Os desassossegos do rei - Quintal dos Poetas

Está claro que d. Pedro foi digerindo o processo de
separação com um certo comedimento, mas os fatores
desencadeadores se movimentavam com rapidez e ele soube
acompanhar o ritmo para não ser atropelado.
No meio dos vários folclores que distorcem nossa
História, não poderia faltar, é claro, o da proclamação
setembrina. A cena nos foi passada carregada de teatralidade
épica, coisa que sempre nos parece um tanto cômica. Sendo
assim, não poderia deixar de inspirar algum deboche, mesmo
porque, pelo vício da comparação simplista, muita gente segue
não conseguindo entender a forma como nossa independência
se deu, embora ela tenha seguido a mais formal e comportada
lógica histórica.
Pela pior tradição folclórica, a separação de Portugal
teria sido simples fruto casual do mau jeito de d. Pedro por
conta de uma indisposição estomacal que vinha lhe
incomodando desde Santos e que se agravou desajeitadamente
às vistas do Ipiranga, obrigando-o a dar a umas cartas, que
tinha acabado de receber, uma destinação inusitada, o que o
impediu de lê-las. Advertido da leviandade do que tinha feito,
ele teria sido assaltado por um violento mau-humor e apelado
para aquele gesto cinematográfico sem sequer ter podido
avaliar o conteúdo das cartas. Mas, ao contrário do que quis
insinuar a piada de mau gosto, as tais cartas – lidas ou não -
tiveram influência desprezível na decisão pois, como dito, a
situação vinha se agravando e o ambiente político às vésperas
do rompimento era extremamente agitado, tanto no Brasil
quanto em Portugal. Em Lisboa, como vimos, os deputados
brasileiros eram hostilizados pelas Cortes que queriam o puro
e simples retorno do Brasil à condição de colônia. Havia
excesso de arrogância colonialista e falta de bom senso
constitucionalista. D. Pedro era tratado como um moleque e
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