Os desassossegos do rei - Quintal dos Poetas
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sua residência em Lisboa. Para dramatizar ainda mais o<br />
significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> obscuro furto, Leannes alegou que a tal baixela<br />
tinha si<strong>do</strong> presente <strong>do</strong> próprio Napoleão. E, assim,<br />
misturan<strong>do</strong> competência militar, arrogância diplomática e<br />
simples malandragem, o corso e seus generais vão levan<strong>do</strong> a<br />
Europa de roldão e vão salpican<strong>do</strong> pequenas repúblicas no<br />
continente <strong>do</strong>s <strong>rei</strong>s. A constituição francesa, claro, é o<br />
breviário a ser segui<strong>do</strong>.<br />
Em 1802, no tempo <strong>do</strong> consula<strong>do</strong>, os regimes<br />
republicanos centra<strong>do</strong>s na França já abraçam um terço <strong>do</strong>s<br />
europeus. Têm em comum constituições que valorizam os<br />
di<strong>rei</strong>tos civis, entre os quais a universalização <strong>do</strong> voto e a<br />
liberdade de imprensa e de culto. Mas há fortes resquícios <strong>do</strong><br />
passa<strong>do</strong>, de tal forma que um contato com os projetos de<br />
reforma de alguns soberanos assusta<strong>do</strong>s não é de to<strong>do</strong><br />
impensável. Contu<strong>do</strong>, mesmo nos cantos mais liberais ainda<br />
há um perío<strong>do</strong> de aprendiza<strong>do</strong> a ser cumpri<strong>do</strong>. De sorte que a<br />
censura não é de to<strong>do</strong> esquecida. Assembleias são dissolvidas<br />
para resolver dificuldades de convencimento. O próprio<br />
Napoleão faz isso na Itália. Há retrocessos postos em marcha.<br />
Bonaparte está cansa<strong>do</strong> de ser cônsul de uma república sem<br />
perspectivas e, assim, o século XIX acordaria <strong>do</strong> pesadelo <strong>do</strong><br />
final <strong>do</strong> século anterior com o corso sonhan<strong>do</strong> em se assentar<br />
no trono de Luiz XVI e, o que é pior, conduzi<strong>do</strong> pelo voto <strong>do</strong><br />
povo. O mesmo povo que quinze anos antes havia pega<strong>do</strong> em<br />
armas para derrubar o <strong>rei</strong>, agora votava pela volta da<br />
monarquia. Liberdade e república ficariam para mais tarde<br />
outra vez. O grande general não tinha ti<strong>do</strong> a menor<br />
dificuldade de iludir o povo de novo. Mas quis mais, quis ser<br />
impera<strong>do</strong>r, unin<strong>do</strong> a Europa numa monumental monarquia<br />
bastarda. É o povo em armas mais uma vez, se engajan<strong>do</strong> em<br />
batalhas que não eram mais suas. Mas aí entraria em cena o<br />
que sempre está em cena, quer dizer, a mão forte das grandes<br />
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