revista concluida - Fapese
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R e s u m o<br />
A Carcinicultura no Espaço Litorâneo Sergipano*<br />
Márcia Eliane Silva Carvalho**<br />
Aracy Losano Fontes***<br />
Revista da <strong>Fapese</strong>, v.3, n. 1, p. 87-112, jan./jun. 2007<br />
Opresente artigo visa caracterizar a carcinicultura no litoral<br />
sergipano, a partir da análise dos aspectos ambientais e<br />
socioeconômicos desta atividade, além da identificação dos<br />
sistemas de cultivo e as práticas de manejo utilizadas. Os estudos foram<br />
conduzidos, inicialmente, para a caracterização ambiental da zona costeira<br />
do estado de Sergipe, sendo realizados levantamentos bibliográficos,<br />
documentais e cartográficos. O instrumental metodológico da pesquisa<br />
empírica constou de um processo de investigação mediante a realização<br />
de ent<strong>revista</strong>s semi-estruturadas com uma amostra dos empreendedores<br />
e trabalhadores dos estabelecimentos analisados e com representantes<br />
dos órgãos ambientais locais. Oficialmente, foram identificados<br />
60 empreendimentos de carcinicultura em produção no estado<br />
(Sergipe, 2004), com área total de 636,87 hectares, distribuídos em cinco<br />
bacias hidrográficas, exceto na do rio Japaratuba. Com relação ao tamanho<br />
das unidades produtivas, 78,33% são de pequeno porte, 16,33%<br />
possuem porte médio e 5% são de grande porte. Além destes empreendimentos,<br />
outros 76 tramitam na ADEMA aguardando licenciamento. Constatou-se<br />
que o tipo de cultivo varia de semi-intensivo baixo a semi-intensivo<br />
alto e que não ocorre o manejo sustentável dos viveiros. Esta atividade<br />
revela relações ambientais, sociais e econômicas muito singulares<br />
pois, ao mesmo tempo em que alcança altos níveis de produtividade e<br />
rentabilidade, utiliza intensamente produtos primários, afetando diretamente<br />
o ambiente e apresentando uma distribuição desigual da renda<br />
entre as categorias de trabalho criadas por esta atividade.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Carcinicultura; Zona Costeira; Estuários; Bacia<br />
hidrográfica<br />
* Síntese parcial da dissertação de mestrado intitulada “A Carcinicultura na<br />
Zona Costeira do Estado de Sergipe”, apresentada ao Núcleo de Pós-Graduação<br />
em Geografia da Universidade Federal de Sergipe, em dezembro de 2004.<br />
** Licenciada em Ciências Biológicas pela UFS, Especialista em Gestão de Recursos<br />
Hídricos e Meio Ambiente (UFS), Mestre em Geografia (NPGEO/UFS), Doutoranda<br />
em Geografia (NPGEO/UFS) e professora do Colégio de Aplicação (UFS). E-mail:<br />
marciacarvalho@ufs.br ; marciacarvalho@infonet.com.br<br />
*** Profª Drª do Departamento de Geografia e do Núcleo de Pós-Graduação em<br />
Geografia da UFS. E-mail: aracyfontes@yahoo.com.br<br />
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Márcia Eliane Silva Carvalho; Aracy Losano Fontes<br />
1. Introdução<br />
Por constituírem ambientes de formação geológica<br />
recente e de grande variabilidade natural, a zona costeira<br />
apresenta ecossistemas em geral fisicamente<br />
inconsolidados e ecologicamente imaturos e complexos.<br />
Essas circunstâncias lhe conferem características<br />
de vulnerabilidade e fragilidade que, aliadas a um consumo<br />
de recursos sempre crescente e com impactos<br />
previstos de mudanças climáticas, tendem a uma situação<br />
de desequilíbrio.<br />
Dentre as atividades localizadas na zona costeira, o<br />
cultivo de camarões em cativeiro, vem crescendo rapidamente<br />
nas áreas tropicais do mundo, devido à adaptabilidade<br />
da espécie ao ambiente de cultivo e ao alto<br />
valor de mercado que o camarão tem atingido, sendo<br />
considerado uma fonte importante de renda em muitas<br />
economias em desenvolvimento.<br />
Por outro lado, a carcinicultura utiliza de forma<br />
intensa os recursos naturais, tal como ocorre com as<br />
atividades agropecuárias, e, se implementado com<br />
deficiências no seu planejamento, na instalação da sua<br />
infra-estrutura produtiva e no manejo dos principais<br />
parâmetros químicos, físicos e biológicos que lhe dão<br />
sustentação, poderá causar impactos negativos no meio<br />
ambiente de sua área de influência (DPA/MA, 2001).<br />
De acordo com Wainberg e Câmara (1998), as<br />
interações da carcinicultura marinha com o meio ambiente<br />
podem ser categorizadas em cinco tipos: de ocupação<br />
do solo, com a água, biológicas, químicas e<br />
socioeconômicas. Estas interações podem causar impactos<br />
positivos ou negativos a depender do tipo de<br />
manejo utilizado nos empreendimentos.<br />
O Nordeste, em função das condições ambientais<br />
propícias para o desenvolvimento do camarão em cativeiro,<br />
destaca-se no contexto nacional em termos de<br />
produtividade e rentabilidade.<br />
O estado de Sergipe vem acompanhando o crescimento<br />
da carcinicultura brasileira, tendo aumentado<br />
sua área produtiva de 217ha em 2001 para 637ha em<br />
2004 e crescendo em 75% o número de empreendimentos<br />
de cultivo de camarão marinho no estado entre<br />
os anos citados (ABCC, 2004; Sergipe, 2004).<br />
Desta forma, considerando que estudos sistematizados<br />
sobre o cultivo de camarão marinho ainda são<br />
incipientes no estado, o objetivo principal deste trabalho<br />
foi o de analisar a carcinicultura no litoral sergipano<br />
a partir da caracterização ambiental da zona costeira do<br />
estado, da identificação e a distribuição geográfica dos<br />
estabelecimentos de cultivo de camarão marinho, além<br />
da análise dos sistemas de cultivo, das práticas de<br />
manejo utilizadas. Foram também analisados os aspectos<br />
socioeconômicos referentes aos trabalhadores diretamente<br />
envolvidos com esta atividade.<br />
Os estudos foram conduzidos para a caracterização<br />
física e biológica dos segmentos litorâneos –<br />
interface continental, planície costeira e interface marinha<br />
– da zona costeira do estado de Sergipe, sendo<br />
realizados levantamentos bibliográficos, documentais<br />
e cartográficos.<br />
Os dados temáticos foram extraídos dos seguintes<br />
documentos: mapa geológico do estado de Sergipe na<br />
escala de 1:250.000 (1998) e de 1:50.000 (1975), ambos<br />
do Departamento Nacional de Produção Mineral<br />
(DNPM); mapa de solos do estado de Sergipe na escala<br />
de 1:400.000 (EMBRAPA, 1975); mapa da Mata<br />
Atlântica e seus ecossistemas associados elaborado<br />
pela CODISE/DRM/CEPES (SERGIPE, 1997). A partir<br />
dessa base cartográfica foram integrados os estudos já<br />
realizados por Amâncio (2001), Fontes (1990a, 1990b,<br />
1991a, 1991b, 1997, 1998, 1999a e 1999b) e Mendonça<br />
Filho (1998) sobre a zona costeira do estado de<br />
Sergipe, além da utilização de documentação<br />
aerofotográfica do estado de Sergipe na escala e 1:25.000<br />
(SEPLANTEC/UNITUR, 2003).<br />
Os dados cadastrais referentes às áreas produtoras<br />
de camarão no estado foram obtidos através de consultas<br />
realizadas na Administração Estadual do Meio<br />
Ambiente (ADEMA), na Companhia de Desenvolvimento<br />
Industrial e dos Recursos Minerais de Sergipe<br />
(CODISE) e na Secretaria Especial de Aqüicultura e<br />
Revista da <strong>Fapese</strong>, v.3, n.1, p. 87-112 jan./jun. 2007
Pesca vinculada a Presidência da República (SEAP)<br />
do Ministério da Agricultura.<br />
Os trabalhos de campo foram realizados em treze<br />
empreendimentos de cultivo de camarão marinho,<br />
abrangendo os estuários dos rios São Francisco,<br />
Sergipe, Vaza-Barris, Piauí e Real. No estuário do<br />
Japaratuba, em função da existência da Reserva Biológica<br />
de Santa Isabel, não existem estabelecimentos de<br />
carcinicultura instalados.<br />
As atividades de campo, aliadas às ent<strong>revista</strong>s semiestruturadas<br />
com os trabalhadores locais e com o empreendedor<br />
e/ou responsável técnico ou administrativo<br />
constituíram a base para identificar o nível de desenvolvimento<br />
tecnológico dos sistemas de cultivo<br />
utilizados, as práticas de manejo adotadas, além dos<br />
aspectos socioeconômicos e dos aspectos ligados à produção<br />
e comercialização do camarão cultivado<br />
O recorte espacial em estudo compreende a zona<br />
costeira do estado de Sergipe que possui, aproximadamente,<br />
163 km de extensão. As coordenadas geográficas<br />
limites dessa área de transição são as latitudes<br />
de 10 o 30’ e 11 o 25’S e longitudes 36 o 25’ e 37 o 20’W,<br />
sendo interrompida apenas pelos estuários dos rios<br />
São Francisco (ao norte), Japaratuba, Sergipe, Vaza-<br />
Barris, Piauí e Real (ao sul) (Figura 01).<br />
A área em estudo está inserida na Mesorregião do<br />
Leste Sergipano compreendendo os municípios costeiros<br />
de Aracaju, Barra dos Coqueiros, Pacatuba, Estância<br />
e Itaporanga d’Ajuda e os municípios estuarinos<br />
de Santo Amaro das Brotas, São Cristóvão, Indiaroba<br />
e Nossa Senhora do Socorro<br />
A Carcinicultura no Espaço Litorâneo Sergipano<br />
2. Caracterização Ambiental da Zona Costeira<br />
Sergipana<br />
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Segundo a classificação de Ab’Saber (2001), a zona<br />
costeira do estado de Sergipe pertence ao Litoral Leste<br />
brasileiro, estando incluído no contexto da unidade<br />
geotectônica Bacia Sedimentar Sergipe/Alagoas e na<br />
feição estrutural rasa denominada Plataforma de Estância.<br />
Nestes domínios são encontrados os seguintes<br />
conjuntos litológicos: a) rochas do Complexo<br />
Granulítico de idade Arqueana; b) rochas do grupo<br />
Estância de idade Proterozóica; c) rochas da Bacia<br />
Sedimentar de Sergipe de idade Mesozóica, pertencentes<br />
à formação Serraria e aos grupos Baixo São Francisco<br />
e Sergipe; d) sedimentos do grupo Barreiras de<br />
idade Pliocênica e Pleistocênica; e) sedimentos marinhos,<br />
fluviomarinhos, eólicos, fluviolagunares, alúviocoluvionares<br />
e halomórficos de mangue, de idade<br />
Quaternária.<br />
Em relação às condições climatológicas, o estado<br />
de Sergipe, localizado na porção oriental da região<br />
Nordeste, está sob a influência das massas de ar Tropical<br />
Atlântica (mTa) e Equatorial Atlântica (mEa) e<br />
de sistemas frontológicos que se individualizam na<br />
Frente Polar Atlântica (FPA) e nas Correntes Perturbadas<br />
de Leste (Ondas de Leste) que são decisivas na<br />
manutenção de um regime pluviométrico caracterizado<br />
por chuvas mais abundantes no período outono/<br />
inverno.<br />
Os ventos alísios oriundos do centro de alta pressão<br />
do Atlântico Sul atuam durante todo o ano, variando<br />
de SE para NE, a depender do próprio deslocamento<br />
do Anticiclone.<br />
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Márcia Eliane Silva Carvalho; Aracy Losano Fontes<br />
Figura 1 – Localização da área de estudo.<br />
Fonte: Mapa hidrográfico de Sergipe, 1974. Adaptado de Amâncio, 2001.<br />
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Segundo França (1998), o litoral norte é menos<br />
úmido apresentando, anualmente, de três a cinco meses<br />
secos, enquanto no litoral sul ocorre um ou dois<br />
meses secos. As maiores incidências de chuvas têm<br />
sido registradas nos municípios de Aracaju, São Cristóvão,<br />
Itaporanga d’Ajuda e Estância, com<br />
pluviosidade variando entre 1.100 mm e 1.500 mm.<br />
De acordo com Amâncio (2001), ocorrem no litoral<br />
sergipano duas estações bem definidas: uma chuvosa<br />
de abril a agosto, concentrando, geralmente, mais de<br />
70% das precipitações, e outra em que o período de<br />
estiagem ocorre de setembro a março.<br />
O regime térmico sazonal é quase uniforme, em se<br />
tratando de médias mensais, com variações térmicas<br />
pouco expressivas. Assim, ao contrário da temperatura,<br />
a pluviosidade constitui o principal elemento<br />
diferenciador do clima em Sergipe. No litoral, as brisas<br />
marítima e terrestre conferem conforto térmico nessa<br />
região de baixa altitude.<br />
A vegetação predominante dos estuários sergipanos<br />
é o manguezal que há muitos anos vem sendo convertido<br />
em salinas e posteriormente adaptado para<br />
criatório de peixes. Atualmente, estas áreas têm sido<br />
utilizadas como viveiros para aqüicultura, principalmente<br />
para cultivo de camarões.<br />
Segundo o projeto RADAM-BRASIL (1981), os<br />
manguezais recobrem cerca de 5,14% da superfície do<br />
estado de Sergipe, sendo a vegetação predominante<br />
dos estuários, podendo adentrar até 25km a partir da<br />
linha da costa.<br />
De acordo com estudos realizados pela ADEMA<br />
(1984), os bosques de Sergipe são classificados como<br />
do tipo Ribeirinho, altamente produtivos, pois os fluxos<br />
de água são intensos, aliados a grandes quantidades<br />
de nutrientes. Neste tipo de bosques, não existe<br />
problema com relação à acumulação de sais ou falta de<br />
nutrientes, já que os fluxos de água são contínuos.<br />
O segmento litorâneo sergipano compreende três<br />
setores – interface continental, planície costeira e<br />
A Carcinicultura no Espaço Litorâneo Sergipano<br />
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interface marinha – que correspondem a divisões transversais<br />
à linha de costa.<br />
- Interface Continental<br />
A interface continental está constituída, basicamente,<br />
pelos depósitos continentais do grupo Barreiras, e<br />
de forma secundária por rochas sedimentares<br />
mesozóicas da Bacia Sedimentar e do Complexo Cristalino<br />
do pré-Cambriano.<br />
A sedimentação detrítica do grupo Barreiras, de<br />
grande incidência na paisagem brasileira (do Pará ao<br />
Rio de Janeiro), é considerada por Bigarella e Andrade<br />
(1964) como o principal documento do limite pliopleistocênico<br />
no Brasil servindo, portanto, como ponto<br />
de partida para a datação relativa dos acontecimentos<br />
verificados no Quaternário.<br />
Esta interface de relevo plano a ondulado com declive<br />
regional na direção leste, corresponde ao domínio<br />
geomorfológico dos tabuleiros costeiros, modelados<br />
nos sedimentos do grupo Barreiras que se<br />
superpõem ao embasamento cristalino e aos sedimentos<br />
mesozóicos da Bacia Sedimentar SE/AL.<br />
Os tabuleiros apresentam um nível mais conservado,<br />
referente à superfície tabular, que apresenta altitudes<br />
cimeiras de 100 a 200m, onde mais incisivos são<br />
os efeitos da erosão linear pelos rios e riachos que<br />
drenam esta unidade geomorfológica. Em decorrência<br />
da presença da estrutura calcária exposta ou coroada<br />
pelo grupo Barreiras e, ainda, das condições climáticas,<br />
os tabuleiros localmente estão dissecados em colinas<br />
de topos convexos e planos, eventualmente aguçados.<br />
O contato dos tabuleiros costeiros com a planície<br />
costeira processa-se através de linha de falésia fóssil<br />
de altitude variável definindo, assim, sua condição de<br />
borda de tabuleiro entalhada. A litologia e os processos<br />
morfoclimáticos atuais e pretéritos condicionaram<br />
os processos de esculturação das encostas, não excluindo<br />
o efeito dos falhamentos e basculamentos que<br />
ocorreram na área da Bacia Sedimentar.<br />
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As condições gerais do relevo e o substrato<br />
sedimentar favoreceram a formação de solos minerais,<br />
não hidromórficos, onde dominam o latossolo vermelho-amarelo<br />
de baixa fertilidade natural, o argissolo<br />
vermelho-amarelo que se destaca pelo horizonte B<br />
textural e o neossolo quartzarênico, com predominância<br />
de quartzo na sua composição mineralógica. De<br />
modo geral, os solos são porosos e ácidos, de baixa<br />
fertilidade natural e textura variável, com dominância<br />
arenosa.<br />
- Planície Costeira<br />
Desenvolvendo-se a leste dos tabuleiros costeiros<br />
esculpidos no grupo Barreiras, a planície costeira que<br />
integra a zona costeira do estado de Sergipe segue o<br />
modelo clássico das costas que avançam em direção<br />
ao oceano, em decorrência do acréscimo de sedimentos<br />
mais novos, em que cada crista de praia representa<br />
depósito individualizado associado a uma antiga linha<br />
de praia (Dominguez et.al, 1992).<br />
Este segmento litorâneo ocupa uma faixa<br />
descontínua, assimétrica e alongada no sentido NE –<br />
SE ao longo do litoral e tem maior expressão areal na<br />
dependência do recuo dos tabuleiros costeiros. Ao<br />
norte do estado é mais ampla, condicionada pela feição<br />
deltaica do rio São Francisco.<br />
Os domínios ambientais – terraços marinhos, dunas<br />
costeiras e estuários – refletem as influências dos<br />
processos de origem marinha, eólica e fluviomarinha<br />
em decorrência das condições ambientais variáveis<br />
durante o Quaternário.<br />
Ocupando a parte mais interna da planície costeira<br />
são encontrados os terraços marinhos<br />
pleistocênicos, associados a um importante episódio<br />
transregressivo do mar, denominado por Martin et al<br />
(1980) de Penúltima Transgressão. Esses terraços<br />
apresentam, na superfície, vestígios de cordões litorâneos,<br />
remanescentes de antigas cristas de praia,<br />
parcialmente retrabalhados pela ação eólica ou<br />
semifixados pela vegetação herbáceo-arbustiva de<br />
restinga.<br />
A granulométrica dos sedimentos que constituem<br />
esses terraços de 6 a 8 m de altitude está representada<br />
em função de três componentes: areias médias, finas e<br />
muito finas, de intervalos 1-2, 2-3 e 3-4 Æ, respectivamente<br />
(Fontes, 1987; 1988; 1990ª; 1998; Mendonça<br />
Filho, 1998). Esta superfície arenosa expande-se lateralmente,<br />
chegando a alcançar os vales dos rios<br />
Japaratuba, Sergipe, Vaza Barris e Piauí, sendo ocupada<br />
por coqueirais produtivos.<br />
Em alguns locais os terraços são interrompidos por<br />
cursos de água sazonais que sulcam os flancos dos<br />
tabuleiros, indo alimentar as lagoas e a baixada pantanosa<br />
adjacente. Seccionando esses terraços mais antigos<br />
são encontrados ainda paleocanais de maré parcialmente<br />
colmatados, onde atualmente predomina a<br />
vegetação de pântano.<br />
Os terraços holocênicos, com altitudes variando de<br />
alguns centímetros até cerca de 4 metros acima do nível<br />
médio atual do mar, formam uma faixa praticamente<br />
contínua na margem oceânica, interrompendose<br />
apenas nas desembocaduras dos rios e riachos que<br />
drenam a planície costeira., Muito embora os cordões<br />
litorâneos ocorram nesta formação holocênica, sua<br />
continuidade é interrompida pela mobilidade das dunas<br />
litorâneas ativas que avançam para o interior em<br />
faixas de largura variável e pela ação antrópica.<br />
Apoiados na plataforma continental, os cordões litorâneos<br />
mostram progressivo desenvolvimento que conduz<br />
ao alargamento dos perfis longitudinais dos rios, criando<br />
problemas para a drenagem da planície costeira.<br />
Completam a paisagem dos terraços marinhos<br />
pleistocênicos e holocênicos as dunas sub-atuais<br />
mantidas por uma vegetação psamófila, que<br />
obstaculariza os efeitos da defleção eólica e as dunas<br />
sub-recentes, ainda ativas, respectivamente. Na aba sul<br />
da feição deltaica do rio São Francisco e no litoral sul<br />
do estado os campos de dunas costeiras são mais notáveis.<br />
Os solos mais característicos desses sub-ambientes<br />
são o neossolo quartzarênico e o espodossolo,<br />
que são excessivamente drenados, extremamente ácidos<br />
e de baixa fertilidade natural.<br />
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Neste segmento litorâneo são típicos os ambientes<br />
estuarinos do estado – São Francisco, Japaratuba,<br />
Sergipe, Vaza Barris, Piauí/Real, que se formaram durante<br />
a transgressão do mar no Holoceno e encerram<br />
em seus limites inferiores a interface marinha.<br />
Sistema Estuarino-Lagunar do rio São Francisco<br />
em Sergipe<br />
Esse sistema ou complexo indica ambiente de planície<br />
costeira composto por uma rede de canais interligados<br />
entre si e com o oceano recebendo descarga fluvial.<br />
Ocupando a faixa litorânea com largura de 5km e<br />
extensão de 25km entre a desembocadura do rio São<br />
Francisco e a localidade de Ponta dos Mangues (município<br />
de Pacatuba), parte da planície costeira holocênica<br />
é constituída por uma sucessão de ilhas – Arambipe,<br />
Sal, Capim, Cruz, Esperança, Cacimba, Flores, Feijão<br />
e Funil – destacadas do continente por canais de maré<br />
(Fontes, 1990a). No interior das ilhas são visualizados<br />
testemunhos antigos de pontais arenosos (spits), imobilizados<br />
pela propagação da linha de costa, que abrigam<br />
nas porções mais internas solos halomórficos sob<br />
a influência das marés, com vegetação característica<br />
de mangue.<br />
Flanqueando os canais de Parapuca e Poço ocorre<br />
maior desenvolvimento dos manguezais, que ocupam<br />
uma área de 21,68km2 . A Rhizophora mangle é a espécie<br />
dominante, adaptando-se bem a este ambiente por<br />
possuir raízes-escora que permitem a sua fixação em<br />
sedimentos fisicamente inconsolidados (Fontes, 1999b).<br />
Os canais de maré têm seu fluxo d’água regido,<br />
principalmente, pelo regime das mesomarés e um gradiente<br />
hialino crescente do canal de Parapuca (margem<br />
direita do rio São Francisco) em direção a Barra<br />
Nova (canal do Poço), por receber mais diretamente a<br />
influência das águas oceânicas.<br />
Parcela significativa dos manguezais desta região<br />
vem sendo desmatada para construção de viveiros (piscicultura<br />
e carcinicultura) e salinas, resultando em<br />
mudanças no padrão hidrodinâmico do manguezal.<br />
A Carcinicultura no Espaço Litorâneo Sergipano<br />
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Formando uma faixa praticamente contínua na<br />
margem oceânica holocênica, a ilha-barreira possui<br />
15km de extensão e largura média de 300m. A presença<br />
dessa barreira arenosa, com espessura de 126m,<br />
constituída por uma camada de areia de textura grossa,<br />
amarelada, hialina sobreposta a uma outra, formada<br />
por argila cinza, escura e plástica, conforme testemunho<br />
do poço 2–ARA–1– SE perfurado pela<br />
Petrobrás, isola o canal do Poço do oceano. Decorrente<br />
de suas características geomórficas, o canal apresenta<br />
comportamento hidrodinâmico semelhante ao de uma<br />
laguna (Fontes, 1990a).<br />
Estuário do rio Japaratuba<br />
A bacia estuarina do rio Japaratuba apresenta conexão<br />
restrita com o oceano adjacente, sendo influenciada<br />
pelo prisma de maré até 6km, que promove a<br />
mistura entre a água do mar e a água doce proveniente<br />
da drenagem terrestre, atestada pela vegetação de mangue<br />
e pela diminuição do volume de água na baixamar.<br />
De acordo com os eventos geológicos e geomorfólogicos<br />
que ocorreram durante a sua formação, o tipo<br />
fisiográfico do estuário é o construído por barra, segundo<br />
a classificação de Miranda et al. (2002).<br />
O sistema hidrográfico do rio Japaratuba, desenvolvido<br />
em rochas do complexo cristalino e da bacia<br />
sedimentar Sergipe/Alagoas, que alimenta esse estuário,<br />
apresenta descarga variável de acordo com as estações<br />
do ano, ocasionando alterações sazonais na geometria<br />
da entrada (barra), entre os municípios de Barra<br />
dos Coqueiros e Pirambu.<br />
A região estuarina, onde se inclui o canal do<br />
Pomonga que foi construído no século XIX, está ocupada<br />
em sua área de inundação pela planície de maré<br />
inferior, colonizada pela vegetação arbórea e/ou<br />
arborescente composta pelas angiospermas<br />
Rhizophora mangle, Laguncularia racemosa,<br />
Avicennia germinans e Conocarpus eretus, que ocupam<br />
área de 10,33km2 (Fontes, 1999b). Na planície<br />
de maré superior a vegetação herbácea restringe-se a<br />
pequenas manchas de Spartina sp e Sporobulus<br />
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Márcia Eliane Silva Carvalho; Aracy Losano Fontes<br />
virginicus, quase sempre presentes na área mais elevada,<br />
denominada apicum.<br />
A tensão antrópica nesse ecossistema manguezal é resultante<br />
da sua conversão para agricultura, estradas<br />
vicinais, habitações, aqüicultura – como observado ao longo<br />
do Canal do Pomonga (povoados Touro e Canal) – e poluição<br />
das águas pelas descargas de efluentes químicos.<br />
Estuário do rio Sergipe<br />
O estuário do rio Sergipe, definido em função dos<br />
níveis médios de penetração da maré e ocorrência de<br />
manguezal, abrange uma extensão de 44km a partir da<br />
confluência com o rio Jacarecica, no estuário superior,<br />
até a desembocadura, entre as cidades de Aracaju e<br />
Barra dos Coqueiros. É alimentado por mananciais<br />
afluentes do rio Sergipe, destacando-se, pela margem<br />
direita, os rios Cotinguiba, Sal, Poxim e Pitanga e, pela<br />
margem esquerda, os rios Pomonga, Parnamirim, Limoeiro,<br />
Babaçu e Ganhamoroba.<br />
Em decorrência da troca eficiente entre as águas do<br />
rio e a do mar, devido ao processo de difusão turbulenta,<br />
a estratificação de salinidade é diferente do tipo<br />
cunha salina em que esse processo é desprezível. A<br />
modulação quinzenal da maré, entre as fases de<br />
quadratura e de sizígia, submete os estuários parcialmente<br />
misturados a processos cíclicos de intensificação<br />
e relaxamento da estratificação vertical de<br />
salinidade, respectivamente (Miranda et al., 2002).<br />
A estrutura do manguezal predominante é a de<br />
bosque ribeirinho, ocupando área de 54,96km2 (Fontes,<br />
1999b), constituído pelas espécies Rhizophora<br />
mangle, de maior desenvolvimento na margem<br />
estuarina com declive suave dos rios, Laguncularia<br />
racemosa e Avicennia germinans, melhores adaptadas<br />
onde os sedimentos são mais arenosos e com menor<br />
freqüência de inundação pelas marés.<br />
Por localizar-se na região central da capital<br />
aracajuana, área densamente ocupada, vastas áreas de<br />
manguezal foram suprimidas em função da urbanização<br />
da capital.<br />
Além destes impactos destacam-se o desmatamento<br />
e os aterros para projetos imobiliários e de turismo,<br />
agricultura, aqüicultura (piscicultura e carcinicultura),<br />
salinas, estradas, dentre outros.<br />
Considerada como uma área inóspita colonizada<br />
por manguezais, a Coroa do Meio, denominação atribuída<br />
ao conjunto de solos criados em antigas coroas<br />
de depósitos fluviomarinhos no estuário inferior, a<br />
partir de 1975 sofreu alterações significativas no seu<br />
quadro ambiental a fim de ser integrada a cidade de<br />
Aracaju. No entanto, a urbanização planejada para o<br />
novo bairro não conseguiu harmonizar a intervenção<br />
humana e o meio ambiente estuarino.<br />
Estuário do rio Vaza Barris<br />
A bacia costeira do rio Vaza Barris abrange partes<br />
dos municípios de Itaporanga d’Ajuda, São Cristóvão<br />
e Aracaju, num total de 115km2 . Em relação à geologia,<br />
cobre o extremo sul da fossa tectônica que define<br />
a bacia Sergipe/Alagoas e o extremo nordeste da Plataforma<br />
de Estância. A falha de Itaporanga separa as<br />
duas feições estruturais e constitui, localmente, a mais<br />
forte evidência de tectonismo que afetou a região no<br />
Cretáceo Inferior.<br />
O estuário, com cerca de 20km de extensão, é alimentado<br />
por afluentes, destacando-se, pela margem<br />
direita, o rio Tejupeba e os riachos Água Boa e Paruí e,<br />
pela margem esquerda, o rio Santa Maria.<br />
O prisma de maré, ou seja, o volume de água do<br />
mar que entra no estuário durante a preamar, principalmente<br />
no verão, propiciou o desenvolvimento de<br />
diversas ilhas de tamanhos variados – Caramindó,<br />
Veiga, Góis, Grande, Pequena, Saco, Gameleira, Paiva,<br />
Cabras, Nova, Vagem, Mém de Sá, Jibóia, Fundão,<br />
Abrete e Urubu, colonizadas, em parte, pela vegetação<br />
de mangue (Fontes, 1988).<br />
Ao longo da bacia estuarina, o comportamento<br />
morfológico modifica-se caracterizando zonas distintas.<br />
As diferenças topográficas relacionadas com a largura,<br />
profundidade e a forma dos canais mostram di-<br />
Revista da <strong>Fapese</strong>, v.3, n.1, p. 87-112 jan./jun. 2007
ferentes níveis de atuação dos mecanismos dinâmicos<br />
do ambiente costeiro.<br />
No estuário inferior, onde se faz marcante a influência<br />
marinha, o vale é bastante amplo, ocupando toda a<br />
seção estuarina. A hidrodinâmica, com a ação das ondas<br />
e das correntes litorâneas presentes nesta porção<br />
mais aberta do estuário, inibe o desenvolvimento dos<br />
manguezais, acarretando uma mobilidade significativa<br />
dos bancos arenosos e erosão na sua desembocadura.<br />
Nas porções mediana e superior do estuário os canais<br />
vão ficando mais estreitos e rasos, adquirindo<br />
formas mais estabilizadas em resposta ao maior preenchimento<br />
sedimentar típico de um padrão “tidal”, assemelhando-se<br />
a um delta estuarial.<br />
Nesse ecossistema mixohalino ocorrem os<br />
manguezais em ambiente de planície de maré inferior<br />
(slikke), ocupando área de 59,37km2 (Fontes, 1999b) e<br />
o apicum, presente na planície de maré superior (shore),<br />
compreendido entre o nível médio das preamares de<br />
sizígia e o nível médio das preamares equinociais.<br />
Dentre as atividades antrópicas verificadas no sistema<br />
estuarino, chama a atenção a existência de viveiros<br />
e tanques para o cultivo de camarão nas franjas<br />
dos mangues e os desmatamentos ao longo das margens<br />
e no interior das ilhas, relacionados com os empreendimentos<br />
imobiliários, locações da Petrobrás,<br />
construção de acessos como os que ligam as terras<br />
altas formadas pelo grupo Barreiras e as terras baixas<br />
constituídas pelos terraços marinhos, na ilha do Veiga.<br />
O Sistema Estuarino Piauí/Real<br />
O rio Piauí, com 132km de extensão, abrange áreas<br />
das microrregiões geográficas do Agreste de Lagarto e<br />
Litoral Sul sergipano, desaguando entre os municípios<br />
de Estância (Sergipe) e Jandaíra (povoado Mangue<br />
Seco/Bahia), após a confluência com os rios Fundo,<br />
pela margem esquerda, e Real, pela margem direita.<br />
O complexo estuarino Piauí/Fundo/Real abrange<br />
partes dos municípios de Itaporanga d’Ajuda, Estân-<br />
A Carcinicultura no Espaço Litorâneo Sergipano<br />
95<br />
cia, Santa Luzia do Itanhy, Indiaroba e Jandaíra. Geologicamente<br />
está localizado, sobretudo, na feição estrutural<br />
rasa denominada Plataforma de Estância. Essa<br />
estrutura capeada por delgado pacote sedimentar do<br />
Cretáceo, Terciário e Quaternário corresponde a uma<br />
extensão do embasamento cristalino em posição estrutural<br />
alta em relação à fossa tectônica que caracteriza<br />
a Bacia Sedimentar Sergipe/Alagoas.<br />
De acordo com a ADEMA (1984), os estuários dos<br />
rios Piauí e Real podem ser analisadas em conjunto,<br />
pois se apresentam geograficamente próximos e com<br />
características ambientais semelhantes. Estes estuários<br />
são os mais ricos em termos de manguezais e produção<br />
pesqueira de peixes e caranguejo-uçá no estado<br />
de Sergipe.<br />
O ecossistema manguezal, com área de 75,53km2 (Fontes, 1999b), ocorre ao longo da bacia estuarina,<br />
com maior desenvolvimento no sistema hidrográfico<br />
Piauí/Fundo. A planície de maré superior (shore) ocorre<br />
no médio litoral superior e representa antigos domínios<br />
dos manguezais, que decorrente dos eventos<br />
progradantes deixaram de receber regularmente as<br />
águas das marés, sendo bastante influenciados pelas<br />
condições continentais. A vegetação herbácea restringe-se<br />
a pequenas manchas de Spartina sp que por vezes<br />
aparece na área mais frontal do mangue e<br />
Sporobulus virginicus, quase sempre presente na região<br />
mais alta denominada apicum, a exemplo da ilha<br />
da Tartaruga.<br />
Os fatores abióticos fundamentais neste<br />
microambiente de apicum são os elevados valores de<br />
salinidade intersticial, intensa evaporação e a forte<br />
desidratação dos sedimentos. Finas crostas de sal podem<br />
ser observadas nas folhas do Conocarpus eretus,<br />
na Ilha da Tartaruga.<br />
O ecossistema mixohalino, particular da planície<br />
de maré inferior, é individualizado pela associação<br />
vegetal halofítica, onde são encontradas as espécies<br />
Rhizophora mangle, Laguncularia racemosa e<br />
Avicennia germanis, sem uma zonação definida. Nesse<br />
ecossistema observa-se, ainda, uma zona despro-<br />
Revista da <strong>Fapese</strong>, v.3, n.1, p. 87-112, jan./jun. 2007
96<br />
Márcia Eliane Silva Carvalho; Aracy Losano Fontes<br />
vida de vegetação vascular (lavado) cujos limites são<br />
definidos entre o nível médio das baixamares extremas<br />
de sizígia e o nível médio das preamares de<br />
quadratura. A vegetação restringe-se a algas podendo,<br />
ocasionalmente, serem encontradas plântulas de<br />
mangue fixadas, mas que não conseguem atingir estágios<br />
de crescimento mais adiantados. O substrato é<br />
síltico-argiloso e forma uma faixa contínua no estuário<br />
inferior.<br />
Os manguezais desse sistema estuarino estão sujeitos<br />
a tensores naturais e antrópicos com conseqüências<br />
imediatas para a zona costeira. Dentre os principais<br />
tensores destaca-se o desmatamento dos bosques<br />
de mangue e a sua conversão para agricultura,<br />
infra-estrutura habitacional, viveiros para aqüicultura<br />
(piscicultura e carcinicultura), estradas etc, que causam<br />
mudanças no padrão hidrodinâmico do<br />
manguezal, com diminuição da produtividade e qualidade<br />
de vida da população dependente deste<br />
ecossistema.<br />
- Interface Marinha<br />
As margens continentais, que correspondem à<br />
interface marinha, representam a zona de transição<br />
entre os continentes e as bacias oceânicas e, do ponto<br />
de vista geológico, fazem parte do continente, muito<br />
embora situem-se abaixo do nível do mar.<br />
Na zona costeira do estado de Sergipe, a plataforma<br />
continental interna, entre os rios São Francisco e<br />
Real, apresenta grandes variações de largura devido a<br />
presença dos canyons do São Francisco, Sapucaia,<br />
Japaratuba, Vaza Barris e Real (Coutinho, 1995).<br />
Em decorrência do conjunto dessas feições<br />
erosivas, a plataforma continental interna do estado<br />
alarga-se de 22km, ao sul do rio São Francisco, para<br />
35km e logo em seguida fica reduzida a 12km devido a<br />
presença do canyon do Sapucaia, voltando a alargarse<br />
para 28km defronte a Aracaju. A partir da foz do<br />
rio Vaza Barris, até as proximidades de Salvador, a<br />
largura mantém-se em torno de 20km. Os valores mínimos<br />
da profundidade da linha de quebra da plata-<br />
forma correspondem às frentes dos canyons. A<br />
declividade média alcança o valor de 1:100 (10m/km)<br />
ao longo da zona costeira de Aracaju.<br />
A sedimentação na plataforma reflete a geologia da<br />
parte emersa adjacente, clima, drenagem e arcabouço<br />
estrutural. Os sedimentos terrígenos são relíquias<br />
oriundas da sedimentação continental em regime<br />
subaéreo com nível eustático abaixo do atual, exceto<br />
ao longo do rio São Francisco, onde ocorre a sedimentação<br />
moderna até 10km da costa (Coutinho, 1995).<br />
Os processos morfodinâmicos que atuam na linha<br />
de costa representados por ações naturais físicas são<br />
basicamente gerados pela ação das ondas, correntes<br />
costeiras e marés, que exercem influência na modelagem<br />
costeira, seja através da ação destrutiva (erosão)<br />
em determinados locais ou da ação construtiva em<br />
outros (deposição), como observado na orla marítima<br />
do estado. As ondas constituem um dos processos<br />
marinhos mais efetivos no selecionamento e<br />
redistribuição dos sedimentos depositados nas regiões<br />
costeiras e plataforma continental interna.<br />
A forma de arrebentação das ondas na zona costeira<br />
do estado depende do gradiente do fundo próximo<br />
à praia e da relação entre a altura e o comprimento da<br />
onda, conhecida como esbeltez da onda. As ondas de<br />
tempestade apresentam uma arrebentação progressiva<br />
em fundos com gradientes baixos (menor que 3o ).<br />
Quando as ondas aproximam-se da costa segundo<br />
um ângulo oblíquo, uma corrente paralela à costa desenvolve-se<br />
entre a praia e a zona de arrebentação e<br />
estabelece o transporte de sedimentos litorâneos paralelamente<br />
à linha de costa, conhecido como deriva litorânea.<br />
Por sua vez, as ondas ao aproximarem-se paralelamente<br />
à linha da costa, formam as correntes paralelas<br />
ou longitudinais (correntes longshore) e de retorno<br />
(rip), que se tornam perpendiculares ao litoral,<br />
nos locais onde as alturas das ondas são menores ou<br />
devido as irregularidades batimétricas do fundo. Essas<br />
correntes de retorno são responsáveis pelo transporte<br />
de sedimentos da praia para a região submarina<br />
adjacente.<br />
Revista da <strong>Fapese</strong>, v.3, n.1, p. 87-112 jan./jun. 2007
Outro processo efetivo de transporte de sedimentos<br />
paralelamente à costa ocorre diretamente na face<br />
de praia, pela ação do fluxo e refluxo das ondas (swash<br />
e backwash) em um padrão de zig-zag.<br />
Segundo o trabalho desenvolvido por Viana (1972),<br />
o transporte de sedimentos litorâneos ao longo da costa<br />
sergipana é de 790.000m 3 /ano, com cerca de 658.000<br />
m 3 /ano no sentido NE-SW e 132.000 m 3 /ano no senti-<br />
do inverso.<br />
Esse processo efetivo de transporte de sedimentos<br />
paralelamente à costa desenvolve-se melhor ao longo<br />
da linha de costa retilínea, como é o caso do estado de<br />
Sergipe, sendo de fundamental importância no planejamento<br />
do uso e ocupação do espaço costeiro. A interrupção<br />
da deriva litorânea através da construção de<br />
estrutura fixa, como o molhe na desembocadura do<br />
rio Sergipe (município de Barra dos Coqueiros) tem<br />
causado problemas de desequilíbrio ambiental em função<br />
do aprisionamento dos sedimentos à montante do<br />
molhe, causando a progradação artificial da planície<br />
costeira, e conseqüente déficit sedimentar a jusante,<br />
ocasionando erosão costeira na praia da Coroa do Meio.<br />
As marés que são observadas nas zonas costeiras<br />
resultam do empilhamento e amplificação das marés<br />
oceânicas, à medida que estas se movem sobre a plataforma<br />
continental e para o interior dos estuários e baías.<br />
Nestas áreas, movimentos horizontais da coluna<br />
d’água, na forma de correntes de maré, causam mudanças<br />
no nível das águas, resultando na inundação<br />
periódica das planícies de marés e manguezais.<br />
A Carcinicultura no Espaço Litorâneo Sergipano<br />
97<br />
As marés do litoral de Sergipe são semidiurnas,<br />
com dois picos de marés altas e baixas em um período<br />
de 24 horas e 50 minutos, e com amplitude entre 2 e<br />
4m (mesomarés). A máxima amplitude ocorre nos<br />
equinócios de março e setembro.<br />
3. Aspectos da Produtividade do Camarão<br />
Marinho em Sergipe:<br />
A produção comercial do camarão marinho em<br />
Sergipe teve início em meados de 1998. O tipo de cultivo<br />
é semi-intensivo e a espécie cultivada é Litopenaeus<br />
vannamei, espécie exótica adaptada às condições<br />
climatológicas locais.<br />
Segundo dados oficiais, até 2004 encontravam-se<br />
em fase de produção sessenta empreendimentos de<br />
carcinicultura em Sergipe, com área total em produção<br />
de 636,87 hectares, distribuídos em cinco bacias<br />
hidrográficas (Gráfico 01), exceto na bacia do rio<br />
Japaratuba, em virtude da existência da Reserva Biológica<br />
de Santa Isabel, conforme Resolução no 4 de 18<br />
de setembro de 1985.<br />
A bacia hidrográfica com maior número de empreendimentos<br />
de carcincicultura é a do rio Sergipe, com<br />
21 unidades produtoras de camarão cultivado, seguida<br />
pela bacia do São Francisco, com 17 unidades produtivas<br />
(Gráfico 2). Entretanto, os empreendimentos<br />
da bacia do rio Sergipe totalizam 163,1ha produtivos,<br />
enquanto na bacia do São Francisco a área produtiva<br />
encontra-se em torno de 269,27ha.<br />
Gráfico 1 - Área em produção por bacia hidrográfica em Sergipe.<br />
Fonte: CODISE, 2004. Organização: Márcia E. S. Carvalho.<br />
Revista da <strong>Fapese</strong>, v.3, n.1, p. 87-112, jan./jun. 2007
98<br />
Márcia Eliane Silva Carvalho; Aracy Losano Fontes<br />
Gráfico 2 - Empreendimentos de carcinicultura por bacia hidrográfica em Sergipe (2004).<br />
Fonte: CODISE, 2004. Organização: Márcia E. S. Carvalho.<br />
Com relação ao tamanho das unidades produtivas<br />
de camarão e tomando como base a Resolução 312/<br />
2002 do CONAMA, 78,5% dos empreendimentos são<br />
de pequeno porte (lâmina d’água inferior a 10ha);<br />
16,5% possuem porte médio (lâmina d’água entre 10 e<br />
50ha) e apenas 5% são empreendimentos de grande<br />
porte (acima de 50ha) (CODISE, 2004).<br />
Os municípios com maior número de empreendimentos<br />
de carcinicultura em produção são Pacatuba<br />
(14), Nossa Senhora do Socorro (10), Barra dos Coqueiros<br />
(8) e Itaporanga d’Ajuda (7).<br />
Por outro lado, até abril de 2004 existiam setenta e<br />
seis empreendimentos de carcinicultura marinha<br />
protocolados para avaliação ambiental do projeto, na<br />
Administração Estadual do Meio Ambiente (ADEMA).<br />
De acordo com ent<strong>revista</strong> realizada neste órgão, já foram<br />
realizadas vistorias em todos estes empreendimentos,<br />
mas ainda existem pendências em termos da legislação<br />
em vigor.<br />
Analisando o número de estabelecimentos em processo<br />
de licenciamento na ADEMA destaca-se o município<br />
sergipano de Nossa Senhora do Socorro com<br />
vinte e três processos, sendo a maioria de pequeno<br />
porte. Estância, São Cristóvão, Itaporanga d’Ajuda,<br />
Barra dos Coqueiros e Indiaroba são os outros municípios<br />
vários processos neste órgão. O município de<br />
Pacatuba, que se destaca em termos de área produtiva<br />
em Sergipe, possui apenas um empreendimento solicitando<br />
licenciamento.<br />
Dentre todos os empreendimentos citados, licenciados<br />
ou não, foram analisados treze estabelecimentos<br />
de carcinicultura no estado, abrangendo as bacias dos<br />
rios São Francisco, Sergipe, Vaza Barris, Piauí e Real<br />
(Quadro 1, Figura 2).<br />
De acordo com as ent<strong>revista</strong>s realizadas nestes<br />
empreendimentos, a produção em escala comercial é<br />
recente, a partir do ano 2000, exceto na SIBRA, que é<br />
pioneira no estado, tendo iniciado suas atividades<br />
produtivas há seis anos.<br />
Com relação ao tamanho dos empreendimentos<br />
analisados, 38,5% são de pequeno porte, ou seja, o<br />
espelho d’água em produção possui menos de 10ha;<br />
15,5% possuem porte médio (entre 10 e 50ha em produção)<br />
e 7,5% são de grande porte, com área produtiva<br />
superior a 50ha. Outros 38,5% não souberam informar<br />
a lâmina d’água produtiva.<br />
De acordo com as ent<strong>revista</strong>s realizadas, na maioria<br />
destes empreendimentos as áreas destinadas aos<br />
atuais viveiros de camarão eram utilizadas com piscicultura<br />
(38%) ou antigos coqueirais (31%) (Gráfico 3).<br />
Segundo os ent<strong>revista</strong>dos, a mudança para a<br />
carcinicultura ocorreu em função da maior<br />
lucratividade apresentada pelo cultivo do camarão.<br />
Revista da <strong>Fapese</strong>, v.3, n.1, p. 87-112 jan./jun. 2007
Quadro 1 - Empreendimentos de carcinicultura pesquisados em Sergipe (2004).<br />
A Carcinicultura no Espaço Litorâneo Sergipano<br />
Estuário Empreendimento Localidade Município Lâmina d’água No de Início da<br />
em produção viveiros produção<br />
São Francisco Sítio Boca da Barra Pov. Ponta dos Mangues Pacatuba Não informou 2 2003<br />
Ilha Chapéu Queimado Pov. Garatuba Pacatuba 8ha 2 2001<br />
Ilha do Lobato Pov. Garatuba Pacatuba 4ha 8 2000<br />
Sitio Porto do Sal Pov. Garatuba Pacatuba Não informou 3 2000<br />
Sergipe Fazenda Angelim Pov. Angelim Santo Amaro 8ha 1 2001<br />
das Brotas<br />
Fazenda Jatobá Não informada Barra dos 8ha 6 2001<br />
Coqueiros<br />
Sítio Esperança Não informada Barra dos 2ha 6 2001<br />
Coqueiros<br />
SIBRA Pov. Taiçoca de Fora N. Senhora 92ha 23 1998<br />
Empreendimentos S/A do Socorro<br />
Vaza Barris Fazenda Pedra Grande Pov. Costa do Pau d’Arco Itaporanga Não informou 4 2002<br />
d’Ajuda<br />
VIDAMAR Pov. Candeal São Cristóvão 32ha 12 2004<br />
Piauí Sítio Hawaí Pov. Farnaval Estância Não informou 2 2002<br />
Real Sítio Sobrado Pov. Cajueirinho Indiaroba Não informou 1 2003<br />
Fazenda Santa Bárbara Pov. Pontal Indiaroba 15ha 9 2002<br />
Fonte: Atividade de campo, 2004. Organização: Márcia E. S. Carvalho.<br />
99<br />
Revista da <strong>Fapese</strong>, v.3, n.1, p. 87-112, jan./jun. 2007
100<br />
Márcia Eliane Silva Carvalho; Aracy Losano Fontes<br />
Figura 2 – Localização dos empreendimentos de carcinicultura analisados no litoral sergipano.<br />
Fonte: Mapa hidrográfico de Sergipe, 1974. Atividade de campo (2004).<br />
Revista da <strong>Fapese</strong>, v.3, n.1, p. 87-112 jan./jun. 2007
4. Produtividade nos Estuários Sergipanos:<br />
Estuário do rio São Francisco<br />
De acordo com CODISE (2004) existem 17 estabelecimentos<br />
de produção de camarão cultivado neste<br />
estuário, dos quais 14 localizam-se no município de<br />
Pacatuba, totalizando 259,77ha produtivos, e 3 em<br />
Brejo Grande, com um total de 9,5ha. Estes empreendimentos<br />
correspondem a maior área produtiva do<br />
estado, totalizando 41,20% da área em produção. No<br />
entanto, apenas um empreendimento, localizado no<br />
povoado Carapitinga, município de Pacatuba, possui<br />
processo na ADEMA solicitando licenciamento.<br />
Estuário do rio Sergipe<br />
Este estuário é o segundo maior em área produtiva<br />
de camarão cultivado ocupando 25,60% dos hectares<br />
produtivos. São 21 empreendimentos de<br />
carcinicultura, sendo 10 localizadas no município de<br />
Nossa Senhora do Socorro, 8 na Barra dos Coqueiros,<br />
2 em Santo Amaro das Brotas e 1 em Aracaju.<br />
O município com maior área em produção é Nossa<br />
Senhora do Socorro, com 125,5ha de lâmina d’água<br />
produtiva, seguido pelo município de Barra dos Coqueiros,<br />
com 24,6ha produtivos.<br />
Outros trinta e oito empreendimentos de<br />
carcinicultura encontram-se com processo na ADEMA,<br />
totalizando 50% dos estabelecimentos que estão soli-<br />
A Carcinicultura no Espaço Litorâneo Sergipano<br />
Gráfico 3 - Utilização anterior das áreas destinadas aos viveiros de camarão.<br />
Fonte: Atividade de campo, 2004. Organização: Márcia E. S. Carvalho.<br />
101<br />
citando licenciamento para cultivar camarão. Destes,<br />
60,5% localizam-se no município de Nossa Senhora<br />
do Socorro, 21% na Barra dos Coqueiros, 13,2% em<br />
Santo Amaro e 5,2% em Aracaju.<br />
Estuário do rio Vaza Barris<br />
O estuário do Vaza Barris ocupa a terceira posição<br />
em termos de área produtiva no estado, com 16,80%<br />
de lâmina d’água destinada aos viveiros de camarão.<br />
Sete empreendimentos localizam-se em Indiaroba, somando<br />
37 hectares de produção, enquanto São Cristóvão<br />
apresenta apenas uma fazenda, que, no entanto,<br />
possui 70ha em produção<br />
Na ADEMA, tramitam outros 17 empreendimentos,<br />
o que corresponde a 22,4% do total dos processos<br />
que atualmente solicitam licenciamento para esta<br />
atividade.<br />
Estuário do rio Piauí<br />
Na bacia do rio Piauí existem nove unidades produtivas<br />
de camarão cultivado, ocupando o 4o lugar em<br />
termos de área produtiva do estado, com 8,25% hectares<br />
de espelho d’água em produção. Dos 52,70ha em<br />
produção, 34,5ha estão localizados no município de<br />
Estância e 18,2ha em Santa Luzia do Itanhy.<br />
Treze empreendimentos localizados neste estuário encontram-se<br />
em fase de licenciamento: dez com sede no<br />
município de Estância e três em Santa Luzia. Estas unidades<br />
totalizam 17,1% dos processos de todo o estado.<br />
Revista da <strong>Fapese</strong>, v.3, n.1, p. 87-112, jan./jun. 2007
102<br />
Márcia Eliane Silva Carvalho; Aracy Losano Fontes<br />
Estuário do rio Real<br />
O município de Indiaroba concentra os cinco empreendimentos<br />
de carcinicultura desta bacia,<br />
totalizando 52ha em produção, o que equivale a 8,15%<br />
da lâmina d’água em produção no estado.<br />
Outros sete empreendimentos aguardam o<br />
licenciamento da ADEMA, localizados no município<br />
de Indiaroba, perfazendo 9,2% dos processos para<br />
implantação de unidades produtivas de camarão cultivado<br />
no estado.<br />
5. Produção e Comercialização de Camarões Marinhos<br />
Cultivados nos Empreendimentos de<br />
Carcinicultura Estudados:<br />
Os fatores que influenciam na produtividade de um<br />
empreendimento de carcinicultura estão relacionados<br />
com as condições ambientais e de infra-estrutura da<br />
localidade onde se situa o empreendimento; adequada<br />
estrutura física do estabelecimento produtivo; suporte<br />
tecnológico e manejo sustentável da produção.<br />
As condições ambientais que interagem com a<br />
carcinicultura são as condições climáticas,<br />
hidrobiológicas e topográficas. Toda a zona costeira<br />
do Nordeste brasileiro, onde se inclui a sergipana,<br />
apresenta grande potencial para o cultivo do camarão<br />
marinho, pois possui clima quente praticamente o ano<br />
inteiro, apresentando ricos e extensos estuários propícios<br />
ao desenvolvimento do camarão.<br />
Com relação aos aspectos de infra-estrutura, a maioria<br />
dos empreendimentos sergipanos analisados possui<br />
sistema de energia elétrica para a instalação das<br />
bombas hidráulicas. O acesso ocorre por estradas<br />
vicinais de piçarra, que em época chuvosa dificulta o<br />
fluxo de transporte do camarão após despesca.<br />
Em nenhum dos estabelecimentos existe<br />
beneficiamento do camarão após despesca, por isso o<br />
mesmo deve ser rapidamente escoado, acondicionado<br />
em caixas de isopor com gelo, para os centro<br />
revendedores que, na maioria das vezes, localiza-se<br />
fora do estado.<br />
Com relação à estrutura física de uma unidade de<br />
cultivo de camarão marinho para engorda são necessários<br />
viveiros bem estruturados, tanques berçários e<br />
um local apropriado para armazenar a ração, insumos<br />
e demais equipamentos utilizados.<br />
Em geral, os viveiros de carcinicultura sergipanos<br />
seguem o padrão do formato retangular. A média de<br />
profundidade dos viveiros analisados é de 1m a 1,50m,<br />
exceto no empreendimento VIDAMAR que varia de<br />
2m a 2,20m. No outro extremo, situam-se os empreendimentos<br />
localizados no município de Pacatuba, onde<br />
os viveiros parecem valas, pois no seu centro a profundidade,<br />
às vezes, não passa de apenas 0,50m, sendo<br />
que nas proximidades das bordas alcançam profundidades<br />
entre 1m e 1,50m.<br />
Em 54% dos empreendimentos analisados, a unidade<br />
produtiva localiza-se em uma área em que não<br />
ocorre inundação pela maré, sendo o abastecimento<br />
dos viveiros realizado via bombeamento. O abastecimento<br />
em função da maré ocorre no município de<br />
Pacatuba, totalizando 31% dos estabelecimentos. Nos<br />
municípios de Estância e Itaporanga o abastecimento<br />
é misto, correspondendo a 15% dos empreendimentos<br />
avaliados.<br />
O abastecimento por bombeamento é mais oneroso,<br />
mas permite um maior controle físico químico da<br />
água do viveiro e conseqüente manejo sustentável do<br />
mesmo.<br />
Quando as larvas provêm de outros estados é necessário<br />
que inicialmente sejam acondicionadas em<br />
tanques berçários para reduzir o estresse do transporte,<br />
sendo possível avaliar a sua sanidade, permitindo<br />
a aclimatação ao ambiente de engorda (Nunes, 2000).<br />
A existência de berçários somente foi diagnosticada<br />
em dois empreendimentos – SIBRA e VIDAMAR. A<br />
fase pela qual as larvas passam no berçário representa<br />
mais um passo no desenvolvimento tecnológico pro-<br />
Revista da <strong>Fapese</strong>, v.3, n.1, p. 87-112 jan./jun. 2007
dutivo do camarão cultivado. No entanto, este procedimento<br />
não é aplicado pela maioria dos empreendimentos<br />
sergipanos pesquisados.<br />
Em Sergipe, o tipo de cultivo varia de semi-intensivo<br />
baixo, com variação da taxa de estocagem de 5 a<br />
14 camarões/m2 (em 46% dos empreendimentos analisados),<br />
a semi-intensivo alto, com densidade entre 25<br />
até 70 camarões/m2 (23% dos estabelecimentos analisados).<br />
Em 31% dos empreendimentos não foi informado<br />
qual a densidade utilizada.<br />
Os produtores do nordeste obtêm até 2,5 ciclos<br />
produtivos por ano, pois o tempo de engorda varia<br />
entre 90 e 120 dias, podendo o camarão alcançar entre<br />
11g e 14g. A taxa de sobrevivência varia de 55% a<br />
70%, sendo que a produtividade aumenta de 550 para<br />
até 4.000kg/ha/ciclo quando ocorre a aplicação de técnicas<br />
mais modernas com taxa de estocagem alta<br />
(Nunes, 2000).<br />
A produtividade no município de Pacatuba, onde<br />
o nível de tecnificação é baixo, encontra-se em torno<br />
de 550kg/ha/ciclo ao contrário do que foi diagnosticado<br />
nos outros empreendimentos que operam com maior<br />
nível tecnológico de produção, como é o caso da Fazenda<br />
Santa Bárbara, da SIBRA, e da VIDAMAR, cuja<br />
produtividade encontra-se variando de 3 a 6 toneladas<br />
por hectare produtivo.<br />
O ciclo produtivo do camarão marinho cultivado<br />
no Brasil envolve as fases de maturação, larvicultura e<br />
engorda. Em Sergipe somente foram diagnosticadas<br />
unidades produtivas de engorda de camarão da espécie<br />
Litopenaeus vannamei.<br />
Devido à inexistência de larviculturas em Sergipe,<br />
a maioria dos empreendedores ent<strong>revista</strong>dos (70%)<br />
adquire as larvas da LUSOMAR, empresa baiana, localizada<br />
no município de Jandaíra, próximo ao município<br />
sergipano de Indiaroba. Esta empresa encontrase<br />
há vários anos no mercado possuindo em sua estrutura<br />
unidades de larvicultura, engorda e<br />
beneficiamento do camarão por ela cultivado e/ou proveniente<br />
de outros empreendimentos. Possui também<br />
A Carcinicultura no Espaço Litorâneo Sergipano<br />
103<br />
um comprovado sistema de qualidade na produção<br />
das larvas que serão utilizadas nas unidades de engorda<br />
destinadas, principalmente, para a região Nordeste.<br />
Outros 20% dos empreendimentos analisados adquirem<br />
as larvas da NETUNO (sediada em Recife) e<br />
10% compram tanto da MARICULTURA, com sede<br />
no estado da Bahia, quanto da AQUAMAR do Rio<br />
Grande do Norte.<br />
Em todos os empreendimentos analisados são colocadas<br />
telas para impedir a fuga dos espécimes cultivados,<br />
bem como para inibir a entrada de predadores<br />
naturais de camarões. No entanto, este procedimento<br />
não impede que no momento da despesca ocorra a<br />
fuga de camarões cultivados para o ambiente externo<br />
ao viveiro. As conseqüências para este fato ainda não<br />
foram diagnosticadas.<br />
A avaliação do estado sanitário do plantel ocorre<br />
mediante análise do comportamento dos camarões e<br />
através da realização da biometria, que consiste em<br />
uma amostragem das espécies por viveiros para serem<br />
pesadas e medidas sendo então possível avaliar o grau<br />
de desenvolvimento e o estado sanitário dos camarões.<br />
A biometria deve ocorrer semanalmente para avaliar<br />
o crescimento do camarão, bem como seu estado de<br />
saúde. Segundo os proprietários e responsáveis técnicos<br />
e/ou administrativos ent<strong>revista</strong>dos, este procedimento<br />
é realizado nos médios e grandes empreendimentos<br />
sergipanos analisados. Nos pequenos empreendimentos<br />
a biometria somente é realizada no último<br />
mês de engorda, visando apenas avaliar se o camarão<br />
já está apto para ser comercializado em função do peso.<br />
Este fato demonstra um manejo inadequado do cultivo,<br />
que poderá trazer conseqüências negativas tanto<br />
para o cultivo e consumo quanto para o estuário adjacente.<br />
A utilização de aeração artificial traz como benefícios<br />
uma maior estabilização dos parâmetros<br />
hidrobiológicos; redução da taxa de renovação da água<br />
Revista da <strong>Fapese</strong>, v.3, n.1, p. 87-112, jan./jun. 2007
104<br />
Márcia Eliane Silva Carvalho; Aracy Losano Fontes<br />
dos viveiros, favorecendo o equilíbrio com o ambiente<br />
estuarino; e intensificação dos cultivos, sem correr o<br />
risco de provocar depleção do oxigênio (Rocha, 1998).<br />
O uso de aeração artificial somente foi diagnosticado<br />
em 38,5% dos empreendimentos que operam com<br />
densidades superiores a 15camarões/m2 . Nas demais<br />
unidades produtivas não ocorre a aeração artificial. fato<br />
relacionado com a baixa densidade de estocagem e pelo<br />
fato dos aeradores terem um custo muito elevado.<br />
Outro aspecto fundamental, relacionado ao manejo<br />
sustentável de um cultivo aqüícola, refere-se a forma<br />
de alimentação da espécie. Em cativeiro, visando o<br />
crescimento rápido do camarão, é utilizada ração como<br />
principal fonte alimentar.<br />
O arraçoamento, ou seja, o oferecimento da ração,<br />
pode ser realizado por voleio, onde o alimento é lançado<br />
diretamente no viveiro, ou através de bandejas<br />
ou comedouros fixos na proporção de uma bandeja/<br />
ha para cada um camarão/m2 , no qual a ração é depositada<br />
e levada para o fundo do viveiro, diminuindo o<br />
excesso de ração e conseqüente processo de<br />
eutrofização do viveiro (Nunes, 2003).<br />
Entre os empreendimentos ent<strong>revista</strong>dos, 54% fazem<br />
o arraçoamento misto, ou seja, através de voleio e<br />
por bandejas; 31% oferecem a ração por voleio e apenas<br />
15% fazem o arraçoamento através de bandejas.<br />
Estes dados demonstram a não adoção de técnicas mais<br />
modernas de cultivo que visam a sustentabilidade do<br />
mesmo.<br />
A ração utilizada por 70% dos empreendimentos é<br />
proveniente da empresa SIBRA, cuja fábrica localizase<br />
no município sergipano de Propriá, fato relacionado<br />
com o menor custo da ração, por localizar-se no<br />
mesmo estado e por confiarem nesta empresa, pioneira<br />
no ramo da carcinicultura no estado.<br />
Com relação a despesca, esta deve ser realizada<br />
preferencialmente à noite, pois as temperaturas estão<br />
mais amenas, reduzindo o estresse dos animais e o<br />
risco de mortalidade em função do sol (Rocha, 1998;<br />
Saint-Brisson, 1999). No entanto, nos estabelecimentos<br />
analisados somente 15,4% realizam despesca à<br />
noite, pois evita uma possível morte do camarão em<br />
função do calor. Em 8,0% dos estabelecimentos a<br />
despesca ocorre em qualquer horário independente<br />
da maré vazante. Nos demais empreendimentos o horário<br />
da despesca é variável, não importando o sol,<br />
mas sim o horário da maré vazante.<br />
As análises dos parâmetros físico-químicos<br />
objetivam manter a qualidade da água do viveiro adequada<br />
ao desenvolvimento do camarão, corrigindo os<br />
excessos ou carências dos fatores analisados. Dentre<br />
eles, devem ser analisados diariamente o pH, a temperatura,<br />
a salinidade, a transparência e o oxigênio dissolvido.<br />
Semanalmente deve-se avaliar a concentração<br />
de nitrato, nitrito e amônia (DPA/MA, 2001).<br />
As unidades produtoras de camarão analisadas<br />
nesta pesquisa, de médio e grande porte, avaliam os<br />
parâmetros citados acima, mas em nenhuma delas foi<br />
possível obter estes dados. De acordo com o técnico<br />
da SIBRA ent<strong>revista</strong>do, a área onde este empreendimento<br />
se localiza é imprópria para o cultivo de camarão,<br />
pois a poluição do rio do Sal, afluente da margem<br />
direita do rio Sergipe, influencia diretamente na qualidade<br />
da água captada para os viveiros. Em determinadas<br />
épocas do ano, segundo o ent<strong>revista</strong>do, a quantidade<br />
de amônia é tão alta que é necessário parar o<br />
bombeamento da água e utilizar somente os aeradores<br />
para oxigenar os viveiros. Na Fazenda Santa Bárbara e<br />
na VIDAMAR o principal problema está relacionado<br />
com a depleção do oxigênio, que é monitorado quatro<br />
vezes por dia, estando os aeradores ligados constantemente.<br />
O tratamento dos efluentes provenientes dos viveiros<br />
necessita de um manejo responsável a fim de<br />
que sejam preservadas a qualidade ambiental e a proteção<br />
a saúde pública no empreendimento e no estuário<br />
na qual está inserido.<br />
Somente em dois estabelecimentos (SIBRA e<br />
VIDAMAR) foi identificada a existência de bacias de<br />
sedimentação, ou seja, tanques ou lagoas de decanta-<br />
Revista da <strong>Fapese</strong>, v.3, n.1, p. 87-112 jan./jun. 2007
ção. Nos demais empreendimentos, que correspondem<br />
a 84,6% dos analisados, os efluentes são liberados<br />
diretamente no estuário. A eliminação direta dos<br />
efluentes pode vir a acarretar modificações nos<br />
parâmetros hidrobiológicos dos estuários.<br />
A legalização dos empreendimentos de<br />
carcinicultura no estado é um problema evidente. Os<br />
empreendimentos já existentes e os em fase de execução<br />
necessitam adequar-se a Resolução no12, de 26 de<br />
agosto de 2002, do Conselho Estadual de Controle do<br />
Meio Ambiente em Sergipe, que dispõe sobre o<br />
licenciamento e o disciplinamento dos empreendimentos<br />
carcinicultores no estado, visando à legalização e<br />
normatização dos vários empreendimentos irregulares<br />
no estado, bem como instituindo normas para a<br />
implementação de novos estabelecimentos de<br />
carcinicultura, e a Resolução do CONAMA 312, de 10<br />
de outubro de 2002, de âmbito nacional que dispõe<br />
sobre o licenciamento da carcinicultura.<br />
Esta última veda a prática da carcinicultura em<br />
ecossistemas de manguezal (Artigo 2 o ) e no Artigo 3 o<br />
fica determinado que a construção, a instalação, a<br />
ampliação e funcionamento das fazendas de cultivo<br />
de camarão na zona costeira dependem de<br />
licenciamento ambiental.<br />
Os empreendimentos de pequeno porte poderão<br />
ser licenciados mediante procedimento de<br />
licenciamento ambiental simplificado. Os demais empreendimentos<br />
necessitam apresentar Estudos de Impacto<br />
Ambiental, devidamente acompanhados de um<br />
Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA). Porém,<br />
todos os empreendimentos deverão solicitar inicialmente<br />
a licença prévia (LP), em seguida apresentar<br />
outra documentação para solicitar a licença de instalação<br />
(LI) e ao final do processo a licença de operação<br />
(LO). Os documentos mínimos exigidos para cada uma<br />
destas fases encontram-se no Anexo A.<br />
Todos os ent<strong>revista</strong>dos afirmaram que o processo<br />
de licenciamento da atividade de carcinicultura é moroso,<br />
dispendioso e ocorre uma falta de clareza com<br />
relação à documentação exigida para licenciar. Por isso,<br />
A Carcinicultura no Espaço Litorâneo Sergipano<br />
105<br />
muitos dos empreendimentos em questão ainda não<br />
se encontram licenciados, exceto a VIDAMAR. O Sítio<br />
Esperança e a SIBRA encontram-se com suas licenças<br />
de operação vencidas e em fase de renovação.<br />
Segundo as ent<strong>revista</strong>s realizadas nos empreendimentos<br />
de carcinicultura sergipanos analisados, licenciados<br />
ou não, o camarão cultivado é vendido principalmente<br />
para os estados da Bahia (empresa<br />
LUSOMAR), Recife (empresa NETUNO), Rio Grande<br />
do Norte (empresa AQUAMAR), Rio de Janeiro e São<br />
Paulo. Em menor proporção é vendido na capital<br />
aracajuana, no Mercado Central.<br />
Os principais impactos ambientais relacionados<br />
com a carcinicultura referem-se a supressão do<br />
ecossistema manguezal; mudanças no padrão de circulação<br />
hídrica do estuário e eutrofização do estuário,<br />
com as descargas dos efluentes dos viveiros sem tratamento<br />
prévio (Wainberg e Câmara, 1998).<br />
Em Sergipe, a supressão do manguezal foi constatada<br />
na maioria dos empreendimentos analisados, nas<br />
atividades de campo, bem como através de fotografias<br />
aéreas verticais na escala de 1:25.000 (SEPLANTEC/<br />
UNITUR, 2003). Estes empreendimentos foram instalados<br />
antes de entrar em vigor a Resolução 312/2002 do<br />
CONAMA, que proíbe a estruturação de estabelecimentos<br />
de carcinicultura em áreas de manguezal. Em função<br />
deste fato tramita no Ministério Público o Termo de<br />
Ajustamento de Conduta para estes empreendimentos<br />
já instalados indevidamente em áreas de manguezal.<br />
Com relação a eutrofização e as possíveis mudanças<br />
no padrão de circulação hídrico dos estuários sergipanos,<br />
nos quais encontram-se instalados os empreendimentos<br />
de carcinicultura, são necessários estudos específicos<br />
sobre os parâmetros hidrobiológicos e físico-químicos<br />
para avaliar o real impacto do cultivo de camarão.<br />
No entanto, foi possível diagnosticar que na maioria<br />
dos empreendimentos analisados, não há tratamento<br />
adequado dos resíduos dos viveiros antes que sejam<br />
lançados no estuário adjacente, bem como a modificação<br />
estrutural das áreas no entorno dos estuários vi-<br />
Revista da <strong>Fapese</strong>, v.3, n.1, p. 87-112, jan./jun. 2007
106<br />
Márcia Eliane Silva Carvalho; Aracy Losano Fontes<br />
sando à construção dos canais de abastecimento e dos<br />
próprios viveiros de engorda, embora haja preocupação<br />
de parte dos empreendedores de manter certas<br />
áreas do manguezal preservadas.<br />
Um ponto fundamental no ordenamento de atividades<br />
potencialmente impactantes, como a carcinicultura<br />
na zona costeira, é a realização do Zoneamento Ecológico<br />
Econômico, que tem como objetivo geral organizar<br />
as decisões de agentes públicos e privados no tocante<br />
às atividades que utilizem intensamente os recursos<br />
naturais, adotando medidas de proteção ambiental destinadas<br />
a assegurar a qualidade ambiental, o desenvolvimento<br />
sustentável e a melhoria das condições de vida<br />
da população (Decreto no 4.297/2002).<br />
No estado de Sergipe, encontra-se em fase de elaboração<br />
o zoneamento da aptidão da carcinicultura, desenvolvido<br />
pela empresa de consultoria GEOTEC e a<br />
CODISE. Este estudo tem como objetivo identificar as<br />
potencialidades e limitações da atividade de cultivo de<br />
camarão no litoral sul do estado e faz parte da atualização<br />
do Zoneamento Ecológico Econômico Costeiro sergipano.<br />
6. Aspectos socioeconômicos do cultivo de<br />
camarão marinho no estado<br />
A análise dos aspectos socioeconômicos dos trabalhadores<br />
dos empreendimentos de carcinicultura estudados<br />
em Sergipe permitiu identificar questões referentes<br />
ao gênero, faixa etária, grau de instrução, condições<br />
de trabalho, atividade principal, renda obtida,<br />
número de empregos gerados, dentre outras.<br />
A prática da carcinicultura, como toda atividade produtiva<br />
envolvendo capital e trabalho, cria categorias de<br />
trabalho. Nos empreendimentos analisados em Sergipe<br />
foi possível identificar as seguintes categorias: a categoria<br />
do trabalhador fixo designado, na maioria dos empreendimentos<br />
de pequeno porte, a realizar todas as<br />
atividades relacionadas com o cultivo de camarão; e a<br />
do trabalhador temporário, morador das circunvizinhanças,<br />
contratado como diarista na época da despesca ou<br />
para alguns serviços de manutenção dos viveiros.<br />
Dentre os quinze trabalhadores ent<strong>revista</strong>dos, a<br />
maioria, 93,5%, são do sexo masculino e apenas 6,5%<br />
representam o sexo feminino. Esta tendência a ser uma<br />
atividade estritamente masculina provavelmente devese<br />
ao fato de ser considerada, segundo os ent<strong>revista</strong>dos,<br />
como bastante árdua e por isso requeira mão-deobra<br />
mais resistente em termos de desgaste físico.<br />
Com relação à faixa etária, Guzenski (2000) ressalta<br />
que a identificação da idade em uma determinada comunidade<br />
permite conhecer diferentes interesses e<br />
necessidades vinculadas ou não aos recursos disponíveis<br />
no ambiente onde nasceram ou residem, permitindo<br />
ainda avaliar os possíveis movimentos de<br />
êxodo na busca por locais que possam oferecer melhores<br />
alternativas de vida e renda.<br />
A idade predominante dos trabalhadores oscila entre a<br />
faixa de 21 a 30 anos e de 41 a 50 anos, totalizando 66,5%<br />
dos ent<strong>revista</strong>dos. Trabalhadores com menos de 20 anos<br />
ou com mais de 50 anos representam igualmente 13,4%<br />
dos ent<strong>revista</strong>dos. A faixa etária predominante corresponde<br />
à população economicamente ativa que, em sua maioria,<br />
dedica-se a esta atividade por motivos financeiros.<br />
Sobre o grau de escolaridade, constatou-se que 80%<br />
dos ent<strong>revista</strong>dos possuem o ensino fundamental incompleto<br />
e 13,5% apresentam o ensino superior completo<br />
em engenharia de pesca, sendo os responsáveis<br />
técnicos pelos empreendimentos onde trabalham. Um<br />
dos ent<strong>revista</strong>dos (6,5%) é analfabeto funcional, pois<br />
apesar de nunca ter freqüentado a escola, sabe assinar<br />
o nome e resolver cálculos diários.<br />
A escolaridade dos trabalhadores ent<strong>revista</strong>dos é<br />
baixa, não apresentando em sua maioria o ensino fundamental<br />
completo. Este fato incide sobre o tipo de<br />
emprego que possuem, repercutindo diretamente sobre<br />
sua qualidade de vida.<br />
Com relação às mudanças para a comunidade local,<br />
constatou-se que os benefícios da carcinicultura<br />
são poucos e estão diretamente relacionados aos empregos<br />
temporários na época da despesca ou para<br />
manutenção dos viveiros.<br />
Revista da <strong>Fapese</strong>, v.3, n.1, p. 87-112 jan./jun. 2007
O município sergipano que apresentou mudanças<br />
expressivas em função da carcinicultura foi Indiaroba.<br />
Embora sua área produtiva de camarões cultivados seja<br />
pequena, este município sofre influência direta da<br />
empresa LUSOMAR, localizada em Jandaíra, Bahia.<br />
Esta empresa é classificada como de grande porte, exportando<br />
entre 70 e 90% de sua produção para a Europa<br />
e Estados Unidos. Em função da proximidade<br />
desta empresa com Indiaroba, 69% dos seus funcionários<br />
são provenientes deste município. Atualmente,<br />
esta atividade representa a segunda maior fonte de<br />
emprego para a referida localidade (Carvalho, 2004).<br />
Nas fazendas de cultivo de camarões existem múltiplas<br />
funções a serem realizadas, como a manutenção<br />
da bomba e dos viveiros, alimentar os camarões, realizar<br />
a limpeza dos viveiros, etc (Rocha, 1998; Saint-<br />
Brisson, 1999; DPA/MA, 2001).<br />
No entanto, o Gráfico 4 evidencia que a maior parte<br />
dos trabalhadores ent<strong>revista</strong>dos concentra todas as<br />
funções, sendo que alguns ainda são responsáveis por<br />
outras atividades existentes no próprio empreendimento.<br />
Concentrando todas as funções relacionadas ao<br />
cultivo de camarão, o trabalhador tende a se tornar<br />
A Carcinicultura no Espaço Litorâneo Sergipano<br />
107<br />
insatisfeito e cansado, o que pode trazer como conseqüência<br />
o manejo incorreto dos viveiros.<br />
No caso específico de alimentar os camarões, Nunes<br />
(2003) alerta que a função de arraçoador exige treinamento<br />
técnico, paciência, tempo e resistência física,<br />
pois é necessário estacionar o caiaque nos pontos de<br />
alimentação, içar a bandeja, liberar as sobras, inserir<br />
nova quantidade de alimento e descê-la até o fundo<br />
do viveiro sem virá-la. Trabalhadores com múltiplas<br />
tarefas, inclusive a de arraçoar e sem incentivo econômico<br />
podem provocar perdas de ração e comprometer<br />
a qualidade da água do viveiro.<br />
Com relação à renda obtida, 46,5% dos ent<strong>revista</strong>dos<br />
recebem entre R$240,00 e R$320,00; 15,5% possuem uma<br />
renda entre R$400,00 e R$500,00; outros 23% não informaram<br />
o valor recebido e 15,5% são trabalhadores temporários,<br />
recebendo pela diária em torno de R$15,00.<br />
Os trabalhadores ent<strong>revista</strong>dos afirmaram que as<br />
condições de trabalho são satisfatórias, embora seja<br />
necessário um aumento na renda obtida, face ao árduo<br />
trabalho de lidar diariamente com o camarão, em<br />
média oito horas por dia.<br />
Gráfico 4 - Funções dos trabalhadores das unidades produtivas de camarão.<br />
Fonte: Atividade de campo, 2004. Organização: Márcia E. S. Carvalho.<br />
Revista da <strong>Fapese</strong>, v.3, n.1, p. 87-112, jan./jun. 2007
108<br />
Márcia Eliane Silva Carvalho; Aracy Losano Fontes<br />
Trabalhar nos estabelecimentos de carcinicultura<br />
sergipanos é visto como complemento de renda para<br />
86,5% dos ent<strong>revista</strong>dos. Os outros 13,5% trabalham<br />
como técnicos atuando, portanto, na área de formação<br />
escolhida.<br />
Conforme Wainberg e Câmara (1998), os benefícios<br />
socioeconômicos da carcinicultura estão diretamente<br />
ligados à geração de emprego e renda, que vem crescendo<br />
em função da sua modernização, criando novos<br />
postos de trabalho e conseqüentemente de emprego de<br />
mais mão-de-obra. A relação de funcionários por hectare<br />
passou de 0,2-0,3/ha para 0,7/ha, após a disseminação<br />
da utilização de bandejas de alimentação.<br />
Em Sergipe ainda não está consolidada a cadeia<br />
produtiva da espécie cultivada. Nos empreendimentos<br />
de pequeno porte analisados (com menos de 10ha<br />
de lâmina d’água produtiva), 38,5% geram um emprego<br />
fixo para todo o estabelecimento; 15,5% empregam<br />
dois trabalhadores fixos e 15,5% geram três empregos<br />
fixos. Em 7,5% dos estabelecimentos que possuem<br />
porte médio são gerados nove empregos fixos. Nos<br />
estabelecimentos que empregam tecnologia mais moderna<br />
e que operam com o cultivo do tipo semi-intensivo<br />
alto, são gerados entre 38 e 52 empregos fixos.<br />
Estes empreendimentos totalizam 15,5% dos estabelecimentos<br />
analisados, sendo um de médio porte e outro<br />
de grande porte (acima de 50ha produtivos). Nos<br />
demais 7,5% não há geração de empregos.<br />
Em 61,5% dos estabelecimentos de carcinicultura<br />
analisados foi informada a lâmina d’água em produção,<br />
mediante ent<strong>revista</strong> com o proprietário ou responsável<br />
técnico/administrativo. A área destes empreendimentos<br />
totaliza 169ha, que geram 108 empregos<br />
fixos, o que equivale a 0,6 empregos/ha, média considerada<br />
baixa em comparação com outras atividades<br />
do setor produtivo primário.<br />
O número de empregos temporários é variável a<br />
depender da área produtiva e do nível tecnológico utilizado<br />
no empreendimento. Em geral, para serviços<br />
gerais e na época da despesca, que ocorre em média<br />
de 3 em 3 meses, são gerados nos empreendimentos<br />
de pequeno porte analisados, entre dois a oito empregos<br />
temporários, e de dezoito a vinte nos empreendimentos<br />
de médio e grande porte analisados.<br />
Desta forma, constata-se nos empreendimentos<br />
analisados que a carcinicultura tem gerado poucas<br />
oportunidades de emprego pois, em média, é gerado<br />
apenas um emprego fixo para cada dois a três hectares<br />
produtivos, fato que contribui para a marginalização<br />
das comunidades locais. Por outro lado, apenas 5%<br />
dos empreendimentos em produção no estado são de<br />
grande porte, 16,5% de médio porte e 78,5% são de<br />
pequeno porte demonstrando que a atividade de<br />
carcinicultura em Sergipe é socialmente expressiva.<br />
Foi constatado nas atividades de campo uma<br />
reorientação das atividades desenvolvidas em parte<br />
do litoral sergipano. As fazendas de produção de coco,<br />
áreas de apicuns e de manguezais, antigos viveiros de<br />
peixes e algumas salinas estão sendo paulatinamente<br />
convertidas em empreendimentos de carcinicultura.<br />
Este fato ocorre principalmente em função do alto valor<br />
de mercado que o camarão possui e do seu rápido<br />
desenvolvimento, pois entre 3 e 4 meses está apto a<br />
ser comercializado.<br />
7. Considerações Finais<br />
O espaço geográfico de interesse neste trabalho – a<br />
zona costeira – tem sido palco para o desenvolvimento<br />
da carcinicultura mundial, pois apresenta características<br />
ambientais que favorecem o cultivo do camarão,<br />
principalmente em regiões tropicais onde as condições<br />
climáticas, hidrobiológicas e topográficas predominantes<br />
criam um potencial para o seu desenvolvimento.<br />
A carcinicultura mundial é na atualidade um<br />
agronegócio com mercado nacional e internacional em<br />
plena expansão, colocando o camarão marinho cultivado<br />
como um importante produto gerador de divisas.<br />
Sergipe está inserido neste contexto, pois seus espaços<br />
litorâneos antes ocupados por viveiros de pei-<br />
Revista da <strong>Fapese</strong>, v.3, n.1, p. 87-112 jan./jun. 2007
xes, coqueirais, manguezais e apicuns estão sendo paulatinamente<br />
convertidos em viveiros para o cultivo do<br />
camarão, cuja produção é destinada, principalmente,<br />
para os mercados nacional – Bahia, Pernambuco, Rio<br />
Grande do Norte, Rio de Janeiro e São Paulo – e internacional<br />
– Europa e Estados Unidos.<br />
O aperfeiçoamento das técnicas de cultivo tem permitido<br />
atingir alta rentabilidade produtiva com baixo<br />
índice de impacto ambiental. Esta modernização nas<br />
técnicas de cultivo está relacionada com o conhecimento<br />
do ciclo biológico da espécie cultivada e com o<br />
aperfeiçoamento das técnicas de manejo sustentável<br />
dos viveiros.<br />
No entanto, nível de tecnificação da produção da<br />
maioria dos empreendimentos analisados no estado é<br />
baixo, com poucos estabelecimentos que empregam<br />
tecnologia moderna.<br />
Em Sergipe, algumas destas contradições referentes<br />
ao segmento social são evidentes, demonstrando<br />
ser uma atividade lucrativa para o dono do empreendimento<br />
e não para o trabalhador braçal que recebe em<br />
média entre duzentos e quatrocentos reais mensais.<br />
Em empreendimentos de pequeno porte, o trabalhador<br />
concentra várias funções diárias, desde o oferecimento<br />
da alimentação, três vezes ao dia, limpeza e<br />
manutenção do mesmo, até a função de vigilante dos<br />
viveiros. Ocorre também um aumento no número de<br />
trabalhadores temporários, com diárias variando entre<br />
dez e quinze reais e sem a perspectiva de nenhum<br />
vínculo empregatício. Nos médios e grandes empreendimentos<br />
analisados, as atividades dos trabalhadores<br />
são mais específicas, como a de arraçoador, bombeiro,<br />
eletricista, vigilante, dentre outras, não sobrecarregando<br />
o funcionário com diversas atividades.<br />
No tocante às questões ambientais relacionadas com<br />
a carcinicultura sergipana, alguns aspectos merecem<br />
destaque, pois o manejo sustentável dos viveiros ainda<br />
não é aplicado corretamente na maioria dos empreendimentos<br />
analisados.<br />
A Carcinicultura no Espaço Litorâneo Sergipano<br />
109<br />
Dentre eles, o ecossistema de manguezal é o mais<br />
diretamente impactado pelo cultivo de camarão em viveiros,<br />
pois embora não mensurada a área suprimida<br />
do manguezal nos empreendimentos analisados, durante<br />
as atividades de campo foi constatado que esta<br />
vegetação foi retirada para a construção dos viveiros.<br />
A forma de alimentação das espécies em cativeiro<br />
não segue o padrão desenvolvido para evitar excesso<br />
de ração no fundo dos viveiros ocorrendo, conseqüentemente,<br />
excesso de matéria orgânica na água.<br />
Na maioria dos estabelecimentos, os dejetos dos<br />
viveiros são lançados diretamente nos estuários o que<br />
futuramente, com o aumento dos lançamentos destes<br />
efluentes, poderá causar eutrofização destes corpos<br />
d’água.<br />
Deve-se ressaltar que desde que sejam seguidas as<br />
normas de manejo tanto para instalação quanto para a<br />
operação de um empreendimento de carcinicultura, a<br />
atividade pode ser desenvolvida com um mínimo de<br />
impacto ambiental e social. O uso sustentável, respeitando<br />
as áreas onde as populações ribeirinhas tiram<br />
seu sustento, contratando trabalhadores para atividades<br />
específicas nos empreendimentos, visando reduzir<br />
o acúmulo de funções, adotando medidas de controle<br />
da água dos viveiros e de tratamento dos efluentes<br />
antes de liberá-los para o estuário, são alguns pontos<br />
que contribuem para o desenvolvimento da<br />
carcinicultura sustentável. Para tal é necessário também<br />
que haja clareza na regulamentação legal da atividade<br />
junto aos órgãos ambientais, bem como os empreendedores<br />
sigam um código de conduta ambiental<br />
responsável.<br />
Diante do exposto, a carcincicultura no litoral sergipano<br />
revela relações ambientais, sociais e econômicas<br />
muito singulares. Ao mesmo tempo em que demonstra<br />
alcançar altos níveis de produtividade e rentabilidade,<br />
utiliza intensamente produtos primários<br />
(água e solo) afetando diretamente o ambiente e apresentando<br />
uma distribuição desigual da renda entre as<br />
categorias de trabalho criadas por esta atividade.<br />
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