Os desassossegos do rei - Quintal dos Poetas

maior sem cerimônia e exigiu declaração de guerra à
Inglaterra. Quer dizer, às vésperas da viagem para o Brasil d.
João já estava mais do que escolado naquelas arengas francobritânicas
e sabia que o único que tinha a fazer era mesmo
jogar aquele jogo cheio de fintas que precedeu o embarque.
De qualquer forma, embora a ideia da transmigração
fosse antiga, nas condições em que d. João decidiu colocá-la
em prática o tempo de preparação para a perigosa viagem
acabou sendo exíguo, não mais do que três meses. Consta que
em agosto Tomás Antônio Vila Nova Portugal apresentou ao
príncipe regente o plano da fuga que logo foi aprovado e
colocado em andamento. O foco era a preparação da frota e o
traslado dos documentos do estado. Mas quase todo fidalgote
queria fazer-se ao mar e levar os seus baús cheios de trastes e
lembrancinhas. Em conseqüência, no dia do embarque um
inevitável tumulto não poderia estar ausente. O cais de Belém
estava tomado pela lama devido à chuva constante que caíra
sobre Lisboa nos últimos dias. A cena deve ter sido mesmo
patética, conferindo ao embarque uma conotação de ópera
bufa.
A decisão era certa, as ações eram lógicas mas,
impossível escapar do ridículo naquelas circunstâncias.
Centenas de nobres e burocratas portugueses tentando
embarcar como desse, ganhando a boca do Tejo afora rumo
ao Atlântico das velhas conquistas. A própria família real
acomodou-se como foi possível, distribuída em três
embarcações. Nem parece ter havido preocupação de espalhar
estrategicamente os infantes e infantas para que a sucessão
não ficasse prejudicada no caso de um naufrágio. Foi sorte
que Netuno também não quisesse fazer o que Napoleão não
estava conseguindo, ou seja, liquidar com a continuidade
dinástica dos Bragança. D. João chegou de madrugada, meio
que escondido para não assustar a população de Lisboa com a
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