Os desassossegos do rei - Quintal dos Poetas

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que os trabalhos legislativos fossem mais produtivos. Isso levou o deputado Bernardo Pereira de Vasconcelos a dizer: “cortam-nos as pernas e acusam-nos perante o Brasil por que não corrermos”. Talvez o coração autoritário de d. Pedro fosse empurrado também por sua ansiedade mórbida. Ele simplesmente não tinha paciência com a demora com que coisas, tipicamente de governo, eram resolvidas nas assembleias. Quer dizer, os rituais próprios do processo democrático o irritavam e os debates demorados das questões cruciais lhe pareciam insuportável perda de tempo. D. Pedro foi a exata antítese de seu pai na vida e na historiografia. Naquela a diferença é flagrante, nesta nem tanto, pois sempre que algum autor ameaça falar mal de d. Pedro, no fim acaba elogiando-o e quando alguém promete reconhecer os méritos de d. João acaba execrando-o. Mas dividir d Pedro através do que ia no seu coração e sua mente é um tanto simplório pois ninguém sabe muito bem onde termina a razão e onde começa a emoção, qual empurra qual e quando. Tinha uma personalidade complexa. Aliás como todo mundo tem. Mas em sendo ele um rei, as facetas dessa complexidade se tornam mais acentuadas, já que os reis sempre podiam mais do que os outros, para o bem e para o mal e seus humores e razões podiam causar enorme repercussão. Tinha um sólido caráter e estava sempre preocupado com seu senso de honra e de lealdade, o que pode ser atestado em várias de suas cartas. Seu temperamento se caracterizava pelo notório desassossego que, no moto da sua grande energia e emotividade, compelia e mudava continuamente o vórtice das suas disposições, até de forma 166
contraditória. Amou desesperadamente a marquesa de Santos a ponto de humilhar a legitima esposa de quem não deixava de gostar, mas pranteou na hora errada. Não obstante o visgo da paixão, despachou a amante com energia e frieza quando as razões de estado o exigiram. Odiou o irmão e prometeu vingança, mas no cerco da cidade do Porto impediu que um artilheiro disparasse um tiro de canhão que podia atingir o lugar onde d. Miguel estava. Contudo, a despeito dessa prova de compaixão, d. Pedro tinha convicção de que seu irmão Miguel havia mandado matar d. João VI. A esse propósito escreveu em 1830: “Para se ver o que é o infame a abominável d. Miguel basta dizer que é mau tio, pior irmão e péssimo filho que por vezes tentou contra a vida de seu pai até que, por último, o matou de desgosto e, segundo dizem, com veneno como disse o Cirurgião Aguiar aqui nessa corte e que em Lisboa pagou com a vida em doze horas, o ter contado esse horroroso feito”. D. Pedro não hesitava em fustigar o inimigo mas, quando o vencia, sabia ser magnânimo. Tanto que, mais de uma vez, suscitou críticas em seus próprios colaboradores por ter sido generoso demais em suas anistias. Era hiperativo e dominador. Não tinha paciência para esperar que algo ficasse bom. Assim, quando achava que algo não estava sendo bem feito, ia ele mesmo fazer. Foi assim que ferrou cavalos e carregou pacotes. Foi assim com a constituição e foi assim com as trincheiras da cidade do Porto e de Lisboa. Era bem humorado e às vezes excedia nas brincadeiras. Mas quando percebia que alguém se sentia humilhado com elas, não tinha pejo de se desculpar. Muitas vezes pedia para ser tratado como homem e não como rei e dizia que seu sangue era da mesma cor do sangue dos negros. Não abria, contudo, mão da 167
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MARQUES, A. H. de Oliveira - Breve
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