O Pagador de Promessas - Dias Gomes - Cia. Atelie das Artes
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De<br />
<strong>Dias</strong> <strong>Gomes</strong><br />
Biografia do autor<br />
Alfredo <strong>de</strong> Freitas <strong>Dias</strong> <strong>Gomes</strong> nasceu em salvador, Bahia, a 19 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong><br />
1922. Em salvador realizou seus estudos, passando a residir no rio <strong>de</strong> janeiro a<br />
partir <strong>de</strong> 1935. Cursou várias carreiras, entre as quais Direito e Engenharia, sem<br />
concluir nem nenhuma <strong>de</strong>las. Escreveu sua primeira peça teatral aos 15 anos, A<br />
comedia dos moralistas, obtendo com ela um prêmio do Serviço Nacional <strong>de</strong> teatro.<br />
Mas tar<strong>de</strong>, aos 19 anos, viu sua primeira obra encenada, Pé-<strong>de</strong>-Cabra, com<br />
sucesso <strong>de</strong> publico e <strong>de</strong> critica, sendo saudado por Viriato Correia, o mais<br />
importante critico da época, como aquele que seria, “mais cedo ou mais tar<strong>de</strong>, o<br />
autor mais importante do teatro Brasileiro”. Nessa sua primeira fase como<br />
dramaturgo, <strong>Dias</strong> <strong>Gomes</strong> escreveu inúmeras peças e textos para TV, um dos mais<br />
conhecido “O bem-amado” e “Roque santeiro”. Mas foi em 1960, com “O pagador <strong>de</strong><br />
promessas” que retornou <strong>de</strong>finitivamente ao teatro. O estrondoso sucesso nacional<br />
e internacional <strong>de</strong>sta peça fez com que seu nome atravessasse as fronteiras do<br />
país, sendo hoje <strong>Dias</strong> <strong>Gomes</strong>, talvez, o nosso dramaturgo mais conhecido e mais<br />
representado no exterior. Vertido para o cinema, O pagador <strong>de</strong> promessas<br />
conquistou a “Palma <strong>de</strong> Ouro”, no Festival <strong>de</strong> Cannes <strong>de</strong> 1962, além <strong>de</strong> vários<br />
outros prêmios nacionais e internacionais. Seus textos estão traduzidos para os<br />
seguintes idiomas: inglês, francês, russo, polonês, espanhol, italiano, hebraico,<br />
grego e servo-croata, tendo sido encenado nos estados Unidos (seis produções),<br />
Polônia (quatro produções). Aberta ao sublime, sensível e a gran<strong>de</strong>za trágica, a<br />
obra recorre ao mesmo tempo aos variados enfoques do humor, do sarcasmo e da<br />
ironia para lidar com os aspectos frágeis ou menos nobres da espécie humana. Por<br />
isso que a obra <strong>de</strong> <strong>Dias</strong> <strong>Gomes</strong> é uma <strong>das</strong> mais encena<strong>das</strong> no Brasil.<br />
1º Cena do 1º Ato<br />
(Antes do publico entrar, acontece uma encenação no saguão do teatro, com<br />
musicas típicas do nor<strong>de</strong>ste e poesia <strong>de</strong> cor<strong>de</strong>l, on<strong>de</strong> os atores convidam o publico<br />
a participar do espetáculo. Conseqüentemente o publico entra no teatro com os<br />
atores, encontrando na entrada um encontro <strong>de</strong> religiões).<br />
(berimbau, atabaque)<br />
1
(vaqueiro) Vem roda no meu terreiro boi luzeiro, vem solta fitas, é é é vem taca<br />
fogo no mundo, violento, vaidoso e voador, violento!!!! (atabaque alto)<br />
Guerreiro, guerreira, guando o dia nasce e morrer, guerreiro, guerreiro guando o dia<br />
nasce e morrer!!!!<br />
(Bis)Sanana no rei. É é é é falou!!<br />
(bis) Cigarro quando mais cigarro, e sem sapato bafurada <strong>de</strong> verão, os retirante já<br />
cruzaram meio mundo, eu fico aqui esperando outro batuque, uma mulher com dois<br />
olhos <strong>de</strong> trovão, eu fico aqui esperando outro batuque, uma com dois olhos <strong>de</strong><br />
trovão.<br />
Quando mergulhou <strong>de</strong>u pra bate.<br />
Sanana no rei. É é é falo.(batuque)<br />
Guerreiro, guerreiro, quando o dia nasce e morrer, guerreiro, guerreiro quando o dia<br />
nasce e morrer!!!<br />
(Poesia ai se Ceci) Poeta Zé da luz<br />
(Zé do burro) Se um dia nois se gostasse.<br />
Se um dia nois se querece.<br />
Se nos dois simparesse.<br />
Se juntim nois dois vivesse.<br />
Se juntim nois dois morasse.<br />
Se juntim nois dois drumisse.<br />
Se juntim nois dois morrrresse.<br />
Se pru céu nos asubice.<br />
Mais porem se acontecesse, <strong>de</strong> são Pedro não abrice a porta du céu, e fosse<br />
dicesse qualquer tulice. E se eu me arriminasse, e tu com eu incistice pra que mim<br />
arresovece e a minha faca puchase, e o buxo do céu furace, talvez se nos dois<br />
ficasse, talvez se nos dois caísse, e se o céu furado arriasse e as virgens to<strong>das</strong><br />
fugisse.<br />
(vaqueiro) A bença <strong>de</strong> Manuel xundù, o meu cor<strong>de</strong>l estra<strong>de</strong>iro,vem lhe pedi<br />
permissão pra se torna verda<strong>de</strong>iro. Pra se torna mensageiro da forca do teu trovão,<br />
e as asas da tanajura fazer voa o sertão, meu mochoto coroado, <strong>de</strong> chique, chique<br />
facheto, on<strong>de</strong> a cascavel cochila, na boca do cangaceiro, eu também só cangaceiro,<br />
e meu cor<strong>de</strong>l estra<strong>de</strong>iro, é cascavel po<strong>de</strong>rosa é chuva que cai maneiro, aguando a<br />
terra quente erguendo um véu <strong>de</strong> poeira, <strong>de</strong>ixando a tar<strong>de</strong> cheirosa, é planta que<br />
cobre o chão na primeiro trovoada. A noite que <strong>de</strong>sce fria, <strong>de</strong>pois da tar<strong>de</strong> molhada,<br />
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é seca <strong>de</strong>sesperada, rasgando bucho no chão. É inverno é verão, é canção <strong>de</strong><br />
lava<strong>de</strong>ira, peixeira <strong>de</strong> lampião, as luzes do vaga-lume alpedre <strong>de</strong> casarão, cunha do<br />
velho, terreiro <strong>de</strong> amarração o ramo da reza<strong>de</strong>ira, o banzo <strong>de</strong> fim <strong>de</strong> feira, janela <strong>de</strong><br />
caminhão, vocês que estão no palácio vem ouvi o meu pobre pinho, não tenho o<br />
cheiro do vinho, <strong>das</strong> uvas frescas do laço, mas tenho açor <strong>de</strong> Inácio, da terra da<br />
catingueira, encantador <strong>de</strong> primeira, que nunca foi numa escola, pois meu verso é<br />
feito a foice do casaco corta cana, sendo <strong>de</strong> cima pra baixo, tanto corta como<br />
espana, sendo <strong>de</strong> baixo pra cima, voa do cabo e cidana!!!!(brito <strong>de</strong> vaqueiro e<br />
chocalho)<br />
(batuque)<br />
(vaqueiro) Quando a flor tava dormindo, vento fogo corredor: É a bença prometida<br />
pra quem é merecedor, pai com mais levanta a cunha, com incenso <strong>de</strong> fulo, preta<br />
velha atissa o fogo e o trabalho começou!!<br />
(batuque)<br />
Vem!!!! Ária nessa casa.<br />
(batuque forte)<br />
Sabiar no sertão, quando canta me comove, passa três meses cantando e sem<br />
cantar passa nove, porque tem obrigação <strong>de</strong> só cantar quando chove!!!<br />
(cavaquinho)<br />
O o o o é é é (batuque) chover, chover valei-me Cícero o que posso fazer, chover,<br />
chover, peso pesado pra chuva <strong>de</strong>scer, chover, chover, até Maria <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> moer,<br />
chover, chover, manso batista bagaço e banquê<br />
Chover, chover, Zé gua<strong>de</strong>raldo peleja pra ver, chover, chover, já que teu olho<br />
passou <strong>de</strong> chover, chover, chover, até Maria <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> moer, chover, chover, manso<br />
batista bagaço e banquê!!!!!<br />
Meu povo não vá simbora pela intapemerim, pois mesmo perto do fim nosso sertão<br />
tem melhora, o céu ta calado agora, mais vai da cada truvao <strong>de</strong> escapuli torão, <strong>de</strong><br />
paredão <strong>de</strong> itapera!!!<br />
(batuque)<br />
Quando trovejou, a chuva choveu!!! A a a a choveu, choveu, dona calista virando<br />
mateu, choveu, choveu, o bucho cheio <strong>de</strong> tudo que <strong>de</strong>u, choveu, choveu, suor e<br />
canseira <strong>de</strong>pois que comeu, choveu, choveu, zabumba zunindo, no colo <strong>de</strong> Deus,<br />
choveu, choveu, Inácio roubando o meu verso e teu, choveu, choveu, olhando os<br />
olhos que a seca bebeu!!!!!!<br />
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Quando chove no sertão, o sol <strong>de</strong>ita e água rola, o sapo vomita espuma on<strong>de</strong> o boi<br />
piza se atola, e a fartura escondi o saco, que a fome pedia esmola.<br />
(batuque <strong>de</strong> atabaque e berimbau)<br />
(bis) Seu boia<strong>de</strong>iro puraqui choveu, seu boia<strong>de</strong>iro puraqui choveu! Choveu que<br />
abarrotou, foi tanta água que meu boi nadou!!!!(berimbau) E sertão. O o é é.<br />
(berimbau, atabaque)<br />
São Sebastião: O que está acontecendo?<br />
Santa Bárbara: veja só são Sebastião, eu sou a verda<strong>de</strong>ira santa.<br />
Iansã: Eu sou a verda<strong>de</strong>ira.<br />
São Sebastião: pare <strong>de</strong> brigas meninas.<br />
Baiano: É verda<strong>de</strong>, são Sebastião tem toda razão, enquanto vocês duas brigam por<br />
religião, milhares <strong>de</strong> crianças more no mundo.<br />
Buda: não briguem meninas, vamos lutar pela paz, vamos lutar contra a exclusão<br />
social, vamos lutar pela vida.<br />
Pastor: É verda<strong>de</strong>, eu concordo com to<strong>das</strong> as palavras que vocês falaram, não<br />
importa a igreja que você vai, não importa o terreiro que você freqüenta, o que<br />
importa é que nós temos que estar focado no mesmo objetivo, que é lutar pela paz é<br />
lutar para que vivemos numa socieda<strong>de</strong> mais justa e que as pessoa passem a se<br />
respeitar, e que passe a olhar o próximo como a se mesmo.<br />
Baiano: Falou bonito, E Deus não tem religião, porque ele é o marco da fé.(pausa)<br />
ele é a maior fé. (iemanjá sai da água e todos falam ao mesmo tempo)<br />
Todos: Iemanjá.<br />
Iemanjá: porque o espanto?<br />
Iansã: me <strong>de</strong>sculpa iemanjá não queria lhi acordar!<br />
Iemanjá: Mas já acordou, mas eu lhe pergunto, o que estar acontecendo aqui?<br />
Baiano: Um <strong>de</strong>sacerto religioso.<br />
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Iemanjá: porque está parecendo uma disputa política.<br />
São Sebastião: Mas já acabou, agora é só paz.<br />
Iemanjá: já que a paz voltou a reinar, vamos clarear o nosso rio, e eu vou chamar<br />
minha amiga santa clara , ou melhor, eu gostaria que vocês me aju<strong>das</strong>sem a<br />
chamá-la. Assim Deus vai ficar feliz com todos: Vamos catem comigo.(entra a<br />
musica e em seguida santa clara, todo catam e dançam, terminado a musica<br />
começa os cachorros latindo os gatos miando e entra Zé do burro.)<br />
Abancada à escrivaninha em salvador, na minha casa da rua Lopes chaves, <strong>de</strong><br />
supetão senti um friume por <strong>de</strong>ntro fiquei tremulo, muito comovido, com o livro<br />
palerma olhando para mim.<br />
Não vê que me lembrei que lá no norte, meu <strong>de</strong>us! Muito longe <strong>de</strong> mim na escuridão<br />
ativa da noite que caiu, um homem pálido magro <strong>de</strong> cabelos sujo escorrendo nos<br />
olhos, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> fazer uma pele com a borracha do dia, faz pouco se <strong>de</strong>itou, está<br />
dormindo. Esse homem é Brasileiro que nem eu.<br />
Brasil amado não porque seja a minha pátria,<br />
Pátria é acaso <strong>de</strong> migrações e do pão-nosso on<strong>de</strong> Deus <strong>de</strong>r...<br />
Brasil que eu amo e que eu gostaria que todos amassem porque é o ritmo dos<br />
nossos braços aventurosos,<br />
O balanço <strong>das</strong> minhas cantigas, da nossa arte amores e danças.<br />
Brasil que eu sou porque as nossas expressões são muito é engraça<strong>das</strong>,<br />
Porque o meu sentimento muito pachorrento.<br />
Porque é meu jeito <strong>de</strong> comer e <strong>de</strong> dormir.<br />
Porque é meu jeito <strong>de</strong> lutar por um mudo melhor, por um povo mais informado.<br />
Eu vou lutar para que as pessoas não sirvam <strong>de</strong> escada para burguesia subi cada<br />
vez mais,<br />
Eu vou lutar para que as pessoas passe a se respeitar uns aos outros, vou lutar<br />
para que nosso país não se transforme num Iraque e para isso não acontecer nos<br />
temos que unir as religiões e as classes, temos que unir o ser humano e lutar pela<br />
paz, Brasil que eu amo e que sempre vou amar.<br />
(Zé do Burro vai até o centro da praça e pousa sua cruz, equilibrando-a na base <strong>de</strong><br />
um dos braços, como um cavalete. Esta exausto. Enxuga o suor da testa).<br />
Zé: (olhando a igreja) é essa. Só po<strong>de</strong> ser.<br />
(Rosa para também, junto as <strong>de</strong>graus, cansada, enfastiada, e <strong>de</strong>ixando já entrever<br />
uma revolta que se avoluma).<br />
Rosa: E agora? Esta fechada.<br />
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Zé: é cedo ainda. Vamos esperar que abra.<br />
Rosa: Esperar? Aqui?<br />
Zé: Não tem outro jeito.<br />
Rosa: (olha com raiva) Estou cada bolha dagua no pé que da medo.<br />
Zé: Eu também, (Contorce-se num ritus <strong>de</strong> dor). Acho que os meus ombros estão<br />
em carne viva.<br />
Rosa: Bem feito. Você não quis botar almofadinhas, como eu disse.<br />
Zé: (convicto) Não era direito. Quando eu fiz a promessa, não falei em<br />
almofadinhas.<br />
Rosa: Então se você não falou podia ter botado; a santa não ia dizer nada.<br />
Zé: Não era direito eu prometi trazer a cruz nas costas, como Jesus. E Jesus não<br />
usou almofadinhas.<br />
Rosa: Não usou por que não <strong>de</strong>ixaram.<br />
Zé: Não, nesse negocio <strong>de</strong> milagres, é preciso ser honesto. Se a gente embrulhar o<br />
santo, per<strong>de</strong> o credito. De outra vez o santo olha, consulta os seus assentamentos e<br />
diz: - Ah, você é o Zé-do-burro, aquele que já me passou a perna! E agora vem me<br />
fazer uma nova promessa. Pois vai fazer promessa pro diabo que o carregue, seu<br />
caloteiro <strong>de</strong> uma figa! E tem mais: santo é como gringo passou calote em uns todos<br />
os outros ficam sabendo.<br />
Rosa: Será que você ainda preten<strong>de</strong> fazer outra promessa <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>sta? Já não<br />
chega?...<br />
Zé: Sei não... A gente nunca sabe se vai precisar. É por isso, é bom ter sempre as<br />
contas em dia. (Ele sobe um dos <strong>de</strong>graus da igreja a procura <strong>de</strong> uma inscrição)<br />
Rosa: O que é que você esta procurando?<br />
Zé: Qualquer coisa escrita... Pra gente saber se essa é mesmo a igreja <strong>de</strong> Santa<br />
Bárbara.<br />
Rosa: E você já viu igreja com letreiro na porta, homem?<br />
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Zé: é que po<strong>de</strong> não ser essa...<br />
Rosa: Claro que é essa. Não lembra o que o vigário disse? Uma igreja pequena,<br />
numa praça, perto <strong>de</strong> uma la<strong>de</strong>ira...<br />
Zé: (corre os olhos e volta) Se a gente pu<strong>de</strong>sse perguntar a alguém...<br />
Rosa: Essa hora esta todo mundo dormindo. (Olha-o quase com raiva). Todo<br />
mundo...<br />
Menos eu, que tive a infelicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> casar com um pagador <strong>de</strong> promessas.<br />
(Levanta-se e procura convence-lo). Escute Zé... Já que a igreja esta fechada, a<br />
gente podia procurar um lugar pra dormir. Você já pensou que beleza agora uma<br />
cama?...<br />
Zé: E a cruz?<br />
Rosa: Você <strong>de</strong>ixava a cruz ai e amanha, <strong>de</strong> dia...<br />
Zé: Po<strong>de</strong>m roubar...<br />
Rosa: Quem é que vai roubar uma cruz, homem <strong>de</strong> Deus? Pra que serve uma cruz?<br />
Zé: Tem tanta malda<strong>de</strong> no mundo. Era correr um risco muito gran<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter<br />
quase cumprido a promessa. E você já pensou; se me roubassem a cruz, eu ia ter<br />
que fazer outra e vir <strong>de</strong>novo com ela nas costa da roça ate aqui. Sete léguas.<br />
Rosa: Pra que? Você explicava a santa que tinha sido roubado, ela não ia fazer<br />
questão.<br />
Zé: É o que você pensa. Quando você vai pagar uma conta no armarinho e per<strong>de</strong> o<br />
dinheiro no caminho, o turco perdoa a divida? Uma ova!<br />
Rosa: Mas você já pagou a sua promessa, já trouxe uma cruz <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira da roça<br />
até a igreja <strong>de</strong> Santa Bárbara. Esta ai a igreja <strong>de</strong> Santa Bárbara, esta ai a cruz.<br />
Pronto agora, vamos embora.<br />
Zé: Mas aqui não é a igreja <strong>de</strong> Santa Bárbara. A igreja é da porta pra <strong>de</strong>ntro.<br />
Rosa: Oxente! Mas a porta esta fechada e a culpa não sua. Santa Bárbara <strong>de</strong>ve<br />
sabe disso, que diabo.<br />
Zé: (pensativo) Só se eu falasse com ela e explicasse a situação...<br />
Rosa: Pois então... Fale!<br />
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Zé: (ergue os olhos para o céu) Não, não posso...<br />
Rosa: Por que, homem?! Santa Bárbara é tão sua amiga... Você não esta em dia<br />
com ela?<br />
Zé: Estou, mas esse negocio <strong>de</strong> falar com santo é muito complicado. Santo nunca<br />
respon<strong>de</strong> em língua <strong>de</strong> gente... Não se po<strong>de</strong> saber o que ele pensa. E alem do mais<br />
isso não é direito. Eu prometi levar a cruz ate <strong>de</strong>ntro da igreja, tenho que levar.<br />
An<strong>de</strong>i sete léguas. Não vou me sujar com a santa por causa <strong>de</strong> meio metro.<br />
Rosa: E pra você não se sujar com a santa, eu vou ter que dormir no chão, no “hotel<br />
do Padre”. (olho-o com raiva e vai <strong>de</strong>itar-se num dos <strong>de</strong>graus da igreja). E se tudo<br />
isso ainda fosse por alguma coisa que valesse a pena...<br />
Zé: Você podia não ter vindo. Quando fiz a promessa, não falei em você, só na cruz.<br />
Rosa: Agora você diz isso. Dissesse antes...<br />
Zé: Não me lembrei. Você também não reclamou...<br />
Rosa: sou sua mulher. Tenho que ir pra on<strong>de</strong> você for...<br />
Zé: Então...<br />
2º Cena do 1º Ato<br />
Bonitão: Espere. Não adianta andar <strong>de</strong>pressa...<br />
Marli: É melhor discutirmos isso em casa.<br />
Bonitão: (Alcança-a e obriga a parar torcendo violentamente o braço). Não, vamos<br />
resolver isso aqui mesmo. Não nada pra discutir com você...<br />
Marli: (Livra-se <strong>de</strong>le com safanão, mas seu rosto se contrai dolorosamente).<br />
Estúpido!<br />
Bonitão: An<strong>de</strong>, vamos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> mas-mas. Passe pra cá o dinheiro.<br />
Marli: (Tira do bolso do vestido um maço <strong>de</strong> notas e entrega a ele) Não podia<br />
esperar ate chegar em casa?<br />
Bonitão: (chega mais perto do jato <strong>de</strong> luz e contas às notas, rapidamente) Só <strong>de</strong>u<br />
isto?<br />
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Marli: Só A noite hoje não foi boa. Você viu como o “Castelo” estava vazio.<br />
Bonitão: e aquele galego que estava conversando com você quando cheguei?<br />
Marli: Uma boa conversa. Queria se fretar comigo. Ficou mangando a noite toda e<br />
não resolveu...<br />
Bonitão: (mete subitamente a mão no <strong>de</strong>cote <strong>de</strong> Marli e tira <strong>de</strong> entre os seios uma<br />
nota) sua vaca!<br />
(ela faz menção <strong>de</strong> dar-lhe um bofetão, ela corre e refugia-se a traz da cruz. Zé-doburro<br />
<strong>de</strong>sperta se sua semi-sonolencia).<br />
Marli: Eu precisava <strong>de</strong>sse dinheiro. Pra pagar o quarto, você sabe.<br />
Bonitão: Não gosto <strong>de</strong> ser tapeado. Por que não pediu?<br />
Marli: E você dava?<br />
Bonitão: Claro que não. (guarda o dinheiro no carteiro) Isso ia fazer falta no meu<br />
Orçamento. Tenho compromissos e você bem sabe que não gosto <strong>de</strong> pedir dinheiro<br />
emprestado. É uma questão <strong>de</strong> feitio.<br />
Marli: E eu, que faço pra pagar o quarto? Já <strong>de</strong>vo dois meses e a dona anda me<br />
olhando atravessado.<br />
Bonitão: (indiferentes) É um problema seu. Tenho muita coisa em que pensar.<br />
Marli: Eu sei, eu sei no que você pensa...<br />
Bonitão: (Sorri e há em seu sorriso uma sombra <strong>de</strong> ameaça) Penso, por exemplo.<br />
Que você, <strong>de</strong> três meses pra cá, esta fazendo muito pouco. A Matilda esta fazendo<br />
quase o dobro...<br />
Marli: (compreen<strong>de</strong> a ameaça avança para ele sacudida pelo ciúme e pelo pavor <strong>de</strong><br />
per<strong>de</strong>-lo) Eu sei, você esta dando em cima daquela arreganhada. Ela mesma anda<br />
dizendo.<br />
Bonitão: Eu não dou em cima <strong>de</strong> mulher nenhuma, você sabe disso. É uma questão<br />
<strong>de</strong> princípios.<br />
Marli: Quer dizer que é ela que esta dando em cima <strong>de</strong> você!<br />
Bonitão: Ela perguntou se eu estava precisando <strong>de</strong> dinheiro.<br />
9
Marli: (ansiosamente) E você?...<br />
Bonitão: Eu só pedi umas informações <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m técnica: arrecadação diária etc...<br />
Marli: (Agarra-o freneticamente pelos braços) Bonitão você não aceitou o dinheiro<br />
<strong>de</strong>la, aceitou?! Você não aceitou o dinheiro daquela vagabunda!<br />
Bonitão: (Olha-a friamente) E que tinha, se aceitasse? Eu também preciso viver.<br />
Marli: Mas o que eu lhe dou não chega?!<br />
Bonitão: Você compreen<strong>de</strong>, eu também tenho ambições. Se eu não tivesse<br />
qualida<strong>de</strong>s, bem. Mas eu sei que tenho qualida<strong>de</strong>s. É justa viva <strong>de</strong> acordo com<br />
essas qualida<strong>de</strong>s.<br />
Marli: Mas o que lhe falta? Eu não tenho lhe dado tudo que você me pe<strong>de</strong>? Se for<br />
preciso, dou mais ainda. Não pense que é por medo <strong>de</strong> que você me largue pela<br />
Matil<strong>de</strong>, não. (Alisa sua roupa e adimira-o, maternalmente) É porque tenho prazer<br />
em ver você vestindo com a roupa que eu <strong>de</strong>i, com os sapatos que eu comprei e<br />
com a carteira recheada <strong>de</strong> notas que eu ganhei pra você. Tenho orgulho, sabe?<br />
Bonitão: (<strong>de</strong>svencilha-se <strong>de</strong>la) Pois então veja se na próxima vez não escon<strong>de</strong><br />
dinheiro no <strong>de</strong>cote. Tenho certeza que a Matil<strong>de</strong> não é capaz <strong>de</strong> um gesto feio<br />
<strong>de</strong>sses.<br />
Marli: Ela é capaz <strong>de</strong> coisas muito piores. Se você quiser, eu lhe conto.<br />
Bonitão: (Bruscamente) Não quero ouvir nada. Quero é que você vá pra casa.<br />
Marli: (<strong>de</strong>cepcionada) Você não vai comigo?<br />
Bonitão: Não, vou ficar um pouco mais por aqui. Vá na frete que daqui a pouco eu<br />
apareço por lá.<br />
Marli: (Enciumada) E o que é você vai ficar fazendo na rua à uma hora <strong>de</strong>ssas?<br />
Bonitão: (como muita serieda<strong>de</strong>) Ora, Mulher, eu preciso trabalhar! (Acen<strong>de</strong> um<br />
cigarro, abstraindo-se da presença <strong>de</strong> Marli, que o fita como um cão escorraçado<br />
pelo dono. Só então se mostra intrigado com a cruz no meio da praça. Examina-a<br />
curiosamente e por fim dirige-se a Zé-do-burro) É sua?<br />
3º cena º1 ato<br />
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(Zé balança a cabeça em sinal afirmativo. Marli vai ate a escada da igreja, senta-se<br />
num <strong>de</strong>grau, sem se incomodar com Rosa, <strong>de</strong>itada mais acima, tira os sapatos e<br />
movimenta os <strong>de</strong>dos doloridos).<br />
Bonitão: (Nota a igreja, faz uma associação <strong>de</strong> idéias) Encomenda?<br />
Zé: Não, promessa.<br />
Bonitão: (a principio parece não enten<strong>de</strong>r, <strong>de</strong>pois ri). Gozado<br />
Zé: Não acho.<br />
Bonitão: Não falei por mal. Eu também sou meio <strong>de</strong>voto.Ate uma vez fiz promessa<br />
pra Santo Antonio...<br />
Zé: Casamento?<br />
Bonitão: Não, ela era casada?<br />
Zé: E consegui a graça?<br />
Bonitão: Consegui. O marido passou uma semana viajando...<br />
Zé: E o senhor pagou a promessa?<br />
Bonitão: Não pra não comprometer o santo.<br />
Zé: Nunca se <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> pagar uma promessa. Mesmo quando é <strong>de</strong>ssas <strong>de</strong><br />
comprometer o santo.<br />
Garanto que da próxima vez Santo Antonio vai se fingir <strong>de</strong> surdo.E tem razão.<br />
Bonitão: o senhor compreen<strong>de</strong>, santo Antonio ia ficar mal se soubessem que foi ele<br />
que fez a trouxa viajar.(nota que Marli ainda não se foi) que é que você ainda está<br />
fazendo ai?<br />
Marli: esperando você.<br />
Bonitão: (vai a ela) já lhe disse que vou <strong>de</strong>pois. Vai fica grudada em mim?<br />
Marli: (levanta-se) escuta bonitão... Você não podia <strong>de</strong>ixar eu ficar ao menos com<br />
aquela nota?<br />
Bonitão: já lhe disse que não.Não insista.<br />
11
Marli: mas eu preciso pagar o quarto!<br />
Bonitão: o quarto é seu. Não é meu.<br />
Marli: mas o dinheiro é meu. É justo que eu fique ao menos com algum.<br />
Bonitão: E justo por que?<br />
Marli: porque foi eu que trabalhei.<br />
Bonitão: E <strong>de</strong>s<strong>de</strong> quando trabalhar dá direito alguma coisa? Quem lhe meteu essas<br />
idéias cabeça? (olha-a <strong>de</strong> cima a baixo, com <strong>de</strong>sconfiança) Está virando comunista?<br />
(Marli fita-o com ódio e sai bruscamente pela direita. Bonitão acompanha-a com<br />
olhar e <strong>de</strong>pois sorri, tira o dinheiro do bolso e torna a contá-lo).<br />
Zé: (Candidamente) Esse dinheiro... É <strong>de</strong>la mesmo?<br />
Bonitão: (guarda o dinheiro) bem, esta é uma maneira <strong>de</strong> olhar as coisas. E toda<br />
coisa tem duas maneiras <strong>de</strong> ser olhada. Uma <strong>de</strong> lá pra cá, outra <strong>de</strong> cá pra lá.<br />
Enten<strong>de</strong>u?<br />
Zé: Não...<br />
Bonitão: não vale a pena explicar. É uma questão <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong>.<br />
Zé: O senhor... É marido <strong>de</strong>la?<br />
Bonitão: Não, sou assim uma espesse <strong>de</strong> fiscal <strong>de</strong> imposto <strong>de</strong> renda. (sobe, como<br />
se fosse sair, mas se <strong>de</strong>tém diante <strong>de</strong> rosa, cujo vestido, levantado, <strong>de</strong>ixa ver um<br />
palmo <strong>de</strong> coxa).<br />
Rosa: (Abre os olhos, sentindo que está sendo observada) Que é?<br />
Bonitão: Nada... Estava só olhando... (rosa concerta o vestido) Não <strong>de</strong>ve ser lá<br />
muito confortável essa cama...(rosa olha-o com raiva) (olha-a mais <strong>de</strong>tidamente) E<br />
olhe que você bem merece coisa melhor.<br />
Rosa: Diga isso a ele.(aponta Zé do borro)<br />
Bonitão: A ele?<br />
Rosa: Meu marido.<br />
Bonitão: Ah, você também veio pagar promessa...<br />
12
Rosa: Eu não, ele. E por causa <strong>de</strong>le estou dormindo aqui, no batente <strong>de</strong> uma igreja,<br />
como qualquer mendiga.(senta-se)<br />
Zé: Não <strong>de</strong>ve faltar muito para abrir a igreja. O senhor sabe que horas são?<br />
Bonitão: (consulta o relógio) Um quarto para as cinco.<br />
Zé: sabe a que horas abre a igreja?<br />
Bonitão: Não, não é bem o meu ramo...<br />
Zé: Mas ás seis horas <strong>de</strong>ve ter missa. Hoje é o dia <strong>de</strong> santa bárbara...<br />
Rosa: (ressentida) Às seis horas. Tenho ainda que agüentar mais <strong>de</strong> uma hora<br />
ainda neste batente duro. E a promessa não é minha!<br />
Bonitão: Eu acho que a porta da sacristia já está aberta:<br />
Zé: O senhor acha?<br />
Bonitão: Padre acorda cedo...<br />
Zé: Às cinco horas?<br />
Bonitão: Então; tem que se preparar para a missa <strong>das</strong> seis.<br />
Zé: É verda<strong>de</strong>...<br />
Bonitão: por que o senhor não vai ver?<br />
Zé: É...(hesita um pouco)<br />
Bonitão: A porta é do lado <strong>de</strong> lá...<br />
Zé: Rosa, você vigia a cruz, eu vou dar a volta...<br />
Rosa: Não!<br />
1º cena 2º ato<br />
Bonitão: po<strong>de</strong> ir em paz que eu ajudo a dona cuidar da sua cruz.(Depois que Zé do<br />
burro sai) <strong>das</strong> duas.<br />
13
Rosa: Só que uma ele carrega nas costa e a outra... Se quiser que vá atrás<br />
<strong>de</strong>le.(levanta-se)<br />
Bonitão: E você não é mulher para andar atrás <strong>de</strong> qualquer homem... Ao contrário,<br />
é uma cruz que qualquer um carrega com prazer...<br />
Rosa: (Com recato, mas no fundo envai<strong>de</strong>cida) Ora me <strong>de</strong>ixe.<br />
Bonitão: Palavra, seu marido não lhe faz justiça. Isso não é trato que se dê a uma<br />
mulher...Mesmo sendo mulher da gente.<br />
Rosa: Se ele faz pouco <strong>de</strong> mim, faz pouco do que é <strong>de</strong>le.<br />
Bonitão: Não discuto. Só acho que você não é mulher para dormir em batente <strong>de</strong><br />
igreja. Tem qualida<strong>de</strong> para exigir mais: boa cama, com colchão e melhor<br />
companhia.<br />
Rosa: Não fale em cama para quem tem o corpo doido, como eu.<br />
Bonitão: Tão cansada assim?<br />
Rosa: Duas noites sem dormir, sete léguas calcanho...<br />
Bonitão: sete léguas? Quantos quilômetros?<br />
Rosa: Sei lá... Só sei que sete vezes amaldiçoei aquele dia que fui roubar caju com<br />
ele na roca dos Padres...<br />
Bonitão: Ah foi assim...<br />
Rosa: A gente faz cada besteira...<br />
Bonitão: Quanto tempo faz?<br />
Rosa: oito anos...<br />
Bonitão: E você casou com ele?<br />
Rosa: Casei.<br />
Bonitão: Sem gostar?<br />
Rosa: (Depois <strong>de</strong> um tempo) Gostava, sim. Sabe, na roça, o homem é feio, magro<br />
sujo e mal vestido. Ele até que era dos melhores. Tinha um sitio...<br />
14
Bonitão: E daí?<br />
Rosa: Daí, eu achei que ele garantia tudo que queria da vida:<br />
Bonitão (algo interessado) Ele tem um sitio, é?<br />
Rosa: tinha, agora tem só um pedaço. Dividiu o resto com os pobres.<br />
Bonitão: por quê?<br />
Rosa: Fazia parte da promessa.<br />
Bonitão: Que estar esperando? Virar santo?<br />
Rosa: Não brinque. Pelo caminho tinha uma porção <strong>de</strong> gente querendo que ele<br />
fizesse milagre. E não duvi<strong>de</strong>. Ele é capaz <strong>de</strong> acabar fazendo. Se não fosse a hora,<br />
garanto que tinha uma romaria aqui, atrás <strong>de</strong>le.<br />
Bonitão: Depois <strong>de</strong> cumprir a promessa, ele vai voltar pra roça?<br />
Rosa: Vai.<br />
Bonitão: E você?<br />
Rosa: Também. Por que?<br />
Bonitão: Se você viesse pra cida<strong>de</strong>, eu podia garantir um bonito futuro...<br />
Rosa: fazendo o que?<br />
Bonitão: Isso <strong>de</strong>pois se via.<br />
Rosa: Eu não sei fazer nada.<br />
Bonitão: (segura-a por um braço) Mulheres como você não precisam saber coisa<br />
alguma, a não ser o que a natureza ensinou...<br />
(rosa puxa o braço bruscamente, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> manter, por alguns segundos um olhar<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio.).<br />
Rosa: Não faça isso! Ele po<strong>de</strong> voltar <strong>de</strong> repente.<br />
Bonitão: Ele <strong>de</strong>ve ter ido acordar o Padre.(volta a aproximar-se <strong>de</strong>la)<br />
15
Rosa: (<strong>de</strong>svia-se <strong>de</strong>le novamente) Me solte.(volta a sentar-se na escada) Eu queria<br />
mesmo era dormir.Dava a vida por uma cama...Com um lençol branco... E uma<br />
bacia dágua quente on<strong>de</strong> meter.<br />
Bonitão: Eu posso arranjar um hotelzinho aqui perto... (Rosa lança-lhe um olhar<br />
hostil) isso sem segun<strong>das</strong> intenções...So para você dormir, <strong>de</strong>scansar <strong>de</strong>ssa<br />
romaria.<br />
Rosa: não quero me meter em encrencas.<br />
Bonitão: não ha nem um perigo <strong>de</strong> encrenca. Sou muito cotado com o porteiro do<br />
hotel e tenho boas relações com a policia. Nesta zona, todos respeitam o bonitão.<br />
Rosa: (quase sensualmente) bonitão.<br />
Bonitão: (vaidoso) E um apelido... (Rosa olha-o <strong>de</strong> cima a baixo) (bonitão senta-se<br />
junto <strong>de</strong>la)<br />
Rosa: Não chegue perto, estou muito suada.<br />
Bonitão: No hotel tem banheiro... Para quem andaram sete léguas, um banho <strong>de</strong><br />
chuveiro e <strong>de</strong>pois uma cama com colchão <strong>de</strong> mola...<br />
Rosa: colchão <strong>de</strong> mola mesmo?<br />
Bonitão: Então...<br />
Rosa: Nunca dormi num colchão <strong>de</strong> mola. Deve ser bom.<br />
Bonitão: Uma <strong>de</strong>licia... (Entra Zé-do-burro pela direita. Bonitão levanta-se).<br />
Zé: Tudo fechado. Tem jeito não.<br />
2º cena 2º ato<br />
Rosa: (revoltada) E eu que agüente este batente duro até Deus sabe lá que horas.<br />
Zé: paciência, rosa, seu sacrifício fica valendo.<br />
Rosa: pra que? Pra santa bárbara? Eu não fiz promessa nenhuma.<br />
Zé: Oxente! Melhor ainda. Amanha, quando você fizer, a santa já vai está lhe<br />
<strong>de</strong>vendo!<br />
16
Rosa: Nunca vi santo pagar divida. (volta a <strong>de</strong>itar no <strong>de</strong>grau)<br />
Bonitão: (Assumindo um ar tão eclesiástico quanto possível) A senhora faz mal em<br />
ser tão <strong>de</strong>scrente. Quem sabe se santa bárbara já não está provi<strong>de</strong>nciado o<br />
pagamento <strong>de</strong>ssa divida? E quem se não escolheu a mim pra pagador?<br />
Zé: (Muito ingenuamente) O senhor não era fiscal do imposto <strong>de</strong> renda?Agora é<br />
pagador <strong>de</strong> santa bárbara...<br />
Bonitão: Meu caro com o custo <strong>de</strong> vida aumentando dia a dia, a gente tem que se<br />
virar. Mas não é esse o casso. Digo que santa bárbara já estar tratando <strong>de</strong> liquidar o<br />
<strong>de</strong>bito hoje contraído com sua senhora, porque me fez passar por aqui esta noite.<br />
Zé: não vejo nada <strong>de</strong> mais nisso.<br />
Bonitão: porque o senhor não sabe que, em cinco minutos, eu posso arranjar uma<br />
boa cama, com colchão <strong>de</strong> mola, num hotel perto daqui.<br />
Zé: pra ela?<br />
Bonitão: E pro senhor também.<br />
Zé: Eu não posso. Tenho que esperar abri a igreja. E eu não posso <strong>de</strong>ixar a cruz<br />
sozinha.<br />
Bonitão: (rapidamente) Oh, não, a cruz não <strong>de</strong>ve ficar sozinha. E aqui estar cheio <strong>de</strong><br />
ladrão. A cruz é <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e a ma<strong>de</strong>ira está caríssima.<br />
Zé: E o que eu acho. Não <strong>de</strong>vo sair daqui.<br />
Bonitão: Mas eu posso ficar tomando conta, enquanto o senhor e sua senhora vão<br />
<strong>de</strong>scasar.<br />
Zé: O senhor?<br />
Bonitão: E por que não?<br />
Zé: Mas a igreja po<strong>de</strong> <strong>de</strong>morar a abrir.<br />
Bonitão: Eu espero. Sua esposa me contou a caminhada que fizeram, o senhor<br />
carregando essa cruz através <strong>de</strong> léguas e léguas, para cumprir uma promessa. Isso<br />
me comoveu.<br />
Zé: mas não é justo. Não foi o senhor que fez a promessa.<br />
17
Rosa: ele está querendo ajudar, Zé.<br />
Zé: Mas não é direito. Eu prometi cumprir a promessa sozinho, sem ajuda <strong>de</strong><br />
ninguém. E essa historia <strong>de</strong> dormir no hotel não estava no trato.<br />
Bonitão: E sua senhora está no trato?<br />
Zé: Não, rosa, ele po<strong>de</strong> ir.<br />
Bonitão: nesse caso, se quiser que eu leve a sua senhora... Ao menos ela <strong>de</strong>scansa<br />
enquanto espera pelo senhor.<br />
Zé: você quer, rosa? Que ir esperar por me no hotel?(volta-se para bonitão) E hotel<br />
<strong>de</strong>cente?<br />
Bonitão: (fingindo-se ofendido) Ora, senhor acha que eu ia indicar qualquer hotel?<br />
Zé; Descupe, é que sempre ouvi dizer que aqui na cida<strong>de</strong>...<br />
Bonitão: Po<strong>de</strong> confiar em mim.<br />
Zé: É longe da daqui?<br />
Bonitão: Não, basta subir aquela la<strong>de</strong>ira...<br />
Zé: que é que você diz, rosa?<br />
Rosa: (percebendo o jogo <strong>de</strong> bonitão) Quero não, Zé. Prefiro ficar aqui com você.<br />
Zé: Ainda agora mesmo você estava se queixando.<br />
Bonitão: Não é pra menos. Deve estar exausta. Sete léguas.<br />
Zé: Afinal <strong>de</strong> contas, você tem razão, a promessa é minha, não é sua vá com o<br />
moço, não tenha acanhamento.<br />
Bonitão: Eu vou com ela até lá, apresento ao porteiro, que é meu conhecido - sim<br />
porque uma mulher sozinha, o senhor já sabe, eles não <strong>de</strong>ixam entrar – <strong>de</strong>pois volto<br />
para lhe dizer o numero do quarto, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> cumprir a sua promessa, o senhor vai<br />
pra lá.<br />
Zé: Se o senhor fizesse isso, era um gran<strong>de</strong> favor. Eu não posso me afastar daqui.<br />
18
Bonitão: Nem <strong>de</strong>ve. Primeira santa bárbara.<br />
Rosa: Zé é melhor, eu ficar com você...<br />
Zé: pra que, rosa? Assim você vai <strong>de</strong>scasar logo numa boa cama, não precisa ficar<br />
ai <strong>de</strong>itada nesse batente frio...<br />
Bonitão: Um perigo! Po<strong>de</strong> pegar uma pneumonia.<br />
Rosa: (inicia a saída. Procura com olhar, fazer Zé-do-burro compreen<strong>de</strong>r o seu<br />
receio) Zé...<br />
Zé: Ah, sim. (Enfia a mão no bolso, tira um maço <strong>de</strong> notas) po<strong>de</strong> ser que precisa<br />
pagar adiantado...<br />
Rosa: (recebe o dinheiro. Encara o marido) Talvez seja melhor, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> entregar a<br />
cruz, você mandar também rezar uma missa em ação <strong>de</strong> graças...<br />
Zé (sem enten<strong>de</strong>r o alcance da sugestão) E, não é má idéia.<br />
(Rosa sobe la<strong>de</strong>ira e bonitão a segue).<br />
Bonitão: (saindo) Volto num minuto.<br />
Zé: Esta bem. (Senta-se ao pé da cruz e procura uma maneira <strong>de</strong> apoiar o corpo<br />
sobre ela. Aos poucos, é vencido pelo sono. As luzes se apagam em resistência).<br />
2º Cena do 2º Ato<br />
Beata: Porta fechada. É sempre assim. A gente corre, com medo <strong>de</strong> chegar<br />
atrasada e quando chega aqui a porta esta fechada. Por que não abre primeiro a<br />
porta, pra <strong>de</strong>pois tocar o sino? Não, primeiro toca o sino, <strong>de</strong>pois abre a porta. Isso é<br />
esse sacristão (para <strong>de</strong> resmungar ao ver a cruz. Ajeita os óculos),<br />
Como se não acreditasse no que esta vendo. Aproxima-se e examina<br />
<strong>de</strong>talhadamente a cruz e seu dono adormecido. (Sua expressão é da maior<br />
estranheza) Virgem Santíssima! (Neste momento abre a porta da igreja, e surge<br />
sacristão).<br />
Beata: (da-lhe uma leve cotovelada) Hei, rapaz...<br />
Sacristão: (Desperta muito assustado) Sim, Padre, já vou!...<br />
Beata: Que Padre coisa nenhuma...<br />
19
Sacristão: Ah é a senhora...<br />
Beata: Vou me queixar com Padre Olavo <strong>de</strong>ssa mania <strong>de</strong> bater o sino antes <strong>de</strong> abrir<br />
a porta da igreja. Eu ouço o toque, venho colocando as tripas pela boca, chego aqui<br />
e a porta esta fechada.<br />
Sacristão: Também por que a senhora vem logo na missa <strong>das</strong> seis? Por que não<br />
vem mais tar<strong>de</strong>?<br />
Beata: (malcriada) Por que quero. Por que não é da sua conta. (aponta para cruz)<br />
Que é isso?<br />
Sacristão: Isso o quê?<br />
Beata: Está vendo não? Uma cruz enorme no meio da praça...<br />
Sacristão: (apura a vista) Ah, sim... Agora percebo... É uma cruz <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira... E<br />
parece que tem um dormindo junto <strong>de</strong>la...<br />
Beata: Vista prodigiosa a sua! Claro que é uma cruz <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e há um homem<br />
junto <strong>de</strong>la. O que eu quero saber é a razão disso.<br />
Sacristão: Não sei... Como quer que eu saiba? Por que a senhora não pergunta a<br />
ele?<br />
Beata: (bruscamente) Eu é que não vou coisa nenhuma!<br />
Sacristão: Talvez ele tenha <strong>de</strong>sgarrado da procissão...<br />
Beata: Que procissão? De Santa Bárbara? A procissão ainda não saiu. Já viu<br />
alguém carregar uma cruz em procissão? Nem na do Senhor Morto. (benze-se e<br />
entra apressadamente na igreja).<br />
(Sacristão se aproxima <strong>de</strong> Zé-do-burro)<br />
Bonitão: Oxente...<br />
Sacristão: É uma cruz mesmo...<br />
Bonitão: E que pensou que fosse? Um canhão? (aproxima-se <strong>de</strong> Zé-do-burro) Sono<br />
<strong>de</strong> pedra... Não acordou nem com os foguetes <strong>de</strong> Santa Bárbara. Dizem que é<br />
assim que dorme as pessoas que tem a consciência tranqüila e a alma leve...<br />
(Cínico) Eu também sou assim, quando caio na cama é um sono só. (saco<strong>de</strong> Zé-doburro)<br />
Camarado... Oh, meu camarado!...<br />
20
Zé: Oh, já é dia...<br />
Bonitão: Já. E a igreja já esta aberta, você já po<strong>de</strong> entregar o carreto.<br />
Zé: É verda<strong>de</strong>...<br />
Bonitão: Eu voltei aqui para lhe dizer o numero do quarto da sua mulher. É o 27. Um<br />
bom quarto no segundo andar. Pelo menos foi o que o porteiro me garantiu.<br />
Zé: Ah, obrigado...<br />
Sacristão: (Padre Olavo aparece na porta da igreja) Padre Olavo!...<br />
Zé: Preciso falar com ele...<br />
Padre: Que esta fazendo ai.<br />
Sacristão: Estava conversando com aquele homem.<br />
Padre: E eu lá <strong>de</strong>ntro a sua espera pra ajudar na missa. Quem são esses?<br />
Sacristão: Não sei. Um <strong>de</strong>les quer falar com o senhor.<br />
Zé: Sou eu, Padre.<br />
Padre: Agora esta na hora da missa. Mas tar<strong>de</strong>, se quiser...<br />
Zé: É que eu vim <strong>de</strong> muito longe, Padre. An<strong>de</strong>i sete léguas...<br />
Padre: Sete léguas? Para falar comigo.<br />
Zé: Não, pra trazer esta cruz.<br />
Padre: E como trouxe... Num caminhão?<br />
Zé: Não, Padre, nas costas.<br />
Sacristão: Menino!<br />
Padre: Psiu! Cale a boca! Sete léguas com essa cruz nas costas. Deixa eu ver seu<br />
ombro.<br />
Sacristão: Esta em carne viva!<br />
21
Padre: Promessa?<br />
Zé: Pra Santa Bárbara. Estava esperando abrir a igreja.<br />
Sacristão: Deve ter recebido uma graça muito gran<strong>de</strong>?<br />
Zé: Graças a Santa Bárbara, a morte não levou meu melhor amigo.<br />
Padre: Mesmo assim, não parece um tanto exagerada a promessa?<br />
Zé: Nada disso, Padre. Promessa é promessa. Quando Nicolau adoeceu, o senhor<br />
não calcula como eu fiquei.<br />
Padre: Foi por causa <strong>de</strong>sse... Nicolau, que você fez a promessa?<br />
Zé: Foi. Nicolau foi ferido, seu Padre, por uma arvore que caiu num dia <strong>de</strong><br />
tempesta<strong>de</strong>.<br />
Sacristão: A arvore caiu em cima <strong>de</strong>le.<br />
Zé: Só um galho que bateu <strong>de</strong> raspão na cabeça. Ele chegou em casa escorrendo<br />
sangue <strong>de</strong> meter medo! Eu e minha mulher tratamos <strong>de</strong>le, mas o sangue não avia<br />
meio <strong>de</strong> estancar.<br />
Padre: Uma hemorragia.<br />
Zé: Só estancou quando eu fui ao curral, peguei um bocado <strong>de</strong> bosta <strong>de</strong> vaca e<br />
taquei em cima do ferimento.<br />
Padre: Mais meu filho isso é atraso! Uma porcaria!<br />
Zé: Foi o que o doutor disse quando chegou.<br />
Padre: Sem duvida.<br />
Zé: Eu tirei. Ele limpou a bem a ferida e o sangue voltou como se fosse uma<br />
cachoeira. Ensopava algodão e mais algodão e nada. Lá pelas tantas, o<br />
homenzinho virou pra mim e gritou: Corre, homem <strong>de</strong> Deus, vai buscar mais bosta<br />
<strong>de</strong> vaca se não ele morre!<br />
Padre: E... O sangue estancou?<br />
Zé: Na hora. Pois é um santo remédio. Seu Vigário sabia?<br />
22
Padre: Adiante, adiante. Não estou interessado nessa medicina.<br />
Zé: Bem, o sangue estancou, mas Nicolau começou a tremer <strong>de</strong> febre e no dia<br />
seguinte aconteceu uma coisa que nunca tinha acontecido: Eu sai <strong>de</strong> casa e Nicolau<br />
ficou. Não po<strong>de</strong> se levantar. Foi a primeira vez que isso aconteceu, em seis anos:<br />
Eu sai, fui fazer compras na cida<strong>de</strong>, entrei no bar do Jacob, passei na farmácia <strong>de</strong><br />
seu Zequinha pra saber <strong>das</strong> novida<strong>de</strong>s – tudo isso sem Nicolau. Todo mundo<br />
reparou, por que quem quisesse saber on<strong>de</strong> eu estava, era só procurar Nicolau. Se<br />
eu ia a na missa, ele ficava esperando na porta da igreja...<br />
Padre: Na porta! Por que ele não entrava? Não é católico?<br />
Zé: Tendo uma alma tão boa, Nicolau não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser católico. Mas não é<br />
por isso que ele não entra na igreja. É por que o vigário não <strong>de</strong>ixa. Nicolau teve azar<br />
<strong>de</strong> nascer burro... E <strong>de</strong> quatro patas.<br />
Padre: Burro?! Então esse que você chama <strong>de</strong> Nicolau, é um burro?! Um animal?!<br />
Zé: Meu burro... Sim senhor.<br />
Padre: E foi por ele, por um burro, que fez essa promessa?<br />
Zé: Foi... É verda<strong>de</strong> que eu não sabia que era tão difícil <strong>de</strong> achar uma igreja <strong>de</strong><br />
Santa Bárbara, que ia precisar andar setes pra encontrar uma, aqui na Bahia...<br />
Bonitão: Ele se estrepou.<br />
Zé: Mas mesmo que soubesse não <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> fazer a promessa. Por que quando vi<br />
que nem as rezas do Preto Zeferino davam jeito...<br />
Padre: Rezas? Que rezas?<br />
Zé: Seu vigário me <strong>de</strong>sculpe... Mas eu tentei <strong>de</strong> tudo. Preto Zeferino é afamado na<br />
minha cida<strong>de</strong>: Sarna <strong>de</strong> cachorro, bicheiro <strong>de</strong> animal, peste <strong>de</strong> gado, tudo isso ele<br />
cura com duas rezas e três rabisco no chão. Todo mundo diz... E eu mesmo, uma<br />
vez estava com uma dor <strong>de</strong> cabeça danada, que não havia meia <strong>de</strong> passar...<br />
Chamei Preto Zeferino e ele disse que eu estava com o sol <strong>de</strong>ntro da cabeça. Botou<br />
uma talha na minha testa, <strong>de</strong>rramou uma garrafa d'agua rezou uma oração, o sol<br />
saiu e eu fiquei bom.<br />
Padre: Você fez mal meu filho. Essas rezas são orações do <strong>de</strong>mo.<br />
Zé: Do <strong>de</strong>mo, não senhor.<br />
23
Padre: Do <strong>de</strong>mo, sim. Você não soube distinguir o bem do mal. Todo o homem é<br />
assim. Vive atrás do milagre, em vez <strong>de</strong> viver atrás <strong>de</strong> Deus. E não sabe se caminha<br />
para o céu ou para o inferno.<br />
Zé: Para o inferno? Como po<strong>de</strong> ser, Padre, se a oração fala em Deus? (recita) Deus<br />
fez o sol. Deus fez a luz, Deus fez toda a clarida<strong>de</strong> do universo. Com sua graça te<br />
benzo te curo. Vai-te sol, da cabeça <strong>de</strong>ssa criatura para as on<strong>das</strong> do mar sagrado,<br />
com os santos po<strong>de</strong>res do Padre, do filho e do espírito Santo. Depois rezou um<br />
Padre nosso e a dor <strong>de</strong> cabeça sumiu no mesmo instante.<br />
Sacristão: Incrível!<br />
Padre: Meu filho, esse homem era um feiticeiro.<br />
Zé: Como feiticeiro, se a reza é pra curar?<br />
Padre: É pra curar, é pra atentar. E você caiu em tentação.<br />
Zé: Bem, eu só sei que fiquei bom. (noutro tom) Mas como Nicolau não houve reza<br />
que fizesse ele levantar. Preto Zeferino botou o pé na cabeça do coitado, disse uma<br />
porção <strong>de</strong> orações e nada. Eu já estava começando a per<strong>de</strong>r a esperança. Nicolau<br />
<strong>de</strong> orelhas murchas, magro <strong>de</strong> se contar as costelas. Não comia, não bebia, nao<br />
mexia mais com o rabo para espantar as moscas. Eu vi que nunca mais ia ouvir os<br />
passos <strong>de</strong>le me seguindo por toda à parte, como um cão. Ate me puseram um<br />
apelido por causa disso: Zé-do-burro. Eu não me importo. Não acho que seja<br />
ofensa. Nicolau não é burro como os outros, é um burro com alma <strong>de</strong> gente. E faz<br />
isso por amiza<strong>de</strong>, por <strong>de</strong>dicação. Eu nunca monto nele. Prefiro andar a pé ou a<br />
cavalo, mas <strong>de</strong> um modo ou <strong>de</strong> outro ele vem atrás.<br />
Padre: Adiante.<br />
Zé: Foi então que comadre Miúda me lembrou: Por que eu não ia no candomblé <strong>de</strong><br />
Maria <strong>de</strong> Iansan?<br />
Padre: Candomblé?<br />
Zé: Sim, é um candomblé que tem duas léguas adiante da minha roça. Eu sei que<br />
eu nunca fui muito <strong>de</strong> freqüentar terreiro <strong>de</strong> candomblé, mas o pobre do Nicolau<br />
estava morrendo. Não custava tentar. Se não fizesse bem, mal não fazia. Contei pra<br />
Mãe-<strong>de</strong>-santo o meu caso. Ela disse que era mesmo com Iansan, dona dos raios e<br />
<strong>das</strong> trovoa<strong>das</strong>. Iansan tinha ferido Nicolau... Pra ela eu <strong>de</strong>via fazer uma obrigação,<br />
quer dizer: uma promessa. Mas tinha quer ser uma promessa bem gran<strong>de</strong>, por que<br />
Iansan que tinha ferido Nicolau com um raio não ia voltar atrás por uma bobagem. E<br />
eu lembrei então que Iansan é Santa Bárbara e prometi que se Nicolau ficasse bom<br />
24
eu carregava uma cruz <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> minha roça ate a igreja <strong>de</strong>la, no dia <strong>de</strong> sua<br />
festa, uma cruz tão pesada quanto à <strong>de</strong> Cristo.<br />
Padre: Tão pesada quanto à <strong>de</strong> Cristo. O senhor prometeu isso a...<br />
Zé: A Santa Bárbara.<br />
Padre: A Iansan!<br />
Zé: É a mesma coisa...<br />
Padre: Não é mesma coisa! Mas continue.<br />
Zé: Prometi dividir minhas terras com os lavradores pobres, mais pobres que eu.<br />
Padre: Dividir? Igualmente?<br />
Zé: Sim, Padre, igualmente.<br />
Sacristão: E Nicolau... Quero dizer, o burro, ficou bom?<br />
Zé: Sarou em dois tempos. Milagre. Milagre mesmo.<br />
Padre: Em primeiro lugar, mesmo admitindo a intervenção <strong>de</strong> Santa Bárbara, não se<br />
trataria <strong>de</strong> um milagre, mas apenas <strong>de</strong> uma graça.<br />
Zé: Como, Padre, se ele sarou <strong>de</strong> um dia pro outro...<br />
Padre: E alem disso, Santa Bárbara, se tivesse que lhe conce<strong>de</strong>r uma graça, não<br />
faze-lo num terreiro <strong>de</strong> candomblé!<br />
Zé: É que na capela do meu povoado não tem uma imagem <strong>de</strong> Santa Bárbara. Mas<br />
no candomblé tem uma imagem <strong>de</strong> Iansan, que é Santa Bárbara...<br />
Padre: Não é Santa Bárbara! Santa Bárbara é uma santa católica! O senhor foi a<br />
ritual fetichista.<br />
Zé: Não, Padre, foi a Santa Bárbara! Foi ate a igreja <strong>de</strong> Santa Bárbara que prometi<br />
vir com minha cruz! E é diante do altar <strong>de</strong> Santa Bárbara que vou cair <strong>de</strong> joelhos<br />
daqui a pouco, pra agra<strong>de</strong>cer o que ela fez por mim.<br />
Padre: Muito bem. E que preten<strong>de</strong> fazer <strong>de</strong>pois... Depois <strong>de</strong> cumprir sua promessa?<br />
Zé: Que pretendo? Voltar pra minha roça, em paz com minha consciência e quite<br />
com a santa.<br />
25
Padre: Só isso?<br />
Zé: Só...<br />
Padre: Tem certeza? Não vai preten<strong>de</strong>r ser olhado como um novo cristo?<br />
Zé: Eu?!<br />
Padre: Sim, você que acaba <strong>de</strong> repetir a via crucis, sofrendo o martírio <strong>de</strong> Jesus.<br />
Você que preten<strong>de</strong> imitar o filho <strong>de</strong> Deus.<br />
Zé: Padre... Eu não quis imitar Jesus...<br />
Padre: Mentira! Eu gravei suas palavras! Você mesmo disse que prometeu carregar<br />
uma cruz tão pesada quanto à <strong>de</strong> Cristo.<br />
Zé: Sim, mas isso...<br />
Padre: Isso prova que você esta sendo submetido a uma tentação ainda maior.<br />
Zé: Qual Padre?<br />
Padre: A <strong>de</strong> igualar-se ao filho <strong>de</strong> Deus.<br />
Zé: Não, Padre.<br />
Padre: Não se po<strong>de</strong> servir a dois senhores, a Deus e ao Diabo.<br />
Zé: Padre...<br />
Padre: Um ritual pagão, que começou num terreiro <strong>de</strong> candomblé, não po<strong>de</strong><br />
terminar na nave <strong>de</strong> uma igreja!<br />
Zé: Mas Padre, a igreja...<br />
Padre: A igreja e a casa <strong>de</strong> Deus. Candomblé é o culto do Diabo!<br />
Zé: Padre, eu não an<strong>de</strong>i sete léguas. Para voltar daqui. O senhor não po<strong>de</strong> impedir<br />
a minha entrada. A igreja não é sua, é <strong>de</strong> Deus!<br />
Padre: Vai <strong>de</strong>srespeitar minha autorida<strong>de</strong>?<br />
Zé: Padre, entre o senhor e Santa Bárbara, eu fico com Santa Bárbara.<br />
26
Padre: (para o Sacristão) Feche a porta. Quem quiser assistir a missa que entre<br />
pela porta da sacristia. Lá não da para passar essa cruz.<br />
Minha Tia: Iansan lhe <strong>de</strong> um bom dia.<br />
3º Cena do 2º Ato<br />
Galego: (em Espalhol) Gracias, Minha Tia.<br />
Minha Tia: Quer vir aqui para dar uma mãozinha pra sua tia, meu branco? Santa<br />
Bárbara lhe pague.(nota Zé-do-burro) Oxente!O que é aquilo?<br />
Galego: Não sei. Já estava acá quando abri a venda. Parece maluco (Volta a pregar<br />
as ban<strong>de</strong>irolas, enquanto Minha Tia Poe-se a arrumar o fogareiro, procura acen<strong>de</strong>lo).<br />
Dedê: (<strong>de</strong>clama) Bom dia, Galego amigo!<br />
Dia assim eu nunca vi;<br />
Para saudar Iansan,<br />
Não repare eu lhe pedir:<br />
Me empreste por obsequio<br />
Dois <strong>de</strong>dos <strong>de</strong> parati.<br />
Galego: É, com essa historia <strong>de</strong> hacer versos, usted sempre me levar na conversa,<br />
é boa mesmo essas suas rimas. Yo no creo pero hay quem crea. E yo soy um<br />
comerciante...<br />
Beata: É o cumulo! Ainda esta ai!<br />
Minha Tia: Não vai abrir a igreja hoje, Iaiá? Dia <strong>de</strong> Santa Bárbara...<br />
Beata: Não enquanto esse individuo não for embora.<br />
Minha Tia: O que foi que ele fez?<br />
Beata: Quer entrar com essa cruz <strong>de</strong>ntro da igreja.<br />
Minha Tia: Só isso?<br />
Beata: E você acha pouco? Acha que Padre Olavo ia permitir?<br />
Minha Tia: Oxente! Por que não? Foi promessa que ele fez?<br />
27
Beata: Foi. Mas promessa <strong>de</strong> candomblé. Pra uma tal <strong>de</strong> Iansan... Que Deus me<br />
perdoe.<br />
Guarda: Olá, amigo.<br />
Zé: Olá.<br />
Guarda: É para a procissão <strong>de</strong> Santa Bárbara?<br />
Zé: Não<br />
Guarda: E o senhor esta aqui fazendo o que?<br />
Zé: Estou aqui <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as quatro e meia?!<br />
Guarda: Quatro e meia?! O senhor <strong>de</strong>ve ser um <strong>de</strong>voto e tanto! Mas acontece que<br />
escolheu um mau lugar...<br />
Zé: A culpa não é minha.<br />
Guarda: Minha obrigação é facilitar o transito, tanto quanto possível.<br />
Zé: sinto muito, mas não posso sair daqui.<br />
Guarda: ai,ai,ai,ai,ai... eu estou querendo me enten<strong>de</strong>r com o senhor...<br />
Zé: Eu também estou querendo me enten<strong>de</strong>r com o senhor e com todo mundo. Mas<br />
eu acho que ninguém me enten<strong>de</strong>. O padre fechou a porta da igreja na minha cara<br />
como se eu fosse satanás em pessoa. Eu Zé-do-burro, <strong>de</strong>voto <strong>de</strong> santa bárbara.<br />
Dedé: mas afinal, o que o senhor que?<br />
Zé: que me <strong>de</strong>ixe colocar esta cruz <strong>de</strong>ntro da igreja, nada mais. Depois, prometo ir<br />
embora. É, com tanto apereio eu já estou ficando vexado!<br />
Dedé: foi promessa. Promessa que ele fez.<br />
Guarda: Promessa...Colocar a cruz <strong>de</strong>ntro da igreja...Não vejo dificulda<strong>de</strong> nenhuma<br />
nisso. Fala-se com o padre e...<br />
Zé: Se o senhor consegui que o padre abra a igreja e me <strong>de</strong>ixe entrar, está tudo<br />
resolvido.<br />
Guarda: pois bem eu vou falar com ele.(sai)<br />
28
Rosa: você ainda está ai? A igreja ainda não abriu?<br />
Zé: Abril sim. Mas o padre não quer <strong>de</strong>ixar entrar com a cruz.<br />
Rosa: por quê?<br />
Zé: não sei, rosa, não sei...<br />
Rosa: É <strong>de</strong> repente a gente, pensa que é outra pessoa. Mas <strong>de</strong>ixa pra lá.<br />
(De repente aparece uma repórter)<br />
Repórter: Lá está ele. Bom dia amigo! Parabéns! O senhor é um herói.<br />
Zé: um herói?<br />
Reporte: sim, sete léguas carregando esta cruz. Carijó bata uma foto. Finja que esta<br />
comigo.<br />
Zé: fingir que eu estou falando... Pra quê?<br />
Reporte: E <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> algumas horas o Brasil inteiro vai saber. O senhor vai ficar<br />
famoso.<br />
Zé: Mas eu não quero ficar famoso, eu quero...<br />
Rosa: que é isso, Zé. Seja mais <strong>de</strong>licado com o moço. Ele é da gazeta...<br />
Reporte: mulher <strong>de</strong>le?<br />
Rosa: Sim. Também an<strong>de</strong>i sete léguas - meu pé tem cada calo <strong>de</strong>sse tamanho.<br />
Reporte: maravilhoso. E em quanto tempo cobriram o percurso?<br />
Rosa: como?<br />
Reporte: quero dizer: quando saíram <strong>de</strong> lá, <strong>de</strong> sua cida<strong>de</strong>?<br />
Rosa: da roça. Saímos ontem <strong>de</strong> manhãzinha. Cinco horas da manha.<br />
Reporte: A que horas chegaram aqui?<br />
Rosa: antes <strong>das</strong> cinco.<br />
29
Reporte: fizeram o percurso em 24 horas. Com uma cruz que pesa?<br />
Zé: Não sei, não pesei.<br />
Reporte: por menos que pense, é um “Record”! Sob este aspecto, po<strong>de</strong>mos<br />
consi<strong>de</strong>rar um gran<strong>de</strong> feito esportivo. Uma prova <strong>de</strong> resistência física... E <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>dicação...<br />
Reporte: Mas como nasceu a idéia <strong>de</strong>ssa... Peregrinação?<br />
Rosa: não nasceu idéia nenhuma. O burro adoeceu, ia morrer então ele fez essa<br />
promessa para santa bárbara.<br />
Reporte: O burro? Que burro?<br />
Rosa: Nicolau.<br />
Zé: por quê? Vocês acham que meu burro não vale uma promessa?<br />
Reporte: Não, <strong>de</strong> modo algum...<br />
Rosa: E não foi só isso. Ele prometeu dividir o sitio com aquela cambada <strong>de</strong><br />
preguiçosos!<br />
Zé: que preguiçosos. Gente que quer trabalhar e não tem terra.<br />
Reporte: Repartir o sitio.. Diga-me o senhor é a favor da reforma agrária?<br />
Zé: reforma agrária? O que é isso?<br />
Reporte: É o que o senhor acaba <strong>de</strong> fazer em seu sitio. Redistribuição <strong>das</strong> terras<br />
entre aqueles que não as possuem. É <strong>de</strong> mestre! Avalio a agitação que o senhor<br />
fez com isso. Pelas estra<strong>das</strong>, no caminha até aqui, <strong>de</strong>ve ter-se juntado uma<br />
verda<strong>de</strong>ira multidão para vê-lo passar.<br />
Zé: É, tinha...<br />
Rosa: muito moleque também.<br />
Reporte: E imagine a volta! A chegada a sua cida<strong>de</strong>, em carro aberto, banda <strong>de</strong><br />
musica, foguetes!<br />
Zé: A senhora está maluca? Não vai haver nada disso.<br />
30
Reporte: vai. Vai porque o meu jornal vai promover. Só faço questão <strong>de</strong> uma coisa:<br />
que o senhor nos dê exclusivida<strong>de</strong>.<br />
Zé: moço, eu acho que o senhor não enten<strong>de</strong>u... ninguém ainda não enten<strong>de</strong>u...<br />
Guarda: Não consegui nada.<br />
Zé: O senhor falou com o padre?<br />
Guarda: falei, argumentei... Não adiantou. Por isso que é melhor o senhor ir embora,<br />
porque eu conheço o padre e quando fala uma coisa ele não volta a traz.<br />
Repórter: ótimo, ótimo, assim nos temos noticias pra semana inteira. E sua volta vai<br />
ser triunfal com banda <strong>de</strong> musica!<br />
Zé: Moço, eu vim a pé e vou voltar a pé.<br />
Minha Tia: oi moça que um acarajé para fora o bucho?<br />
Rosa: aceito pra matar a fome.<br />
Minha Tia: está precisando mesmo. É <strong>de</strong> hoje que vosmincês estão ai...<br />
Rosa: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo.<br />
Minha Tia: E ele parece ser um homem tam bom...Diga a ele que não <strong>de</strong>sanime que<br />
iansan tem força!<br />
Repórter: vocês não estão pensando em ir embora sem a coletiva no nosso jornal?<br />
Zé: vou embora quando quiser. Eu só quero pagar minha promessa e nada mais.<br />
Repórter: fomos aos nossos clientes e eles se dispuseram a ajuda-los.<br />
Zé: a senhora trouxe essas coisas para nos?<br />
Repórter: sim, um pouco <strong>de</strong> conforto durante esses dias que vão ficar aqui pra pagar<br />
a promessa, eu crê que a santa não vai achar ruim.<br />
Rosa: por favor, leve tudo isso daqui. Nos estamos <strong>de</strong> partida.<br />
Repórter: De partida? Não, não po<strong>de</strong> ser... isso seria uma <strong>de</strong>sgraça para mim...O<br />
jornal já fez <strong>de</strong>spesas... já compramos foguetes, contratamos uma banda <strong>de</strong> musica<br />
para a volta...<br />
31
Rosa: A volta vai ser hoje mesmo.<br />
Repórter: Hoje? Mas não dar tempo!... Não estar nada preparado.. O que é que a<br />
senhora pensa? Que é assim tam simples organizar uma promoção <strong>de</strong> ven<strong>das</strong>? É<br />
muito fácil pegar uma cruz colocar nas costas e andar sete léguas. Mas um jornal é<br />
uma coisa muito complexa.<br />
Rosa: Eu quero que se dane o seu jornal! Eu quero ir embora daqui! O Zé tem<br />
razão, vocês querem ajudar, mas acaba <strong>de</strong>sgraçando a nossa vida.<br />
Repórter: está precisando <strong>de</strong> alguma ajuda... Particular?<br />
Rosa: Estou. A policia anda rondando a praça.<br />
Repórter: A policia?<br />
Rosa: tem um guarda, que quer levar ele preso.<br />
Repórter: por que?<br />
Rosa: talvez é porque ele é muito honesto e que pagar uma promessa.<br />
Repórter: hum... Bem me pareceu que por trás <strong>de</strong>ssa historia do burro, da<br />
promessa, havia qualquer coisa...Uma intenção oculta e um objetivo político. A<br />
policia, naturalmente, percebeu também...<br />
Rosa: Mas ele não tem nenhuma intenção, a não ser <strong>de</strong> pagar a promessa!<br />
Repórter: (sorri, <strong>de</strong>scrente) É claro que a senhora não vai dizer. Nem ele também.<br />
Mas po<strong>de</strong>m contar comigo e com o meu jornal. Se ele for preso, daremos toda<br />
cobertura. Abriremos manchetes na primeira pagina. Será uma maravilha para ele!<br />
Rosa: maravilha! Maravilha ser preso?<br />
Repórter: Todo lí<strong>de</strong>r precisa ser preso pelo menos uma vez!<br />
Rosa: Lí<strong>de</strong>r... Eu acho que a senhora é maluca. A senhora, esse padre, a policia<br />
todos. E eu também, se não me cuidar, vou acabar ficando.<br />
Repórter: (chama o fotografo) Prepare-se daqui a pouco é capaz <strong>de</strong> haver um<br />
bafafá...<br />
1º cena 3º ato<br />
32
Rosa: <strong>de</strong>sista, Zé. Desista.<br />
Zé: por que você não espera aqui até à hora <strong>de</strong> ir embora.<br />
Rosa: É, o jeito esperar...<br />
Zé: Aon<strong>de</strong> vai, rosa?<br />
Rosa: vou ali, já volto.<br />
Zé: Ali aon<strong>de</strong>?<br />
Rosa: No hotel on<strong>de</strong> dormi. Lembrei agora que esquici lá o meu lenço.<br />
Zé: rosa!<br />
Rosa: que é?<br />
Zé: <strong>de</strong>ixe esse lenço pra lá!<br />
Rosa: Não posso, Zé. Eu preciso <strong>de</strong>le!<br />
Zé: Compro outro pra você, rosa!<br />
Rosa: pra quê, Zé, gastar dinheiro á toa... É daquele que eu gosto!<br />
Dedé: (começa a rimar ) Quem corta e prepara o pau,<br />
Quem cava e faz a gamela,<br />
Toma a si todo trabalho e <strong>de</strong>pois fica sem ela...<br />
(o sino da igreja começa a tocar as ave- marias. A beata surge no alto da la<strong>de</strong>ira,<br />
apressada. Ao passar pela roda <strong>de</strong> capoeira que novamente se anima, tem um ar <strong>de</strong><br />
repulsa e indignação.<br />
Beata: falta <strong>de</strong> respeito! Bem em frente da igreja. Este mundo está perdido!...<br />
Minha Tia: (oferece) caruru, Iaiá!<br />
Beata: (pára junto a ele) Que?<br />
Minha Tia: caruru <strong>de</strong> lansan...<br />
Beata: (como se ouvisse o nome do diabo) lansan?! E que É que eu tenho com<br />
dona iansan? Sou católica apostólica romana, não acredito em bruxaria!<br />
33
Minha Tia: A discupe, Iaiá, mas Iansan e santa bárbara não é a mesma coisa?<br />
Beata: Não é não senhora! Santa bárbara é uma santa. E Iasan é... é coisa <strong>de</strong><br />
candomblé, que Deus me perdoe!...(benze-se repeti<strong>das</strong> vezes e sai)<br />
Coro: Quem corta e prepara o pau,<br />
Quem cava e faz a gamela,<br />
Toma a si todo trabalho e <strong>de</strong>pois fica sem ela...<br />
2º cena 3º ato<br />
Coca: (Mestra coca entra correndo). (A Zé-do-burro) Meu camarada, trate <strong>de</strong> ir<br />
embora! Então lhe arrumando uma enrascada.<br />
Zé: O que?<br />
Coca: chegou um carro da policia! Eles estão com o padre, na sacristia.<br />
Minha tia: Vieram por causa <strong>de</strong>le?<br />
Coca: Então!<br />
Zé: Mas eu não roubei, não matei ninguém!<br />
Dedé: quer um conselho? Experiência própria: com a policia, é melhor fugia do que<br />
discutir.<br />
Coca: an<strong>de</strong> <strong>de</strong>pressa que nos agüentamos eles que até você ganhar o mundo!<br />
Zé: Não, eu não vou fugir como qualquer criminoso, se estou com a minha<br />
consciência tranqüila.<br />
Dedé: Ele não se separa da cruz.<br />
Coca: A gente escon<strong>de</strong> a cruz.<br />
Minha tia: E <strong>de</strong> noite ele leva ela pra Iansan.<br />
Coca: Vamos todo mundo levar! Todos os capoeiras da Bahia!<br />
Minha tia: É a mesma coisa, meu filho! Iansan é santa bárbara. Eu lhe mostro lá<br />
“peji” a imagem da santa.<br />
Coca: É preciso se <strong>de</strong>cidir, meu camarada! Antes que seja tar<strong>de</strong>.<br />
34
Zé: (balança a cabeça, sentindo-se perdido e abandonado) santa bárbara me<br />
abandonou! Por quê, eu não sei...Não sei!<br />
Rosa (<strong>de</strong>sce a la<strong>de</strong>ira correndo) Zé! Não adianta...Não adianta mais...Falei com ele,<br />
mas não adianta. A policia já está ai! Vem cercar a praça!<br />
Coca: Eu não disse?<br />
Dedé: É preciso andar <strong>de</strong>pressa, meu irmão!<br />
Minha tia: Some daqui, meu filho!<br />
Rosa! Vamos, Zé!<br />
Zé: Santa bárbara me abandonou, rosa!<br />
Rosa: Se ela abandonou você, abandonou também a promessa. Quem sabe se não<br />
é ela mesma que não quer que você cumpra o prometido?<br />
Zé: Não... Mesmo que ela me abandone...Eu preciso ir até o fim...Ainda que já não<br />
seja por ela...Que seja pra ficar em paz comigo mesmo.<br />
3º cena 3º ato<br />
(subitamente, abre a porta da igreja e entra o <strong>de</strong>legado o padre, o guarda, o<br />
sacristão)<br />
Delegado: (Aponta para Zé-do-burro) É esse ai.(avança para Zé-do-burro, seguido<br />
do guarda)<br />
Guarda: (como que se <strong>de</strong>sculpando) Eu já pedir a ele pra sair daqui, seu <strong>de</strong>legado,<br />
não adianto...<br />
Delegado: (faz o guarda calar comum gesto autoritário) Seus documentos.<br />
Zé: (estranha) Documentos?...<br />
Delegado: Carteira <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.<br />
Zé: Tenho não...<br />
Delegado: Outra carteira, outro documento qualquer.<br />
35
Zé: moço, eu vim só pagar uma promessa. A santa me conhece, não precisa<br />
carteira <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.<br />
Delegado: (sorri irônico) Pagar uma promessa...Pensa que nos somos idiotas.<br />
Guarda: Não <strong>de</strong>mora e ele conta a historia do burro...<br />
Delegado: Ele vai contar essas historias to<strong>das</strong>, mas é na <strong>de</strong>legacia. Vamos,<br />
acompanhe-me.<br />
Zé: (seu olhar vai do <strong>de</strong>legado ao guarda sem enten<strong>de</strong>r o que se passa)<br />
Acompanhar o senhor...Pra quê?<br />
Delegado: Mas tar<strong>de</strong> você verá. Sou <strong>de</strong>legado <strong>de</strong>sse distrito. Obe<strong>de</strong>ça.<br />
Zé: Não posso. Não poso sair daqui.<br />
Delegado: Não po<strong>de</strong> por quê?<br />
Coca: promessa, seu <strong>de</strong>legado. Ele é crente.<br />
Delegado: O padre disse que ele ameaçou invadir a igreja. Pediu garantia.<br />
Guarda: Eu mesmo ouvi ele dizer ia jogar uma bomba. Todo mundo aqui é<br />
testemunha!<br />
Delgado: (segura Zé-do-burro por um braço, mas se <strong>de</strong>svencilha) Que vai reagir?<br />
Guarda: acho melhor o senhor obe<strong>de</strong>cer...<br />
Delegado: Se ele reagir, pior para ele. Não estou disposto a per<strong>de</strong>r tempo e<br />
conheço <strong>de</strong> sobra esses tipos. Só se entrega mesmo é na bala.<br />
Rosa: Não!<br />
Zé: Os senhores <strong>de</strong>vem estar enganados. Deve estar me confundindo com outra<br />
pessoa. Sou um homem pacato,vim só pagar uma promessa que fiz a santa<br />
bárbara.(aponta para o padre) ai está o vigário para dizer se é mentira minha!<br />
Padre: É mentira, sim! E não somente mentira, também um sacrilégio!<br />
Zé: padre, o senhor não po<strong>de</strong> dizer que é mentira, que eu não fiz essa promessa!<br />
36
Padre: Sim, talvez tenha feito, por expiração <strong>de</strong> satanás! Ha quem diga que não<br />
estamos em época <strong>de</strong> acreditar em bruxas. No em tanto, elas ainda existem!<br />
Mudaram talvez <strong>de</strong> aspecto, como satanás mudou <strong>de</strong> métodos.É mais difícil<br />
combate-las agora, porque são em números disfarces. Mas o objetivo <strong>de</strong> to<strong>das</strong><br />
continua a ser um só: <strong>de</strong>struição da santa madre-igreja!<br />
Delegado: Padre, este homem...<br />
Padre: Este homem teve to<strong>das</strong> as oportunida<strong>de</strong>s para se arrepe<strong>de</strong>r-se. Deus é<br />
testemunho <strong>de</strong> que fiz tudo para salva-lo. Mas ele não quer ser salvo. Pior para ele.<br />
Delegado: Sim, pior para ele.(avança um passo na direção <strong>de</strong> Zé-do-burro, que<br />
recua e fica encurralado contra a pare<strong>de</strong>).<br />
Zé: (<strong>de</strong>cidido a resistir) Não! Ninguém vai me levar preso! Não fiz nada pra ser<br />
preso!<br />
Delegado: Se não fez não tem o que temer, será solto <strong>de</strong>pois. Vamos a <strong>de</strong>legacia.<br />
Rosa: Não, Zé, não vá!<br />
Guarda: É melhor... Na <strong>de</strong>legacia o senhor explica tudo.<br />
Dedé: Não caia nessa, meu camarada.<br />
Zé: Agora eu <strong>de</strong>cidi: só morto me leva daqui. Juro por santa bárbara, so morto.<br />
Guarda: (vê a faca na mão <strong>de</strong> Zé-do-burro) tome cuidado, chefe, que ele está<br />
armado!(Observa a atitu<strong>de</strong> hostil dos capoeiras) E essa gente está do lado <strong>de</strong>le!<br />
Coca: E estamos mesmo. E aqui vocês não vão pren<strong>de</strong>r ninguém!<br />
Delegado: Não vamos por que?<br />
Minha tia: porque não está direito!<br />
Delegado: Estão querendo comprar barulho?<br />
Coca: Vocês que sabem...<br />
Delegado: Não se metam se não vão se dar mal!<br />
Guarda: E é melhor que se afastem.<br />
Rosa: Zé!<br />
37
Zé: Me <strong>de</strong>ixe, rosa! Não venha pra cá!(Zé sai correndo)<br />
(Zé-do-burro, <strong>de</strong> faca em punho, recua em direção a igreja. Sobe um ou dois<br />
<strong>de</strong>graus <strong>de</strong> costas. O padre vem por traz e dá uma pancada em seu braço. Zé-doburro<br />
corre e abaixa-se para apanha-la.os policiais aproveita e caem sobre ele, para<br />
subjuga-lo. E os capoeiras caem em cima dos policias para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>-lo.Zé-do-burro<br />
<strong>de</strong>sapareceu na onda humana. Ouve-se um tiro.<br />
Rosa: (num grito) Zé!(corre para ele)<br />
Padre: (num começo <strong>de</strong> culpa) virgem santíssima!<br />
Delegado: (para o guarda) Vamos buscar reforço.(Sai, seguido do guarda)<br />
(o padre <strong>de</strong>sce os <strong>de</strong>graus da igreja, em direção do corpo <strong>de</strong> Zé-do-burro)<br />
rosa: (com rancor) Não chegue perto!<br />
Padre: queria encomendar a alma <strong>de</strong>le...<br />
Rosa: Encomendar a quem?(pausa) para Deus? Ou para o <strong>de</strong>mônio?<br />
(O padre abaixa e volta ao altar da escada. Bonitão surge, mestre coca consulta os<br />
companheiros com um olhar. Todos compreen<strong>de</strong>m a sua intenção e respon<strong>de</strong>m<br />
afirmativamente com a cabeça. Mestre coca inclina-se diante <strong>de</strong> Zé-do-burro,<br />
segura-o pelos braços, os outros capoeiras se aproximam também e ajudam a<br />
carregar o corpo. Colocam sobre a cruz, <strong>de</strong> costas com os braços estendidos, como<br />
um crucificado. Carregam-no assim, e levam até a igreja. Bonitão segura rosa por<br />
um dos braços, tentando levá-la dali. Mas rosa recusa sua ajuda com um safanão e<br />
segui com os capoeiras no cortejo, o padre recua e as beatas saem e os capoeiras<br />
entram na igreja com a cruz, sobre ela o corpo <strong>de</strong> Zé-do-burro. Só Minha tia<br />
permanece em cena.quando uma trovoada tremenda <strong>de</strong>saba sobre a praça.<br />
Minha tia: (Encolhe-se toda, amedrontada, toca com as pontas dos <strong>de</strong>dos o chão e<br />
atesta) Éparrei minha mãe!<br />
Personagens:<br />
Zé-do-burro<br />
Rosa<br />
Marli<br />
Bonitão<br />
Padre<br />
Sacristão<br />
38
Zé<br />
Uma peruca preta.<br />
Barba postiça.<br />
Pano branco.<br />
Cruz <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira.<br />
Calça velha.<br />
Uma camisa velha.<br />
Rosa<br />
Vestido com flores.<br />
Lenço branco.<br />
Sandália.<br />
Bonitão<br />
Camisa branca.<br />
Calça jeans.<br />
Chapéu preto.(cow-boy)<br />
Bota (cow-boy)<br />
Marli<br />
Um top rosa.<br />
Saia rosa.<br />
Guarda<br />
Beata<br />
Galego<br />
Minha tia<br />
Repórter<br />
Fotografo<br />
Dedé<br />
Delegado<br />
Mestre coca<br />
E a roda <strong>de</strong> capoeira<br />
Texto: <strong>Dias</strong> <strong>Gomes</strong>·<br />
Adaptação e concepção: Cecéu Trajano<br />
Direção: Cecéu Trajano<br />
Fim<br />
Lista <strong>de</strong> Figurino do espetáculo “o pagador <strong>de</strong> promessas”<br />
Sandália preta salto 20.<br />
Uma bolsa preta.<br />
Meia calça cor da pele.<br />
Uma peruca loira<br />
Padre<br />
Uma batina.<br />
Um chapéu preto (massa)<br />
Crucifixo<br />
Sandália franciscana<br />
Freira<br />
Roupa <strong>de</strong> freira<br />
Guarda<br />
Roupa <strong>de</strong> guarda<br />
Bota preta<br />
Cassetete<br />
39
Beata<br />
Vestido preto.<br />
Véu preto.<br />
Crucifixo.<br />
Sapato preto.<br />
Galego<br />
Roupa branca<br />
Minha tinha<br />
Vestido <strong>de</strong> baiana<br />
Colores baianos<br />
5 (cinco) metro <strong>de</strong> pano branco<br />
Um Aguidar<br />
Repórter<br />
Microfone<br />
Blazer<br />
Saia social<br />
Sapato social<br />
Fotografo<br />
Colete<br />
Camisa branca<br />
Calça social<br />
De<strong>de</strong><br />
Calça velha jeans<br />
Chapéu <strong>de</strong> couro<br />
Sandália franciscana<br />
Camisa xadrez social<br />
Delegada<br />
Saia social cinza<br />
Blazer cinza<br />
Sapato preto<br />
Mestra Coca<br />
Roupa <strong>de</strong> capoeirista<br />
Um berimbau<br />
Jesus meu senhor, eis que me atrevi abrir os evangelhos e a ler em voz alta para<br />
meus irmãos pecadores, a palavra da tua boca, e a mensagem da tua dor. Atrevi-me<br />
a tanta, porque procurava um caminho para minha consciência e a minha alma.<br />
Queria que outros percebessem o quanto eis vivo, o quanto eis real, o quanto eis<br />
infinitamente consolador. Queria que outros sentissem a tua presença, neste mundo<br />
que pensa que é novo, mas que é tão velho no teu materialismo sem pieda<strong>de</strong>. Ao<br />
passo que tu te renovas a cada dia no imenso amor e no teu generoso perdão. Este<br />
mundo que se per<strong>de</strong>, que se per<strong>de</strong> no amanhã do progresso tecnológico, sem<br />
saber evitar que as próprias maquinas que <strong>de</strong>via libertar o homem, não sirvam<br />
senão para escraviza-la.<br />
Está diante <strong>de</strong> nós, e nós não sabemos o que fazer contigo. Se seremos como<br />
Ju<strong>das</strong>, que te entregou com um beijo, por trinta moe<strong>das</strong> <strong>de</strong> prata, como Pedro que<br />
te negou três vezes, como anãs que te mandou a pilatos, ou como pilatos que lavou<br />
as mãos, ou como Simão cirineu que te ajudou carregar cruz. E porque não<br />
sabemos o que fazer contigo, tu gemes, como se nunca tivesse ouvido um sermão<br />
da montanha, como se nunca uma virgem Maria tivesse chorado lagrimas <strong>de</strong><br />
sangue, caída por terra ao pe da cruz.<br />
Senhor, se algum merecimento tiver diante <strong>de</strong> teus olhos, neste meu império ru<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> chamar a outrem para perto <strong>de</strong> ti, permiti que eu me atreva mais ainda e peça,<br />
peça não para mim, que sou pequeno e mau, mas para meu país é gran<strong>de</strong>, para<br />
meu povo que é bom e sofredor.<br />
Senhor, não permita que esta minha terra se torne forte pelo sacrifício dos fracos,<br />
mas sim, que com o progresso alcancemos a justiça,<br />
40
Oxum<br />
Oxum tinha uma beleza tão imensa que causava inveja em quem ficava a seu lado,<br />
todos os homens queriam tela pelo o menos uma noite ao seu lado. Oxum era muito<br />
sentimental vivia chorando, seu quarto era <strong>de</strong>corado todo em ouro e enfeitado <strong>de</strong><br />
lírios, ela vivia envolta da cachoeira ou em lagos e cantando, sempre com um<br />
espelho todo em extras dourado e passava horas e horas se admirando com a sua<br />
calma e carinho e assim o povo a <strong>de</strong>terminava rainha, mas Inhasã a impedia <strong>de</strong><br />
governar, as duas se estranhavam sempre. Quando oxum se tornou rio boi a mata<br />
a<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ixando mais bela a fauna e a flora, <strong>de</strong>ixando a floresta completamente<br />
cheia <strong>de</strong> riquezas naturais e valiosas que cobiçavam os homens a telas. Mas Oxossi<br />
o protetor <strong>das</strong> floretas era o protetor <strong>das</strong> matas e cruel com quem ousasse a<br />
machucar a fauna e flora.<br />
Oxossi<br />
Oxossi era um homem com conceitos ele vivia na mata seu corpo mudava <strong>de</strong> forma<br />
a todo o momento uma hora ele era um jaguar outra hora ele era uma arara e<br />
<strong>de</strong>pois ele se transformava em pessoa novamente sempre trazia na suas mãos um<br />
arco e flecha. Ele ficou admirado com a beleza <strong>de</strong> oxum e se apaixonou por ela<br />
juntos tiveram dias e dias <strong>de</strong> amor: e <strong>de</strong>sse amor foi gerado Iogum- ê<strong>de</strong>.<br />
Logum-ê<strong>de</strong> era hermafrodita. Eles colocaram esse nome em homenagem a ogum<br />
que era amigo do casal, oxum tinha um carinho muito forte por ogum aponto <strong>de</strong><br />
chamá-lo quando precisava <strong>de</strong> ajuda <strong>de</strong> força, catava para ele, ele também a<br />
admirava quando ela hipnotizava os peixinhos para ficar pulando em sua volta ou<br />
quando ela se banhava nas águas cristalinas, que recebeu a missão <strong>de</strong> proteger <strong>de</strong><br />
sua mãe Iemanjá, já que a mãe dos orixás <strong>de</strong>testava sapo. Oxum foi a orixá que<br />
mais gerou filhos por isso também é chamada <strong>de</strong> mamãe oxum e também porque a<br />
água doce é indispensável para nossa sobrevivência e nas águas doces está<br />
concentrada uma gra<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida. (A <strong>de</strong>usa da fertilida<strong>de</strong>)<br />
Santa bárbara<br />
Santa bárbara era uma moça que queria ser freira ela era muito <strong>de</strong>vota, seu pai<br />
odiava esse seu conceito e fez prisioneira em uma torre, mas não adiantou, santa<br />
bárbara ficou ainda mais <strong>de</strong>vota, seu pai em fúria a espancou em praça publica,<br />
quando ele resolveu a executa-la ela lançou uma olhada para o céu e pedia a <strong>de</strong>us<br />
justiça. Depois que seu pai arrancou a sua cabeça, <strong>de</strong>sabou uma tremenda<br />
tempesta<strong>de</strong> naquela região com raios e trovão.<br />
Yemanjá<br />
Quando Oxalá recebeu a missão <strong>de</strong> criar o mundo, ele soltou cinco galinhas da<br />
angola e elas começaram a ciscar por todo o gelo, era o único continente on<strong>de</strong> no<br />
centro habitava o palácio <strong>de</strong> yemanjá seu marido e seu filho, num dia o filho <strong>de</strong>sta<br />
mulher quis violenta-la, mas não querendo machucar seu filho, ele começou a correr<br />
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nesse gran<strong>de</strong> continente, sem forças ela caiu morta e seu corpo começou a inchar e<br />
seus seios ficaram transparente e começaram acrescer ate rompe-los e<br />
transbordaram litros e litros <strong>de</strong> água, separando continentes e tomando conta <strong>de</strong><br />
70% daquele globo, Oxalá ficou encantado com aquele liquido transparente que se<br />
<strong>de</strong>rramavam rios , mares, oceanos, com aquele sofrimento, yemanjá se tornou uma<br />
mulher protetora dos oprimidos, mãe universo e intolerante, sua maior concentração<br />
<strong>de</strong> água <strong>de</strong>termina<strong>das</strong> oceanos eram tão fundos e furiosos que formavam on<strong>das</strong><br />
que <strong>de</strong>sfaziam em terra firme. Ela não teve pieda<strong>de</strong> alguma com seu filho e o<br />
arrastou oceano a<strong>de</strong>ntro, com tinha quilos <strong>de</strong> sal assim <strong>de</strong>ixando a água daquele<br />
imenso oceano salgada. Com o tempo aquele globo ficou calmo, foi quando Oxalá<br />
pediu para yemanjá <strong>de</strong> seu ventre materno e po<strong>de</strong>roso gerar outros seres, para<br />
cada um receber uma missão e dar continuida<strong>de</strong> em povoar aquele globo. Yemanjá<br />
gerou doze orixás: maná, omolum, ogum, ynhasã, oxum, Oxossi, xangô, exu, oba,<br />
oxum-maré, ossãe, logum-edê. (cada um <strong>de</strong>sses recebeu uma missão)<br />
Ynhasã<br />
Ynhasã era uma moça jovem, mas com a força <strong>de</strong> uma adulta ela tinha na sua<br />
mente seus planos para ela, a <strong>de</strong>rrota não existia. Ynhasã chamava a atenção em<br />
todos os lugares que ia, ela era o centro <strong>das</strong> atenções, ela sonhava apenas com o<br />
po<strong>de</strong>r e não media conseqüências para obter o que ela queria.<br />
Seguidora <strong>de</strong> xangô, ela o admirava e sonhava em ser sua mulher, mas, ele era oba<br />
e era o noivo <strong>de</strong> oxum, no dia do casamento <strong>de</strong> xangô com oxum, ynhasã cortou o<br />
pedaço <strong>de</strong> sua orelha e colocou na comida <strong>de</strong> xangô, logo a pós a cerimônia xangô,<br />
pois a comer e ficou enfeitiçado por ynhasã, xangô a <strong>de</strong>terminou como a sua<br />
próxima mulher.<br />
Ynhasã não tolerava dividir o seu homem com as outras, ela queria ele apenas para<br />
ela. Ynhasã começou ase envolver com ogum, para testar se xangô a amava<br />
mesmo: num dia em que ogum passeava por druanda ele viu um gran<strong>de</strong> búfalo e<br />
pesou em mata-lo com sua espada, quando ele chegou perto viu uma moça linda<br />
saindo <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro daquele bicho feio, era ynhasã, ela o conquistou juntos tiveram um<br />
lindo romance.<br />
Mas ogum queria uma prova <strong>de</strong> que aquela mulher era mesmo persistente.<br />
Ynhasã seduziu omolum e numa noite <strong>de</strong> amor ela arrancou sua orelha e a <strong>de</strong>u para<br />
ogu, xangô <strong>de</strong>scobriu o caso e <strong>de</strong>clarou guerra a ogum os dois brigaram por<br />
ynhasã, ela teve uma resposta <strong>de</strong> que xangô a amava mais que os outros, ela<br />
odiava oxum que os homens caiam <strong>de</strong> encantos.<br />
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