strong> já se pronunciou o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, nos autos <strong>do</strong> Recurso<br />

Ordinário em Manda<strong>do</strong> <strong>de</strong> Segurança n.º 17.996/RJ, ao manter multa aplicada pelo Órgão <strong>de</strong> Contas a<br />

agente público que <strong>de</strong>ixara <strong>de</strong> cumprir <strong>de</strong>terminação no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> encaminhamento, para apreciação<br />

prévia, <strong>de</strong> edital <strong>de</strong> licitação. Vejam-se trechos significativos <strong>do</strong> julga<strong>do</strong>:<br />

“É sabi<strong>do</strong> que, com a promulgação da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 o<br />

controle <strong>do</strong>s atos pratica<strong>do</strong>s pelos agentes públicos passou a ser exerci<strong>do</strong><br />

com maior amplitu<strong>de</strong> pelos Tribunais <strong>de</strong> Contas, ou seja, estes passaram a<br />

ter um maior controle preventivo visan<strong>do</strong> fazer cumprir postula<strong>do</strong> inscrito<br />

na Carta Maior, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que os atos administrativos a serem<br />

pratica<strong>do</strong>s passassem a obe<strong>de</strong>cer, rigorosamente, ao princípio da<br />

moralida<strong>de</strong>.<br />

(...).<br />

A evolução <strong>do</strong> controle exerci<strong>do</strong> pelos Tribunais <strong>de</strong> Contas, quer fe<strong>de</strong>rais,<br />

estaduais assim como municipais, nos mostra que esse controle, além <strong>de</strong><br />

preventivo, reveste-se <strong>de</strong> caráter educativo, impedin<strong>do</strong> o malferimento aos<br />

princípios da legalida<strong>de</strong>, eficiência e a to<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>mais postos na Lei <strong>de</strong><br />

Licitações. Temos aqui o que <strong>de</strong>nominamos <strong>de</strong> princípios implícitos <strong>do</strong><br />

controle da licitação uma vez que esta não é apenas controlada a<br />

posteriori mas, também, a priori, constituin<strong>do</strong>-se, pois, um fator a<br />

prestigiar a moralida<strong>de</strong> na prática <strong>do</strong> ato administrativo.”<br />

Tal <strong>de</strong>cisão proferida pelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, porém, veio a ser reformada pelo<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que modificou seu entendimento sobre a matéria. Eis a ementa <strong>do</strong> acórdão,<br />

proferi<strong>do</strong> pela 1ª Turma <strong>do</strong> Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, sob a relatoria <strong>do</strong> Min. Menezes Direito:<br />

“Tribunal <strong>de</strong> Contas estadual. <strong>Controle</strong> prévio das licitações.<br />

Competência privativa da União (art. 22, XXVII, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral). Legislação fe<strong>de</strong>ral e estadual compatíveis. Exigência in<strong>de</strong>vida<br />

feita por ato <strong>do</strong> Tribunal que impõe controle prévio sem que haja<br />

solicitação para a remessa <strong>do</strong> edital antes <strong>de</strong> realizada a licitação.<br />

1. O art. 22, XXVII, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral dispõe ser da União,<br />

privativamente, a legislação sobre normas gerais <strong>de</strong> licitação e<br />

contratação.<br />

2. A Lei fe<strong>de</strong>ral nº 8.666, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1993 autoriza o controle<br />

prévio quan<strong>do</strong> houver solicitação <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Contas para a remessa<br />

<strong>de</strong> cópia <strong>do</strong> edital <strong>de</strong> licitação já publica<strong>do</strong>.<br />

3. A exigência feita por atos normativos <strong>do</strong> Tribunal sobre a<br />

remessa prévia <strong>do</strong> edital, sem nenhuma solicitação, inva<strong>de</strong> a competência


legislativa distribuída pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral, já exercida pela Lei<br />

fe<strong>de</strong>ral nº 8.666, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1993, que não contém essa exigência.<br />

4. Recurso extraordinário provi<strong>do</strong> para conce<strong>de</strong>r a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong><br />

segurança 10 .<br />

No referi<strong>do</strong> julgamento, foram assentadas algumas premissas importantes, quais sejam: (i)<br />

em primeiro lugar, enfatizou-se a competência privativa da União para legislar sobre normas gerais <strong>de</strong><br />

licitação e contratação (Constituição Fe<strong>de</strong>ral, art. 22, XXVII) e o fato <strong>de</strong> a Lei <strong>de</strong> Licitações não impor o<br />

menciona<strong>do</strong> controle prévio sem que exista solicitação para a remessa <strong>do</strong> edital antes <strong>de</strong> realizada a<br />

licitação; (ii) consi<strong>de</strong>rou-se incabível, tanto <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista lógico, quanto <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista formal,<br />

que os Po<strong>de</strong>res Executivo e Judiciário, em cada procedimento <strong>de</strong> licitação, sejam obriga<strong>do</strong>s a<br />

encaminhar, previamente, ao Tribunal <strong>de</strong> Contas estadual os editais <strong>de</strong> licitação, bem como ficar<br />

aguardan<strong>do</strong> a aprovação, ou não, da legalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> certame, concluin<strong>do</strong>-se que a exigência feita por atos<br />

normativos estaduais sobre a remessa prévia <strong>do</strong> edital, sem qualquer solicitação específica, invadiria a<br />

competência legislativa distribuída pela Constituição, já exercida pela Lei nº 8.666, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong><br />

1993, que não contém essa <strong>de</strong>terminação; (iii) fixou-se, em linha <strong>de</strong> princípio, ser perfeitamente<br />

legítimo aos Tribunais <strong>de</strong> Contas solicitarem, casuisticamente, a remessa <strong>de</strong> editais <strong>de</strong> licitação,<br />

haven<strong>do</strong>, em verda<strong>de</strong>, interdição a que a <strong>de</strong>terminação seja feita <strong>de</strong> forma genérica.<br />

Ora, a partir das premissas assentadas, é fácil concluir que a posição a<strong>do</strong>tada pelo Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral foi, pura e simplesmente, <strong>de</strong> reverência à norma <strong>do</strong> art. 113, §2º, da Lei nº 8.666, <strong>de</strong> 21<br />

<strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1993: consi<strong>de</strong>rou ilegítimo o ato normativo que exigia, genericamente, o encaminhamento<br />

prévio <strong>de</strong> editais <strong>de</strong> licitação ao Tribunal <strong>de</strong> Contas estadual, mas admitiu que, em casos concretos,<br />

mediante solicitação específica, esse controle –concomitante – seja realiza<strong>do</strong>.<br />

4 – A função corretiva: po<strong>de</strong>r geral <strong>de</strong> cautela e sustentação <strong>de</strong> contratos<br />

Como já se examinou, com base nas competências atribuídas constitucionalmente aos<br />

Tribunais <strong>de</strong> Contas, e visan<strong>do</strong> a possibilitar o exercício <strong>do</strong> controle externo, as Leis Orgânicas <strong>de</strong> tais<br />

órgãos estabelecem, como regra, a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> serem encaminha<strong>do</strong>s, para análise e registro, os<br />

atos, contratos e <strong>de</strong>mais instrumentos que importem em dispêndio <strong>de</strong> recursos públicos por parte das<br />

unida<strong>de</strong>s sujeitas à sua fiscalização. Normalmente, também se exige o encaminhamento aos órgãos <strong>de</strong><br />

contas <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os atos <strong>de</strong> dispensa e inexigibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> licitação, exatamente para que se viabilize o<br />

controle da contratação direta.<br />

No exercício <strong>de</strong> tal atribuição, as Cortes <strong>de</strong> Contas examinam os atos e contratos sob a<br />

tríplice ótica da legalida<strong>de</strong>, legitimida<strong>de</strong> e economicida<strong>de</strong> e, caso não encontrem qualquer<br />

irregularida<strong>de</strong>, proce<strong>de</strong>m ao seu registro.<br />

Por sua vez, caso constatem a existência <strong>de</strong> alguma irregularida<strong>de</strong>, os Tribunais passam a<br />

exercer a <strong>de</strong>nominada ativida<strong>de</strong> “corretiva” ou “or<strong>de</strong>natória”, que se verifica (i) quan<strong>do</strong> a Corte assina<br />

prazo para que o órgão ou entida<strong>de</strong> sob sua fiscalização a<strong>do</strong>te as providências necessárias ao exato<br />

cumprimento da lei; e (ii) quan<strong>do</strong> o Tribunal susta a execução <strong>do</strong> ato impugna<strong>do</strong>, comunican<strong>do</strong>-se a<br />

<strong>de</strong>cisão ao Po<strong>de</strong>r Legislativo, na hipótese <strong>de</strong> a sua <strong>de</strong>terminação anterior não ter si<strong>do</strong> atendida 11 .<br />

Nas hipóteses em que o ato impugna<strong>do</strong> pelo Tribunal envolva situações jurídicas subjetivas<br />

em favor <strong>de</strong> terceiros, é imprescindível que se observe o <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> processo legal, asseguran<strong>do</strong>-se aos<br />

interessa<strong>do</strong>s oportunida<strong>de</strong> para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>rem suas posições, em atenção aos princípios constitucionais <strong>do</strong><br />

contraditório e da ampla <strong>de</strong>fesa. Nesse senti<strong>do</strong>, inclusive, foi edita<strong>do</strong> o Enuncia<strong>do</strong> n.º 3 da Súmula<br />

Vinculante <strong>do</strong> Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, verbis: “Nos processos perante o Tribunal <strong>de</strong> Contas da União<br />

asseguram-se o contraditório e a ampla <strong>de</strong>fesa quan<strong>do</strong> da <strong>de</strong>cisão pu<strong>de</strong>r resultar anulação ou revogação<br />

10 RE 547.063, julga<strong>do</strong> em 08 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2008, sem trânsito em julga<strong>do</strong> até a data <strong>de</strong> finalização <strong>do</strong> presente trabalho.<br />

11 Art. 71, incisos IX e X, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.


<strong>de</strong> ato administrativo que beneficie o interessa<strong>do</strong>, excetuada a apreciação da legalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ato <strong>de</strong><br />

concessão inicial <strong>de</strong> aposenta<strong>do</strong>ria, reforma e pensão” 12 .<br />

É interessante observar, a propósito <strong>do</strong> tema, que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral tem admiti<strong>do</strong>,<br />

com base na teoria <strong>do</strong>s po<strong>de</strong>res implícitos, o exercício <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r geral <strong>de</strong> cautela por parte <strong>do</strong>s Tribunais<br />

<strong>de</strong> Contas, permitin<strong>do</strong> a expedição <strong>de</strong> medidas cautelares visan<strong>do</strong> a garantir a eficácia <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>cisões<br />

finais e prevenir lesão ao patrimônio público. Confira-se a ementa <strong>do</strong> leading case versan<strong>do</strong> a matéria:<br />

“Procedimento Licitatório. Impugnação. Competência <strong>do</strong> Tribunal<br />

<strong>de</strong> Contas da União. Cautelares. Contraditório. Ausência <strong>de</strong> Instrução.<br />

1- Os participantes <strong>de</strong> licitação têm direito à fiel observância <strong>do</strong><br />

procedimento estabeleci<strong>do</strong> na lei e po<strong>de</strong>m impugná-lo administrativa ou<br />

judicialmente. Preliminar <strong>de</strong> ilegitimida<strong>de</strong> ativa rejeitada.<br />

2- Inexistência <strong>de</strong> direito líqui<strong>do</strong> e certo. O Tribunal <strong>de</strong> Contas da<br />

União tem competência para fiscalizar procedimentos <strong>de</strong> licitação,<br />

<strong>de</strong>terminar suspensão cautelar (arts. 4º e 113, § 1º e 2º da Lei nº 8.666, <strong>de</strong><br />

21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1993), examinar editais <strong>de</strong> licitação publica<strong>do</strong>s e, nos<br />

termos <strong>do</strong> art. 276 <strong>do</strong> seu Regimento Interno, possui legitimida<strong>de</strong> para a<br />

expedição <strong>de</strong> medidas cautelares para prevenir lesão ao erário e garantir<br />

a efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>cisões.<br />

3- A <strong>de</strong>cisão encontra-se fundamentada nos <strong>do</strong>cumentos acosta<strong>do</strong>s<br />

aos autos da Representação e na legislação aplicável. 4- Violação ao<br />

contraditório e falta <strong>de</strong> instrução não caracterizadas. Denegada a<br />

or<strong>de</strong>m.” (Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, MS 24.510/DF)<br />

A função corretiva das Cortes <strong>de</strong> Contas, no entanto, fica mitigada quan<strong>do</strong> o ato impugna<strong>do</strong><br />

seja bilateral e negocial. Em se tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> contrato administrativo, o ato <strong>de</strong> sustação <strong>de</strong>verá ser a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong><br />

diretamente pelo Po<strong>de</strong>r Legislativo, que solicitará, <strong>de</strong> imediato, ao Po<strong>de</strong>r Executivo as medidas cabíveis,<br />

conforme se infere <strong>do</strong> §1º <strong>do</strong> art. 71 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Complementan<strong>do</strong> a fiscalização <strong>do</strong>s contratos pelo Colegia<strong>do</strong> <strong>de</strong> Contas, dispõe o §2º <strong>do</strong><br />

mesmo art. 71: “Se o Congresso Nacional ou o Po<strong>de</strong>r Executivo, no prazo <strong>de</strong> noventa dias, não efetivar<br />

as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal <strong>de</strong>cidirá a respeito”.<br />

12 Confira-se o seguinte julga<strong>do</strong> <strong>do</strong> Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que enfrenta, com <strong>de</strong>talhes, o tema pertinente à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

se assegurar o princípio da ampla <strong>de</strong>fesa nos processos <strong>de</strong> controle que possam afetar interesses <strong>de</strong> terceiros, estabelecen<strong>do</strong>,<br />

inclusive, a aplicação subsidiária da lei geral <strong>de</strong> processo administrativo fe<strong>de</strong>ral – Lei n.º 9.784, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1999 –<br />

aos procedimentos <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Contas: “EMENTA: I. Tribunal <strong>de</strong> Contas: competência: contratos administrativos<br />

(Constituição Fe<strong>de</strong>ral, art. 71, IX e §§ 1º e 2º). O Tribunal <strong>de</strong> Contas da União - embora não tenha po<strong>de</strong>r para anular ou<br />

sustar contratos administrativos - tem competência, conforme o art. 71, IX, para <strong>de</strong>terminar à autorida<strong>de</strong> administrativa que<br />

promova a anulação <strong>do</strong> contrato e, se for o caso, da licitação <strong>de</strong> que se originou. II. Tribunal <strong>de</strong> Contas: processo <strong>de</strong><br />

representação funda<strong>do</strong> em invalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contrato administrativo: incidência das garantias <strong>do</strong> <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> processo legal e <strong>do</strong><br />

contraditório e ampla <strong>de</strong>fesa, que impõem assegurar aos interessa<strong>do</strong>s, a começar <strong>do</strong> particular contratante, a ciência <strong>de</strong> sua<br />

instauração e as intervenções cabíveis. Decisão pelo Tribunal <strong>de</strong> Contas da União <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> representação, <strong>do</strong> que<br />

resultou injunção à autarquia para anular licitação e o contrato já celebra<strong>do</strong> e em começo <strong>de</strong> execução com a licitante<br />

vence<strong>do</strong>ra, sem que a essa sequer se <strong>de</strong>sse ciência <strong>de</strong> sua instauração: nulida<strong>de</strong>. Os mais elementares corolários da garantia<br />

constitucional <strong>do</strong> contraditório e da ampla <strong>de</strong>fesa são a ciência dada ao interessa<strong>do</strong> da instauração <strong>do</strong> processo e a<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se manifestar e produzir ou requerer a produção <strong>de</strong> provas; <strong>de</strong> outro la<strong>do</strong>, se se impõe a garantia <strong>do</strong> <strong>de</strong>vi<strong>do</strong><br />

processo legal aos procedimentos administrativos comuns, a fortiori, é irrecusável que a ela há <strong>de</strong> submeter-se o <strong>de</strong>sempenho<br />

<strong>de</strong> todas as funções <strong>de</strong> controle <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Contas, <strong>de</strong> colori<strong>do</strong> quase - jurisdicional. A incidência imediata das garantias<br />

constitucionais referidas dispensariam previsão legal expressa <strong>de</strong> audiência <strong>do</strong>s interessa<strong>do</strong>s; <strong>de</strong> qualquer mo<strong>do</strong>, nada exclui<br />

os procedimentos <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Contas da aplicação subsidiária da lei geral <strong>de</strong> processo administrativo fe<strong>de</strong>ral (Lei<br />

nº 9.784, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1999), que assegura aos administra<strong>do</strong>s, entre outros, o direito a ‘ter ciência da tramitação <strong>do</strong>s<br />

processos administrativos em que tenha a condição <strong>de</strong> interessa<strong>do</strong>, ter vista <strong>do</strong>s autos (art. 3º, II), formular alegações e<br />

apresentar <strong>do</strong>cumentos antes da <strong>de</strong>cisão, os quais serão objeto <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ração pelo órgão competente’. A oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>fesa assegurada ao interessa<strong>do</strong> há <strong>de</strong> ser prévia à <strong>de</strong>cisão, não lhe suprin<strong>do</strong> a falta a admissibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recurso, mormente<br />

quan<strong>do</strong> o único admissível é o <strong>de</strong> reexame pelo mesmo plenário <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, <strong>de</strong> que emanou a <strong>de</strong>cisão”.<br />

(Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, MS 23.550/DF).


O dispositivo em questão apresenta o mérito <strong>de</strong> ter corrigi<strong>do</strong> a incongruência <strong>do</strong> Texto<br />

Constitucional <strong>de</strong> 1967/1969, pelo qual da omissão <strong>do</strong>s Po<strong>de</strong>res Legislativo e Executivo <strong>de</strong>corria a<br />

insubsistência da impugnação feita pelo Tribunal. Apesar disso, é fato que sua redação não reveste a<br />

necessária clareza, eis que não evi<strong>de</strong>ncia o conteú<strong>do</strong> e a extensão da <strong>de</strong>cisão que, então, caberá ao<br />

Colegia<strong>do</strong>.<br />

Sobre o tema, encontram-se na <strong>do</strong>utrina posicionamentos diametralmente opostos. Luís<br />

Roberto Barroso 13 expõe seu entendimento nos seguintes termos:<br />

“Decidirá, por certo, sobre a legalida<strong>de</strong> ou não <strong>do</strong> contrato, e da<br />

respectiva <strong>de</strong>spesa, para o fim <strong>de</strong> julgamento das contas <strong>do</strong><br />

administra<strong>do</strong>r. Não é razoável supor, à vista da partilha constitucional <strong>de</strong><br />

competências vigentes no direito brasileiro, que o Tribunal <strong>de</strong> Contas<br />

possa, sobrepon<strong>do</strong> seu próprio juízo ao <strong>do</strong> administra<strong>do</strong>r e ao <strong>do</strong> órgão<br />

ao qual presta auxílio, sustar aquilo que o Executivo e o Legislativo<br />

enten<strong>de</strong>m ser váli<strong>do</strong>. É preciso não esquecer: a fiscalização contábil,<br />

financeira, orçamentária e patrimonial é exercida, mediante controle<br />

externo, pelo Congresso Nacional, com o ‘auxílio <strong>do</strong>s Tribunais <strong>de</strong><br />

Contas’. Por evi<strong>de</strong>nte, a última palavra é <strong>do</strong> órgão Legislativo, e não <strong>do</strong><br />

Tribunal <strong>de</strong> Contas”.<br />

Por sua vez, a lição <strong>de</strong> Carlos Roberto Siqueira Castro 14 , invocan<strong>do</strong> o entendimento <strong>de</strong> Celso<br />

Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Mello, segue a direção contrária 15 :<br />

“Neste ponto, meu entendimento afina-se com o <strong>do</strong> ilustre e<br />

estima<strong>do</strong> colega <strong>de</strong> São Paulo, Celso Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Mello, para quem a<br />

<strong>de</strong>cisão e as providências da Corte <strong>de</strong> Contas assumirão, em tal<br />

conjectura, caráter autônomo e <strong>de</strong>finitivo. A não ser assim, estar-se-ia<br />

fazen<strong>do</strong> letra morta daquele coman<strong>do</strong> constitucional e esvazian<strong>do</strong>-se por<br />

completo o permissivo da intervenção subsidiária <strong>do</strong> órgão constitucional<br />

<strong>de</strong> controle externo para suprimento da inércia <strong>do</strong>s Po<strong>de</strong>res em causa.”<br />

Com efeito, caso se consagre o primeiro entendimento exposto, conclui-se pela continuida<strong>de</strong><br />

da sistemática anterior a 1988. Ou seja, transcorren<strong>do</strong> in albis o prazo para manifestação <strong>do</strong> Congresso<br />

Nacional e <strong>do</strong> Executivo, a objeção levantada pelo Tribunal <strong>de</strong> Contas continuaria como insubsistente.<br />

Ora, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que o Constituinte <strong>de</strong> 1988, ao disciplinar o controle externo da ativida<strong>de</strong><br />

administrativa <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, optou por ampliar substancialmente as competências <strong>do</strong>s Tribunais <strong>de</strong> Contas,<br />

o entendimento que, ao contrário, negligencia a <strong>de</strong>cisão da Corte não merece prosperar.<br />

Essa matéria, infelizmente, ainda não foi objeto <strong>de</strong> apreciação pelo Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral. O Min. Marco Aurélio, no entanto, já sinalizou pela competência <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Contas para<br />

sustar a execução <strong>de</strong> contrato na hipótese <strong>de</strong> omissão <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Legislativo quan<strong>do</strong> relatou o Manda<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> Segurança n.º 23.550/DF, oportunida<strong>de</strong> em que, pronuncian<strong>do</strong>-se a respeito da norma <strong>do</strong> art. 71, §2º,<br />

da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, expôs: “A previsão <strong>de</strong> o Tribunal vir a fazê-lo somente se verifica na hipótese<br />

<strong>de</strong> omissão <strong>do</strong> Congresso Nacional ou <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Executivo competente, no prazo <strong>de</strong> noventa dias (§2º<br />

<strong>do</strong> cita<strong>do</strong> art.)”. De fato, esse parece ser o entendimento que, sem ignorar que o titular <strong>do</strong> controle<br />

13<br />

In: “Tribunais <strong>de</strong> Contas: algumas incompetências”. Revista <strong>de</strong> Direito Administrativo. <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro, n.º 203, jan./mar.<br />

1996, p. 139.<br />

14<br />

In: “A atuação <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Contas em face da separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>”. Revista <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Contas <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro. <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro, n.º 38, out./<strong>de</strong>z. 1997, p. 49.<br />

15<br />

No mesmo senti<strong>do</strong>, assevera o Mestre e Doutor em Direito <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pela USP TOSHIO MUKAI: “No caso <strong>de</strong> contrato, a<br />

sustação somente po<strong>de</strong>rá ser a<strong>do</strong>tada diretamente pelo Legislativo (art. 71, p. 1º), mas, se o Congresso Nacional ou o Po<strong>de</strong>r<br />

Executivo, no prazo <strong>de</strong> 90 (noventa) dias, não efetivarem as medidas previstas no parágrafo 1º, o Tribunal <strong>de</strong>cidirá a respeito<br />

(ou seja, sustará a execução <strong>do</strong> contrato).” (In: “Os Tribunais <strong>de</strong> Contas no Brasil e a Coisa Julgada”. Revista <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong><br />

Contas da União. Brasília, n.º 70, out./nov. 1996, pp. 83 a 86).


externo é o Po<strong>de</strong>r Legislativo, reconhece efetivida<strong>de</strong> à <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Contas, órgão que lhe<br />

oferece o necessário suporte técnico.<br />

5 – <strong>Contratos</strong> <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> convênios e subvenções: a diretriz traçada pelo Acórdão<br />

nº 1.070, <strong>de</strong> 2003 <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Contas da União.<br />

Por fim, em um trabalho cujo escopo é abordar os limites e as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> atuação <strong>do</strong>s<br />

Tribunais <strong>de</strong> Contas no controle das licitações e contratos administrativos, não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> fazer<br />

menção à fiscalização exercida sobre convênios celebra<strong>do</strong>s entre entes públicos e entida<strong>de</strong>s particulares,<br />

especialmente aqueles que traduzem verda<strong>de</strong>ira concessão <strong>de</strong> subvenção à iniciativa privada.<br />

Como <strong>de</strong> conhecimento convencional, a concessão <strong>de</strong> subvenção enquadra-se na ativida<strong>de</strong><br />

administrativa <strong>de</strong> fomento, sen<strong>do</strong> uma atuação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> estímulo, incremento ou incentivo a uma<br />

ativida<strong>de</strong> particular <strong>de</strong> interesse público. Vale dizer, por intermédio da concessão <strong>de</strong> subvenções, o<br />

Esta<strong>do</strong> preten<strong>de</strong> satisfazer indiretamente <strong>de</strong>terminadas necessida<strong>de</strong>s consi<strong>de</strong>radas <strong>de</strong> interesse público,<br />

valen<strong>do</strong>-se, para tanto, <strong>do</strong> auxílio da iniciativa privada.<br />

No que tange especificamente às subvenções sociais, o art. 16 da Lei n.º 4.320, <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong><br />

março <strong>de</strong> 1964 evi<strong>de</strong>ncia que tais transferências <strong>de</strong> recursos públicos para o setor priva<strong>do</strong> <strong>de</strong>vem<br />

constituir, fundamentalmente, suplementação <strong>de</strong> recursos aplica<strong>do</strong>s na prestação <strong>de</strong> serviços essenciais<br />

<strong>de</strong> assistência social, médica e educacional.<br />

Como bem observam Teixeira Macha<strong>do</strong> e Heral<strong>do</strong> da Costa Reis, “as subvenções não<br />

<strong>de</strong>vem representar a regra, mas ser supletivas da ação da iniciativa privada em assuntos sociais. Isso<br />

significa que, se o ente governamental <strong>de</strong>sejar ou pu<strong>de</strong>r entrar nesse campo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>verá fazêlo<br />

diretamente por sua ação, reservan<strong>do</strong> as subvenções, apenas, para suplementar e interessar a<br />

iniciativa <strong>do</strong>s particulares” 16 .<br />

De fato, o artigo 16 e seu parágrafo único da Lei n.º 4.320, <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1964<br />

estabelecem, claramente, duas condicionantes objetivas para a concessão <strong>de</strong> subvenção social pelo<br />

Po<strong>de</strong>r Público. Eis a sua redação:<br />

“Art. 16. Fundamentalmente e nos limites das possibilida<strong>de</strong>s<br />

financeiras, a concessão <strong>de</strong> subvenções sociais visará à prestação <strong>de</strong><br />

serviços essenciais <strong>de</strong> assistência social, médica e educacional, sempre que<br />

a suplementação <strong>de</strong> recursos <strong>de</strong> origem privada, aplica<strong>do</strong>s a esses<br />

objetivos, revelar-se mais econômica.<br />

Parágrafo único. O valor das subvenções, sempre que possível, será<br />

calcula<strong>do</strong> com base em unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> serviços efetivamente presta<strong>do</strong>s ou<br />

postos à disposição <strong>do</strong>s interessa<strong>do</strong>s, obe<strong>de</strong>ci<strong>do</strong>s os padrões mínimos <strong>de</strong><br />

eficiência previamente fixa<strong>do</strong>s.”<br />

Ora, como se extrai da análise <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> dispositivo legal, a transferência <strong>de</strong> recursos<br />

públicos para o setor priva<strong>do</strong> por meio <strong>de</strong> subvenção social <strong>de</strong>ve ser precedida (i) da justificativa <strong>do</strong><br />

valor da subvenção concedida à entida<strong>de</strong> privada, calcula<strong>do</strong> com base em unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> serviço<br />

efetivamente presta<strong>do</strong>s ou postos à disposição, que implicará, se for o caso, na verificação da<br />

conformida<strong>de</strong> <strong>do</strong> orçamento da entida<strong>de</strong> com os preços correntes no merca<strong>do</strong>; e (ii) da <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong><br />

que o fomento ao setor priva<strong>do</strong> revela-se mais econômico e eficiente <strong>do</strong> que a prestação <strong>de</strong> serviços<br />

diretamente pelo município, consignan<strong>do</strong>-se, se for o caso, a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazê-lo mediante<br />

atuação direta.<br />

Além disso, a Lei <strong>de</strong> Responsabilida<strong>de</strong> Fiscal, ao <strong>de</strong>finir, em complementação ao art. 165,<br />

§2º, da Constituição da República, o conteú<strong>do</strong> mínimo das leis <strong>de</strong> diretrizes orçamentárias, dispõe<br />

claramente que tal diploma legal <strong>de</strong>ve estabelecer as condições e exigências para transferências <strong>de</strong><br />

recursos a entida<strong>de</strong>s privadas (art. 4º, inciso I, alínea “f” da Lei Complementar n.º 101, <strong>de</strong> 2000).<br />

16 In: A Lei 4.320 comentada e a Lei <strong>de</strong> Responsabilida<strong>de</strong> Fiscal. <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro: IBAM, 31ª edição, 2002.


E, finalmente, a aplicação direta <strong>do</strong>s princípios constitucionais que regem a ativida<strong>de</strong><br />

administrativa, especialmente os princípios da impessoalida<strong>de</strong> e da moralida<strong>de</strong>, impõe a observância <strong>de</strong><br />

critérios objetivos para a escolha das entida<strong>de</strong>s privadas a serem subvencionadas.<br />

Com efeito, a superação <strong>do</strong> positivismo jurídico a partir da segunda meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século XX<br />

abriu caminho para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma linha <strong>de</strong> pensamento que se convencionou <strong>de</strong>signar póspositivismo,<br />

em que se promove a valorização <strong>do</strong> papel <strong>de</strong>sempenha<strong>do</strong> pelos princípios e o<br />

reconhecimento <strong>de</strong> sua normativida<strong>de</strong> 17 .Nesse contexto, há razoável consenso no discurso jurídico<br />

contemporâneo quanto ao caráter normativo <strong>do</strong>s princípios, rejeitan<strong>do</strong> qualquer compreensão que os<br />

atribua apenas uma dimensão axiológica, <strong>de</strong>stituída <strong>de</strong> eficácia e <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> jurídicas. Assim, a atual<br />

<strong>do</strong>gmática constitucional não hesita em reconhecer que o or<strong>de</strong>namento jurídico encontra-se estrutura<strong>do</strong><br />

normativamente em princípios e regras que, embora tenham traços distintivos próprios, apresentam um<br />

<strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>r comum fundamental: ostentam eficácia normativa 18 .<br />

Ora, a partir da eficácia normativa <strong>do</strong>s princípios da impessoalida<strong>de</strong> e da moralida<strong>de</strong><br />

administrativa <strong>de</strong>corre, lógica e inexoravelmente, a exigência <strong>de</strong> que sejam fixa<strong>do</strong>s critérios objetivos<br />

para guiar e justificar a transferência <strong>de</strong> recursos públicos para o setor priva<strong>do</strong>. A esse respeito, é precisa<br />

da lição <strong>de</strong> Sílvio Luis Ferreira da Rocha, que versou especificamente sobre a ativida<strong>de</strong> administrativa<br />

<strong>de</strong> fomento:<br />

“A ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fomento <strong>de</strong>ve ser impessoal e respeitar o princípio<br />

da igualda<strong>de</strong>. Deve evitar favorecer ou perseguir o beneficiário e<br />

assegurar a to<strong>do</strong>s o direito <strong>de</strong> concorrer aos seus benefícios. Com efeito, a<br />

concessão <strong>de</strong> subvenção po<strong>de</strong> enfraquecer o direito <strong>de</strong> terceiro, ten<strong>do</strong> em<br />

vista o princípio da isonomia. Aquele que foi in<strong>de</strong>vidamente excluí<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

benefício <strong>de</strong>corrente da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fomento terá sua esfera jurídica<br />

irremediavelmente atingida.<br />

(...).<br />

A ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fomento juridicamente controlável pressupõe uma<br />

disciplina precisa <strong>do</strong>s critérios <strong>de</strong> escolha <strong>do</strong>s possíveis beneficiários, que<br />

<strong>de</strong>ve ter como base apenas o específico interesse público persegui<strong>do</strong> com<br />

a ajuda econômica” 19 .<br />

Foi exatamente visan<strong>do</strong> à concretização <strong>do</strong>s princípios da impessoalida<strong>de</strong> e da moralida<strong>de</strong><br />

administrativa que o Tribunal <strong>de</strong> Contas da União a<strong>do</strong>tou uma posição que, em princípio, po<strong>de</strong>ria<br />

parecer um pouco radical, mas que, em essência, busca assegurar que os recursos públicos geri<strong>do</strong>s por<br />

meio <strong>de</strong> convênios ou em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> subvenções sejam igualmente <strong>de</strong>spendi<strong>do</strong>s da forma mais<br />

vantajosa possível, asseguran<strong>do</strong> igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições e competitivida<strong>de</strong> a to<strong>do</strong>s aqueles que<br />

<strong>de</strong>monstrem interesse em participar <strong>de</strong> tal processo.<br />

Pois bem. Por meio <strong>do</strong> Acórdão n.º 1.070, <strong>de</strong> 2003, o Tribunal <strong>de</strong> Contas da União<br />

<strong>de</strong>terminou a observância <strong>do</strong>s ditames da Lei n.º 8.666, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1993 por todas as entida<strong>de</strong>s<br />

privadas conveniadas com o Po<strong>de</strong>r Público ou que <strong>de</strong>le recebam subvenções. Como conseqüência, a<br />

Secretaria <strong>do</strong> Tesouro Nacional promoveu a alteração da redação <strong>do</strong> parágrafo único <strong>do</strong> art. 27 da<br />

Instrução Normativa n.º 01, <strong>de</strong> 1997, que disciplina a execução <strong>de</strong> convênios celebra<strong>do</strong>s em âmbito<br />

fe<strong>de</strong>ral, passan<strong>do</strong> a dispor que:<br />

17 Como expõem Luis Roberto Barroso e Ana Paula <strong>de</strong> Barcellos: “O pós-positivismo é a <strong>de</strong>signação provisória e genérica <strong>de</strong><br />

um i<strong>de</strong>ário difuso, no qual se incluem a <strong>de</strong>finição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova<br />

hermenêutica constitucional, e a teoria <strong>do</strong>s direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignida<strong>de</strong> da pessoa<br />

humana. A valorização <strong>do</strong>s princípios, sua incorporação, explícita ou implícita, pelos textos constitucionais e o<br />

reconhecimento pela or<strong>de</strong>m jurídica <strong>de</strong> sua normativida<strong>de</strong> fazem parte <strong>de</strong>sse ambiente <strong>de</strong> reaproximação entre Direito e<br />

Ética”. (In: “O Começo da História. A Nova Interpretação Constitucional e o Papel <strong>do</strong>s Princípios no Direito Brasileiro”. A<br />

Nova Interpretação Constitucional. Organiza<strong>do</strong> por Luís Roberto Barroso. <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro: Renovar, 2003, p. 336).<br />

18 Ou seja, ambos dizem o que <strong>de</strong>ve ser; são razões para juízos <strong>de</strong> <strong>de</strong>ver ser.<br />

19 In: Terceiro Setor. São Paulo, Editora Malheiros, 2003.


“O convenente, ainda que entida<strong>de</strong> privada, sujeita-se, quan<strong>do</strong> da<br />

execução <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesas com os recursos transferi<strong>do</strong>s, às disposições da Lei<br />

nº 8.666, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1993, especialmente em relação à licitação e<br />

contrato, admitida a modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> licitação prevista na Lei nº 10.520, <strong>de</strong><br />

17 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2002, nos casos em que especifica”.<br />

Resulta, portanto, que na execução <strong>de</strong> convênios celebra<strong>do</strong>s entre entida<strong>de</strong>s públicas e<br />

entida<strong>de</strong>s privadas, estas últimas <strong>de</strong>verão observar os procedimentos licitatórios, bem como a<br />

normatização pertinente à contratação administrativa, prevista na Lei n.º 8.666, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1993,<br />

sempre que estiverem gerin<strong>do</strong> recursos <strong>de</strong> origem pública. É claro que isso não significa sujeitar<br />

entida<strong>de</strong>s particulares aos ditames da Lei <strong>de</strong> Licitações e <strong>Contratos</strong> Administrativos; ao contrário,<br />

significa apenas que, diante da natureza <strong>do</strong>s recursos geri<strong>do</strong>s, a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> licitar, como regra, se<br />

fará presente, impon<strong>do</strong> a submissão da administração e <strong>do</strong> particular a procedimentos formais <strong>de</strong> seleção<br />

<strong>de</strong> fornece<strong>do</strong>res e presta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> serviços que assegurem a aplicação <strong>do</strong>s recursos públicos com<br />

atendimento aos princípios da competitivida<strong>de</strong> e da vantajosida<strong>de</strong>, atenuan<strong>do</strong> eventuais favorecimentos<br />

e fazen<strong>do</strong> prevalecer a isonomia entre potenciais interessa<strong>do</strong>s.<br />

Não se po<strong>de</strong> ignorar, a<strong>de</strong>mais, que o entendimento fixa<strong>do</strong> pelo Tribunal <strong>de</strong> Contas da União<br />

promove uma interpretação bastante razoável da norma <strong>do</strong> art. 116 da Lei n.º 8.666, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong><br />

1993, segun<strong>do</strong> a qual as disposições daquela lei seriam aplicáveis, no que couber, aos convênios,<br />

acor<strong>do</strong>s, ajustes e outros instrumentos congêneres celebra<strong>do</strong>s por órgãos e entida<strong>de</strong>s públicas. Duas<br />

seriam as interpretações possíveis: (i) ou se exige o prévio procedimento licitatório para a celebração <strong>de</strong><br />

convênios; (ii) ou se exige a observância das regras previstas na mencionada legislação quan<strong>do</strong> da<br />

gestão <strong>do</strong>s recursos públicos transferi<strong>do</strong>s à iniciativa privada por meio <strong>de</strong> convênios ou ajustes<br />

congêneres.<br />

O Min. Walton Rodrigues apreciou a matéria ao relatar o Acórdão 353/2005, a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> pelo<br />

Plenário <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, oportunida<strong>de</strong> em que salientou:<br />

“Ora, sen<strong>do</strong> a Lei nº 8.666, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1993 uma norma que,<br />

fundamentalmente, <strong>de</strong>fine procedimentos que <strong>de</strong>vem ser observa<strong>do</strong>s em<br />

licitações e contratos, parece-nos que a interpretação <strong>do</strong> caput <strong>do</strong> art. 116<br />

no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que a celebração <strong>de</strong> convênios, acor<strong>do</strong>s, ajustes e outros<br />

instrumentos se sujeitaria, no que couber, às disposições da Lei <strong>de</strong><br />

Licitações não seria <strong>de</strong> boa técnica. Com efeito, ante a inviabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

competição para a escolha <strong>de</strong> parceiros com vistas à celebração <strong>de</strong><br />

convênios - o que torna a licitação inaplicável - e da<strong>do</strong> que convênios e<br />

contratos são instrumentos que possuem natureza e características<br />

absolutamente distintas, essa interpretação praticamente faria <strong>do</strong><br />

dispositivo letra morta.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, a interpretação segun<strong>do</strong> a qual as <strong>de</strong>spesas<br />

<strong>de</strong>correntes da aplicação <strong>de</strong> recursos repassa<strong>do</strong>s mediante convênios,<br />

acor<strong>do</strong>s, ajustes e outros instrumentos estariam sujeitas, no que couber às<br />

disposições da Lei nº 8.666, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1993 parece se integrar ao<br />

or<strong>de</strong>namento jurídico <strong>de</strong> forma mais harmônica. Primeiro, porque<br />

inteiramente <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o coman<strong>do</strong> constitucional, que impõe a<br />

licitação como regra a ser a<strong>do</strong>tada, sempre que houver o envolvimento <strong>de</strong><br />

recursos públicos, conforme já comenta<strong>do</strong>; <strong>de</strong>pois, porque a par <strong>de</strong> fixar<br />

regras a serem seguidas - no que couber - pelos convenentes na gestão <strong>de</strong><br />

recursos públicos, os procedimentos são, em essência, os mesmos<br />

impostos aos entes públicos, o que <strong>de</strong>termina, guardadas as diferenças,<br />

uma saudável padronização.”


Infelizmente, essa salutar diretriz firmada no âmbito <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Contas da União não<br />

tem si<strong>do</strong>, como regra, seguida por Esta<strong>do</strong>s e Municípios, que ainda encontram dificulda<strong>de</strong>s em aceitar a<br />

idéia <strong>de</strong> que os recursos geri<strong>do</strong>s pela iniciativa privada em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> convênios ou subvenções<br />

<strong>de</strong>vem se sujeitar aos mesmos limites estabeleci<strong>do</strong>s para sua gestão por órgãos e entida<strong>de</strong>s pertencentes<br />

à Administração Pública. É essencial, porém, não per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista que os recursos públicos repassa<strong>do</strong>s<br />

por meio <strong>de</strong> tais ajustes – convênios, subvenções e outros instrumentos congêneres – não são<br />

contraprestacionais e, portanto, mantêm a natureza e a essência públicas.<br />

6 – Síntese conclusiva<br />

Ao longo <strong>do</strong> presente trabalho foram aborda<strong>do</strong>s, sem qualquer pretensão exaustiva, alguns<br />

<strong>do</strong>s principais aspectos relaciona<strong>do</strong>s ao exercício <strong>do</strong> controle externo pelos Tribunais <strong>de</strong> Contas no que<br />

tange à ativida<strong>de</strong> contratual administrativa. Como restou <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>, existem inúmeros instrumentos<br />

eficazes à disposição das Cortes <strong>de</strong> Contas para que possam exercer seu munus constitucional com<br />

efetivida<strong>de</strong>, resguardan<strong>do</strong> a legalida<strong>de</strong>, a legitimida<strong>de</strong> e a economicida<strong>de</strong> da aplicação <strong>de</strong> recursos<br />

públicos.<br />

Em <strong>de</strong>sfecho, apresentam-se, a seguir, tópicos que buscam sintetizar as principais idéias<br />

<strong>de</strong>batidas neste artigo:<br />

1. Os Tribunais <strong>de</strong> Contas são órgãos públicos especializa<strong>do</strong>s e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes que<br />

colaboram com o Po<strong>de</strong>r Legislativo no exercício <strong>do</strong> controle da ativida<strong>de</strong> financeira pública,<br />

prestan<strong>do</strong>-lhe auxílio técnico. O titular <strong>do</strong> controle externo é o Legislativo, e não po<strong>de</strong>ria ser<br />

diferente, visto ser precisamente este o órgão <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>r que, composto por representantes<br />

eleitos, traça as políticas públicas a serem seguidas e concretizadas pela Administração. Mas<br />

esse controle político é exerci<strong>do</strong> com o auxílio <strong>de</strong> um órgão técnico, que é exatamente a<br />

Corte <strong>de</strong> Contas.<br />

2. Ser um órgão que auxilia o Po<strong>de</strong>r Legislativo no exercício <strong>do</strong> controle externo não<br />

significa, em absoluto, que exista entre os Tribunais <strong>de</strong> Contas e o Legislativo subordinação<br />

ou hierarquia. Ao contrário, tais Cortes po<strong>de</strong>m ser caracterizadas como órgãos<br />

constitucionalmente autônomos e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, cujas competências encontram-se <strong>de</strong>finidas<br />

na Constituição visan<strong>do</strong> ao exercício <strong>do</strong> controle financeiro público em um contexto <strong>de</strong><br />

colaboração e cooperação integrada entre os Po<strong>de</strong>res da República.<br />

3. Dentre as competências outorgadas aos Tribunais <strong>de</strong> Contas, <strong>de</strong>staca-se aquela<br />

relacionada ao controle <strong>de</strong> licitações e contratos administrativos, que <strong>de</strong>ve ser realizada, por<br />

imposição constitucional, sob a tríplice ótica da legalida<strong>de</strong>, da legitimida<strong>de</strong> e da<br />

economicida<strong>de</strong>. Com efeito, a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle exercida pelos Tribunais <strong>de</strong> Contas não<br />

se exaure na mera análise <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong> da ativida<strong>de</strong> administrativa. Vai muito além: trata-se<br />

<strong>de</strong> promover uma análise global <strong>de</strong> mérito, que compreen<strong>de</strong>, além da legalida<strong>de</strong>, a aferição<br />

da legitimida<strong>de</strong> e da economicida<strong>de</strong> das opções administrativas. Ora, nessa análise global <strong>de</strong><br />

mérito é indissociável o exame da eficiência administrativa: controle <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s, que<br />

<strong>de</strong>vem ser os melhores possíveis, no mais curto espaço <strong>de</strong> tempo e com os menores custos.<br />

4. Apesar <strong>de</strong> a Constituição da República expressamente conferir às Cortes <strong>de</strong> Contas<br />

autorização/imposição para o exercício <strong>do</strong> controle <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong>, tais órgãos ainda têm se<br />

revela<strong>do</strong> tími<strong>do</strong>s nessa tarefa. É compreensível, <strong>de</strong> um la<strong>do</strong>, a forma reticente com que se<br />

enfrenta o tema, ten<strong>do</strong> em vista as dificulda<strong>de</strong>s impostas pelo princípio da separação<br />

funcional <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res, bem como a circunstância <strong>de</strong> que é efetivamente o administra<strong>do</strong>r<br />

público aquele que <strong>de</strong>têm representação <strong>de</strong>mocrática para executar as políticas públicas<br />

<strong>de</strong>finidas pelo legisla<strong>do</strong>r. Mas, ao mesmo tempo, é imposição constitucional que o controle<br />

externo seja exerci<strong>do</strong> sob o prisma da legitimida<strong>de</strong>. Esse vetor não se encontra positiva<strong>do</strong> na<br />

Constituição por mero capricho <strong>do</strong> constituinte; ao contrário, existe uma missão<br />

fundamental a ser cumprida, qual seja, a verificação da compatibilida<strong>de</strong> entre a atuação<br />

administrativa e a vonta<strong>de</strong> presente na socieda<strong>de</strong>. Essa imposição não po<strong>de</strong> ser


negligenciada pelos Tribunais <strong>de</strong> Contas, que <strong>de</strong>vem investigar se a opção <strong>do</strong> administra<strong>do</strong>r<br />

efetivamente correspon<strong>de</strong> aos anseios <strong>do</strong> grupo social a ser atingi<strong>do</strong> pela política pública.<br />

5. No que tange ao controle <strong>de</strong> economicida<strong>de</strong>, não apenas o art. 25, §2º, da Lei n.º 8.666, <strong>de</strong><br />

21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1993, mas igualmente o art. 16, §2º, da Lei n. 8.443, <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1992,<br />

autorizam que, no momento <strong>do</strong> exercício <strong>do</strong> controle externo, se reconheça responsabilida<strong>de</strong><br />

solidária entre administra<strong>do</strong>r público e particular contrata<strong>do</strong> (presta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> serviço ou<br />

fornece<strong>do</strong>r <strong>de</strong> bens) por danos causa<strong>do</strong>s ao erário em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> contratação<br />

superfaturada ou antieconômica. Tal responsabilida<strong>de</strong> solidária não <strong>de</strong>ve ser limitada às<br />

hipóteses <strong>de</strong> contratação direta, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> ser aplicada também nas hipóteses em que o<br />

contrato, embora antieconômico, tenha si<strong>do</strong> precedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> procedimento licitatório.<br />

6. Embora a Constituição da República <strong>de</strong> 1988, seguin<strong>do</strong> o mo<strong>de</strong>lo francês <strong>de</strong> fiscalização<br />

financeira a posteriori, tenha contempla<strong>do</strong>, como regra, o controle repressivo <strong>do</strong>s atos e<br />

contratos administrativos pelos Tribunais <strong>de</strong> Contas, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral tem<br />

reverencia<strong>do</strong> a norma <strong>do</strong> art. 113, §2º, da Lei n.º 8.666, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1993, admitin<strong>do</strong><br />

que, em casos concretos, mediante solicitação específica, seja exerci<strong>do</strong> o controle<br />

concomitante com encaminhamento prévio <strong>de</strong> editais <strong>de</strong> licitação ao Tribunal <strong>de</strong> Contas.<br />

7. Buscan<strong>do</strong> assegurar que os recursos públicos geri<strong>do</strong>s por entida<strong>de</strong>s privadas em<br />

<strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> convênios ou ajustes congêneres sejam <strong>de</strong>spendi<strong>do</strong>s da forma mais vantajosa<br />

possível, asseguran<strong>do</strong> igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições e competitivida<strong>de</strong> a to<strong>do</strong>s aqueles que<br />

<strong>de</strong>monstrem interesse em com elas contratar, o Tribunal <strong>de</strong> Contas da União <strong>de</strong>terminou a<br />

observância <strong>do</strong>s ditames da Lei n.º 8.666, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1993, no que couber, por todas<br />

as entida<strong>de</strong>s privadas conveniadas com o Po<strong>de</strong>r Público ou que <strong>de</strong>le recebam subvenções.<br />

Trata-se <strong>de</strong> diretriz salutar que consi<strong>de</strong>ra que, diante da natureza <strong>do</strong>s recursos geri<strong>do</strong>s – os<br />

quais, por não serem contraprestacionais, não per<strong>de</strong>m a essência pública –, a obrigatorieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> licitar, como regra, se fará presente, impon<strong>do</strong> a submissão da administração e <strong>do</strong><br />

particular a procedimentos formais <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong> fornece<strong>do</strong>res e presta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> serviços que<br />

assegurem a aplicação <strong>do</strong>s recursos com atendimento aos princípios da competitivida<strong>de</strong> e da<br />

vantajosida<strong>de</strong>, atenuan<strong>do</strong> eventuais favorecimentos e fazen<strong>do</strong> prevalecer a isonomia entre<br />

potenciais interessa<strong>do</strong>s.

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