Os desassossegos do rei - Quintal dos Poetas

daí que no auge do seu período mais quente a revolução ia e
vinha, ao sabor do convencimento dos oradores mais hábeis e
dos agitadores mais inescrupulosos. As leis nem tinham tempo
de amadurecer e já morriam logo após o nascimento.
No século XIX a coisa se inverteu um pouco e as
cartas constitucionais passaram a nortear os rumos do
ativismo com um pouco mais de sentido e duração. Em
ambos os períodos, contudo, o povo não sabia muito bem o
que queria e isso dificultava a estabilização de objetivos. Se na
revolução francesa abundavam talentosos oportunistas, no
século seguinte faltaram bons líderes para conduzir o processo
através das inevitáveis águas turbulentas que toda revolução
levanta. E assim continuou o desnorteio. Menos sangrento,
mas de toda forma, repleto de volteios. É claro que no meio
do pioneirismo do movimento francês, tudo era novo e não
poderia mesmo haver projetos políticos claros. O que todos
sentiam é que havia uma força descomunal concentrada na
indignação do povo, pronta para explodir. Era preciso
primeiro fazer tal força extravasar, depois se veria o que fazer
com tanta energia. Faz sentido. Eram inevitáveis tantos
avanços e retrocessos, tanto descontrole, tantos imbecis
esgrimindo o poder. Tanta coisa em tão pouco tempo.
A própria tomada da Bastilha ilustra, em pequeno
plano, a essência do modelo revolucionário incipiente daquele
fim de século. E eis o obscuro cidadão Camille Desmoulins
vociferando mentiras pelas ruas de Paris, incitando o povo a
se armar e partir para a ofensiva. Resultado trágico: a turba,
completamente fora de controle, decapita o comandante da
Bastilha, espeta sua cabeça numa lança e sai alucinada pelas
ruas ostentando o troféu macabro. Mas Desmoulins escolheu
o alvo com incrível precisão. Uma masmorra abaixo, a
liberdade correndo desvairada pelas ruas de Paris. Estava
deflagrado um processo sanguinolento de mudança que
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