Entre rezas, Benditos e Santos: O Quotidiano das ... - anpuh
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<strong>Entre</strong> <strong>rezas</strong>, <strong>Benditos</strong> e <strong>Santos</strong>: O <strong>Quotidiano</strong> <strong>das</strong> Rezadeiras na Cidade de Juazeiro<br />
do Norte nos Meados do Século XX.<br />
RESUMO:<br />
Cícera Emiliane Bezerra Feitosa<br />
Universidade Regional do Cariri-URCA<br />
Fazendo largo uso da história oral pretendo construir uma análise sobre o quotidiano de três<br />
mulheres que durante toda a sua vida, no decorrer do século XX se entregaram a práticas<br />
religiosas á margem da religião oficial, como: curas, adivinhações, benzeduras e mistérios.<br />
Essas mulheres acreditam possuir um dom concedido por Deus, e por isso, sentiam-se<br />
obriga<strong>das</strong> a servir o outro, mesmo sendo extremamente discrimina<strong>das</strong>, chama<strong>das</strong><br />
constantemente de charlatãs e embusteira por um discurso elitista que recusa suas práticas<br />
por não serem aceitas pela religião dominante. Enfatizando a importância dessas práticas<br />
como uma tática para enfrentar o poder disciplinador da Igreja Católica.<br />
Palavras-chaves: práticas religiosas,quotidiano,mulheres<br />
ABSTRACT:<br />
Malcing large use of the history oral intend to build one analyse about the cotidiano of three<br />
women that during all the your life, in the occur of the century XX if delivered the pratices<br />
votaress the margin of the religion officer, as:prayes,cures, riddles,benedictions and<br />
mysteriorious.That women belieu to possess one donation conceded by God, and by that<br />
sentiment yourself obligeds to serve other, same being extremently discriminates ,calls<br />
constantly of charlatans liars by one discourse of elite that rejection yours pratices by not<br />
tobe accepts by religion dominance.Emphaticing the importance of that pratices as one<br />
tactics of population marginal to face the power disciplined of church catholic.<br />
Palavras-chaves:Pratices votaress,cotidiano,women<br />
INTRODUÇÃO<br />
Para adentrar ao estudo da cultura popular devemos ter noção de como o teve início<br />
catolicismo popular na Cida de Juazeiro do Norte, e como este influenciou o imaginário<br />
dessas Rezadeiras, desde a sua primeira manifestação até os dias de hoje.
As práticas da religião oficial e as manifestações de religiosidade popular se<br />
sustentam em um alicerce comum a noção do sagrado, que segundo J.P. Barruel de<br />
Lageneste: “É o sentimento religioso que aflora na medida em que o sobrenatural, não é<br />
mais o sentimento que cria o caráter sagrado, e sim um caráter sagrado, preexistente, que<br />
provoca o sentimento”. O que torna as coisas sagra<strong>das</strong>, é aquilo que elas revelam, isso<br />
através da hierofania utilizada usada pelas diversas manifestações religiosas.<br />
A religião católica oficial, a qual tinha que obedecer às ordens e doutrinas de Roma.<br />
Como sabemos qualquer forma de usurpação desse poder já legitimado, seria motivo de<br />
discórdias. A diferença entre tais doutrinas é que uma é doutrinal formado por um corpo<br />
eclesial dependente da hierarquia eclesiástica enquanto a outra se manifesta de forma<br />
independente dessa hierarquia, uma relação íntima com o sagrado, humanizando-o,<br />
sentindo-o próximo, testando e sentindo sua força por métodos criado, não pelo o clero, mas<br />
pelos os próprio devotos, métodos esses que são transmitidos , em uma grande totalidade,<br />
oralmente. Enfim, o vivido em oposição ao doutrinal.<br />
Existem várias definições sobre religiosidade popular, o que a torna um tema<br />
bastante controverso, uma <strong>das</strong> explicações inteligíveis para conceitualizá-lo. É ao mesmo<br />
tempo diferenciá-lo é a religiosidade popular é dotada de razoável independência em<br />
relação a hierarquia eclesiástica, afastando-se do catolicismo oficial e aproximando-se do<br />
popular, ou seja, a prática do sagrado para suprir as necessidades da vida quotidiana. Em<br />
outras palavras a cultura popular, como concepção do mundo e como forma de<br />
conhecimento que se contrapõe a acultura hegemônica. “Falar de religião popular é sempre<br />
contrapô-la a outra coisa, a outra forma de religião (ISAMBERT, 1992, p. 13).<br />
Essa forma de manifestação religiosa cheia de simbologia, de repercussão na cidade<br />
de Juazeiro do Norte a partir do Milagre de 1889, ( CARVA, 1977, p. 23-40). Expressões e<br />
práticas devocionais como: preces, orações, promessas, rituais, curas, passaram a fazer<br />
parte da religiosidade do local. Essa crença no sobrenatural permanece até os dias atuais<br />
arraigado na cultura do Juazeiro do Norte.<br />
1. Trajetória e repercussão da religiosidade popular na cidade de Juazeiro do Norte.<br />
A religiosidade popular na cidade de Juazeiro do Norte sempre foi muito forte, isto<br />
desde a sua primeira manifestação em 1891 e 1892 (ver mais em CAVA, 1977). Os<br />
dissidentes da cidade, ao mesmo tempo que formalmente aceitava e praticava a doutrina<br />
católica oficial reconhecendo a autoridade papal, realizava também práticas do catolicismo
popular, a qual era mal vista pela ortodoxia clerical, essa controvérsia só seria resolvida com<br />
a aceitação dessas práticas por parte da Igreja.<br />
Essa forte religiosidade popular existente no Juazeiro do Norte sempre foi motivo de<br />
atração para as classes inferiores, as quais viam nesta uma forma de construir uma<br />
identidade cultural dentro desse âmbito de religiões, segundo Della Cava: “as beatas de<br />
Joazeiro e Crato vieram a ser as propagadoras da religião popular, reivindicando<br />
participação naqueles poderes sobrenaturais, as novas beatas tornaram-se os oráculos<br />
populares de Joazeiro”. ( 1977, p. 68) Isso porque as beatas passaram a divulgar a fé em<br />
novos santos como o Padre Cícero e o padre Ibiapina, divulgava-se uma visão apocalíptica<br />
do mundo, explicava-se as transformações ocorri<strong>das</strong> no âmbito nacional brasileiro por um<br />
viés religioso, a partir de então passou a se formar a ideia de que o Juazeiro era a terra<br />
escolhida por Deus para salvar a todos, essa ideologia passou a fazer parte do imaginário<br />
popular. Essa nova religião oferecia aos crentes um alivio para suas aflições terrenas.<br />
Juazeiro tornou-se a partir de então, um local de peregrinação e devoção, um lugar<br />
mágico capaz de aliviar os fardos temporais e espirituais de seus devotos, os supostos<br />
objetos utilizados pelo o Padre Cícero tornaram-se símbolos e relíquias de adoração, o que<br />
paralelamente era visto pela a Igreja oficial como “fanatismo religioso”, sendo objeto de<br />
desavenças entre as autoridades religiosas e seculares. Este contexto só veio mudar muitos<br />
anos após a morte de Padre Cícero, por motivos econômicos e políticos. (CAVA, 1977, p.<br />
117-118)<br />
Segundo a rezadeira Dona Maria Zilmar, Padre Cícero não curava só os males do<br />
espírito, mas também os corporais, isso por ser um homem sábio e santo, este era e é o<br />
imaginário da população regional.<br />
2. As rezadeiras e a dinâmica do ofício.<br />
A pesquisa foi realizada na cidade de Juazeiro do Norte, Ce, devido a sua cultura<br />
regional rica em manifestações religiosas. As três rezadeiras entrevista<strong>das</strong>, Dona Josefa<br />
Barbosa de Lima (62 anos); Dona Raimunda Gomes da Silva (71 anos) e Dona Maria Zilmar<br />
de Alencar (80 anos), as duas primeiras moram no bairro Limoeiro e a terceira no bairro<br />
Franciscanos, o aspecto comum nessas três mulheres é a prática da reza, porém existe<br />
algumas diferenças no exercício desse ofício.
Dona Josefá Barbosa, de origem humilde agricultora, diz que: aprendeu a rezar<br />
sozinha, foi um dom dado por Deus, tem essa prática como uma missão, tendo como<br />
objetivo ajudar as pessoas. Sua especialidade é apenas rezar. Segundo ela a primeira<br />
noção da reza teve com uma vizinha, depois disso continuou rezando as palavras vinham<br />
do seu corção. Na época em que começou a rezar as pessoas a procuravam muito, pois<br />
não existia médico na sua localidade, as pessoas tinham mais fé na reza.<br />
Dona Raimunda Gomes, também de origem humilde agricultora, pratica a reza, e<br />
consulta as pessoas com ervas medicinais, segundo esta, o dom da reza veio até ela após<br />
uma visão sobrenatural foi lhe dado o dom da reza e cura, e seu estado doentil só passaria<br />
se começasse a praticar a reza.<br />
Dona Zilmar além da rezar e consultar é também advinha, pois segundo ela: na hora<br />
que reza nas pessoas recebe mensagens sobre a vida e o futuro desta, porém não acontece<br />
com to<strong>das</strong> as pessoas consulta<strong>das</strong>, pois “a oração não cura todos”. Esta aprendeu seu<br />
ofício de forma sobrenatural aos 7 anos, mensagens vinham na sua cabeça sobre a sua<br />
missão de fazer o bem, porém esta afirma que nem sempre ocorre a previsão na vida <strong>das</strong><br />
pessoas segundo ela: “Eu não nasci para curar o mundo inteiro, a ciência, os médicos, a<br />
oração é para uns e outros não”.<br />
O que é recorrente no discurso dessas três mulheres é a maneira como foi<br />
concebido o seu dom a íntima relação com o sobrenatural. “O poder se instaura graças ao<br />
poder do invisível” ( ALVES, 1933, p. 25). Essa concepção do que é sagrado na hora da<br />
execução da reza onde coisas que nada significam podem ser transformados em símbolos,<br />
é o caso do uso de ervas verdes no ritual da cura,o qual são tomados por um sentido<br />
sagrado.É dar sentido hierofânico as coisas. (LAGENEST, 1976, p. 18).<br />
Essas mulheres rezam , benzem, curam, para tanto, se apóiam nos conhecimentos<br />
do catolicismo popular como as orações, preces, mistérios, com o intuito de restabelecer o<br />
equilíbrio físico, espiritual e material <strong>das</strong> pessoas que as procuram para realizar este ritual,<br />
utilizam elementos simbólicos como ramos verdes, gestos em cruz e um conjunto de <strong>rezas</strong>.<br />
Outro aspecto recorrente no discurso dessas mulheres e a relevância da sua prática junto as<br />
suas comunidades já que a acessibilidade aos médicos era muito difícil o que as tornava<br />
bastante populares e procura<strong>das</strong>. Este saber popular permanece até hoje, especialmente<br />
nas classes baixas, onde as rezadeiras têm papel atuante nos cuidados de saúde de sua<br />
comunidade.
2.1 O papel dos <strong>Santos</strong> de cura dos Males<br />
O culto à virgem e, sobretudo aos santos, é um dos componentes da religiosidade<br />
popular em que é mais nítida, e perceptível esta afetivação (SOUZA, 1993, p. 115), os<br />
santos, cada um com sua especialidade são intercessores perante Deus. São Brás para<br />
curar males de garganta, São Bento para evitar a mordida de cobra, Santo Acácio para as<br />
dores de cabeça, Santo Antônio para encontrar objetos. Esses e muitos outros santos<br />
auxiliam as rezadeiras no seu ofício de bênçãos e curas, segundo estas, os santos são<br />
intermediadores dos pedidos, ou seja, é mais fácil conseguir a graça com ajuda deles.<br />
Segundo Dona Raimunda: “São Sebastião é o protetor dos jovens”. “Ramo,<br />
constipação, meu doloroso São Sebastião, que vós é o protetor dos jovens, curai com o<br />
poder (...) .<br />
Para cada dia tipo de mal seja esse mental, físico, material ou espiritual as<br />
rezadeiras tem uma prece adequada e o Santo especialista. Como se pode ver a oração<br />
feita por Dona Raimunda para se proteger dos inimigos:” Pé direito na frente, Jesus na<br />
minha guia, me acompanha Deus e a Virgem Maria (...) hoje eu estou armada com as armas<br />
de São Jorge . . .<br />
Segundo dona Zilmar ela não segue as mesmas preces em suas práticas, a cada<br />
pessoa que lhe procura vem uma mensagem. Para se proteger Deus vos salve relógio, que<br />
anda atrasado eu estou de pé com o pai, o filho e o espírito santo e o inimigo deitado (...)<br />
Através do estudo dessas práticas religiosas exerci<strong>das</strong> por essas mulheres,<br />
percebemos a relevância destas para com a comunidade apesar de muitas vezes tenham<br />
sidos discrimina<strong>das</strong> por esta mesma comunidade. É o que nos relata dona Zilmar, que já foi<br />
confundida com uma macumbeira, quando lhe procurarão para usar o seu dom para fazer o<br />
mal, esta se recusou, pois segundo ela, e as outras duas rezadeiras a missão delas é fazer<br />
o bem.<br />
As três rezadeiras entrevista<strong>das</strong> são católicas praticantes, sendo que as duas<br />
primeiras, dona Josefa e dona Raimunda, tem uma relação de amizade com os padres da<br />
igreja, estes têm conhecimento da suas práticas religiosas populares e não há repressão<br />
contra isso, já dona Zilmar afirma que mesmo sendo católica praticante nenhum padre tem<br />
conhecimento da sua prática.
É recorrente no discurso dessas mulheres afirmar que não cobra nada, reza em<br />
qualquer pessoa que precisar, pois a palavra de Deus não pode ser vendida.<br />
2.2 Descrição <strong>das</strong> doenças de rezadeiras, diagnostico e cura.<br />
Praticas mágicas e mistérios sobrenaturais estão arraiga<strong>das</strong> na imaginação dessas<br />
mulheres que vêem as doenças como algo que sendo sobrenatural, só poderia se vencida<br />
com recurso da natureza sagrada. Os dogmas e os mitos que norteiam essas práticas são<br />
objetos de fé, já os ritos se encontram no nível do agir, esses se juntam num conjunto de<br />
gestos e palavras para exprimir essa pratica de reza. O rito é composto de dois elementos<br />
básicos: palavras ditas ou canta<strong>das</strong> e gestos para a prática da reza e da cura a associação<br />
palavra-gesto é uma constante. Antes da prática da reza existem os ritos preliminares, que<br />
são o de purificação através da oração, pois segundo as rezadeiras é proibido aproximar-se<br />
do que não é sagrado sem que se esteja limpo de toda mácula. Outro rito preparatório é o<br />
da adivinhação que se realiza com o intuito de saber se o momento é adequado para a<br />
execução dos ritos e quais ritos devem ser utilizados (LAGENEST, 1976, p. 23-29).<br />
De acordo com as observações realiza<strong>das</strong>, algumas doenças de rezadeiras são as<br />
seguintes: olhado ou quebranto, vento caído ou vento virado, espinhela caída, carne triada,<br />
esipa e mal de monte. Essas rezadeiras orgulham-se ao afirmar serem detentoras de uma<br />
prática que os médicos não sabem diagnosticar. “Eu só deixo de rezar quando morrer.<br />
Doutor nenhum dá jeito a olhado. Quem dá jeito é a reza de Deus” (Dona Raimunda). As<br />
rezadeiras têm o objetivo de estabelecer o equilíbrio corporal e espiritual <strong>das</strong> pessoas.<br />
(...) Com dois te botaram, com três Jesus benzeria, com as palavras de Deus pai, O<br />
Espírito Santo e a Virgem Maria. Fulano botaram olhado nos seus cabelos, no seu tamanho,<br />
no seu corpo, na sua boniteza, na sua feiúra, na sua riqueza, na sua pobreza, na sua<br />
sabedoria, na sua alegria, (...) (informações verbais de Raimunda Gomes).<br />
Percebe-se no fragmento acima que a reza utilizada justamente como rito, gestos e<br />
palavras em cruzes, tem o intuito de restabelecer a harmonia <strong>das</strong> duas esferas, material e<br />
espiritual.
É uma doença que vai delibitando o individuo, aos poucos até levá-lo a morte, se a<br />
pessoa não procurar alguém que reze. É provavelmente da admiração que uma<br />
determinada pessoa tem sobre qualquer aspecto do ser humano: beleza, forma física,<br />
inteligência, etc, não só físico, mas também espiritual. Podendo, também, ocorrer com<br />
animais. Os sintomas são: falência, sonolência, bocejos, inapetência, falta de ânimo, dentre<br />
outros.<br />
O tratamento do olhado consiste basicamente no uso de <strong>rezas</strong> especificas, ramos<br />
verdes, de preferência o pião roxo e os gestos em forma de cruzes sobre a pessoa doente.<br />
Para retirar todo o olhado será necessário repetir o ritual três vezes, cada uma, seguida de<br />
um Pai Nosso, uma Ave Maria e um Glória ao Pai. Para tanto, é fundamental que o cliente<br />
realize o tratamento durante três dias (relato de dona Raimunda Gomes).<br />
2.2.2 Vento caído ou vento virado.<br />
É uma doença específica de criança, e que está associado ao desarranjo intestinal e<br />
a desidratação. De acordo com Dona Raimunda, a criança adquire essa doença através de<br />
um susto, os sintomas são: vômito seguido de diarréia de cor esverdeada. Para curar a<br />
criança, a rezadeira procede da seguinte forma: “reza na criança e depois estende a<br />
camisinha dela, de ponta cabeça no meio da porta. Deixa lá por três dias” (isso segundo<br />
Dona Raimunda).<br />
No ritual de cura, Dona Raimunda, não usa ramos verdes, só os gestos em cruz<br />
sobre a barriga da criança. Segundo ela, a reza contra o vento caído consiste <strong>das</strong> seguintes<br />
palavras: “Jesus quando andava no mundo tudo que achou levantou, levante o vento caído<br />
de “fulano” com o vosso divino amor”. Para Dona Zilmar a criança estando com o vento<br />
caído é só puxar os quatro dedos do pé e ela fica boa, não sendo necessário a reza.<br />
2.2.3 Espinhela caída.<br />
A espinhela caída é uma doença que a pessoa adquire por esforço físico excessivo.<br />
Segundo as colaboradoras, os sintomas mais comuns são dores e ardência na região do<br />
peito, indisposição e esmorecimentos nos braços. Para trazer de volta o que havia caído,
Dona Josefa descreve o ritual do processo: “A gente fica na frente da pessoa pega um<br />
cordão e mede da ponta do dedo mindinho (anular) até o cotovelo. Ai, dobra de tamanho o<br />
cordão e enlaça nos peitos do doente, de modo a juntar as duas pontas do cordão. Se a<br />
pessoa tiver com a espinhela caída, quando juntar as pontas vai ficar uma folga”.<br />
2.2.4 Carne triada.<br />
De acordo com a simbologia dada pela as rezadeiras, o termo triada está associado<br />
a algo que foi rasgado bruscamente. É o caso de torção em um membro, um machucado,<br />
uma desmentidura (luxação). O nome do ritual de cura para tratar do mal é conhecido pelas<br />
rezadeiras como cozer. Simbolicamente, elas realizam uma costura utilizando uma agulha,<br />
um pedaço de linha e um retalho de pano. O objetivo deste procedimento é juntar os tecidos<br />
(nervos e músculos) que foram rompidos.<br />
Segundo Dona Raimunda, antes do ritual da cura ela realiza uma oração invocando<br />
o divino Espírito Santo e após isso ela realiza a reza.<br />
“Carne triada, osso rendido, nervo torto, junta desconjuntada, veias corrompi<strong>das</strong>,<br />
coração amargurado. Aqui mesmo eu cozo com os poderes de Deus e do Espírito Santo.<br />
Jesus cura, Jesus salva e Jesus liberta”.<br />
2.2.5 Isipa, fogo selvagem e mal de monte.<br />
A isipa também é conhecida por erisipela ou isipela. É um tipo de inflamação cutânea<br />
que surge pelo o corpo. Geralmente a parte afetada apresenta como avermelhada e o<br />
doente sente febre e dores insuportáveis. É uma enfermidade cutânea que atinge,<br />
particularmente os membros inferiores. Surge tumoração local e a pele se apresenta lisa e<br />
brilhante, tomando a seguir uma coloração vermelha violácia. (GOMES, 1989, p. 117-118).<br />
De acordo com dona Zilmar, para realizar a cura, ela precisa está bem alimentada e<br />
gozando de boa saúde. A reza realizada pelas as três rezadeiras apresenta semelhanças.<br />
“Esipa do tutano deu no osso, do osso, deu no nervo, do nervo deu na carne, da carne deu
na pele”. Após repetir as palavras, que enfatizam com veemência a expulsão do mal sobre a<br />
forma da doença, seguida de três Pai Nossos e três Ave Maria,em seguida se oferece as<br />
cinco chagas de Cristo.<br />
É importante salientar que essas rezadeiras apresentam certas especificidades em<br />
seus rituais, como os tipos de orações, que segundo dona Zilmar, não existe um padrão<br />
utilizado em to<strong>das</strong> as curas, ela realiza a cura de acordo com mensagens que lhe vem do<br />
coração, “e com os poderes de Deus, o doente fica bom”. As <strong>rezas</strong> são sempre realiza<strong>das</strong><br />
na sala de estar com a porta aberta, pois segundo as colaboradoras os males saem por ela.<br />
Existem outras doenças trata<strong>das</strong> por elas como: dor de cabeça, dor de dente, vômitos, e etc.<br />
Essas mulheres relatam curas surpreendentes.<br />
Dona Josefa relata que um homem estava com as pernas bem incha<strong>das</strong> e procurou<br />
sua ajuda, quando esta realizou a reza saiu uma lagarta do pé dele, todos ficaram<br />
admirados, em seguida a lagarta saiu andando e ele ficou bom.<br />
“Rezei em um homem, ele disse que já havia mandado rezar em seu braço, o qual<br />
estava doente, mas piorou, ficando com o braço imóvel, após a minha reza ele ficou<br />
bonzinho, porque o poder de Deus é grande” (relato de Dona Raimunda).<br />
“Quando eu tinha sete anos foi a primeira vez que eu ensinei um remédio a uma<br />
pessoa que estava doente. A mulher chorava com dor de ouvido, quando eu disse: - a<br />
senhora coloque cebola em um pilão, pise, pegue o sumo molhe no algodão e o coloque no<br />
ouvido doente, que a água será sugada pelo o algodão. Depois de uns dias ela veio<br />
agradecer-me, e me perguntou quem havia me ensinado aquele remédio, fiquei tão<br />
atordoada que disse que tinha sido a minha avó, porém não foi ela, foi uma mensagem que<br />
veio na minha mente. (relato de Dona Zilmar Alencar)<br />
Percebe-se nas entrevistas realiza<strong>das</strong> que enquanto as duas primeiras<br />
colaboradoras só rezam a terceira, além da reza, tem o dom de consultar e prever o futuro,<br />
esta medica com remédios medicinais e naturais, este por um dom sobrenatural e aquele
pelo o conhecimento que adquiriu quando trabalhou em uma farmácia popular, tendo<br />
ensinamentos do Doutor José e Doutor Alfredo. (Dona Zilmar)<br />
2.3 Aprendizagem e transmissão do saber.<br />
O discurso de aprendizagem do ofício da cura, pelas rezadeiras ao mesmo tempo<br />
que varia apresenta semelhanças. Segundo Dona Josefa, aprendeu a prática da reza com<br />
uma vizinha, já depois de casada, as demais <strong>rezas</strong> aprendeu sozinha. Dona Raimunda,<br />
relata ter recebido o dom em um momento muito difícil, também depois de casada, esta se<br />
encontrava debilitada com uma doença que a deixava de cama, nesse momento se valeu de<br />
Deus e este lhe deu a cura, concedendo-lhe o dom de rezar nas pessoas. Dona Zilmar<br />
desde criança rezava, consultava e orientava as pessoas, segundo ela é um dom dado por<br />
Deus, pois não sabe explicar como o fenômeno da cura acontece, “entrego as pessoas a<br />
Jesus e este concede a graça”. A existência de um estado de doença é recorrente no<br />
discurso destas, a prática da reza é um fator determinante na manutenção da saúde delas.<br />
É importante ressaltar que ao afirmarem ter recebido um dom sobrenatural, conseguem<br />
mais credibilidade e reconhecimento por parte da comunidade.<br />
As rezadeiras afirmam que a procura pelas <strong>rezas</strong> e bênçãos continua mesma e são<br />
feitas por pessoas de to<strong>das</strong> as classes, no entanto, a maioria são pessoas de classe baixa.<br />
“O importante é que estejam impregna<strong>das</strong> dos mesmos sentimentos, submetidos às<br />
mesmas representações mentais e domina<strong>das</strong> pelas as mesmas tendências”. (LAGENEST,<br />
1976, p. 40)<br />
É isto o que acontece com esta classe a qual possui o mesmo imaginário e as<br />
mesmas necessidades, estes dois fatores formam um consciente coletivo, essa crença<br />
norteia o quotidiano dessas populações e ameniza os problemas terrenos, muitas vezes<br />
essas rezadeiras são vistas como guias espirituais. Segundo LAGENEST, “o desejo de ser<br />
guiada e comandada faz com que a massa aceite sempre os seus chefes, especialmente os<br />
religiosos, não só se identificar com eles, como ainda tende a lhes conferir uma autoridade<br />
sempre crescente; decreta, inclusive, sua infabilidade”. (1976, p. 43) É as práticas e as<br />
condutas dessas mulheres que as tornam tão procura<strong>das</strong> pela a sociedade.
Segundo o imaginário de muitas rezadeiras a transmissão da reza deve ser feita pelo<br />
sexo oposto, homem para mulher e vice-versa, caso contrário a reza de quem transmitiu<br />
perderia o poder de cura. Esse discurso não é encontrado nas três rezadeiras entrevista<strong>das</strong>,<br />
pois segundo estas não existem isso, pode-se ensinar a reza qualquer pessoa, entretanto,<br />
segundo Dona Zilmar: “Nem tudo que se sabe se pode dizer”. Percebe-se no discurso<br />
dessas mulheres um grande mistério, quando se trata da transmissão dos seus<br />
conhecimentos, pois nem to<strong>das</strong> as pessoas têm a graça de rezar e curar o outro, isso<br />
segundo Dona Raimunda.<br />
To<strong>das</strong> afirmam não está repassando esse saber, pois seus familiares e a sociedade<br />
na maioria <strong>das</strong> vezes não se interessam e nem possui a fé que se precisa. O lema dessas<br />
mulheres é: “servir ao outro é servir a Deus”.<br />
3. Espaços terapêuticos – religiosos: lugares e tempos de cura, devoções e vida<br />
cotidiana.<br />
Os adornos, imagens de santos, altares, Bíblia Sagrada, rosários, flores de plástico e<br />
naturais, velas brancas, fotos e peças de roupa para serem benzi<strong>das</strong>, ramos de pião roxo,<br />
televisão, aparelho de som, entre outros, estão dispostos abertamente e convivem lado a<br />
lado nas residências ou nos “espaços terapêuticos-religiosos”. (SANTOS, 2007). Tais<br />
objetos, religiosos ou não, servem para analisar a facilidade que essas mulheres têm em<br />
transitar por crenças religiosas diversas.<br />
Na casa <strong>das</strong> duas primeiras rezadeiras, Dona Josefa e Dona Raimunda, na sala de<br />
estar encontra-se uma grande variedades de imagens fixados na parede, é comum a<br />
imagem do coração de Jesus, Padre Cícero, Frei Damião, Nossa Senhora Aparecida, Santo<br />
Antônio Pequenino, entre outros, e na mesa do santo repete-se tais imagens em forma de<br />
quadros e esculturas, também, rosários, rosas, velas, ao lado desses acessórios simbólicos<br />
encontramos uma aparelhagem moderna, como televisores, aparelho de DVDs, etc, bem<br />
diferente da cultura <strong>das</strong> rezadeiras de antigamente,onde para estas a sala era lugar sagrado
eservado exclusivamente aos santos é o que afirma dona Zilmar, a qual mantém esta<br />
tradição.<br />
Para essas mulheres o lugar sagrado de suas casas é a sala do santo, é neste lugar<br />
que se estabelece a relação com o sobrenatural.Segundo Lagenest: “Para o homem<br />
religioso o espaço não é homogêneo:existem espaços profanos e lugares sagrados.” Para<br />
as colaboradoras é no altar dos santos da sala que se manifesta o sagrado.<br />
Considerações finais<br />
Não pode-se pensar a prática da reza como um ofício, sem antes entender o<br />
contexto social e cultural ao qual estas rezadeiras estão inseri<strong>das</strong>, construir o conhecimento<br />
sobre o catolicismo popular como ponto de partida,para tal estudo,desvendar as simbologias<br />
e misticismo que envolve esses rituais, permite compreender a relevância destes na<br />
formação do imaginário coletivo da massa como forma de se conseguir o alívio para os<br />
problemas cotidianos.São estas manifestações religiosas que perpassa a história religiosa<br />
do Juazeiro do Norte.<br />
Entender como as rezadeiras se vêem em suas práticas é uma <strong>das</strong> questões<br />
relevantes deste artigo,uma vez que, estas foram sempre tão presentes em suas vi<strong>das</strong>.<br />
Analisar como essas crenças são difundi<strong>das</strong>, como se dá o processo de aprendizagem e<br />
manutenção desse saber também remete a uma maior reflexão.<br />
Todavia, mesmo sendo recorrente o processo de aprendizagem e assimilação por<br />
meio sobrenatural, é através da experiência vivencial e da história de vida de cada uma<br />
delas que se organiza a prática da reza. Nesse sentido é comum ouvir dessas mulheres o<br />
discurso que não é qualquer pessoa que pode vir a se tornar uma rezadeira,existe um<br />
elemento fundamental que é o “ dom de cura”. As rezadeiras são unânimes em dizer que<br />
para se obter esta dádiva ,que é o dom, é preciso ter uma alma caridosa, ter fé em Deus, ter<br />
qualidades que o agrade , como conduta moral e religiosa, isso inclui , ser boa espora e<br />
mãe, ter devoção aos santos, ser discreta e não cobrar pela a reza, este comportamento<br />
que dar a elas a credibilidade necessária para atuar é ser reconhecida pela a sociedade.<br />
Em suma, o ofício de rezar, apesar de formas semelhantes em relação aos rituais e<br />
orações, é um fenômeno particular de cada rezadeira, não existe uma receita pronta e<br />
unânime usada por to<strong>das</strong>, cada uma tem uma sua singularidade e especialidade, o que as<br />
torna comum é a caridade e suas crenças religiosas, o discurso recorrente dessas mulheres:<br />
“é o fazer o bem, sem olhar a quem”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
ALVES, Rubem Azevedo. O que é religião? . São Paulo: Abril Cultural Brasiliense, 1933, p.<br />
25.<br />
CAVA, Ralph Della. Milagre em Juazeiro, Rio de janeiro: Paz e Terra, 1977.<br />
FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala. Ed. 27, Rio de Janeiro: Record, 1990.<br />
GOMES, Núbia Pereira de Magalhães, PEREIRA, Edmilson de Almeida, Assim se benze em<br />
Minas Gerais, Juiz de Fora: EDUFJ, Masa edições, 1989.<br />
ISAMBERT, François André. Le sens Du sacré: fête et religião. Paris: De Miniut: Vozes,<br />
1972.<br />
LAGENEST, J. P. de Barruel. Elementos de sociologia da religião. Petrópolis – RJ: Ed.<br />
Vozes Ltda, 1976.<br />
SANTOS, Fracimário Vitor dos. Rezadeiras: prática e reconhecimento social. 2004. 92f.<br />
Monografia (Bacharelado em Ciências Sociais) – Universidade Federal do Rio Grande do<br />
Norte. Departamento de Ciências Sociais, Natal, 2007.<br />
SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a Terra de Santa Cruz. 5 ed. São Paulo: Companhia<br />
<strong>das</strong> Letras, 1995.<br />
COLABORADORAS<br />
Joséfa Barbosa de Lima, 62 anos, rua: Madre Neli Sobreira, bairro: Limoeiro nº 132,<br />
Juazeiro do Norte – Ce.
Maria Zilmar de Alencar, 80 anos, rua: Avenida Ailton Gomes nº 804, bairro Franciscanos,<br />
Juazeiro do Norte – Ce.<br />
Raimunda Gomes da Silva, 71 anos, rua: Capitão Domingos nº 79, bairro Limoeiro, Juazeiro<br />
do Norte – Ce.