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Nas teias da memória : o oficio das rezadeiras e ... - Itaporanga.net

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oferecesse ao velhinho um pe<strong>da</strong>ço de carne e a mulher fez foi<br />

expulsar Jesus de sua casa e foi comer o tatu com o marido. Quando<br />

estava comendo a mulher engasgou-se com um osso do tatu e o<br />

marido foi pedir aju<strong>da</strong> ao homem que sua mulher havia expulsado.<br />

Quando encontrou o homem, que era Jesus e lhe pediu aju<strong>da</strong>, Cristo<br />

falou: osso de tatu suba ou desça; casa velha, esteira rota, bom<br />

homem, má mulher. Tais palavras fizeram com que o engasgo<br />

descesse (MARIETINHA, 2002).<br />

Este relato explicita bem a busca pela legitimação <strong>da</strong>s rezas. O poder de cura <strong>da</strong><br />

oração está no fato dela ter sido possivelmente deixa<strong>da</strong> por Cristo durante suas an<strong>da</strong>nças<br />

pela terra. Mais do que uma lição de moral, com a punição <strong>da</strong> mulher má, avarenta, o<br />

episódio constata que no universo imaginativo <strong>da</strong>s rezas o fun<strong>da</strong>dor do cristianismo não<br />

teria deixado somente a doutrina oficial, mas também as práticas populares. Esta<br />

pequena len<strong>da</strong> representa um caso de releitura <strong>da</strong>s práticas religiosas, uma espécie de<br />

evangelho <strong>da</strong> tradição oral. A origem <strong>da</strong> maior parte <strong>da</strong>s rezas é vincula<strong>da</strong> aos anos<br />

apostólicos, na qual teriam sido difundi<strong>da</strong>s por Jesus ou por seus seguidores. Esse é o<br />

caso de rezas como Murcha Folha (origem associa<strong>da</strong> a São Paulo e São Pedro) e Sol e<br />

Sereno (atrela<strong>da</strong> a Jesus e São José). Vejamos o discurso construído nesta oração:<br />

Ia Jesus e José em uma grande romaria,<br />

Dizia Jesus a José: vamos<br />

Dizia José a Jesus: não posso<br />

Dizia Jesus a José que ia curar e rezar<br />

De sol e sereno, ponta<strong>da</strong>, resta lua, (...)<br />

(NITA, 2002).<br />

A pequena oração acima cita<strong>da</strong> é reveladora. Com linguagem direta trata os<br />

personagens de forma coloquial, sem as formali<strong>da</strong>des comumente presentes nestas<br />

situações (ausência de termos como Nosso Senhor e São). Além disso, Jesus é<br />

apresentado em uma situação cotidiana comum ao catolicismo popular. Ele aparece em<br />

uma romaria. É nesta ocasião em que o Jesus mais humanizado do que o normal<br />

anuncia a sua missão: rezar e curar. Deste modo, o discurso <strong>da</strong> referente oração<br />

intrinsecamente está afirmando que as <strong>rezadeiras</strong> estão <strong>da</strong>ndo continui<strong>da</strong>de à missão de<br />

Cristo, são seguidoras de Jesus assim como os apóstolos foram. Na<strong>da</strong> mais legitimador<br />

do que isso.<br />

Contudo, os mistérios <strong>da</strong>s rezas não ficam restritos à origem <strong>da</strong>s orações. Eles<br />

também estão presentes na transmissão dos saberes. Os saberes são perpetuados

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