Os desassossegos do rei - Quintal dos Poetas

Na sua agitada e inusitada carreira de herói de dois
mundos ele foi príncipe herdeiro do reino unido de Portugal,
Brasil e Algarves, o que lhe dava o direito de ser tratado
como Sua Alteza Real. Nessa condição enfrentou as Cortes
de Lisboa e levou a melhor sobre elas, sufocando a velha
arrogância colonial com coragem e astúcia. Em seguida
virou imperador, o que lhe dava o direito de ser chamado de
Sua Magestade Imperial. Depois acumulou o cargo com o de
Rei de Portugal, adquirindo direito de ser tratado de Sua
Majestade Imperial d. Pedro I - Imperador do Brasil e sua
Majestade Real D. Pedro IV - Rei de Portugal. Nessa dupla e
dúbia condição ele acabou não se saindo tão bem pois,
passada a euforia da independência, os brasileiros passaram a
olhá-lo com uma certa desconfiança, relevando muito o fato
de que ele tinha nascido em Portugal, no seio de uma
dinastia que reinava nas plagas lusas há quase duzentos anos.
No fundo essa implicância decorria, pura e simplesmente, do
fato dele não ter tido a sorte de ter sido amamentado nas
tetas generosas de uma negra submissa e maternal, condição
indispensável para a sedimentação da brasilidade naqueles
tempos, ainda tão coloniais. Quer dizer, não era brasileiro da
gema. O fato dele ter inventado politicamente o Brasil nem
foi levado em conta, perpetrando uma grande ingratidão.
O herói de dois mundos, tão cheio de herança e
merecimento, acabou ficando meio apátrida, pois também já
tinha renunciado à cidadania portuguesa. De sorte que ele
resolveu engatar uma marcha a ré, uma vez que, sem apoio
suficiente, não queria tanta coroa pesando na sua cabeça,
sobretudo debaixo de tanta desconfiança. Assim virou duque
de Bragança, que é o ponto em que o herdeiro da coroa
portuguesa começava sua ungida carreira desde 1640. Aí teve
que ser feito um arranjo para que sua enorme dignidade não
acabasse tão injustamente diminuida, pois quem já tinha
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