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O motor da violência na Grande Goiânia - Arquidiocese de Goiânia

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4<br />

Brasil Central Março <strong>de</strong> 2009<br />

MARIA DA PENHA<br />

Mulheres<br />

Suely (nome fictício) tem 30<br />

anos e está há dois meses<br />

no Centro <strong>de</strong> Valorização<br />

<strong>da</strong> Mulher (Cevam). Ela<br />

mantinha um relacio<strong>na</strong>mento há<br />

nove anos e conta que, após uso<br />

contínuo <strong>de</strong> drogas, o marido começou<br />

a ficar agressivo e a ameaçou<br />

<strong>de</strong> morte. “Ele me agredia<br />

com palavras, <strong>de</strong>pois com empurrões,<br />

até me agredir fisicamente”,<br />

relata, emocio<strong>na</strong><strong>da</strong>.<br />

“Não aguentava mais, precisava<br />

<strong>de</strong> aju<strong>da</strong> e resolvi <strong>de</strong>nunciar.” Casos<br />

assim chegam todos os dias à<br />

Delegacia Especializa<strong>da</strong> no Atendimento<br />

à Mulher (Deam), que<br />

registrou em <strong>Goiânia</strong> quase 8 mil<br />

ocorrências só em 2008.<br />

Estima-se que mais <strong>de</strong> 50%<br />

<strong>da</strong>s mulheres agredi<strong>da</strong>s sofram<br />

cala<strong>da</strong>s e não peçam aju<strong>da</strong>. Para<br />

elas é difícil <strong>da</strong>r um basta <strong>na</strong> situação.<br />

Muitas sentem vergonha<br />

ou <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m emocio<strong>na</strong>lmente<br />

ou fi<strong>na</strong>nceiramente do agressor;<br />

outras acham que “foi só <strong>da</strong>quela<br />

vez” ou que, no fundo, são elas as<br />

culpa<strong>da</strong>s pela <strong>violência</strong>; outras re-<br />

CIDADANIA A rquidiocese <strong>de</strong> <strong>Goiânia</strong><br />

sob a guar<strong>da</strong> <strong>da</strong> ‘lei <strong>da</strong> confiança’<br />

Nova legislação contra agressores incentiva <strong>de</strong>núncias, mas ain<strong>da</strong> há muito a melhorar:<br />

mais <strong>da</strong> meta<strong>de</strong> <strong>da</strong>s vítimas ain<strong>da</strong> resiste a prestar queixa e teme represálias do parceiro<br />

MARIA GORETE DE SOUSA ARAÚJO<br />

Historiadora, ativista e membro do Coletivo<br />

Beatriz Nascimento (Canbe<strong>na</strong>s).<br />

Uma mulher traz ao<br />

mundo uma criança.<br />

Ain<strong>da</strong> medica<strong>da</strong>,<br />

uma enfermeira lhe<br />

conta que sua filha<br />

morreu. Atordoa<strong>da</strong>,<br />

ela chora. Duas horas <strong>de</strong>pois, uma médica<br />

se <strong>de</strong>sculpa e diz que a criança está viva –<br />

A MULHER QUE DEU NOME À LEI<br />

A biofarmacêutica Maria <strong>da</strong> Penha<br />

Maia Fer<strong>na</strong>n<strong>de</strong>s foi agredi<strong>da</strong> pelo<br />

marido durante seis anos. Em 1983,<br />

por duas vezes, ele tentou matá-la,<br />

primeiro com arma <strong>de</strong> fogo,<br />

<strong>de</strong>ixando-a paraplégica, e <strong>de</strong>pois por<br />

eletrocução e afogamento. O<br />

criminoso só foi punido após 19 anos<br />

<strong>de</strong> julgamento e ficou ape<strong>na</strong>s 2 anos<br />

em regime fechado. Em home<strong>na</strong>gem<br />

à persistência <strong>de</strong>la por justiça, a Lei<br />

11.340 leva seu nome.<br />

SAIBA MAIS<br />

Denuncie a agressão<br />

Disque-<strong>de</strong>núncia: 197<br />

Cevam: 3213-2233<br />

www.cevam.com.br<br />

solvem não falar <strong>na</strong><strong>da</strong> por causa<br />

dos filhos, por terem medo <strong>de</strong><br />

apanhar ain<strong>da</strong> mais ou porque<br />

não querem prejudicar o agressor,<br />

que po<strong>de</strong> ser preso ou con<strong>de</strong><strong>na</strong>do<br />

socialmente. Muitas se sentem sozinhas,<br />

com medo e vergonha.<br />

Quando pe<strong>de</strong>m aju<strong>da</strong>, em geral, é<br />

para outra mulher <strong>da</strong> família,<br />

Maria <strong>da</strong> Penha virou<br />

símbolo contra a <strong>violência</strong><br />

a faxineira a ouviu chorar no necrotério. A<br />

criança, a mãe e o pai são negros.<br />

Vi essa matéria <strong>na</strong> TV e lembrei-me<br />

<strong>de</strong> Abdias Nascimento, autor <strong>de</strong> O<br />

Genocídio do Negro Brasileiro. A <strong>violência</strong><br />

racial aqui é uma política genoci<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

400 anos, agrava<strong>da</strong> após a abolição, ao<br />

legalmente <strong>de</strong>ixamos <strong>de</strong> ser escravos,<br />

então não mais necessários ao País.<br />

Temos <strong>de</strong> pensar sobre o que é o racismo<br />

e compreen<strong>de</strong>r que, em si mesmo, ele já<br />

é <strong>violência</strong> e atinge to<strong>da</strong>s as esferas <strong>da</strong><br />

como a mãe ou irmã, ou então alguma<br />

amiga, vizinha ou colega.<br />

O Cevam trabalha há 27 anos<br />

acolhendo mulheres vítimas <strong>de</strong><br />

<strong>violência</strong>. Além <strong>da</strong> reabilitação<br />

social, a enti<strong>da</strong><strong>de</strong> faz a reintegração.<br />

Suely diz: “Aqui eu me sinto<br />

acolhi<strong>da</strong>, segura e com a perspectiva<br />

<strong>de</strong> retomar minha vi<strong>da</strong>.”<br />

OPINIÃO<br />

Racismo no Brasil, prática genoci<strong>da</strong><br />

Re<strong>na</strong>tho Melo<br />

Sem pe<strong>na</strong> alter<strong>na</strong>tiva<br />

Segundo o <strong>de</strong>legado adjunto<br />

<strong>da</strong> Deam, Rodrigo Luiz Jayme, a<br />

Lei Maria <strong>da</strong> Penha é uma gran<strong>de</strong><br />

evolução. “Ela permite uma ação<br />

concreta <strong>de</strong> repressão e punição<br />

ao agressor”, avalia.<br />

A lei acabou com a pe<strong>na</strong> alter<strong>na</strong>tiva,<br />

em que o agressor se apresentava<br />

e, em caso <strong>de</strong> punição,<br />

ape<strong>na</strong>s prestava serviços comunitários<br />

ou <strong>de</strong> doação <strong>de</strong> cestas básicas.<br />

Hoje o agressor é autuado<br />

por agressão física, moral, patrimonial,<br />

psicológica e sexual e não<br />

existe pe<strong>na</strong> alter<strong>na</strong>tiva.<br />

A nova legislação <strong>de</strong>termi<strong>na</strong><br />

que, quando a <strong>violência</strong> é física, a<br />

razão é incondicio<strong>na</strong>l, ou seja, em<br />

caso <strong>de</strong> lesão a vítima não precisa<br />

autorizar nem prestar queixa: o<br />

policial aplica o flagrante e lavra<br />

um boletim <strong>de</strong> ocorrência, encaminhando<br />

o processo em uma<br />

ação pública. No caso <strong>de</strong> <strong>violência</strong><br />

moral ou psicológica, a vítima<br />

po<strong>de</strong> abrir a ação policial do flagrante<br />

ou autorizar o boletim <strong>de</strong><br />

ocorrência.<br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Racismo é <strong>da</strong>r valores morais<br />

a alguém a partir do fenótipo. Pelos<br />

caracteres físicos se estabelece quem<br />

ocupa as funções sociais. E assim se<br />

estabelece quem vive e quem morre <strong>na</strong><br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

O <strong>de</strong>scaso com essa família negra<br />

reflete essa situação alarmante. Segundo<br />

Beatriz Nascimento, ser negro é ter a<br />

experiência do exílio, <strong>da</strong> per<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

imagem ou a criação <strong>de</strong> uma imagem<br />

distorci<strong>da</strong> permiti<strong>da</strong> por aqueles que se<br />

beneficiam <strong>de</strong>ssas esquizofrênicas<br />

relações sociais. Isso animaliza a nós,<br />

negras e negros. Daí o <strong>de</strong>scaso conosco <strong>na</strong><br />

Legislação<br />

prevê<br />

distância<br />

mínima<br />

A lei garante ain<strong>da</strong> medi<strong>da</strong>s<br />

<strong>de</strong> proteção que preveem o afastamento<br />

do agressor e regulamenta<br />

uma distância mínima <strong>de</strong><br />

500 metros <strong>de</strong>le para a vítima,<br />

proibindo-o <strong>de</strong> manter qualquer<br />

contato, inclusive por telefone.<br />

Rodrigo Jayme <strong>de</strong>staca a<br />

ação <strong>da</strong> Deam, que agora consegue<br />

agir com mais eficiência.<br />

“A Lei Maria <strong>da</strong> Penha é a lei <strong>da</strong><br />

confiança. Ela <strong>de</strong>u coragem e<br />

proteção às mulheres vítimas <strong>de</strong><br />

<strong>violência</strong>”, assi<strong>na</strong>la. Dados <strong>da</strong><br />

própria <strong>de</strong>legacia mostram o<br />

aumento do número <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncias<br />

após 2006, quando foi promulga<strong>da</strong><br />

a nova lei.<br />

A Deam aten<strong>de</strong> em <strong>Goiânia</strong><br />

uma média <strong>de</strong> 600 ocorrências<br />

por mês. Na <strong>de</strong>legacia há um<br />

núcleo <strong>de</strong> psicologia para assistir<br />

vítimas e acusados, além <strong>de</strong><br />

uma brinquedoteca, um fraldário<br />

e até cozinha.<br />

Homens<br />

unidos pelo<br />

fim <strong>da</strong><br />

<strong>violência</strong><br />

A Secretaria Especial <strong>de</strong> Políticas<br />

para as Mulheres do governo<br />

fe<strong>de</strong>ral, em conjunto com<br />

a Organização <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s<br />

(ONU), lançou um abaixoassi<strong>na</strong>do<br />

<strong>de</strong> homens pelo fim <strong>da</strong><br />

agressão contra a mulher. A proposta<br />

visa o engajamento masculino<br />

em prol <strong>de</strong> uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

mais justa e igualitária e<br />

firma o compromisso público<br />

em contribuir para a implementação<br />

integral <strong>da</strong> Lei Maria <strong>da</strong><br />

Penha e a efetivação <strong>de</strong> políticas<br />

públicas que visam o fim <strong>de</strong><br />

qualquer forma <strong>de</strong> <strong>violência</strong><br />

contra as mulheres.<br />

Mais <strong>de</strong> 3,5 mil homens já assi<strong>na</strong>ram<br />

o documento, entre ministros,<br />

gover<strong>na</strong>dores, se<strong>na</strong>dores,<br />

prefeitos, vereadores e empresários.<br />

Entre os sig<strong>na</strong>tários<br />

estão, por exemplo, o cantor Sérgio<br />

Reis e o presi<strong>de</strong>nte Luiz Inácio<br />

Lula <strong>da</strong> Silva. O abaixo-assi<strong>na</strong>do<br />

po<strong>de</strong> ser acessado através<br />

do site www.homenspelofim<strong>da</strong><br />

violencia. com.br.<br />

saú<strong>de</strong>, pois acredita-se que somos mais<br />

fortes, aguentamos mais dor.<br />

Acrescente-se a crença <strong>de</strong> que a pele<br />

negra é suja. Há uma ojeriza em nos tocar<br />

e tudo é feito às pressas, como com o bebê<br />

negro. Há a perversa idéia <strong>de</strong> que somos<br />

<strong>de</strong>scontrolados, ten<strong>de</strong>nciosos ao crime. A<br />

polícia presume que somos bandidos<br />

merecemos a morte.<br />

Mas em to<strong>da</strong> a história <strong>de</strong> nosso povo,<br />

reagimos lutando. Tanto que esta jovem<br />

negra ajudou a conquistar ações<br />

afirmativas em uma universi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

pública. E continuamos frustrando a<br />

tentativa <strong>de</strong> nos elimi<strong>na</strong>r.

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