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Os desassossegos do rei - Quintal dos Poetas

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José Roberto de Amorim<br />

<strong>Os</strong><br />

<strong>desassossegos</strong><br />

<strong>do</strong> <strong>rei</strong><br />

<strong>Quintal</strong> <strong>do</strong>s poetas<br />

Oficina literária


José Roberto de Amorim<br />

<strong>Os</strong> <strong>desassossegos</strong> <strong>do</strong> <strong>rei</strong><br />

(Notas sobre a vida de d. Pedro de Alcântara, sua Alteza<br />

Imperial o Duque de Bragança – Defensor Perpétuo <strong>do</strong><br />

Brasil)<br />

a<br />

<strong>Quintal</strong> <strong>do</strong>s <strong>Poetas</strong><br />

Oficina Literária<br />

2


Copyright 2011 by José Roberto de Amorim<br />

Da<strong>do</strong>s de Catalogação na Publicação (CIP)<br />

A524o Amorim, José Roberto de<br />

OS DESASSOSSEGOS DO REI / José Roberto de Amorim –<br />

Lagoa Santa: <strong>Quintal</strong> <strong>do</strong>s <strong>Poetas</strong> Oficina Literária, 2011.<br />

ISBN 978-85-911866-1-7<br />

1. Brasil – História – D. Pedro I - 2. Portugal – História – D.<br />

Maria II. 3. Biografia. 4. Guerra Civil Portuguesa, 1832 - 1834 I.<br />

Título.<br />

CDD: 981.05<br />

<strong>Quintal</strong> <strong>do</strong>s <strong>Poetas</strong><br />

Oficina Literária<br />

Lagoa Santa – 2011<br />

www.quintal<strong>do</strong>spoetas.com<br />

quintal<strong>do</strong>spoetas@quintal<strong>do</strong>spoetas.com<br />

3


Sumário<br />

<strong>Os</strong> <strong>desassossegos</strong> <strong>do</strong> <strong>rei</strong><br />

A Casa de Bragança<br />

Manias<br />

A fuga ou estratégica escapada<br />

Dormin<strong>do</strong> com o inimigo<br />

Nasce o infante Pedro<br />

O fim <strong>do</strong> <strong>do</strong>ce <strong>rei</strong>no tropical<br />

A era das revoluções<br />

Manguinhas de fora<br />

Facciosas, horrorosas e pestíferas<br />

Mudança <strong>do</strong>s ventos<br />

Titília e Demonão<br />

As imperatrizes<br />

O pomo está maduro<br />

4


Patriarcas e musas<br />

Contrato de compra e venda<br />

Cartas na manga<br />

Certa canalha<br />

Coração e mente<br />

O <strong>rei</strong> solda<strong>do</strong><br />

Saudades <strong>do</strong> Brasil<br />

Cronologia básica<br />

Bibliográfia<br />

5


“Contra mim abjetam que nasci em Portugal. Eu<br />

imaginava que vinte e três anos de existência<br />

nesta terra, <strong>do</strong>s quais dez dedica<strong>do</strong>s à causa<br />

pública, me haviam da<strong>do</strong> o di<strong>rei</strong>to de ser<br />

brasileiro”.<br />

D. Pedro I<br />

(Às vésperas da abdicação <strong>do</strong> trono <strong>do</strong> Brasil)<br />

6


<strong>Os</strong> <strong>desassossegos</strong> <strong>do</strong> <strong>rei</strong><br />

Como sempre acontece comigo, titubeei muito<br />

quanto ao título deste livro. Ainda mais em tratan<strong>do</strong> ele da<br />

figura de d. Pedro I, um monarca que viveu uma das<br />

aventuras mais incomuns da história <strong>do</strong> século XIX, um<br />

século pleno de coisas incomuns, pois a germinação da<br />

semente da mudança, plantada no século anterior, não podia<br />

mais ser contida. Foi por excelência o século <strong>do</strong> nascimento<br />

das nações e <strong>do</strong> realinhamento das soberanias. Nunca a<br />

política mu<strong>do</strong>u tanto em tão pouco tempo. Surgiram as<br />

constituições modernas consolidan<strong>do</strong> os parlamentos e os<br />

di<strong>rei</strong>tos civis. A imprensa aprendeu a escorar o debate<br />

democrático e a diplomacia refinou-se, evitan<strong>do</strong> que as<br />

guerras tivessem si<strong>do</strong> ainda mais sangrentas.<br />

Para ser mal<strong>do</strong>so, acho que enquanto procurava o<br />

título ideal para esta coletânea de notas históricas, deve ter<br />

baixa<strong>do</strong> em mim o poderoso espírito de d. João VI e fiquei<br />

cheio de dúvidas e indecisões. Acredito que acabei não<br />

resolven<strong>do</strong> o problema, o que não aconteceria com o<br />

controverso monarca que, no fun<strong>do</strong>, era esperto e ardiloso e<br />

acabava sempre, com sábia e metódica paciência, obten<strong>do</strong> um<br />

desfecho aceitável para os problemas da sua coroa, que não<br />

foram poucos, pois naquele tempo não era fácil para um<br />

pequeno país europeu estrategicamente situa<strong>do</strong>, contentar os<br />

ingleses sem descontentar os franceses. Daí que o título, ou<br />

melhor, o sub-título desta obra, acabou misturan<strong>do</strong> algumas<br />

coisas, o que merece uma explicação. Na verdade, acho que<br />

essa questão não tinha mesmo solução pois a mistura é muito<br />

mais fruto <strong>do</strong> desassossego de d. Pedro <strong>do</strong> que da minha<br />

imprecisão.<br />

7


Na sua agitada e inusitada car<strong>rei</strong>ra de herói de <strong>do</strong>is<br />

mun<strong>do</strong>s ele foi príncipe herdeiro <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no uni<strong>do</strong> de Portugal,<br />

Brasil e Algarves, o que lhe dava o di<strong>rei</strong>to de ser trata<strong>do</strong><br />

como Sua Alteza Real. Nessa condição enfrentou as Cortes<br />

de Lisboa e levou a melhor sobre elas, sufocan<strong>do</strong> a velha<br />

arrogância colonial com coragem e astúcia. Em seguida<br />

virou impera<strong>do</strong>r, o que lhe dava o di<strong>rei</strong>to de ser chama<strong>do</strong> de<br />

Sua Magestade Imperial. Depois acumulou o cargo com o de<br />

Rei de Portugal, adquirin<strong>do</strong> di<strong>rei</strong>to de ser trata<strong>do</strong> de Sua<br />

Majestade Imperial d. Pedro I - Impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil e sua<br />

Majestade Real D. Pedro IV - Rei de Portugal. Nessa dupla e<br />

dúbia condição ele acabou não se sain<strong>do</strong> tão bem pois,<br />

passada a euforia da independência, os brasileiros passaram a<br />

olhá-lo com uma certa desconfiança, relevan<strong>do</strong> muito o fato<br />

de que ele tinha nasci<strong>do</strong> em Portugal, no seio de uma<br />

dinastia que <strong>rei</strong>nava nas plagas lusas há quase duzentos anos.<br />

No fun<strong>do</strong> essa implicância decorria, pura e simplesmente, <strong>do</strong><br />

fato dele não ter ti<strong>do</strong> a sorte de ter si<strong>do</strong> amamenta<strong>do</strong> nas<br />

tetas generosas de uma negra submissa e maternal, condição<br />

indispensável para a sedimentação da brasilidade naqueles<br />

tempos, ainda tão coloniais. Quer dizer, não era brasileiro da<br />

gema. O fato dele ter inventa<strong>do</strong> politicamente o Brasil nem<br />

foi leva<strong>do</strong> em conta, perpetran<strong>do</strong> uma grande ingratidão.<br />

O herói de <strong>do</strong>is mun<strong>do</strong>s, tão cheio de herança e<br />

merecimento, acabou fican<strong>do</strong> meio apátrida, pois também já<br />

tinha renuncia<strong>do</strong> à cidadania portuguesa. De sorte que ele<br />

resolveu engatar uma marcha a ré, uma vez que, sem apoio<br />

suficiente, não queria tanta coroa pesan<strong>do</strong> na sua cabeça,<br />

sobretu<strong>do</strong> debaixo de tanta desconfiança. Assim virou duque<br />

de Bragança, que é o ponto em que o herdeiro da coroa<br />

portuguesa começava sua ungida car<strong>rei</strong>ra desde 1640. Aí teve<br />

que ser feito um arranjo para que sua enorme dignidade não<br />

acabasse tão injustamente diminuida, pois quem já tinha<br />

8


carrega<strong>do</strong> tanta coroa não podia perder a majestade, ainda<br />

mais como ex-impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil e regente <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no de<br />

Portugal. Do arranjo híbri<strong>do</strong> ele acabou sen<strong>do</strong> trata<strong>do</strong> como<br />

Sua Majestade Imperial o duque de Bragança. 1 Apesar de ser<br />

um título nobiliárquico advin<strong>do</strong> da sua augusta condição de<br />

primeiro herdeiro da dinastia portuguesa de bragança, ainda<br />

agregou a ele a marca da honra de ter si<strong>do</strong> aclama<strong>do</strong><br />

“Defensor Perpétuo <strong>do</strong> Brasil”, título de que muito se<br />

orgulhava. Exibia essa honra no brazão que trazia no peito<br />

nos tempos <strong>do</strong> exílio em França e Inglaterra, logo depois da<br />

abdicação. Mas não fazia muito alarde dele para não<br />

melindrar os liberais portugueses, <strong>do</strong>s quais dependia para<br />

restaurar o trono da filha.<br />

A titulação de d. Pedro I deve ser o único caso na<br />

história pois, embora esses tratamentos variassem nas<br />

diversas cortes e os monarcas não se apegassem muito às<br />

regras nobiliárquicas, um duque não é majestade e muito<br />

menos imperial. Certamente ele foi muito mais majestade <strong>do</strong><br />

que duque, muito mais Bourbon <strong>do</strong> que Bragança. Mesmo<br />

porque, a maioria <strong>do</strong>s <strong>rei</strong>s da Dinastia de Bragança<br />

carregaram a peja de serem muito sossega<strong>do</strong>s, preguiçosos,<br />

desacoroça<strong>do</strong>s, <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s, omissos.<br />

O primeiro <strong>rei</strong> da dinastia – d. João IV - foi<br />

praticamente obriga<strong>do</strong> por sua mulher e pela alta nobreza<br />

portuguesa, a aceitar o trono que planejavam tomar <strong>do</strong> <strong>rei</strong> da<br />

Espanha. Preferia a tranquilidade de Vila Viçosa. Lá ficava<br />

toman<strong>do</strong> conta das suas vastas propriedades, se manten<strong>do</strong><br />

distante da agitação de Lisboa onde teria que organizar um<br />

1<br />

Mas eu preferi chamá-lo Rei, termo genérico que acomoda melhor<br />

to<strong>do</strong> o majestático poder que d. Pedro exerceu.<br />

9


governo que já não existia há sessenta anos. Além disso, teria<br />

que guerrear com a Espanha para garantir a independência<br />

da sua pátria no con<strong>do</strong>mínio ibérico, aperta<strong>do</strong> de to<strong>do</strong>s os<br />

la<strong>do</strong>s. Seu filho - d. Afonso VI - gostava de se ocupar com<br />

pequenas depravações pelas vielas escuras de Lisboa,<br />

deixan<strong>do</strong> a governança nas mãos de um ministro ardiloso.<br />

Acabou traí<strong>do</strong> pela mulher e o irmão na cama e no trono e<br />

entregou o governo sem esboçar a reação que sempre se<br />

espera de um <strong>rei</strong> quan<strong>do</strong> lhe puxam o assento pelas costas<br />

e/ou lhes conspurgam os lençóis. De sorte que d. Pedro II –<br />

o dito cujo irmão traiçoeiro - assumiu e tocou a dinastia,<br />

legan<strong>do</strong> o trono ao filho d. João V. Este levou uma<br />

maravilhosa vida de prazeres, torran<strong>do</strong> o dinheiro <strong>do</strong> Brasil<br />

em luxo, indulgências papais, propinas diplomáticas e obras<br />

suntuosas, gozan<strong>do</strong> as delícias de um ócio opulento e cheio<br />

de malícias conventuais. Morreu deforma<strong>do</strong> por <strong>do</strong>enças<br />

mas cheio de belos títulos concedi<strong>do</strong>s pelo papa. Se foi pro<br />

céu não se sabe, mas tinha boas referências para mostrar a<br />

são Pedro quan<strong>do</strong> lhe fosse pedi<strong>do</strong>. Seu sucessor, d. José<br />

entregou o governo ao marquês de Pombal e vivia<br />

bocejan<strong>do</strong> num palácio de tendas, cerca<strong>do</strong> de tapeçarias<br />

orientais, curtin<strong>do</strong> um clima de mil e uma noites nos<br />

arre<strong>do</strong>res de Lisboa sem muitas preocupações. Seu neto -<br />

nosso d. João VI – assumiu como regente depois que a<br />

rainha sua mãe margulhou numa santa demência,<br />

assombrada com o fogo inclemente <strong>do</strong> inferno. Este, então,<br />

é considera<strong>do</strong> com muita frequência, o <strong>rei</strong> da lerdeza, da gula<br />

e da indecisão. A acreditar nesses exageros, d. Pedro de<br />

Alcântara Bragança e Bourbon foi a contradição máxima da<br />

sua conformação genética, pela linha masculina. Estou<br />

falan<strong>do</strong> pelo la<strong>do</strong> apolínio pois, pela veia da habilidade<br />

política, ele tinha aquela velha esperteza que caracterizava os<br />

Bragança.<br />

10


Nosso d. Pedro I era essencialmente agita<strong>do</strong>,<br />

assumin<strong>do</strong> riscos e se expon<strong>do</strong> até em demasia. Deve ter<br />

herda<strong>do</strong> seu ativismo natural de sua mãe Carlota Joaquina<br />

que devia ter os gens muito mais <strong>do</strong>minantes <strong>do</strong> que os de d.<br />

João, mesmo porque, seu irmão d Miguel também era<br />

atira<strong>do</strong> e inquieto. D. Pedro era ti<strong>do</strong> como uma criança<br />

agitadíssima e um rapazola rebelde, da<strong>do</strong> a brigas,<br />

brincadeiras de mau-gosto, arruaças e ao <strong>do</strong>ce esporte da<br />

sedução de damas, loucas para serem seduzidas pelo príncipe<br />

varonil. Já impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil, tinha hábitos de capataz.<br />

Dificilmente acordava depois das cinco horas da manhã, já<br />

nessa hora usan<strong>do</strong> sua hiperatividade para controlar os<br />

negócios da família e <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>. Supervisionava os peões da<br />

fazenda de Santa Cruz e gostava de percorrer as repartições<br />

públicas logo às primeiras horas da manhã para conferir se<br />

to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> já estava no batente como era de sua obrigação.<br />

Fazia anotações e distribuia reprimendas, em geral<br />

carregadas de ironia. Admirava seu concunha<strong>do</strong> Napoleão<br />

Bonaparte e as aventuras militares em geral. Fazia questão de<br />

se apresentar calçan<strong>do</strong> botas, mesmo nas ocasiões mais<br />

solenes. Mas as botas não eram apenas enfeites, sen<strong>do</strong> ele<br />

exímio cavaleiro. Ele e Napoleão devem ter si<strong>do</strong> os únicos<br />

impera<strong>do</strong>res <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> que atravessaram campos de batalha<br />

à frente de seus exércitos. <strong>Os</strong> demais preferiam ficar no<br />

conforto de seus palácios, exalan<strong>do</strong> majestade enquanto seus<br />

generais cuidavam da parte suja da execução das suas<br />

vontades.<br />

D. Pedro ainda era criancinha e já tinha fascinação<br />

por uniformes militares. Contam que quan<strong>do</strong> Junot era<br />

embaixa<strong>do</strong>r em Lisboa, o pequeno príncipe o viu no palácio<br />

ostentan<strong>do</strong> uma belíssima farda de coronel <strong>do</strong>s hussar<strong>do</strong>s e<br />

11


quis uma igual. D. João não titubeou, pediu a fatiota<br />

emprestada e man<strong>do</strong>u tirar duas copias: uma para si outra<br />

para o menino que, naquele tempo, sonhava muito mais em<br />

ser general <strong>do</strong> que <strong>rei</strong>. E porque não as duas coisas?<br />

D. Pedro também era bom na pistola e na espada,<br />

por qualquer ângulo que se olhe. Sua ansiedade fremente o<br />

levava, muitas vezes, a tomar decisões intempestivas, não<br />

raro contrarian<strong>do</strong> suas próprias convicções. Mas também era<br />

emotivo e teria sofri<strong>do</strong> com muitas dessas decisões pois elas,<br />

claramente, o levaram para onde não queria ir como homem<br />

e como <strong>rei</strong>.<br />

D. Joao VI, <strong>do</strong> alto da sua sabe<strong>do</strong>ria, tinha dito a ele:<br />

“guia-te pelas circunstâncias com prudência e cautela”. A primeira<br />

parte <strong>do</strong> conselho ele sempre seguiu, quanto à segunda parte<br />

nem tanto. Inútil pensar que pudesse ter si<strong>do</strong> diferente.<br />

Tangi<strong>do</strong> pelo desassossego que lhe era próprio, renunciou a<br />

<strong>do</strong>is tronos, toman<strong>do</strong> decisões cruciais em poucos dias de<br />

reflexão e sem ouvir muitas opiniões.<br />

Monarca que começou impera<strong>do</strong>r e, por vontade<br />

própria, acabou duque andan<strong>do</strong> na contramão <strong>do</strong> ciclo da<br />

nobreza. Um pouco da ponderação <strong>do</strong> pai talvez não lhe<br />

tivesse feito mal. Mas teria torna<strong>do</strong> sua vida muito mais<br />

comum. Seria um desperdício para quem viveu tão pouco.<br />

A Casa de Bragança<br />

A Sereníssima Casa de Bragança surgiu <strong>do</strong> zelo <strong>do</strong> <strong>rei</strong><br />

d. João I que queria casar seu dileto filho bastar<strong>do</strong> d. Afonso<br />

de Barcelos com d. Beatriz Pe<strong>rei</strong>ra. Era ela filha <strong>do</strong><br />

Condestável d. Nuno Alves Pe<strong>rei</strong>ra e trazia entre suas<br />

graciosidades um fabuloso <strong>do</strong>te que o <strong>rei</strong> quis aconchegar no<br />

seio da real família. Assim d. João instituiu o Duca<strong>do</strong> de<br />

12


Bragança e passou-o ao filho, aplainan<strong>do</strong> a trilha para<br />

viabilizar o magnífico casório. De fato, não haven<strong>do</strong> nada que<br />

pudesse impedir as bodas, elas se deram no dia 1º de<br />

novembro de 1401 para grande gáudio <strong>do</strong>s pais que,<br />

entusiasma<strong>do</strong>s, resolveram investir no consórcio muito mais<br />

<strong>do</strong> que estava inicialmente combina<strong>do</strong>. Tanto que, já uma<br />

semana depois da feliz união, o <strong>rei</strong> lavrou uma carta de <strong>do</strong>ação<br />

passan<strong>do</strong> ao patrimônio <strong>do</strong> recém-cria<strong>do</strong> Duca<strong>do</strong> de Bragança<br />

as terras <strong>do</strong>s julga<strong>do</strong>s de Neiva, Danque, Parelhal, Faria, Rates<br />

e Vermoim, com to<strong>do</strong>s os seus bens públicos e priva<strong>do</strong>s pois<br />

naqueles tempos ainda não havia tais diferenças e tu<strong>do</strong> era <strong>do</strong><br />

grão-senhor das terras onde as pessoas nasciam, trabalhavam,<br />

procriavam e morriam.<br />

O <strong>do</strong>te feito por d. Nuno Álvares Pe<strong>rei</strong>ra também<br />

não ficou atrás. Incluia a vila e o castelo de Chaves com as<br />

terras <strong>do</strong> Monte Negro, o castelo de Monte Alegre, as terras<br />

<strong>do</strong> Barroso e Baltar, Paços e Barcelos, as quintas de<br />

Carvalhosa, Covas, Cane<strong>do</strong>s, Seraes, Godinhaes, Sanfims,<br />

Temporam, Mo<strong>rei</strong>ra e Piusada/ Bustelo. Mais tarde o <strong>rei</strong>, com<br />

a aquiêscencia da rainha e <strong>do</strong> irmão de d. Afonso acrescentou<br />

ao patrimônio as terras de Penafiel, Bastos e Coutos das<br />

Vargeas. Também d. Nuno, toma<strong>do</strong> <strong>do</strong> mesmo entusiasmo<br />

paternal, acrescentou ao já riquíssimo patrimônio <strong>do</strong> nóvel<br />

casal, o conda<strong>do</strong> e a Vila de Arraiolos, as rendas e di<strong>rei</strong>tos de<br />

Montemor, Évora, Monte, Estremoz, Souzel, Alter <strong>do</strong> Chão,<br />

Fermosa, Chancelaria, Assumar, Lagomel, Vila Viçosa, Borba,<br />

Monsaraz, Portel, Vidigueira, Frades, Vilalva, Ruivas, Beja,<br />

Campo de Ourique, e os padroa<strong>do</strong>s de S. Salva<strong>do</strong>r de Elvas e<br />

Vila Nova de Anços. Ou seja o Duca<strong>do</strong> de Bragança, logo ao<br />

ser cria<strong>do</strong>, já era quase um <strong>rei</strong>no dentro de Portugal,<br />

estenden<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> extremo norte até as proximidades de<br />

Lisboa. Mesmo assim continuou a crescer e no tempo <strong>do</strong><br />

13


segun<strong>do</strong> duque, d. Fernan<strong>do</strong>, foram acrescentadas ao duca<strong>do</strong><br />

as terras de Paiva, Tendais e Lousada.<br />

A Casa de Bragança <strong>rei</strong>nava sobre nada menos <strong>do</strong> que<br />

quatro ouvi<strong>do</strong>rias, com sedes em Vila Viçosa, Ourém,<br />

Barcelos e Bragança, deitan<strong>do</strong> poder ainda sobre a gestão de<br />

dezoito alcaides-mores e quarenta e uma comendas da Ordem<br />

de Cristo. Quer dizer, além <strong>do</strong> poder representa<strong>do</strong> pela posse<br />

de extensas terras com tu<strong>do</strong> que havia nelas, os duques de<br />

Bragança tinham poder sobre a distribuição de belos e<br />

disputa<strong>do</strong>s cargos e títulos. Pelo la<strong>do</strong> eclesiástico tinham<br />

controle, entre outras, sobre a frequesia de Vila Viçosa, que<br />

incoporava nada menos <strong>do</strong> que dezesseis capelas providas <strong>do</strong>s<br />

respectivos capelães.<br />

Enfim, a Casa de Bragança nasceu portentosa e assim<br />

parmaneceu, com exceção de pequenos perío<strong>do</strong>s em que<br />

alguns <strong>rei</strong>s de Portugal andaram brigan<strong>do</strong> com alguns duques<br />

de Bragança e os premiaram com confiscos e exílios. O<br />

patrimônio diminuiu um pouco, mas ainda assim permaneceu<br />

soman<strong>do</strong> uma riqueza extraordinária.<br />

Desta forma, não é de se estranhar que em 1640,<br />

quan<strong>do</strong> a nobreza portuguesa resolveu ficar livre <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio<br />

<strong>do</strong>s <strong>rei</strong>s espanhóis que estavam governan<strong>do</strong> o país luso desde<br />

1580, o escolhi<strong>do</strong> para liderar a revolta veio a ser exatamente<br />

o duque de Bragança. Governava então a Casa de Bragança d.<br />

João II - o oitavo duque - com casa herdada em 1630. Dizem<br />

que ele relutou muito em aceitar o cometimento de ser o<br />

restaura<strong>do</strong>r da monarquia portuguesa pois, parece que queria<br />

ser <strong>rei</strong> mas não queria ser marechal de campo, comandan<strong>do</strong><br />

tropas com a espada em riste apontan<strong>do</strong> o peito <strong>do</strong>s inimigos.<br />

Mesmo assim recebeu decidi<strong>do</strong>s apoios <strong>do</strong>s seus pares e<br />

especialmente de sua mulher - uma espanhola resoluta<br />

chamada Luisa de Gusmão – que o empurrou para a frente <strong>do</strong><br />

movimento que acabou vitorioso. Ele, na verdade, fiel à sua<br />

14


vocação, não chegou a participar das operações militares de<br />

tomada <strong>do</strong> poder. Assim, quan<strong>do</strong> um grupo de nobres entrou<br />

em Lisboa e subjugou a duquesa de Mântua, ele estava em<br />

Vila Viçosa, residência favorita <strong>do</strong>s duques de Bragança.<br />

Mas, de qualquer forma, em 1º de dezembro de 1640<br />

o duque de Bragança virava <strong>rei</strong> de Portugal com o título de d.<br />

João IV, O Restaura<strong>do</strong>r. 2 Estava fundada a Dinastia de<br />

Bragança, suceden<strong>do</strong> à Dinastia de Avis, sepultada em 1580<br />

com a morte de d. Henrique que, por ser padre consciencioso,<br />

não deixou herdeiros. 3 Mas o seu compulsório celibato acabou<br />

remeten<strong>do</strong> a Coroa Portuguesa ao colo <strong>do</strong> monarca espanhol<br />

d. Felipe II, que a passou ao filho e deste ao neto. De sorte<br />

que quan<strong>do</strong> os lusos restauraram seu <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> já se tinham<br />

passa<strong>do</strong>s sessenta anos e o <strong>rei</strong> espenhol era Felipe IV.<br />

D. João governou Portugal durante dezesseis anos<br />

atribula<strong>do</strong>s, pelejan<strong>do</strong> com a dura tarefa da restauração. Ao<br />

morrer, sua profícua intimidade com d. Luisa tinha produzi<strong>do</strong><br />

quatro príncipes e três princesas. <strong>Os</strong> <strong>do</strong>is mais velhos não<br />

sobreviveram a ele e os demais não tinham idade para assumir<br />

o trono. Assim d. Luisa assumiu como regente e eis que o<br />

trono volta às mãos espanholas de “mãos beijadas”. Mas ela<br />

era fiel a Portugal e amada pelos seus súditos e não urdiu<br />

2 Dizem os mais mal<strong>do</strong>sos que ele foi um <strong>do</strong>s últimos a saber que<br />

tinha vira<strong>do</strong> <strong>rei</strong>. Puro exagero. Ele realmente não era um nobre<br />

guer<strong>rei</strong>ro como d. Afonso Henriques o funda<strong>do</strong>r <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no de<br />

Portugal, mas fez um competente trabalho diplomático que garantiu<br />

o reconhecimento da independência portuguesa e o apoio militar da<br />

Inglaterra e da França que assegurou as vitórias sobre as forças de<br />

Filipe IV da Espanha e consolidaram a restauração.<br />

3 Ele tinha sucedi<strong>do</strong> ao sobrinho - o famoso <strong>rei</strong> d. Sebastião, “O<br />

Espera<strong>do</strong>” - que também tinha morri<strong>do</strong> sem descendentes.<br />

15


nenhuma traição. Governou durante seis anos à espera de que<br />

seu filho d. Afonso – herdeiro casual da coroa lusa - podesse<br />

atingir a maioridade e virar <strong>rei</strong>, o que se deu em 1662. O novo<br />

<strong>rei</strong> - segun<strong>do</strong> da dinastia bragantina - tinha nasci<strong>do</strong> em 1634 e<br />

era o sexto filho <strong>do</strong> real casal, mas pela morte prematura <strong>do</strong>s<br />

irmãos mais velhos acabou herdan<strong>do</strong> a coroa paterna.<br />

Assumiu com o nome de d. Afonso VI e o seu <strong>rei</strong>na<strong>do</strong>, <strong>do</strong><br />

ponto de vista pessoal, foi particularmente trágico. Foi<br />

cognomina<strong>do</strong> “O Vitorioso” mas sua vida foi um festival de<br />

derrotas e decepções que o levaram a encerrar seus dias preso<br />

num cômo<strong>do</strong> acanha<strong>do</strong> e lúgubre <strong>do</strong> Palácio de Sintra,<br />

afasta<strong>do</strong> <strong>do</strong> trono. To<strong>do</strong> o seu infortúnio começou quan<strong>do</strong> ele<br />

ainda era criança e contraiu uma <strong>do</strong>ença que lhe paralizou o<br />

la<strong>do</strong> di<strong>rei</strong>to <strong>do</strong> corpo e o deixou com uma dificuldade motora<br />

indisfarçável. Seu mo<strong>do</strong> grotesco de se locomover logo foi<br />

atribui<strong>do</strong> a uma certa debilidade mental. Foi aclama<strong>do</strong> <strong>rei</strong> aos<br />

treze anos e coroa<strong>do</strong> em junho de 1662, aos dezenove anos.<br />

Sua coroação, porém, dependeu de um golpe palaciano que<br />

asfastou sua mãe da regência. Ninguém conhecia o filho<br />

melhor <strong>do</strong> que ela e ninguém mais <strong>do</strong> que ela queria continuar<br />

na regência pois tinha acentua<strong>do</strong> receio de que ele não tivesse<br />

condições de governar. É que, além daquela deficiência que<br />

lhe dava um ar meio imbecil, d. Afonso era também adepto<br />

de uma vida de badernas e orgias, especialmente no convento<br />

de Odivelas onde mantinha alegre amizade com Ana de<br />

Moura e Feliciana de Milão, duas f<strong>rei</strong>rinhas verdadeiramente<br />

encapetadas. Mas no seu <strong>rei</strong>na<strong>do</strong>, graças a competência <strong>do</strong>s<br />

marechais portugueses, o país obteve sucessivas vitórias sobre<br />

os exércitos espanhóis, o que veio consolidar defintivamente o<br />

processo da restauração. Daí o cognome de “O Vitorioso”<br />

que d. Afonso recebeu por ironia <strong>do</strong> destino.<br />

Ten<strong>do</strong> começa<strong>do</strong> já aos três anos com aquela terrível<br />

<strong>do</strong>ença que o aleijou para sempre, as vicissitudes de d. Afonso<br />

16


continuaram logo em seguida quan<strong>do</strong> ele tinha nove anos e<br />

sua mãe tentou arranjar-lhe um bom contrato de casamento<br />

nas cortes europeias. Foram quatro tentativas fustradas até<br />

que em 1666, depois de quatorze anos de buscas e já sen<strong>do</strong> ele<br />

<strong>rei</strong>, d. Maria Francisca Isabel de Saboia - a sensualíssima<br />

Mademoiselle d´Aumale - aceitou casar-se com o pobre <strong>rei</strong>.<br />

Não poderia ter ele da<strong>do</strong> maior azar. É que a rainha e d. Pedro<br />

- o irmão caçula <strong>do</strong> <strong>rei</strong> - começaram a namorar debaixo das<br />

suas barbas, encimadas por <strong>do</strong>is notórios cornos nascentes.<br />

Apaixonaram-se e começaram a tramar contra ele, ajuda<strong>do</strong>s<br />

pela própria mãe que continuava disposta a afastar o filho <strong>do</strong><br />

trono, temen<strong>do</strong> pelos destinos de Portugal com um <strong>rei</strong> como<br />

seu filho.<br />

A primeira parte da tenebrosa conspiração consistiu<br />

em anular o casamento para que d. Pedro pudesse desfrutar<br />

com menos contrangimento das intimidades irresistíveis da<br />

cunhada. Alegou-se que o casamento não se tinha consuma<strong>do</strong>,<br />

embora a rainha tivesse chega<strong>do</strong> a anunciar orgulhosamente<br />

que esperava um filho <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> cornu<strong>do</strong>. A anulação das<br />

bodas é por si só um notável escândalo histórico, envolven<strong>do</strong><br />

o papa, o núncio e batinas de menor esplen<strong>do</strong>r, to<strong>do</strong>s<br />

irmana<strong>do</strong>s na conspiração por motivos vários, nenhum,<br />

contu<strong>do</strong>, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de um pingo de dignidade. Ato sequente, d.<br />

Afonso foi pressiona<strong>do</strong> a abdicar em favor <strong>do</strong> irmão. Ten<strong>do</strong><br />

resisti<strong>do</strong> timidamente foi apea<strong>do</strong> <strong>do</strong> poder com uma simples<br />

intimação verbal.<br />

Mas a covardia não justificou a imoralidade da trama.<br />

Corria o ano de 1668 e aí se iniaciaria o ato final da tragédia<br />

pessoal de d. Afonso. D. Pedro assumiu o poder em seu lugar<br />

como príncipe regente e simplesmente casou-se com Maria de<br />

Saboia. Quer dizer, deixou o irmão literalmente liquida<strong>do</strong>,<br />

vagan<strong>do</strong> sozinho qual alma penada. Para completar, d. Afonso<br />

VI foi bani<strong>do</strong> para os Açores onde permaneceu por cinco<br />

17


anos. Quan<strong>do</strong> voltou foi encerra<strong>do</strong> num quartinho infame no<br />

Palácio de Sintra onde viveu mais nove anos tenebrosos,<br />

contemplan<strong>do</strong> o mar ao longe. Alguns autores dizem que ele<br />

morreu envenena<strong>do</strong> e outros dizem que ele morreu<br />

tuberculoso, fulmina<strong>do</strong> pelas frieldades <strong>do</strong>s ventos constantes<br />

da serra de Sintra. Era o dia 12 de setembro de 1683. A partir<br />

daí seu irmão pôde deixar de ser regente e assumir como o <strong>rei</strong><br />

d. Pedro II, terceiro da Dinastia de Bragança. Ele nos é muito<br />

familiar pois foi no seu <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> que se descobriu aquelas ricas<br />

faisqueiras de ouro <strong>do</strong> Brasil que fizeram as delícias <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no<br />

de seu filho d. João V. Também é muito conheci<strong>do</strong> por ter<br />

consegui<strong>do</strong>, finalmente, que a Espanha reconhecesse a<br />

independência de Portugal.<br />

Sucedeu a d. Pedro II, d. João que, também, como<br />

segun<strong>do</strong> filho, não chegou a ser duque de Bragança. Seu irmão<br />

mais velho, o príncipe <strong>do</strong> Brasil, duque de Bragança e herdeiro<br />

<strong>do</strong> trono, morreu antes de completar um ano. De sorte que<br />

ele assumiu o <strong>rei</strong>no de Portugal como d. João V, quarto <strong>rei</strong> da<br />

Dinastia de Bragança e o mais notável deles. Ele foi<br />

exagera<strong>do</strong> em tu<strong>do</strong>, até nos cognomes. Oficialmente era<br />

chama<strong>do</strong> “O Magnânimo”, os historia<strong>do</strong>res o chamaram de<br />

“Rei Sol Português” e os viperinos o chamaram de “O<br />

F<strong>rei</strong>rático” da<strong>do</strong> sua incontrolável compulsão pelo que as<br />

f<strong>rei</strong>ras escondiam debaixo <strong>do</strong>s pesa<strong>do</strong>s vesti<strong>do</strong>s. Nasceu e<br />

morreu na velha Lisboa, respectivamente em 22 de outubro de<br />

1689 e 31 de julho de 1750. Pela morte <strong>do</strong> irmão mais velho<br />

foi então proclama<strong>do</strong> príncipe herdeiro e tornou-se <strong>rei</strong> em 09<br />

de novembro de 1706, subin<strong>do</strong> efetivamente ao trono em<br />

janeiro de 1707. Aí começaria um <strong>do</strong>s perío<strong>do</strong>s mais gloriosos<br />

da história de Portugal, para muitos um perío<strong>do</strong> de grande<br />

desperdício de oportunidades, quan<strong>do</strong> o <strong>rei</strong> perdeu a grande<br />

18


chance de tornar o país novamente uma das grandes potências<br />

da Europa.<br />

D. João V era refina<strong>do</strong> e sua ostentação, como não<br />

poderia deixar de ser, já começou na cerimonia de coroação.<br />

Era admira<strong>do</strong>r fervoroço <strong>do</strong>s hábitos franceses e quis trazer<br />

seus requintes para dentro de um novo e volúvel Portugal.<br />

Dizem que ele era meio moleirão, quer dizer, passava uma<br />

impressão de que estava sempre morren<strong>do</strong> de preguiça. Era<br />

muito dependente da opinião <strong>do</strong>s seus conselheiros,<br />

facilmente influenciável pelos principais da Corte: o cardeal da<br />

Cunha, os arcebispos de Lisboa e de Évora, os duques de<br />

Cadaval , os condes de Calheta, Castelo Melhor, São Vicente,<br />

Vila Verde, o conde Meirinho-Mor, de Aveiras, o de Avintes;<br />

os marqueses das Minas, de Fronteira, de Cascais, de Alegrete.<br />

Muita gente dan<strong>do</strong> palpite pois havia muito dinheiro para<br />

gastar.<br />

Como dito, d. João V a<strong>do</strong>rava imprimir desmedida<br />

magnificência às solenidades reais e mostrar seu esplen<strong>do</strong>r à<br />

Europa. Assim, seu casamento com a arquiduquesa austríaca<br />

Maria Ana Josefa Antônia, não podia ser nada menos <strong>do</strong> que<br />

inesquecível. Era ela filha <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r Leopol<strong>do</strong> da Áustria e<br />

de Eleonora Madalena Teresa de Neuburg-Wittelsburgo.<br />

Tinha vários predica<strong>do</strong>s, mas o mais patente de seus atributos<br />

era mesmo a sua notória feiura.<br />

O <strong>rei</strong> casou em Lisboa e, segun<strong>do</strong> os cronistas da<br />

época, houve preparações extraordinárias para a bênção<br />

nupcial. Aliás o esplen<strong>do</strong>r já começou na viagem de d.<br />

Mariana para Lisboa quan<strong>do</strong> foi escoltada por uma armada<br />

formada por quatorze naus de guerra.<br />

Dois anos se passaram sem que o real casal gerasse<br />

filhos. Pode até ser que d. João estivesse meio desestimula<strong>do</strong><br />

por causa da feiura da esposa. Mas qualquer que fosse o<br />

impecilho, ele foi removi<strong>do</strong> por santo Antônio que se<br />

19


sensibilizou com as preces <strong>do</strong> <strong>rei</strong> – aliás, grande devoto das<br />

santidadades em geral - e abençoou a rainha com nada menos<br />

<strong>do</strong> que cinco filhos. Em reconhecimento o <strong>rei</strong> teria manda<strong>do</strong><br />

construir o maravilhoso Palácio/Convento de Mafra que seria<br />

inaugura<strong>do</strong> pelo próprio papa Bento XIV, ofician<strong>do</strong> missa sob<br />

o magnífico duomo de mármores multicolori<strong>do</strong>s da capela <strong>do</strong><br />

palácio.<br />

Dizem que o papa recebeu de d. João V presentes<br />

maravilhosos, especialmente diamantes <strong>do</strong> Brasil grandes<br />

como ovos de ema. Em troca foi agracia<strong>do</strong> com o honroso<br />

título de Sua Majestade Fidelíssima. Isso era tu<strong>do</strong> o que ele<br />

queria pois o título o igualava à Sua Majestade Católica o <strong>rei</strong> da<br />

Espanha e Sua Majestade Cristianíssima o <strong>rei</strong> de França. E não<br />

parou por aí. Conseguiu também que sua santidade elevasse a<br />

Sé de Lisboa à dignidade de patriarca<strong>do</strong>, condição que a<br />

igualava a Roma e Veneza. Enfim, no <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> de d. João V a<br />

velha capital <strong>do</strong>s portugueses se igualou às grandes metropoles<br />

europeias. Mesmo porque, o <strong>rei</strong> foi um grande estimula<strong>do</strong>r<br />

das coisas <strong>do</strong> espírito e no seu <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> o barroco português<br />

ganhou notável identidade.<br />

No campo da arquitetura e obras públicas o <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> de<br />

d. João V é lembra<strong>do</strong> pela construção <strong>do</strong> aqueduto de Lisboa<br />

e o já menciona<strong>do</strong> Palácio/Convento de Mafra. O <strong>rei</strong> também<br />

é lembra<strong>do</strong> pela saúde instável e, em 1744, um provável<br />

derrame cerebral paralizou o seu la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> e o deixou<br />

com uma horrível “boca torta”. Esse acidente prejudicou<br />

tremendamente sua capacidade de governar, abrin<strong>do</strong> espaço<br />

para que isso passasse de fato a ser feito pelo seu ministério<br />

onde, inclusive, prestava relevantes serviços o brasileiro<br />

Alexandre de Gusmão.<br />

20


D. João V morreu em 1750. Sucedeu-o seu filho d.<br />

José I que também não era duque de Bragança pois era o<br />

terceiro filho na linha <strong>do</strong> trono e, para manter a tradição, só se<br />

tornou herdeiro com a morte de seu irmão mais velho Pedro<br />

de Bragança.<br />

José Francisco Antônio Inácio Norberto Agostinho de<br />

Bragança – para sua eterna grandesa chama<strong>do</strong> minudamente<br />

de o Reforma<strong>do</strong>r - nasceu a 06 de junho de 1814 e sua vida<br />

está marcada por <strong>do</strong>is fatos contundentes: o terremoto de<br />

Lisboa ocorri<strong>do</strong> em 1 de novembro de 1755 e a ascensão ao<br />

poder de Sebastião José de Carvalho e Melo - o marques de<br />

Pombal. D. José assustou-se tanto com o terremoto que<br />

entregou as rédeas <strong>do</strong> governo ao marquês e passou a viver<br />

em certa ociosidade e liberdade, habitan<strong>do</strong> uma espécie de<br />

palácio de tendas, cultivan<strong>do</strong> uma biografia um tanto ou<br />

quanto mo<strong>do</strong>rrenta até morrer, o que se deu em 1777.<br />

O marques de Pombal garantiu uma relativa boa vida<br />

para o <strong>rei</strong> d. José reconstruin<strong>do</strong> Lisboa e destruin<strong>do</strong> as casas<br />

nobres mais rebeldes de Portugal, liquidan<strong>do</strong> o duque de<br />

Aveiro e o marques da Távora e implantan<strong>do</strong> um cômo<strong>do</strong><br />

governo para si mesmo sob sóli<strong>do</strong>s pilares absolutistas.<br />

D. José teve quatro filhas todas de nome Maria. De<br />

sorte que não teve jeito de uma Maria não assumir o trono<br />

deixa<strong>do</strong> pelo pai. Essa veio a ser a primeira rainha da Dinastia<br />

de Bragança. Chamava-se Maria Francisca Isabel Josefa<br />

Antônia Gertrude Rita Joana, nascida a 17 de dezembro de<br />

1734. Foi a primeira princesa <strong>do</strong> Brasil e duquesa de Bragança<br />

a assumir efetivamente o trono que originalmente lhe cabia,<br />

pois sobreviveu ao pai, coisa que não aconteceu com seus<br />

reais antecessores e nem aconteceria com seu sucessor já que<br />

seu primogênito d. José também não sobreviveria a ela<br />

propician<strong>do</strong> que seu outro filho – o futuro d. João VI - viesse<br />

a assumir o trono.<br />

21


D. Maria era conhecida também como A Pie<strong>do</strong>sa ou A<br />

Louca. No primeiro caso devi<strong>do</strong> a sua acentuada carolice e no<br />

segun<strong>do</strong> devi<strong>do</strong> a indisfarçável demência que tomou conta<br />

dela a partir de 1792, o que abriu caminho para a regência e<br />

posterior <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> de seu filho João. E ei-lo: nosso d. João VI -<br />

O Clemente, filho de D. Maria I e de seu mari<strong>do</strong> e tio, o <strong>rei</strong><br />

consorte d. Pedro III. Nasceu em Lisboa em 13 de maio de<br />

1767 com o nome completo de João Maria José Francisco<br />

Xavier de Paulo Luis Antônio Domingos Rafael de Bragança<br />

e, já de berço e sem especial esforço, marca<strong>do</strong> pela graça de<br />

herdar os títulos de oitavo príncipe da Beira e <strong>do</strong> Brasil,<br />

vigésimo primeiro duque de Bragança, décimo oitavo duque<br />

de Guimarães, décimo sexto duque de Barcelos, vigésimo<br />

marques de Vila Viçosa, vigésimo quarto conde de Arraiolos,<br />

vigésimo segun<strong>do</strong> conde de Ourem e de Barcelos, de Faria e<br />

de Neiva; grão-prior <strong>do</strong> Crato e senhor da Casa <strong>do</strong> Infanta<strong>do</strong>.<br />

E mais: grão-mestre das ordens militares de Cristo, Avis, São<br />

Tiago da Espada, da Torre e Espada, da Ordem de São João<br />

de Jerusalém e agracia<strong>do</strong> com as Grão-cruzes de N. S. da<br />

Conceição, Cavaleiro da Ordem <strong>do</strong> Tosão de Ouro. E mais<br />

ainda, mun<strong>do</strong> a fora, agracia<strong>do</strong> com as cruzes das Ordens de<br />

Carlos III, São Fernan<strong>do</strong> e Isabel A Católica na Espanha; <strong>do</strong><br />

Santo Espírito, São Luiz, São Miguel e da Legião Estrangeira<br />

na França; de Leopol<strong>do</strong> na Áustria; de Santo Estevão na<br />

Hungria; da Coroa de Ferro na Itália; das de Santo André, S.<br />

Alexandre Neviski e de Sant’Ana na Rússia; cavaleiro da<br />

Ordem Inglesa da Charreteira, Grãocruz <strong>do</strong> Elefante da<br />

Dinamarca, <strong>do</strong> Leão Neerlandes <strong>do</strong>s países baixos e da Águia<br />

Negra da Prússia.<br />

D. João teria preferi<strong>do</strong> pela vida toda ser um simples<br />

infante, príncipe pacato a desfrutar das artes e da boa mesa,<br />

longe da política e <strong>do</strong>s aborrecimentos <strong>do</strong> poder, passean<strong>do</strong><br />

22


pelo Palácio de Mafra, tal qual gostava de fazer seu bisavô d.<br />

João V quan<strong>do</strong> não estava gastan<strong>do</strong> as riquezas <strong>do</strong> Brasil <strong>do</strong><br />

alto <strong>do</strong> seu trono. Mas no fatídico dia 11 de setembro de 1788<br />

seu irmão mais velho d. José morreu de tifo e ele passou a ser<br />

o príncipe <strong>do</strong> Brasil, quer dizer, herdeiro da coroa <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no<br />

Uni<strong>do</strong> de Portugal e Algarve.<br />

É com o pláci<strong>do</strong> d. João que começa a nossa história<br />

que, de fato, não é dele mas de seu inquieto filho Pedro de<br />

Alcântara, o futuro impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil. Mas antes de<br />

passarmos a tratar mais diretamente das nossas principais<br />

personagens, vamos ver um pouco mais da história geral <strong>do</strong>s<br />

Bragança, cheia de maledicências e reprovações. Deles se dizia<br />

que tinham certas fixações condenáveis. Alguns historia<strong>do</strong>res<br />

gostam de afirmar que a dinastia degenerou-se ao longo <strong>do</strong><br />

tempo devi<strong>do</strong> ao costume exagera<strong>do</strong> de contraírem<br />

casamentos consangüíneos. Isso teria contribuí<strong>do</strong> para<br />

imprimir uma característica terrível à indigitada estirpe. Para<br />

esses historia<strong>do</strong>res a tal prática de risco teria <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> os<br />

descendentes <strong>do</strong>s potenta<strong>do</strong>s de Vila Viçosa e seus parentes<br />

colaterais de uma inexorável tendência à debilidade física e<br />

mental. Mas nem a conseqüência, nem a suposta causa<br />

resistem ao detalhe. Se formos observar os cruzamentos<br />

genealógicos da família Bragança vamos concluir que a prática<br />

não era tão exagerada assim. Pelo menos durante o tempo em<br />

a dinastia ocupou o trono de Portugal. Está certo que a<br />

solução política representada pela a<strong>do</strong>ção <strong>do</strong>s matrimônios<br />

endógenos era a<strong>do</strong>tada até com uma certa facilidade no seio<br />

da última dinastia portuguesa. Mas na Espanha era pior. O <strong>rei</strong><br />

Fernan<strong>do</strong> VII, por exemplo, teve quatro esposas dentre as<br />

quais uma prima e duas sobrinhas sen<strong>do</strong> uma delas, por sinal,<br />

uma Bragança. Seu irmão d. Carlos casou com uma sobrinha,<br />

23


também Bragança e, após a morte desta, casou com outra<br />

sobrinha que, por sinal, era irmã da primeira.<br />

Em Espanha, dizem os historia<strong>do</strong>res que o exagero da<br />

prática <strong>do</strong>s casamentos consangüíneos <strong>do</strong>tou os Burbon<br />

espanhóis de uma compulsão à melancolia.<br />

No caso <strong>do</strong>s Bragança, nos duzentos anos que<br />

separam o <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> d. João IV <strong>do</strong> de d. Pedro II <strong>do</strong> Brasil,<br />

ocorreram seis casos de resvalos incestuosos, sen<strong>do</strong> cinco<br />

casos de casamentos de tios com sobrinhos e um de<br />

casamento entre primos. 4 Tais casamentos uniram d. Maria<br />

Bárbara com o tio d. Fernan<strong>do</strong> VI <strong>rei</strong> da Espanha, d. Maria I<br />

com o tio d. Pedro III, d. Maria Francisca Benedita com o<br />

sobrinho d. José, d. Maria Isabel com o tio Fernan<strong>do</strong> VII -<br />

também <strong>rei</strong> da Espanha, d. Maria Francisca com o tio Carlos<br />

de Burbon da Espanha. Há ainda o interessante caso de d.<br />

Maria Teresa que depois de enviuvar de seu primo d. Pedro<br />

Carlos da Espanha casou com o tio Carlos de Burbon que,<br />

por sua vez, tinha enviuva<strong>do</strong> de d. Maria Francisca, irmã da<br />

segunda esposa. D. Maria II também se casou com o tio d.<br />

Miguel, mas as bodas nem saíram <strong>do</strong> papel.<br />

Desses casamentos, apenas o de d. Maria I com o tio<br />

d. Pedro, gerou frutos dura<strong>do</strong>uros para a Coroa Portuguesa.<br />

Portanto, os genes degenera<strong>do</strong>s no trono de Portugal, se os<br />

houve, nem tiveram muito tempo de se disseminar. E se o<br />

tiveram nem provocaram tantos danos assim.<br />

4<br />

Há uma concentração de casos na família de d. João VI que, por<br />

conta da sua política de evitar conflitos com a Espanha, tinha<br />

fixação em arranjar casamentos de suas filhas com varões da família<br />

real espanhola. Como d. Carlota Joaquina era também uma princesa<br />

espanhola to<strong>do</strong>s esses casamentos acabavam envolven<strong>do</strong> tios,<br />

sobrinhos e primos.<br />

24


Também não tem subsistência o estigma da saúde<br />

debilitada <strong>do</strong>s Bragança. Uma espiada no histórico médico <strong>do</strong>s<br />

<strong>rei</strong>s, príncipes e princesas da família, mostra isso. É<br />

perfeitamente compatível com a realidade médica e sanitária<br />

da época em que viveram. A maioria <strong>do</strong>s monarcas<br />

bragantinos ultrapassaram os cinqüenta anos de idade e d.<br />

Maria I, apesar da loucura, morreu com oitenta e <strong>do</strong>is anos.<br />

Também não há uma <strong>do</strong>ença grave característica daquela<br />

gente. A própria epilepsia, que tanto achacou o impera<strong>do</strong>r d.<br />

Pedro I, parece ter si<strong>do</strong> atávica, sem registros particularmente<br />

notáveis em outros membros da família, exceto<br />

esporadicamente. 5<br />

D. João IV morreu de um ataque violento de gota, d.<br />

Afonso VI morreu tuberculoso, d. Pedro II morreu de<br />

complicações no fíga<strong>do</strong>, d. João V morreu talvez de um AVC,<br />

d. José morreu não se sabe bem de que, d. Maria I morreu de<br />

velhice, d. João VI morreu envenena<strong>do</strong>, d. Pedro I morreu de<br />

excessos generaliza<strong>do</strong>s, sua filha d. Maria II morreu de<br />

excesso de partos e seu filho d. Pedro II morreu de<br />

pneumonia no meio <strong>do</strong>s ventos gela<strong>do</strong>s de Paris ainda<br />

desabitua<strong>do</strong> à falta <strong>do</strong> sol <strong>do</strong> Brasil.<br />

É certo que muitos príncipes da família morreram<br />

ainda crianças, mas um alto índice de mortalidade infantil era<br />

típico daqueles tempos, mesmo no conforto bem nutri<strong>do</strong> e<br />

supostamente salubre das cortes. 6<br />

5 Houve um caso que, apesar de pontual, foi especialmente trágico. Logo<br />

trataremos dele.<br />

6 Alguns morreram, já adultos, de <strong>do</strong>enças contagiosas como varíola e tifo<br />

e até assassina<strong>do</strong>s, como veremos a seguir .<br />

25


Na verdade, se formos buscar um traço<br />

verdadeiramente marcante da história pessoal da família<br />

Bragança, talvez tenhamos muita mais chance de encontrá-lo<br />

no, digamos, destino <strong>do</strong> que na genética. Falo das tragédias<br />

familiares que muitos deles amargaram e que, a bem da<br />

verdade, a maioria soube contornar com serenidade. A<br />

lembrar, em primeiro lugar, as mortes prematuras de d.<br />

Teodósio e de d. José, casos extremos <strong>do</strong> estigma da morte<br />

<strong>do</strong>s príncipes herdeiros que tantas vítimas fez entre os<br />

Bragança.<br />

D. Teodósio, filho mais velho de d. João IV, era<br />

considera<strong>do</strong> um jovem brilhante, versa<strong>do</strong> nas artes e com<br />

precoce habilidade política. Estava sen<strong>do</strong> prepara<strong>do</strong><br />

orgulhosamente pela corte para assumir o trono restaura<strong>do</strong><br />

mas uma tuberculose o matou aos dezenove anos e foi aí que<br />

a coroa foi parar no colo de d. Afonso de Bragança,<br />

desprepara<strong>do</strong> e considera<strong>do</strong> mentalmente limita<strong>do</strong>, como<br />

comentamos. A história se repetiria duas gerações mais tarde<br />

com d. José, filho de d. Maria I, príncipe herdeiro igualmente<br />

brilhante e igualmente morto precocemente, nesse caso de<br />

varíola. Desta vez a coroa caiu no colo <strong>do</strong> futuro d. João VI,<br />

para muitos, tão desprepara<strong>do</strong> quanto tinha si<strong>do</strong> d. Afonso<br />

VI. A morte <strong>do</strong> príncipe d. José deixou desnorteadas duas<br />

mulheres: sua mãe e a tia que, além de tia, veio a ser também<br />

sua viúva desconsolada. Coitadas, nenhuma das irmãs teve<br />

força para consolar a outra e levaram a mágoa para o túmulo.<br />

Há um outro caso notável de desconsolo. É o caso de<br />

d. Fernan<strong>do</strong> VI <strong>rei</strong> da Espanha que não era Bragança mas<br />

também foi atingi<strong>do</strong>, de tabela, pelas tragédias bragantinas.<br />

Ele foi aquele outro <strong>rei</strong> espanhol casa<strong>do</strong> com uma infanta<br />

26


portuguesa. No caso d. Maria Bárbara, filha de d. João V 7 . A<br />

morte prematura da esposa deixou-o tão melancólico que ele<br />

veio a enlouquecer e morrer de amor, exatamente um ano<br />

após o falecimento de Maria Bárbara. Caso idêntico ao de d.<br />

Maria I que teve na morte <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>-tio outra das causas da<br />

sua ruína mental.<br />

Existem ainda outras tragédias na história <strong>do</strong>s<br />

Bragança, inclusive um duplo regicídio. É o caso de d. Carlos<br />

I que foi assassina<strong>do</strong> num atenta<strong>do</strong> juntamente com o<br />

príncipe herdeiro d. Luiz Felipe quan<strong>do</strong> passava em<br />

carruagem aberta pela praça <strong>do</strong> Comércio em Lisboa.<br />

Há também o caso <strong>do</strong>s três filhos de d. Maria II que<br />

morreram de tifo, um após o outro, inclusive o <strong>rei</strong> d. Pedro V.<br />

Para sorte dela - se é que se pode dizer assim - ela já havia<br />

morri<strong>do</strong> muito antes, aos trinta e quatro anos, em seu décimo<br />

primeiro parto subseqüente, com intervalos de um ano.<br />

Mas a mais tenebrosa das tragédias que atormentaram<br />

a indigitada família aconteceu com Maria Isabel de Bragança,<br />

aquela mesma, filha de d. João VI, que casou com o tio <strong>rei</strong> da<br />

Espanha. A pobre rainha já tinha perdi<strong>do</strong> o primeiro filho e<br />

estava grávida <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> sofreu um ataque epilético<br />

e caiu em coma profun<strong>do</strong>. O médico, julgan<strong>do</strong>-a morta, abriulhe<br />

o ventre tentan<strong>do</strong> salvar a criança. A <strong>do</strong>r lacerante da<br />

incisão desajeitada despertou a pobre mãe aos gritos<br />

apavora<strong>do</strong>s. Acabaria morren<strong>do</strong> logo depois debaixo de<br />

intenso sofrimento, esvain<strong>do</strong>-se em sangue. A criança também<br />

não se salvou.<br />

7 Não confundir com d. Maria Isabel, filha de d. João VI, que, anos<br />

depois, também se casaria com um tio, nesse caso, Fernan<strong>do</strong> VII,<br />

também <strong>rei</strong> espanhol.<br />

27


Manias<br />

Mas os Bragança não se quedaram inertes à espera das<br />

crueldades <strong>do</strong> destino. Também trabalharam para deixar um<br />

lega<strong>do</strong> material que os notabilizassem. Quer dizer, também<br />

tinham lá suas manias. Entre elas é justo alinhar a mania de<br />

construir palácios e de formar livrarias. Sem falar na sua<br />

compulsão para a música, da qual d. Pedro I veio a ser o<br />

exemplo mais robusto.<br />

Quan<strong>do</strong> o terremoto de Lisboa botou abaixo o Paço<br />

da Ribeira, sepultou com ele o extraordinário acervo da<br />

“Livraria Real”. Tratava-se de um monumental conjunto de<br />

memórias das glórias históricas e literárias portuguesas,<br />

inseri<strong>do</strong>s em vários <strong>do</strong>cumentos preciosos: manuscritos,<br />

mapas, ilustrações e livros. Havia nada menos <strong>do</strong> que setenta<br />

mil volumes, ordena<strong>do</strong>s metodicamente em artísticas estantes<br />

de madeira nobre. O acervo tinha si<strong>do</strong> forma<strong>do</strong> ao longo de<br />

duzentos anos, desde os primórdios da dinastia de Avis. Mas<br />

foram os Bragança que mais se empenharam em tornar a dita<br />

livraria uma das mais notáveis da Europa, especialmente d.<br />

João V. O incremento começou já com o funda<strong>do</strong>r da<br />

dinastia – d. João IV – que tomou a iniciativa de transferir<br />

para Lisboa, to<strong>do</strong>s os livros que possuía em Vila Viçosa. O<br />

acervo bragantino se destacava pela coleção de obras musicais,<br />

já que, como demos notícia, o “Restaura<strong>do</strong>r” tinha notável<br />

talento para a música. Seu neto - d. João V - não só aumentou<br />

o acervo como modernizou e melhorou as instalações da<br />

biblioteca. A livraria ocupava local nobre, instalada no torreão<br />

<strong>do</strong> palácio. As estantes, de ébano e jacarandá, eram<br />

organizadas “como ruas” e o piso reluzia na polidez de fino<br />

mármore. O conjunto decorativo formava uma agradável peça<br />

barroca, como o <strong>rei</strong> tanto prezava. Havia uma sala específica<br />

28


para as obras de música, com seis mil volumes. D. João V<br />

contratou equipes de bibliófilos e bibliotecários que saíram a<br />

garimpar obras por toda a Europa. Ao final de seu <strong>rei</strong>na<strong>do</strong>, o<br />

<strong>rei</strong> sol português deixou no Paço da Ribeira uma das melhores<br />

bibliotecas da Europa. Também não se esqueceu de <strong>do</strong>tar o<br />

Palácio/Convento de Mafra de outra magnífica livraria. Esta<br />

com sessenta mil volumes que lá ainda estão, dispostos em<br />

magníficas estantes de madeira pintada que se erguem até o<br />

teto.<br />

D. José I, empurra<strong>do</strong> pelo fascínio <strong>do</strong>s Bragança pelas<br />

livrarias e ajuda<strong>do</strong> pela fibra de Pombal, logo tratou de incluir<br />

a reconstrução da Real Livraria entre as prioridades <strong>do</strong><br />

soerguimento de Lisboa depois <strong>do</strong> cataclismo sísmico. A nova<br />

biblioteca foi instalada num edifício de pedras, junto à Real<br />

Barraca, no Alto da Ajuda. No princípio o acervo era<br />

modesto, constituí<strong>do</strong> de confiscos feitos em bibliotecas de<br />

conventos e mosteiros. Mesmo assim, continha peças<br />

preciosas, especialmente entre os exemplares toma<strong>do</strong>s aos<br />

zelosos jesuítas, grandes educa<strong>do</strong>res e liv<strong>rei</strong>ros. Mas, logo em<br />

seguida, d. José partiu para aquisições de coleções privadas,<br />

especialmente de nobres arruina<strong>do</strong>s pelos estragos que o<br />

terremoto tinha feito em seus palácios. 8 Muitos estudiosos e<br />

coleciona<strong>do</strong>res também acabaram convenci<strong>do</strong>s a fazer<br />

<strong>do</strong>ações à nova biblioteca, com destaque para o abade Diogo<br />

Barbosa Macha<strong>do</strong> que transferiu sua coleção de cerca de seis<br />

mil volumes para a nova livraria <strong>do</strong> <strong>rei</strong>, em troca de uma<br />

modesta pensão anual com que pudesse viver até o fim da<br />

vida. Enfim, ao morrer, d. José pôde deixar um bom<br />

8<br />

O <strong>rei</strong> se ocupou pessoalmente das principais negociações, o que denota a<br />

importância que dava ao assunto.<br />

29


ecomeço para a livraria destruída pelo terremoto. Com sua<br />

filha a política <strong>do</strong>s livros mu<strong>do</strong>u um pouco. É que d. Maria I<br />

também queria ter seu nome liga<strong>do</strong> à fundação de alguma<br />

biblioteca. Assim, em lugar de continuar a obra <strong>do</strong> pai,<br />

resgatan<strong>do</strong> a glória da Livraria Real; preferiu investir na<br />

Biblioteca Pública de Lisboa. Desta forma, aos auspícios da<br />

rainha, esta veio a ter um acervo maior <strong>do</strong> que o da biblioteca<br />

real. As instalações também eram melhores o que levava à<br />

suspeita de que a livraria <strong>do</strong> Palácio da Ajuda entrara em<br />

decadência no <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> de d. Maria I.<br />

D. João VI, não chegou a ficar conheci<strong>do</strong> como um<br />

grande incentiva<strong>do</strong>r de bibliotecas. Mas não se deve deixar de<br />

reconhecer que a Real Livraria tinha grande valor para ele,<br />

senão não teria ti<strong>do</strong> tanto empenho em transferi-la para o<br />

Brasil quan<strong>do</strong> aqui veio instalar o seu governo. Até pode ter<br />

pensa<strong>do</strong> em levá-la de volta quan<strong>do</strong> retornou, mas não teria<br />

ti<strong>do</strong> coragem para tanto, estan<strong>do</strong> os brasileiros tão<br />

aborreci<strong>do</strong>s com sua volta.<br />

Palácios são os monumentos preferi<strong>do</strong>s em to<strong>do</strong> canto<br />

<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> para perpetuar as glórias <strong>do</strong>s nobres. Sim, pois toda<br />

dinastia gosta de marcar sua passagem pela terra através de<br />

símbolos dura<strong>do</strong>uros, de preferência talha<strong>do</strong>s em granito,<br />

mármore ou bronze. Com os Bragança não foi diferente. Eles<br />

a<strong>do</strong>ravam construir palácios. Nunca, contu<strong>do</strong>, conseguiriam<br />

alinhar suas reais vivendas entre as mais notáveis da Europa.<br />

A Corte Portuguesa da dinastia de d. João IV jamais deixaria<br />

de ser vista como acanhada, antiquada e meio caipira, distante<br />

da aura gloriosa <strong>do</strong>s grandes <strong>rei</strong>nos europeus e seus<br />

magníficos monumentos renascentistas, barrocos ou rococós.<br />

O primeiro palácio real ocupa<strong>do</strong> efetivamente pelos<br />

<strong>rei</strong>s da dinastia bragantina foi o Palácio da Ribeira, aliás<br />

30


herda<strong>do</strong> da dinastia anterior. O palácio começou a ser<br />

construí<strong>do</strong> por iniciativa de d. Manuel I - da Casa de Avis -<br />

<strong>do</strong>is anos antes <strong>do</strong> descobrimento <strong>do</strong> Brasil. Sua construção,<br />

no formato inicial, durou apenas dez anos, até porque a<br />

edificação era muito simples, tocada em regime de austeridade<br />

e pragmatismo. Na verdade, a ideia não era simplesmente a de<br />

edificar uma nova residência para a família real mas, também,<br />

criar um complexo administrativo em torno <strong>do</strong> <strong>rei</strong>. Ficava na<br />

praça fronteiriça ao Tejo e, de certa forma, representava o<br />

ponto de partida de onde se podia alcançar administrativa e<br />

militarmente a to<strong>do</strong>s os cantos <strong>do</strong> vasto império português,<br />

agora acresci<strong>do</strong> <strong>do</strong> bom quinhão representa<strong>do</strong> por sua nova e<br />

vasta colônia da América. De sorte que, em 1510, o palácio já<br />

se prestava às suas múltiplas utilidades. Abrigava também as<br />

principais secretarias <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no. No segun<strong>do</strong> andar abria-se<br />

uma confortável galilé de onde o <strong>rei</strong> podia examinar o<br />

movimento <strong>do</strong> porto e conferir a dinâmica <strong>do</strong> estaleiro e <strong>do</strong><br />

comércio das especiarias. Mas nessa fase, como dito, a<br />

construção era muito singela, apesar de simbolizar a cabeça de<br />

um império que alcançava os quatro cantos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Assim,<br />

era objeto freqüente de críticas, especialmente no juízo <strong>do</strong>s<br />

visitantes estrangeiros. Apesar disso, ficou mais dez anos sem<br />

sofrer qualquer melhoria. Só depois que o filho de d. Manuel,<br />

d. João III subiu ao trono é que se deram as primeiras<br />

iniciativas para tornar o palácio digno <strong>do</strong> fausto português<br />

daqueles tempos. As melhorias, contu<strong>do</strong>, foram mais de<br />

natureza funcional <strong>do</strong> que artística, resultan<strong>do</strong> daí que o<br />

palácio foi amplia<strong>do</strong> mas não foi embeleza<strong>do</strong>. O sucessor de<br />

d. João, d. Sebastião não teve muito tempo para se incomodar<br />

com o palácio pois ficou o tempo to<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu curto <strong>rei</strong>na<strong>do</strong><br />

ocupa<strong>do</strong> com a ideia de partir para o Oriente à frente de uma<br />

cruzada para libertar a Terra Santa das garras <strong>do</strong>s infiéis.<br />

Como não voltou dessa louca aventura, também não teve mais<br />

31


ninguém da sua estirpe para se preocupar com o palácio pois,<br />

como não deixou herdeiros, estava extinta a Dinastia de Avis.<br />

Assim a coroa portuguesa foi cair no colo <strong>do</strong> <strong>rei</strong> da<br />

Espanha – Felipe II – e foi ele que teve a primeira iniciativa de<br />

agregar melhorias ao edifício. Foi dele a ideia de <strong>do</strong>tar o<br />

palácio de um imponente torreão, obra <strong>do</strong> arquiteto italiano<br />

Felipe Terzi, especialista na construção de fortalezas,<br />

resultan<strong>do</strong> daí a postura um tanto militar <strong>do</strong> torreão,<br />

guardan<strong>do</strong> a passagem <strong>do</strong> Tejo.<br />

Começa a Dinastia de Bragança e o Palácio da Ribeira<br />

continuaria mal fala<strong>do</strong>, pelo menos até os tempos de d. João<br />

V. Havia uma quase unanimidade de opiniões de que o paço<br />

da Ribeira era, mais ou menos, um amontoa<strong>do</strong> de pedras,<br />

robusto mas sem nenhuma elegância. O <strong>rei</strong>-sol português,<br />

contu<strong>do</strong>, não mexeu muito no aspecto externo da pesada<br />

construção, concentran<strong>do</strong> seu projeto de melhorias em <strong>do</strong>tar<br />

o palácio de um pouco mais de conforto e luxo. Assim<br />

construiu uma magnífica capela e um grande teatro, além de<br />

entulhar os aposentos reais de muita prataria, tapeçaria, obras<br />

de arte e móveis ao gosto francês, como era <strong>do</strong> seu jeito. Mas<br />

nada de melhorar o palácio como um to<strong>do</strong>.<br />

D. José I, o filho de d. João V, se limitou a concluir o<br />

projeto <strong>do</strong> teatro idealiza<strong>do</strong> pelo pai e foi nesse esta<strong>do</strong> que, no<br />

dia 1º de novembro de 1755, o terremoto de Lisboa botou o<br />

Palácio da Ribeira abaixo, arrasan<strong>do</strong> a construção que abrigava<br />

os <strong>rei</strong>s de Portugal havia já duzentos e cinqüenta anos. Por<br />

mera obra <strong>do</strong> acaso, nesse dia d. José I se encontrava na<br />

quinta de Belém onde o terremoto chegou com pouca<br />

intensidade. Mas o <strong>rei</strong> foi toma<strong>do</strong> de tal pavor com a<br />

hecatombe que nunca mais quis saber de habitar um palácio<br />

de verdade, ainda mais no centro de Lisboa, região<br />

especialmente vulnerável a terremotos. De sorte que ele<br />

32


esolveu permanecer em Belém. Chamou o futuro marques de<br />

Pombal e encarregou-o de construir uma tenda suntuosa no<br />

local da quinta de Belém e que veio dar lugar ao segun<strong>do</strong><br />

palácio residencial <strong>do</strong>s <strong>rei</strong>s da Dinastia de Bragança. Era<br />

chamada de “A Real Barraca”. Apesar de ser apenas uma<br />

tenda, a construção demorou seis anos. D. José ali morou até<br />

morrer em 1777, quan<strong>do</strong> a tal barraca foi aban<strong>do</strong>nada como<br />

residência real. Em 1794 um incêndio consumiu rapidamente<br />

a singular edificação já que ela era construída de pano e<br />

madeira. Quer dizer, podia prevenir os danos que um<br />

terremoto pudesse causar mas era extraordinariamente<br />

inflamável.<br />

D. João V não investiu muito no Palácio da Ribeira<br />

também porque se viu obriga<strong>do</strong> a cumprir uma promessa<br />

dispendiosa. Acontece que, como já contamos de passagem,<br />

sua esposa - d. Mariana - já lá se iam três anos de consumação<br />

e reconsumação <strong>do</strong> casamento, ainda não tinha consegui<strong>do</strong><br />

emprenhar, deixan<strong>do</strong> to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> muito apreensivo. Foi aí<br />

que f<strong>rei</strong> Antônio de São José sugeriu que ele fizesse uma<br />

promessa tenta<strong>do</strong>ra. O <strong>rei</strong> concor<strong>do</strong>u e foi logo prometen<strong>do</strong><br />

construir um portentoso convento, caso sua esposa viesse a<br />

engravidar. Fez a sua parte di<strong>rei</strong>tinho e não demorou muito a<br />

obter a graça. Ficou tão agradeci<strong>do</strong> que resolveu ampliar o<br />

prometi<strong>do</strong> e construir um complexo luxuoso que agregasse<br />

não só um convento mas também um palácio e uma capela<br />

majestosa. E foi assim que surgiu o Convento/Palácio de<br />

Mafra, erigi<strong>do</strong> a cerca de cinco léguas de Lisboa. A construção<br />

começou em 1717, época em que a remessa de ouro de Minas<br />

Gerais para o tesouro da Coroa Lusitana fluia copiosa,<br />

fornecen<strong>do</strong> a d. João V o lastro necessário para tornar<br />

realidade os sonhos suntuosos que tinha para o<br />

empreendimento prometi<strong>do</strong> a Deus. De sorte que o <strong>rei</strong><br />

33


chamou o arquiteto Johann Friedrich Ludwig e o encarregou<br />

de planejar a obra sem se preocupar muito com a bolsa.<br />

Dizem que no pico <strong>do</strong> entusiasmo o canteiro de obras chegou<br />

a ocupar 52 mil trabalha<strong>do</strong>res.<br />

A basílica <strong>do</strong> complexo de Mafra foi inaugurada em<br />

1730 e, desde então, d. João V cultivou o hábito de utilizar o<br />

palácio para promover magníficas festividades religiosas que<br />

costumavam durar vários dias, combinan<strong>do</strong> contrição com<br />

muita comilança e vinhos de boa safra.<br />

D. José e sua filha d. Maria I não eram muito chega<strong>do</strong>s<br />

ao Palácio de Mafra. No tempo deles a família real só<br />

costumava ir lá em curtas temporadas de caça, com muito<br />

exercício e apetite, guardan<strong>do</strong> uma certa distância da<br />

magnífica biblioteca <strong>do</strong> palácio com seus 60 mil volumes,<br />

encarderna<strong>do</strong>s em couro e grava<strong>do</strong>s a ouro.<br />

Depois de d. João V, só d. João VI adquiriu o hábito<br />

de frequentar o Palácio de Mafra, onde constumava passar<br />

temporadas de surto religioso, deprimi<strong>do</strong>, cantan<strong>do</strong> no coro<br />

da basilica ou choran<strong>do</strong> pelos cantos.<br />

Apesar da sua magnificência o Palácio de Mafra nunca<br />

chegou a ser residência oficial da família real. Ou servia para<br />

retiros espirituais ou para esportes reais. Também nunca<br />

chegou a trazer glória para a dinastia <strong>do</strong>s Bragança como<br />

imaginara d. João V no seu delírio de grandesa. Ao contrário,<br />

foi lá que o último <strong>rei</strong> portugues d. Manuel II passou a noite<br />

antes de partir para o exílio, dispensa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s seus serviços pois<br />

os portugueses já estavam fartos <strong>do</strong>s <strong>rei</strong>s e queria partir para a<br />

república.<br />

Depois <strong>do</strong> desastre que o terremoto impôs ao paço da<br />

Ribeira a família real resolveu morar pelos la<strong>do</strong>s de Belém, já<br />

que, supostamente, ali era mais protegi<strong>do</strong> <strong>do</strong>s abalos e foi em<br />

34


consequência disso que surgiu o Palácio de Belém. A origem<br />

foi uma quinta construida em 1559 por d. Manuel. O próprio<br />

d. João V fez melhorias no palácio depois de adquirí-lo <strong>do</strong><br />

conde de Aveiras e o incorporar ao patrimônio <strong>do</strong>s Bragança.<br />

Dizem que ele, adepto entusiasta <strong>do</strong>s esportes da montaria,<br />

<strong>do</strong>tou o palácio de magníficas cavalariças e não menos<br />

magníficas alcovas.<br />

Na época <strong>do</strong> terremoto o palácio oferecia condições<br />

mínimas para ser residência da família real. Mas isso não fez<br />

diferença pois d. José tinha decidi<strong>do</strong> jamais viver de novo sob<br />

um teto de alvenaria. Assim, em lugar de investir na ampliação<br />

e melhoria das instalações existentes, resolveu construir a tal<br />

“Barraca Real” nos jardins da propriedade, no alto da Ajuda e<br />

lá viveu até sua morte. No local, mais tarde, d. João VI<br />

construiria o Palácio da Ajuda.<br />

D. Maria I não tinha nenhuma intenção de herdar os<br />

hábitos meio neuróticos <strong>do</strong> pai em matéria de habitação.<br />

Assim, quan<strong>do</strong> assumiu o trono, resolveu permancer no<br />

Palácio de Queluz, nos arre<strong>do</strong>res de Lisboa, onde já morava.<br />

Com sua ascenção real achou que deveria <strong>do</strong>tar o palácio de<br />

melhorias e assim fez, especialmente nos jardins, dan<strong>do</strong>-lhes<br />

um ar mais sofistica<strong>do</strong>, à francesa, cheio de fontes e alamedas<br />

.<br />

O Palácio de Queluz, na verdade, pertencia a d. Pedro<br />

III, irmão de d. José. Quan<strong>do</strong> se casaram ele levou d. Maria<br />

para morar lá. Nessa época o palácio já era notável e, assim, a<br />

rainha preferiu permanecer em Queluz <strong>do</strong> que residir em<br />

Lisboa onde as opções eram piores. No entanto, só em 1794 é<br />

que seu filho d. João, então governan<strong>do</strong> em nome da mãe,<br />

declarou o palácio residência oficial da família real. Mas d.<br />

João ficava pouco lá, preferin<strong>do</strong> ficar em Mafra ou na Ajuda<br />

meio que fugi<strong>do</strong> das loucuras da mãe e das travessuras da<br />

35


mulher. Em Queluz nasceu a maioria de seus filhos, inclusive<br />

d. Pedro e d. Miguel.<br />

A construção <strong>do</strong> palácio iniciou-se em 1747 e logo os<br />

maledicentes identificaram o Palácio de Queluz como uma<br />

imitação portuguesa de Versalhes. Depois da morte de d.<br />

João VI o palácio entrou em declínio. D. Pedro optou por<br />

morrer lá em 1834, no mesmo quarto onde tinha nasci<strong>do</strong>.<br />

Além de Queluz, d. Maria I também tocou a ampliar e<br />

reformar o Palácio de Belém, <strong>do</strong>tan<strong>do</strong>-o de condições básicas<br />

para abrigar sua família quan<strong>do</strong> estivesse despachan<strong>do</strong> em<br />

Lisboa. Mas sempre passava mais tempo em Queluz e, cada<br />

vez mais, à medida em que sua deficiência mental ia<br />

avançan<strong>do</strong>. Com o tempo, Belém foi se tornan<strong>do</strong> mais uma<br />

residência real secundária, funcionan<strong>do</strong> como uma<br />

hospedaria para visitantes ilustres ou residência de membros<br />

menores da família real. D. Maria II habitou o palácio por uns<br />

tempos enquanto esperava para se mudar para o Palácio das<br />

Necessidades. No Palácio de Belém moraram d. Carlos -<br />

duque de Bragança - e sua esposa d. Amélia de Orleans. Lá<br />

nasceu o último <strong>rei</strong> de Portugal d. Manuel II.<br />

Como dito parágrafos atrás, a Real Barraca de d. José<br />

foi construída no Alto da Ajuda e, depois da morte <strong>do</strong> <strong>rei</strong>,<br />

ninguém quis morar lá. Ficou aquela barraca majestática meio<br />

aban<strong>do</strong>nada até que em 1794, como dito, um incêndio<br />

destruiu o inusita<strong>do</strong> palácio de pano e madeira. Foi aí que d.<br />

João achou que, a exemplo <strong>do</strong> bisavô, também deveria marcar<br />

seu <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> construin<strong>do</strong> um belo palácio e, <strong>do</strong>is anos depois,<br />

dava início à construção <strong>do</strong> Palácio da Ajuda, no local exato<br />

onde ficava a singular barraca de seu avô. Era o segun<strong>do</strong><br />

palácio construí<strong>do</strong> na região de Belém. Na verdade os<br />

Bragança tinham vastas terras naquelas paragens. É que em<br />

1726 d. João V adquiriu três quintas em Belém. Dizem que ele<br />

pretendia construir um palácio de verão na Ajuda, mas em<br />

36


lugar disso acabou optan<strong>do</strong> por melhorar as instalações já<br />

existentes numa das quintas, medida essa que veio dar origem<br />

ao Palácio de Belém.<br />

Quan<strong>do</strong> d. João partiu para o Brasil a construção <strong>do</strong><br />

Palácio da Ajuda ainda estava em andamento, mas já era<br />

habitável. Tanto que ele passou lá sua última noite antes de<br />

embarcar para a América Portuguesa. Na verdade, o projeto<br />

original traça<strong>do</strong> para a edificação <strong>do</strong> palácio nunca foi<br />

concluí<strong>do</strong>. D. João VI retornou a Portugal em 1821 e teve que<br />

ir morar no Palácio da Bemposta pois encontrou o Palácio da<br />

Ajuda em piores condições <strong>do</strong> que tinha deixa<strong>do</strong> treze anos<br />

antes. Com a morte de d. João, seus filhos resolveram<br />

reabilitar o palácio, até em homenagem a memória <strong>do</strong> pai que<br />

tinha si<strong>do</strong> seu idealiza<strong>do</strong>r. Foi lá que d. Pedro assumiu seu<br />

curto <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> como regente e, antes dele, seu irmão d. Miguel<br />

foi aclama<strong>do</strong> <strong>rei</strong>. Mas o palácio não conseguiu ter muito<br />

esplen<strong>do</strong>r. D. Maria II, depois de assumir o trono, também<br />

não se entusiasmou muito em morar no Palácio da Ajuda<br />

preferin<strong>do</strong> <strong>rei</strong>nar no Palácio das Necessidades. Dizem que<br />

nosso d. Pedro tinha planos para transformar o palácio num<br />

majestoso centro de poder sob o <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> da filha. Não teve<br />

tempo, contu<strong>do</strong>. Mas, como a história <strong>do</strong>s palácios é tão rica<br />

quanto a própria vida <strong>do</strong>s <strong>rei</strong>s, o Palácio da Ajuda passaria por<br />

uma grande reabilitação, tornan<strong>do</strong>-se residência oficial da<br />

família real em 1861. Foi quan<strong>do</strong> o tifo matou vários<br />

membros da família real inclusive o <strong>rei</strong> d. Pedro V, como já<br />

contamos quan<strong>do</strong> falamos das tragédias <strong>do</strong>s Bragança. Eles<br />

moravam no Palácio das Necessidades e a ciência da época<br />

atribuiu a alta taxa de morbidade que abateu a família real às<br />

más condições de salubridade <strong>do</strong> palácio. O povo logo<br />

converteu a versão científica para a convicção de que o palácio<br />

estava mesmo era amaldiçoa<strong>do</strong>. Pelo sim pelo não, o novo <strong>rei</strong><br />

- d. Luis - resolveu mudar-se para o Palácio da Ajuda e ali<br />

37


permaneceu até o fim <strong>do</strong> seu <strong>rei</strong>na<strong>do</strong>, época em que palácio<br />

gozou de grande esplen<strong>do</strong>r.<br />

O terceiro palácio que os Bragança ergueram em<br />

Belém foi o já menciona<strong>do</strong> Palácio das Necessidades. Sua<br />

origem foi um mosteiro que d. João V <strong>do</strong>tou de melhorias<br />

assim que comprou a quinta. Mas foi d. Maria II que deu à<br />

construção condições de abrigar a família real com mais<br />

dignidade, segun<strong>do</strong> os cânones de seu mari<strong>do</strong> d. Fernan<strong>do</strong>,<br />

homem requinta<strong>do</strong> e exigente que encheu o palácio de obras<br />

de arte. Depois da morte da rainha, seu mari<strong>do</strong> e seu filho - o<br />

<strong>rei</strong> d. Pedro V - continuaram a residir lá até que se deu aquela<br />

tragédia já contada. Na época da proclamação da república o<br />

palácio já tinha readquiri<strong>do</strong> sua condição de residência oficial<br />

<strong>do</strong> <strong>rei</strong>, ten<strong>do</strong> por isso, recebi<strong>do</strong> alguns tiros de uma<br />

canhoneira estacionada no Tejo que conseguiram fazer alguns<br />

estragos, assustar o <strong>rei</strong> e entronizar a república.<br />

Dissemos que quan<strong>do</strong> d. João VI voltou <strong>do</strong> Brasil, em<br />

1821, até por imposição das Cortes que queriam tê-lo por<br />

perto, foi morar no velho Palácio da Bemposta. Este palácio<br />

foi incorpora<strong>do</strong> ao patrimônio <strong>do</strong>s Bragança por d. Catarina<br />

de Bragança, viúva <strong>do</strong> <strong>rei</strong> Carlos II da Inglaterra. Infelizmente,<br />

como sabemos, o consórcio lusobritânico não conseguiu dar<br />

herdeiros para o trono da Inglaterra e quan<strong>do</strong> o <strong>rei</strong> morreu, d.<br />

Catarina teve que voltar para Portugal. Foi então que adquiriu<br />

o palácio e o tomou para residência. Ao morrer deixou-o para<br />

seu irmão d. Pedro II. O filho deste, d. João V, incorporou o<br />

palácio ao patrimônio <strong>do</strong> infanta<strong>do</strong> passan<strong>do</strong> a ser residência<br />

<strong>do</strong>s infantes, entre eles d. Pedro III, o mesmo que iria<br />

construir o Palácio de Queluz e que seria o pai de d. João VI.<br />

O próprio d. João já tinha mora<strong>do</strong> na Bemposta antes da<br />

primeira invasão napoleônica, quan<strong>do</strong> o Palácio da Ajuda<br />

38


ainda estava em princípio de construção e era inabitável.<br />

Quan<strong>do</strong> voltou a morar nele, depois <strong>do</strong> retorno <strong>do</strong> Brasil, d.<br />

João fez algumas reformas no palácio e nele morreu em 1826,<br />

depois de ingerir um café da manhã contamina<strong>do</strong> com poções<br />

letais.<br />

A fuga ou estratégica escapada.<br />

Como vimos há pouco, d. João pernoitou no Palácio<br />

da Ajuda em sua última noite em Lisboa, antes de escapar para<br />

o Brasil. A fuga começou na manhã <strong>do</strong> inglório dia 27 de<br />

novembro de 1807. Inglório posto fosse um belo <strong>do</strong>mingo de<br />

sol. Foi então que se deu o embarque que precedeu a fuga ou,<br />

como preferem alguns, estratégica escapada da família real<br />

portuguesa para o Brasil. Fugiam <strong>do</strong>s exércitos de Napoleão<br />

Bonaparte, o corso, destrui<strong>do</strong>r implacável das dinastias<br />

europeias mas ávi<strong>do</strong> de cruzar com elas para azular o sangue<br />

rude da sua própria singela estirpe.<br />

Finalmente d. João tinha cedi<strong>do</strong> às pressões inglesas<br />

para zarpar para o Brasil. Também não tinha mais nenhuma<br />

alternativa depois que sir Sydney Smith havia bloquea<strong>do</strong> o<br />

Tejo e ameaça<strong>do</strong> por a pique a frota portuguesa ao menor<br />

indício de que ela pudesse vir a cair nas mãos <strong>do</strong>s franceses.<br />

Ninguém duvidava disso pois eles já tinha feito o mesmo em<br />

Copenhagen, chegan<strong>do</strong> a bombardear a cidade.<br />

É comum atribuir-se a demora na execução <strong>do</strong> plano<br />

da escapada para a América ao notório espírito irresoluto de d.<br />

João. Mas o fato é que ele não queria mesmo apelar para essa<br />

alternativa extremada a não ser em último caso e já com as<br />

forças invasoras ten<strong>do</strong> coloca<strong>do</strong> irremediavelmente a ponta da<br />

bota na soleira de Lisboa. Consta que ele, ainda em outubro<br />

de 1807, já toma<strong>do</strong> pelo desespero, tinha manda<strong>do</strong> o marques<br />

39


de Marialva a Paris com a mala cheia de diamantes para tentar<br />

comprar uma mudança nas disposições de Napoleão quanto<br />

ao <strong>rei</strong>no Português, remédio que, aliás, já tinha si<strong>do</strong> aplica<strong>do</strong><br />

antes, contu<strong>do</strong>, com efeito pouco dura<strong>do</strong>uro. Era a velha<br />

política <strong>do</strong> marquês de Pombal que teria dito um dia “Vale<br />

mais a pena e custa menos fazer guerra com dinheiro <strong>do</strong> que com<br />

exércitos”. Na verdade tu<strong>do</strong> aquilo era o<br />

coroamento frustra<strong>do</strong> da política de neutralidade que já vinha<br />

sen<strong>do</strong> seguida pelo regente há pelo menos seis anos. Convém<br />

recordar que, em feve<strong>rei</strong>ro de 1801, a França já havia<br />

declara<strong>do</strong> guerra a Portugal e foi aí que começou aquele<br />

sufoco diplomático que culminou com Napoleão decretan<strong>do</strong><br />

que a Casa de Bragança tinha deixa<strong>do</strong> de <strong>rei</strong>nar sobre<br />

Portugal. Naquele mesmo ano a Espanha havia também<br />

decreta<strong>do</strong> hostilidade ao <strong>rei</strong>no luso e invadi<strong>do</strong> o Alentejo, <strong>do</strong><br />

que resultou a perda irreparável de Olivença. Em setembro d.<br />

João foi compeli<strong>do</strong> a firmar um acor<strong>do</strong> com a França, por<br />

força <strong>do</strong> qual, se viu obriga<strong>do</strong> a fechar os portos portugueses<br />

aos navios ingleses. Seguiu-se uma pequena paz entre<br />

Inglaterra e França que nem deu para aliviar a gangorra onde<br />

d. João vinha tentan<strong>do</strong> se equilibrar. Já em 1803 França e<br />

Inglaterra voltavam a se estranhar e d. João se apressou a<br />

declarar a neutralidade <strong>do</strong> seu pequeno <strong>rei</strong>no. Mas era difícil<br />

Portugal ficar flanan<strong>do</strong> por sobre os interesses da França, da<br />

Inglaterra e da Espanha. Assim, logo o embaixa<strong>do</strong>r francês -<br />

general Leannes - pôs o de<strong>do</strong> na cara <strong>do</strong> regente e exigiu o<br />

fechamento <strong>do</strong>s portos às embarcações inglesas. D. João fez<br />

um acor<strong>do</strong> secreto com a Inglaterra e sua neutralidade acabou<br />

sen<strong>do</strong> admitida pelos britânicos. O mesmo conseguiu com a<br />

França que, no entanto, exigiu uma indenização para deixar<br />

Portugal fora <strong>do</strong> imbróglio. Nada menos <strong>do</strong> que 1 milhão de<br />

libras que d. João se dispôs a pagar em prestações mensais de<br />

40 mil libras. No ano seguinte Junot chutou o acor<strong>do</strong> na<br />

40


maior sem cerimônia e exigiu declaração de guerra à<br />

Inglaterra. Quer dizer, às vésperas da viagem para o Brasil d.<br />

João já estava mais <strong>do</strong> que escola<strong>do</strong> naquelas arengas francobritânicas<br />

e sabia que o único que tinha a fazer era mesmo<br />

jogar aquele jogo cheio de fintas que precedeu o embarque.<br />

De qualquer forma, embora a ideia da transmigração<br />

fosse antiga, nas condições em que d. João decidiu colocá-la<br />

em prática o tempo de preparação para a perigosa viagem<br />

acabou sen<strong>do</strong> exíguo, não mais <strong>do</strong> que três meses. Consta que<br />

em agosto Tomás Antônio Vila Nova Portugal apresentou ao<br />

príncipe regente o plano da fuga que logo foi aprova<strong>do</strong> e<br />

coloca<strong>do</strong> em andamento. O foco era a preparação da frota e o<br />

trasla<strong>do</strong> <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>. Mas quase to<strong>do</strong> fidalgote<br />

queria fazer-se ao mar e levar os seus baús cheios de trastes e<br />

lembrancinhas. Em conseqüência, no dia <strong>do</strong> embarque um<br />

inevitável tumulto não poderia estar ausente. O cais de Belém<br />

estava toma<strong>do</strong> pela lama devi<strong>do</strong> à chuva constante que caíra<br />

sobre Lisboa nos últimos dias. A cena deve ter si<strong>do</strong> mesmo<br />

patética, conferin<strong>do</strong> ao embarque uma conotação de ópera<br />

bufa.<br />

A decisão era certa, as ações eram lógicas mas,<br />

impossível escapar <strong>do</strong> ridículo naquelas circunstâncias.<br />

Centenas de nobres e burocratas portugueses tentan<strong>do</strong><br />

embarcar como desse, ganhan<strong>do</strong> a boca <strong>do</strong> Tejo afora rumo<br />

ao Atlântico das velhas conquistas. A própria família real<br />

acomo<strong>do</strong>u-se como foi possível, distribuída em três<br />

embarcações. Nem parece ter havi<strong>do</strong> preocupação de espalhar<br />

estrategicamente os infantes e infantas para que a sucessão<br />

não ficasse prejudicada no caso de um naufrágio. Foi sorte<br />

que Netuno também não quisesse fazer o que Napoleão não<br />

estava conseguin<strong>do</strong>, ou seja, liquidar com a continuidade<br />

dinástica <strong>do</strong>s Bragança. D. João chegou de madrugada, meio<br />

que escondi<strong>do</strong> para não assustar a população de Lisboa com a<br />

41


sua retirada e embarcou na nau Príncipe Real acompanha<strong>do</strong> da<br />

mãe, <strong>do</strong> príncipe d. Pedro e <strong>do</strong> infante d. Miguel. D. Carlota<br />

Joaquina e parte das infantas embarcaram na fragata Alfonso de<br />

Albuquerque. Outras infantas embarcaram no Rainha de Portugal.<br />

A frota real portuguesa, sem contar os navios mercantes,<br />

perfazia um total de dezesseis embarcações, soman<strong>do</strong> nada<br />

menos <strong>do</strong> que 780 bocas de fogo 9 . Ou seja, não era<br />

propriamente uma procissão de barquinhos lusos inofensivos.<br />

Tinha mais poder de fogo <strong>do</strong> que as próprias naus britânicas<br />

que acompanharam a comitiva a título de proteção e que era<br />

formada por quatro vazos de guerra, destaca<strong>do</strong>s de um total<br />

de nove embarcações que tinham participa<strong>do</strong> <strong>do</strong> bloqueio <strong>do</strong><br />

porto de Lisboa. Consta que Sydney Smith teria proposto a d.<br />

João fazer a travessia a bor<strong>do</strong> de um <strong>do</strong>s navios ingleses,<br />

proposta que ele polidamente recusou, naturalmente temen<strong>do</strong><br />

ser sequestra<strong>do</strong>. Na verdade uma das preocupações<br />

<strong>do</strong>minantes <strong>do</strong>s ingleses, no esforço frenético de induzir a<br />

família real a partir imediatamente para o Brasil, era mesmo<br />

evitar que a frota portuguesa pudesse ser capturada e<br />

incorporada à marinha francesa. Essa questão se revestia <strong>do</strong><br />

maior relevo militar pois podia representar um maior poder de<br />

confrontação de Naploleão no mar, coisa absolutamente<br />

indesejada pelos britânicos já que era aí que se apoiava sua<br />

força. Até pode ser que a iniciativa de comboiar os navios<br />

portugueses até o Brasil tenha ti<strong>do</strong> o propósito de garantir que<br />

d. João não mudasse de ideia no meio <strong>do</strong> oceano, passan<strong>do</strong><br />

9 Uma pequena escuna de nome “Curiosa” desertou, içou uma<br />

flâmula azul, branca e vermelha e bandeou para o la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />

franceses.<br />

42


para o la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s franceses. 10 To<strong>do</strong>s os navios disponíveis<br />

foram integra<strong>do</strong>s ao cortejo real, fican<strong>do</strong> fundea<strong>do</strong>s no Tejo<br />

apenas nove ambarcações, verdadeiras banheiras sem qualquer<br />

condição de se fazerem ao mar e que, certamente, não<br />

interessariam aos franceses.<br />

Mas a insistência <strong>do</strong>s ingleses com a fuga para a<br />

América também tinha um bela motivação comercial. É que<br />

eles ansiavam por estabelecer relações privilegiadas com o<br />

merca<strong>do</strong> da rica colonia americana, gozan<strong>do</strong>, não só de<br />

tarifário especial como também usufruin<strong>do</strong> da grande<br />

vantagem de ficar livre das restrições impostas pelo<br />

monopólio colonial metropolitano e seus tortuosos caminhos.<br />

Quer dizer, ganhavam por to<strong>do</strong>s os la<strong>do</strong>s.<br />

Mesmo antes da conquista de Lisboa, Napoleão já<br />

tinha pensa<strong>do</strong> em lotear Portugal crian<strong>do</strong> três pequenos <strong>rei</strong>nos<br />

a serem entregues a alia<strong>do</strong>s diletos. Estou falan<strong>do</strong> <strong>do</strong> trata<strong>do</strong><br />

secreto de Fontainebleau. Tratava-se de uma partilha de terras<br />

de natureza absolutamente medieval. Por ele uma parte de<br />

Portugal ficaria com Manuel de Go<strong>do</strong>y, o ministro to<strong>do</strong><br />

poderoso da Espanha, que assim sairia de cima da rainha e iria<br />

tratar de seu próprio negócio, deixan<strong>do</strong> o <strong>rei</strong> em paz debaixo<br />

da manumental galhada de seus cornos. O norte de Portugal<br />

seria barganha<strong>do</strong> com a rainha da Etrúria que cederia a<br />

Toscana para ser anexada ao <strong>rei</strong>no da Italia cujo <strong>rei</strong>, àquela<br />

altura, era o próprio Napoleão. A terceira parte das terras lusas<br />

10<br />

Lord Strangford tinha manda<strong>do</strong> um bilhete meio ameaça<strong>do</strong>r a d.<br />

João dizen<strong>do</strong> que se ele não se dispusesse a partir para o Brasil que<br />

pelo menos retirasse sua frota para a ilha da Madeira ou para Cádiz<br />

a fim de evitar que ela caísse nas mãos de Napoleão. Arrematava<br />

dizen<strong>do</strong> que se isso não fosse feito a Inglaterra poderia tomar<br />

“qualquer providência que julgasse apropriada”.<br />

43


a conquistar ficaria reservada para Bonaparte fazer algum<br />

arranjo futuro, quem sabe até com algum herdeiro <strong>do</strong>s<br />

próprios Bragança.<br />

Mas o mais interessante <strong>do</strong> infame trata<strong>do</strong> é seu artigo<br />

12º. Diz ele: “Sua Majestade o Impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s franceses e Rei da Itália<br />

obriga-se a reconhecer a Sua Majestade Católica o Rei da Espanha<br />

como Impera<strong>do</strong>r das Duas Américas quan<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> estiver<br />

pronto para assumir este título ao tempo da paz geral, ou o mais tardar<br />

três anos após aquela época”.<br />

Ou seja, pelo famigera<strong>do</strong> trata<strong>do</strong> Napoleão Bonaparte<br />

estava não só retalhan<strong>do</strong> o país luso mas também entregan<strong>do</strong><br />

o Brasil à Espanha! Claro que se tratava de mera esperteza<br />

diplomática ou delírio megalomaníaco <strong>do</strong> corso pois ele jamais<br />

teria condição de conquistar a América. Mesmo porque, não<br />

teria como furar o <strong>do</strong>mínio britânico sobre o Atlântico. Aliás<br />

ele não teve condição de conquistar sequer Portugal.<br />

De qualquer forma, para cumprir esse projeto imoral,<br />

em novembro de 1807 o general Junot entrava em Portugal à<br />

frente de vinte e sete mil solda<strong>do</strong>s. Ele já vinha aborrecen<strong>do</strong><br />

d. João desde o tempo em que era embaixa<strong>do</strong>r em Lisboa<br />

quan<strong>do</strong>, além de dizer que a família real portuguesa era a mais<br />

feia da Europa, ainda vivia baten<strong>do</strong> esporas e arrastan<strong>do</strong> sua<br />

espada egípcia arrogantemente nas antessalas <strong>do</strong> regente.<br />

Agora Junot voltava para aborrecê-lo outra vez e com a<br />

espada na mão e as esporas pican<strong>do</strong> a montaria, apressan<strong>do</strong> a<br />

marcha forçada sobre a capital <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no luso. Avançou sem<br />

grandes percalços pois a população ainda estava meio<br />

ator<strong>do</strong>ada com aquela notícia de que a família real e grande<br />

parte da nobresa tinham fugi<strong>do</strong> para o Brasil, <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Além disso, o próprio príncipe regente tinha<br />

pedi<strong>do</strong> que não houvesse resistência aos invasores,<br />

tardiamente fiel à sua política de neutralidade.<br />

44


Claro parece ficar, que não foi por pura lerdeza e<br />

indecisão que d. João retar<strong>do</strong>u a fuga o quanto pôde e só<br />

ordenou o embarque depois de saber que Junot já estava às<br />

portas de Lisboa a alguns passos de apeá-lo <strong>do</strong> trono.<br />

Acrescente-se ainda às razões retardatárias de d. João o fato de<br />

que ele não queria deixar Portugal antes de estar plenamente<br />

caracteriza<strong>do</strong> que Junot havia toma<strong>do</strong> Lisboa, justifican<strong>do</strong> a<br />

sua apertada escapada deixan<strong>do</strong> seu país em situação de<br />

orfandade. O general francês sabia disso e contava em<br />

alcançá-lo antes que ele se fizesse ao mar. Tanto que o<br />

primeiro ponto que mirou ao invadir a capital <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no<br />

portugues foi a torre de Belém de onde pensava barrar a<br />

passagem <strong>do</strong>s barcos em fuga. Quan<strong>do</strong> lá chegou, porém, as<br />

embarcações já tinham deixa<strong>do</strong> a barra. Por outro la<strong>do</strong>, sabese<br />

que o embaixa<strong>do</strong>r inglês - lord Strangford - exagerou um<br />

pouco no seu papel na indução da fuga pois ele não teve<br />

contato com o regente nos últimos dias que antecederam a<br />

fuga e quan<strong>do</strong> percebeu a frota lusa já se encontrava ao mar<br />

pronta para zarpar, apenas esperan<strong>do</strong> Junot chegar às portas<br />

de Lisboa. Strangford seguiu para Londres com parte da frota<br />

britânica e o almirante Smith escoltou d. João e sua comitiva<br />

ao Brasil. 11<br />

11 Strangford foi pego mais de uma vez mentin<strong>do</strong> sobre negócios<br />

portugueses. Além de exagerar sua influência no convencimento<br />

para que d. João partisse para o Brasil, ele foi autor de uma tradução<br />

fraudulenta <strong>do</strong>s Lusíadas. Descobriu-se que ele tinha copia<strong>do</strong><br />

estrofes inteiras da obra de um poeta inglês e inseri<strong>do</strong> no texto<br />

como se fossem de Camões. Anos mais tarde é que os ingleses iriam<br />

conhecer uma tradução autêntica da obra, desta vez traduzida pelo<br />

famoso Richard Francis Burton que conhecia muito bem a língua<br />

portuguesa e era admira<strong>do</strong>r de José de Alencar.<br />

45


No mar as coisas correram como era possível naquelas<br />

circunstâncias e a travessia <strong>do</strong> Atlântico evoluiu como era<br />

espera<strong>do</strong>, que dizer, no maior desconforto e alguns sustos. Há<br />

controvérsia quanto ao contingente de pessoas que arriscaram<br />

a travessia, varian<strong>do</strong> de quinhentas a dez mil criaturas, sen<strong>do</strong><br />

mais provavel que o grupo somasse umas cinco mil almas<br />

assustadas, espalhadas por cerca de cinquenta embarcações de<br />

tamanhos varia<strong>do</strong>s entre vasos de guerra e navios mercantes.<br />

Seja como for, a travessia não foi propriamente um cruzeiro<br />

tropical. A água <strong>do</strong>ce era escassa, a comida mal conservada, o<br />

mar excessivamente extenso e revolto. E, para completar, um<br />

surto de nojentos piolhos tinha infesta<strong>do</strong> as cabeças da<br />

princesa Carlota e das infantas obrigan<strong>do</strong>-as a raspá-las e<br />

envolvê-las em véus miseravelmente enrola<strong>do</strong>s para ocultar as<br />

calvas reais. Houve choro e ranger de dentes na tormentosa<br />

travessia, mas a tu<strong>do</strong> o príncipe regente amornou com sua<br />

paciência e serenidade, sossegan<strong>do</strong> a to<strong>do</strong>s com o seu sossego<br />

natural. Proibiu que se falasse em política e se clamasse<br />

conforto pois, naquele instante, o desafio era vencer o mar e<br />

era nele que to<strong>do</strong>s deviam prestar atenção.<br />

Dois meses durou a agonia até que no dia 22 de<br />

janeiro de 1808 parte das embarcações chegou à cidade <strong>do</strong><br />

Salva<strong>do</strong>r, debaixo de um inclemente verão. A capital da Bahia,<br />

já naquele tempo exalan<strong>do</strong> tropicalismos e cortesia, recebeu o<br />

cortejo exultante, pensan<strong>do</strong> mesmo em convencer o príncipe<br />

regente de fixar ali a capital, restauran<strong>do</strong> sua antiga condição<br />

de sede <strong>do</strong> governo, como era nos primeiros tempos da<br />

colônia. Ele não se deixou convencer disso, mas ficou <strong>do</strong>is<br />

meses na cidade curtin<strong>do</strong> a hospitalidade da boa terra. Outra<br />

parte da frota tinha se extravia<strong>do</strong> e segui<strong>do</strong> direto para o Rio<br />

de Janeiro.<br />

46


Finalmante, no dia 07 de março, aconteceu o<br />

desembarque <strong>do</strong> principe regente, d. Carlota Joaquina, a<br />

rainha, o príncipe herdeiro d. Pedro, os infantes e o resto da<br />

nobresa na cidade <strong>do</strong> Rio de Janeiro, completan<strong>do</strong> assim a<br />

bem sucedida fuga ou estratégica escapada.<br />

Seja como for o plano tinha da<strong>do</strong> certo e a Dinastia de<br />

Bragança tinha sobrevivi<strong>do</strong> àquela incursão arrasa<strong>do</strong>ra de<br />

Naploleão Bonaparte, sorte que não teve muitas outras<br />

dinastias europeias mais antigas e muito mais poderosas e<br />

arrogantes. Claro que a brava gente lusa não tinha gosta<strong>do</strong><br />

nada de ter fica<strong>do</strong> acéfala, assim de repente. Mas mesmo<br />

assim, com a ajuda <strong>do</strong>s ingleses, pegaram em armas e a duras<br />

penas acabariam botan<strong>do</strong> os franceses para fora, não muito<br />

tempo depois. A campanha da península ibérica, aliás, assim<br />

como a trágica campanha da Rússia, acabaria fazen<strong>do</strong> parte<br />

das causas princicipais <strong>do</strong> esgotamento de Napoleão,<br />

favorecen<strong>do</strong> a derrota final em Waterloo. Na Rússia a armada<br />

francesa enfrentaria fome e frio, em Portugal enfrentariam<br />

não só a fome mas também a ira desenfreada de guerrilheiros<br />

portugueses que, entre outras atrocidades, costumavam<br />

crucificar prisioneiros, devolven<strong>do</strong> eventuais barbaridades<br />

cometidas contra as portuguesas. 12<br />

O principe regente tinha deixa<strong>do</strong> para trás uma<br />

Europa tremendamente conturbada. Nunca se tinha visto<br />

nada igual. Nem no tempo das conquistas romanas, pois estas<br />

tinham si<strong>do</strong> graduais, dura<strong>do</strong>uras e espalha<strong>do</strong> uma<br />

maravilhosa cultura em torno <strong>do</strong> Mediterrâneo. Agora, porém,<br />

12<br />

A ferocidade <strong>do</strong>s portugueses sempre infundiu me<strong>do</strong> e dizem que<br />

na Ásia o que os povos conquista<strong>do</strong>s mais temiam era cair<br />

prisioneiros <strong>do</strong>s solda<strong>do</strong>s da pequena e aguerrida nação <strong>do</strong>s<br />

navega<strong>do</strong>res.<br />

47


Napoleão Bonaparte varria os <strong>rei</strong>nos europeus com suas<br />

estratégias militares inova<strong>do</strong>ras, baseadas na rapidez da<br />

movimentação <strong>do</strong>s exércitos revolucionários, cain<strong>do</strong> sobre o<br />

inimigo antes que eles tivessem tempo de apontar os fuzis ou<br />

posicionar as bocas <strong>do</strong>s canhões.<br />

Tu<strong>do</strong> tinha começa<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> os líderes da revolução<br />

francesa perceberam que tinham que guerrear com os <strong>rei</strong>nos<br />

europeus e exportar a revolução ou não teriam como<br />

sobreviver, estan<strong>do</strong> tão cerca<strong>do</strong>s de <strong>rei</strong>s acostuma<strong>do</strong>s a <strong>rei</strong>nar<br />

absolutos. Danton tinha dito em setembro de 1792: “A nação<br />

francesa gerou uma grande corrente de insur<strong>rei</strong>ção geral contra os <strong>rei</strong>s.”<br />

Então o exército austríaco, que estava acampa<strong>do</strong> nas<br />

proximidades de Lille no norte da França, resolveu recuar para<br />

a Bélgica e ficar um pouco mais longe <strong>do</strong> caldeirão fervente.<br />

Outros exércitos reais invasores fizeram o mesmo e to<strong>do</strong> o<br />

território frances ficou em poder <strong>do</strong>s revolucionários. Em<br />

seguida os exércitos franceses tomaram a Bélgica e expulsaram<br />

os austríacos. É declarada guerra à Boêmia e a Hungria. No<br />

ano seguinte é declarada guerra à Inglaterra, Holanda e<br />

Espanha e logo a França está em guerra com quase toda a<br />

Europa.<br />

Até 1796 a campanha francesa é cheia de altos e<br />

baixos, avanços e retrocessos. A Europa se agita moven<strong>do</strong><br />

peças num tabuleiro de xadrez sanguinolento. Em 12 de abril<br />

Napoleão Bonaparte invade e saqueia a Itália e é ai que<br />

começa de fato a grande aventura <strong>do</strong> corso. No campo<br />

político também consegue vitórias e passa a controlar o<br />

diretório revolucionário e a própria Franca, não poucas vezes<br />

passan<strong>do</strong> por cima da constituição que, aliás, ele já estava<br />

louco para retocar. Também obtém sucessos no campo<br />

diplomático celebran<strong>do</strong> com a Áustria uma paz ao velho<br />

estilo, quer dizer, distribuin<strong>do</strong> países à revelia da vontade <strong>do</strong>s<br />

seus povos.<br />

48


O retorno da dura campanha <strong>do</strong> Egito encontra Paris<br />

embevecida pela coragem e competência <strong>do</strong> general. Logo<br />

torna Napoleão Bonaparte o homem mais popular da França<br />

e joga definitivamente o país em suas mãos. (18 brumário /<br />

1799). A revolução tinha acaba<strong>do</strong> mas a república ainda<br />

sobreviveria em esta<strong>do</strong> terminal até 1804 quan<strong>do</strong> então o<br />

corso se tornaria impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s franceses. Em 1807, quan<strong>do</strong> a<br />

família real portuguesa teve que deixar a Europa, Napoleão já<br />

tinha venci<strong>do</strong> seus mais poderosos inimigos, quer dizer, a<br />

Áustria, a Prússia e a Rússia. <strong>Os</strong> demais países da Europa ou<br />

se subjugavam, ou se alinhavam humildemente como foi o<br />

caso da Espanha, ou tentavam conseguir um reconhecimento<br />

de neutralidade como era o caso de Portugal. Apenas a<br />

Inglaterra resistia. De sorte que, ou tinham que aderir ao<br />

bloqueio continental decretada por Napoleão contra a<br />

pequena ilha britância, ou tinham que aguentar a ira <strong>do</strong> corso.<br />

D. João era um <strong>do</strong>s poucos monarcas europeus que tinha um<br />

caminho alternativo.<br />

Esse era o quadro quan<strong>do</strong> a família real portuguesa<br />

embarcou para o Brasil. Mas qual era o quadro <strong>do</strong> Brasil<br />

quan<strong>do</strong> o Príncipe Regente, a Princesa, o Príncipe da Beira, os<br />

infantes e o resto da parentalha chegou? Exatamente o que<br />

tinha que ser: uma colônia rica, mas sufocada política,<br />

econômica e culturalmente por trezentos anos de colonialismo<br />

preda<strong>do</strong>r. De sorte que tu<strong>do</strong> teve que ser feito, desde a<br />

instalação <strong>do</strong> aparelho <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>, passan<strong>do</strong> pelo desarrocho<br />

<strong>do</strong>s controles coloniais sobre a produção e o comércio até o<br />

saneamento básico e a construção de uma magnificência de<br />

papel marché e uma majestade de arcos triunfais de papelão.<br />

Tão surpresos quanto tinham fica<strong>do</strong> os lisboetas com<br />

a saida inesperada <strong>do</strong> nobre contingente, ficaram os cariocas<br />

com a não menos inesperada chegada. Mas, logo que passou a<br />

49


euforia e o clima de festas e luminárias <strong>do</strong>s primeiros<br />

momentos, caiu sobre a população um duro decreto<br />

desaproprian<strong>do</strong> moradias para abrigar a nobresa portuguesa.<br />

Essa penada absolutista <strong>do</strong> monarca, no meio <strong>do</strong> regozijo<br />

carioca, causou irônicas reações da população e até pode ter<br />

nasci<strong>do</strong> daí parte da imagem negativa que d. João carrega na<br />

memória histórica nacional, passan<strong>do</strong> a figura de feio, baixo,<br />

gor<strong>do</strong>, bonachão, comilão, corno, porco, preguiçoso, meio<br />

bicha e indeciso.<br />

Contu<strong>do</strong>, há de se reconhecer a situação crítica que o<br />

então príncipe regente teve que enfrentar e a habilidade<br />

paciente com que contornou muitos problemas cuja<br />

confrontação pura e simples poderia ter leva<strong>do</strong> a um fim<br />

muito menos auspicioso <strong>do</strong> que aquele que a marcha da<br />

história revelou. Afinal, foi esse príncipe travesti<strong>do</strong> de tão<br />

grotesca figura que abriu os portos brasileiros logo ao chegar e<br />

revogou o alvará que sua mãe tinha baixa<strong>do</strong> em 1785,<br />

proibin<strong>do</strong> as atividades manufatu<strong>rei</strong>ras no Brasil. Estava<br />

decreta<strong>do</strong>, de fato, o fim <strong>do</strong> regime colonial na América<br />

Portuguesa.<br />

Mas, quan<strong>do</strong> a família real aportou no Rio de Janeiro,<br />

a cidade, apesar <strong>do</strong> caprichoso desenho <strong>do</strong> encontro da<br />

montanha, com a floresta e o mar que a natureza colocou de<br />

forma deslumbrante naquele canto <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, ainda não era<br />

uma cidade maravilhosa, digna de abrigar um governo<br />

metropolitano. Muito antes pelo contrário, urbanisticamente<br />

falan<strong>do</strong>, a cidade era uma verdadeira pocilga com esgoto e lixo<br />

<strong>do</strong>minan<strong>do</strong> as ruas apertadas e cheias de gente. Não estava<br />

minimamente preparada para ser sede de um <strong>rei</strong>no, mesmo de<br />

caráter tropical. A má salubridade da cidade pode até ter<br />

contribui<strong>do</strong> para o grande número de mortes que acabou<br />

ocorren<strong>do</strong> entre a nobreza em geral. Ali morreriam o infante<br />

50


d. Pedro Carlos, a Rainha d. Maria I e sua irmã d. Mariana, o<br />

marques e a marquesa de Angeja, o conde de Linhares, o<br />

marques de Belas, o marques de Pombal, o marques de<br />

Borba, o marques de Vagos, o conde das Galveas, o visconde<br />

de Condeixas, o marques de Aguiar, o conde da Barca, o<br />

conde de Bar<strong>rei</strong>ro, a condessa da Figueira, o conde da Ribeira<br />

Grande, entre outros. Mas, justiça seja feita, nem to<strong>do</strong>s<br />

morreram propriamente pela insalubridade <strong>do</strong> Rio de Janeiro<br />

daqueles tempos. D. Maria e d. Mariana já estavam muito<br />

velhas e d. Pedro Carlos nunca teve boa saúde. Já o caso <strong>do</strong><br />

conde de Linhares é absolutamente inusita<strong>do</strong>. Há quem diga<br />

que ele morreu de traumatismo craniano devi<strong>do</strong> a uma<br />

bengalada que d. João VI teria lhe da<strong>do</strong> num raro momento<br />

de fúria 13 . A natureza também fazia maldades e o jovem conde<br />

de Bar<strong>rei</strong>ro, mesmo em excelente saude e tosta<strong>do</strong> de sol,<br />

acabaria morren<strong>do</strong> afoga<strong>do</strong> nas águas agitadas <strong>do</strong> mar da<br />

Tijuca.<br />

<strong>Os</strong> trovões também incomodavam muito a delicada<br />

nobreza, ribomban<strong>do</strong> nas montanhas e florestas <strong>do</strong> entorno<br />

da maravilhosa cidade, estressan<strong>do</strong> os estressáveis. Contra a<br />

natureza não havia, claro, o que fazer, mas contra a sujeira e o<br />

atraso sim. De sorte que uma série de medidas, não só de<br />

saneamento, mas de caráter cultural tiveram que ser postas em<br />

marcha. Entre elas a vinda da missão cultural francesa e as<br />

sucessivas missões científicas de naturalistas de toda a Europa.<br />

Depois chegaria a maravilhosa biblioteca real formada pelos<br />

Bragança desde o tempo de d. João V. Tu<strong>do</strong> isso viria compor<br />

o processo de liberação <strong>do</strong> Brasil da antiga condição de<br />

quintal <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no portugues. Seria funda<strong>do</strong> o Banco <strong>do</strong> Brasil,<br />

13 Pedro Calmon in “O Rei <strong>do</strong> Brasil”.<br />

51


introduzi<strong>do</strong> o café na agricultura brasileira, cria<strong>do</strong> o<br />

observatório astronômico, um teatro 14 , a tipografia real, uma<br />

fábrica de pólvora, a Academia Militar, a Academia da<br />

Marinha e, muito especialmente, o Jardim Botânico. Aliás, o<br />

jardim real foi uma das mais notáveis obras que d. João VI<br />

deixou no Brasil. Representou a oportunidade de introdução e<br />

desenvolvimento de tantas novas espécies de plantas que hoje<br />

fazem parte da riqueza extraordinária da flora <strong>do</strong> país, entre<br />

elas a magnífica palmeira imperial, verdadeiro símbolo<br />

daquelas priscas eras encerradas em 15 de novembro de 1889.<br />

Na segunda metade <strong>do</strong> século XIX não havia barão <strong>do</strong><br />

café que deixasse de plantar uma alameda de palmeiras<br />

imperiais enobrecen<strong>do</strong> a entrada <strong>do</strong>s casarões senhoriais de<br />

suas fazendas escravagistas. Era uma justa e tardia homenagm<br />

ao avô <strong>do</strong> Impera<strong>do</strong>r Pedro II.<br />

Mas nada entre nações se faz de graça e enquanto a<br />

corte portuguesa tentava criar um arreme<strong>do</strong> de <strong>rei</strong>no europeu<br />

no trópico, a Inglaterra trabalhava seus interesses. O general<br />

Bradford já vinha controlan<strong>do</strong> militarmente Portugal desde<br />

que d. João e família se instalaram na América. Estava na hora<br />

de lord Strangford controlar comercialmente o Brasil. Em<br />

Londres lord Canning trabalhava cuida<strong>do</strong>samente num acor<strong>do</strong><br />

comercial destina<strong>do</strong> a ser uma espécie de cobrança pelos bons<br />

serviços presta<strong>do</strong>s na tutela bem sucedida da fuga da realeza<br />

de Bragança livran<strong>do</strong>-se das garras de Junot e seu patrão<br />

ganancioso. Em 1810 o tal acor<strong>do</strong> estava pronto e Strangford<br />

14 O príncipe de Wied-Neuwied, mencionan<strong>do</strong> os pontos<br />

interessantes <strong>do</strong> Rio de Janeiro <strong>do</strong> tempo de d. João, cita o teatro<br />

“suficientemente espaçoso”, o aqueduto “uma obra grandiosa” e o passeio<br />

púbico “uma grande praça plantada de árvores em aléias”. (Viagem ao<br />

Brasil de 1815 a 1817).<br />

52


foi encarrega<strong>do</strong> de apresentar a conta a d. João. Na verdade o<br />

<strong>do</strong>mínio comercial inglês já estava estabeleci<strong>do</strong>,<br />

independentemente <strong>do</strong> que se ia pôr no papel. O Rio de<br />

Janeiro se encontrava entupi<strong>do</strong> por produtos ingleses trazi<strong>do</strong>s<br />

pelas levas de embarcações que aportavam com as<br />

merca<strong>do</strong>rias que não estavam sen<strong>do</strong> vendidas na Europa,<br />

conturbada pela guerra. Tinha de tu<strong>do</strong> que não nos servia:<br />

desde espartilhos e teci<strong>do</strong>s de velu<strong>do</strong> até sapatos para<br />

patinação no gelo ou aquece<strong>do</strong>res para invernos rigorosos. O<br />

trata<strong>do</strong> comercial, no entanto, foi muito além de disciplinar as<br />

transações comercias. Além das tarifas privilegiadas para os<br />

produtos ingleses encalha<strong>do</strong>s no velho mun<strong>do</strong> chegava a<br />

determinar que os cidadãos ingleses no Brasil só podia ser<br />

julga<strong>do</strong>s por juízes ingleses, estabelecen<strong>do</strong> um verdadeiro<br />

enclave pretorial britânico na América Portuguesa. Liberava as<br />

costas brasileiras a livre navegação <strong>do</strong>s navios britânicos e<br />

ainda lhes dava o di<strong>rei</strong>to de usar madeiras brasileiras para<br />

construção e reparos navais, como lhes aprouvesse. Havia<br />

di<strong>rei</strong>tos de propriedade que igualavam os ingleses aos lusos e<br />

aos brasileiros. O pior de tu<strong>do</strong> é que o decreto não garantia<br />

nenhum tipo de vantagem para produtos ou cidadãos<br />

brasileiros ou portugueses na Inglaterra. D. João VI chegou a<br />

pensar em não asssinar o acor<strong>do</strong> tal o desequilíbrio que<br />

continha, mas recebeu ameaças veladas e teve que recuar. Por<br />

ter que engolir aquele sapo o paciente <strong>rei</strong> multiplicou seu ódio<br />

por Strangford e mais tarde até conseguiria que ele deixasse a<br />

representação britânica no Brasil 15 , mas pagou a conta libra<br />

15<br />

D. João não gostou nem um pouco de lord Strangford ter se<br />

dirigi<strong>do</strong> a ele de forma insolente pedin<strong>do</strong> satisfações por ele ter<br />

nomea<strong>do</strong> o conde da Barca para o seu ministério. Escreveu ao<br />

regente da Inglaterra se queixan<strong>do</strong> e foi essa a causa imediata <strong>do</strong><br />

afastamento <strong>do</strong> embaixa<strong>do</strong>r inglês.<br />

53


por libra. Aliás, quan<strong>do</strong> voltou para Portugal, passou também<br />

este papagaio para o filho d. Pedro.<br />

Dormin<strong>do</strong> com o inimigo<br />

A vida de d. João VI, assim com seria a de seu filho<br />

Pedro, é cheia de coisas inusitadas. Não tanto o casamento<br />

com uma infanta espanhola pois isso era extremamente<br />

comum, como vimos. Aliás, este hábito vinha desde os<br />

tempos <strong>do</strong>s mouros quan<strong>do</strong> os <strong>rei</strong>nos de Castela, Aragon,<br />

Leon e Portugal, de vez em quan<strong>do</strong>, tinham que se entender<br />

para garantir um pouco de descanso no meio daquelas<br />

batalhas constantes. Mas, no caso <strong>do</strong> infante d. João, a noiva<br />

escolhida para ele seria a última pessoa <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> que poderia<br />

fazê-lo minimamente feliz. Também pudera, além de muito<br />

feia, vivia conspiran<strong>do</strong> contra ele. Mas, enfim, coube-lhe a<br />

mão de Carlota Joaquina Teresa Caytana de Bourbon e<br />

Bourbon, filha <strong>do</strong> <strong>rei</strong> da Espanha e bisneta <strong>do</strong> <strong>rei</strong> da França.<br />

Não obstante toda essa realeza, não ostentava mais <strong>do</strong> que<br />

1,50 metros de altura para um corpo desajeita<strong>do</strong>, locomovi<strong>do</strong><br />

por uma claudicante perna manca. Dizem que na toalete da<br />

manhã tinha que raspar uma penugem preta que teimava em<br />

lhe nascer no rosto to<strong>do</strong> dia e que, se não fosse essa<br />

providência, agregariam uma barba ao seu queixo<br />

proeminente e um bigode entremea<strong>do</strong> entre seus lábios finos<br />

e seu nariz pontu<strong>do</strong>. Contu<strong>do</strong>, mesmo assim, o pobre d. João<br />

teve que desposá-la quan<strong>do</strong> ela tinha apenas dez anos de<br />

idade. Aos quinze o casamento se consumou e d. João não se<br />

fez de roga<strong>do</strong> foi em frente, engravidan<strong>do</strong> d. Carlota nada<br />

menos <strong>do</strong> que nove vezes. Do consórcio nasceram, entre<br />

outros, d. Pedro, d. Miguel e Maria Isabel, a futura trágica<br />

rainha da Espanha por casamento com seu tio Fernan<strong>do</strong> VII,<br />

54


conforme aquela história que contamos quan<strong>do</strong> tratamos <strong>do</strong>s<br />

infortúnios <strong>do</strong>s Bragança.<br />

Está certo que d. João - até para fazer juz ao seu<br />

codinome de O Magnânimo - cumpria com deno<strong>do</strong> e<br />

resignação seu dever conjugal, mas seria um exagero dizer que<br />

ele prezava a companhia da esposa. Aliás, a recíproca era<br />

verdadeira. De sorte que cada um procurava viver em um<br />

canto, longe <strong>do</strong> outro. Em Portugal ele preferia viver no<br />

Palácio de Mafra enquanto d. Carlota ficava no Palácio de<br />

Queluz, com os filhos e a sogra. Na chegada ao Rio de<br />

Janeiro, o príncipe regente foi morar em São Cristovão e sua<br />

mulher foi para Botafogo. Claro que o isolamento <strong>do</strong> mari<strong>do</strong><br />

em relação à mulher, e vice-versa, não implicava em<br />

comportada abstinência das delícias <strong>do</strong> sexo pelo<br />

descombina<strong>do</strong> casal. Mas, mesmo nesse particular, d. Carlota<br />

era muito mais ativa <strong>do</strong> que o mari<strong>do</strong>. Enquanto ela tinha<br />

fama de ser uma espanhola quente e inquieta, parece que d.<br />

João – fazen<strong>do</strong> juz a sua notória timidez - só teve uma única<br />

amante em toda a sua vida. Trata-se de uma brasileira filha de<br />

d. Rodrigo José de Menezes e que nasceu em Vila Rica<br />

quan<strong>do</strong> seu pai era governa<strong>do</strong>r da capitania de Minas Gerais.<br />

Não faltam aqueles que suspeitam que d. João tivesse<br />

certas tendências homossexuais e que o visconde de Vila<br />

Nova da Rainha fosse seu companheiro inseparável nessas<br />

horas hetero<strong>do</strong>xas. Está certo que eles trocavam cartas um<br />

tanto amorosas, mas pode haver um certo exagero na<br />

interpretação da extensão daquelas delicadezas.<br />

Mas o maior aborrecimento que d. Carlota causava ao<br />

mari<strong>do</strong> não era sua proximidade física e sim sua desmedida<br />

ambição política. É que ela tinha o hábito de conspirar contra<br />

ele. Pobre d. João, longe sua mulher podia causar ainda mais<br />

aborrecimentos. Parece que ela tinha ambições de reunir<br />

55


novamente Espanha e Portugal sob a mesma coroa, e mais,<br />

colocar essa coroa sobre sua própria cabeça.<br />

A primeira conspiração de Carlota Joaquina contra o<br />

mari<strong>do</strong> foi em 1805 quan<strong>do</strong> ela tinha apenas dezoito anos.<br />

Aquele não vinha sen<strong>do</strong> um bom ano para d. João. Ele estava<br />

meio deprimi<strong>do</strong>, choramingan<strong>do</strong> pelos cantos e buscan<strong>do</strong><br />

consolo na companhia <strong>do</strong>s padres. Privou-se das agitações da<br />

corte, das formalidades <strong>do</strong> trono, da tensão <strong>do</strong>s gabinetes, da<br />

algazarra das caçadas e foi viver recluso em Vila Viçosa, a sede<br />

<strong>do</strong> duca<strong>do</strong> de Bragança. Era a oportunidade que ela queria<br />

para declará-lo mentalmente incapaz e pleitear a regência.<br />

Formou um parti<strong>do</strong> e começou a urdir a deposição <strong>do</strong> mari<strong>do</strong><br />

nos recônditos <strong>do</strong> palácio. Alerta<strong>do</strong> para o golpe iminente o<br />

príncipe voltou apressa<strong>do</strong> a Lisboa, sufocou o golpe e<br />

reassumiu o governo. O conde de Vila Verde chegou a propor<br />

uma punição exemplar para d. Carlota, mas d. João, ven<strong>do</strong> aí<br />

uma boa chance de justificar sua intenção de se afastar<br />

definitivamente dela mas sem provocar um drama diplomático<br />

e familiar, man<strong>do</strong>u apenas que ela se mudasse de Queluz para<br />

a quinta <strong>do</strong> Ramalhão. Para ela acabou não sen<strong>do</strong> uma pena<br />

muito cruel pois ficou longe da obrigação de cuidar da sogra<br />

que, naquela altura, andava tresloucada pelos corre<strong>do</strong>res de<br />

Queluz com mania de estar sen<strong>do</strong> perseguida por demônios.<br />

Além disso d. Carlota gostou muito <strong>do</strong> jeitão <strong>do</strong> jardineiro <strong>do</strong><br />

Ramalhão e, dizem, acabou ten<strong>do</strong> uma filha com ele. D. João<br />

não engoliu essa muito bem e levou um ano para reconhecer a<br />

menina o que, certamente, só fez por conta de algum acor<strong>do</strong><br />

com sua perigosa mulher. Aliás, paira dúvida sobre a<br />

contribuição de d. João para que Carlota Joaquina pudesse dar<br />

à luz seus três últimos filhos, inclusive d. Miguel, de quem se<br />

suspeita ser filho <strong>do</strong> marques de Marialva. Fato é que a rainha<br />

tinha fama consolidada de não ser nem um pouco fiel, quer<br />

no trono, quer na cama. Dizem que suas diversões favoritas<br />

56


eram cavalos e homens. Ou seja, a<strong>do</strong>rava cavalgar e ser<br />

cavalgada. Também gostava de achacar os passantes com sua<br />

majestade burbônica. Sempre que ela saía a passear pelo Rio<br />

de Janeiro as pessoas que encontrava no caminho tinham que<br />

se ajoelhar e prestar humildes reverências, coisa desusada até<br />

nas cortes mais conserva<strong>do</strong>ras da Europa. Exigia essa absurda<br />

submissão até mesmo <strong>do</strong> corpo diplomático. Isso acabou<br />

geran<strong>do</strong> alguns incidentes. Foi o caso <strong>do</strong> embaixa<strong>do</strong>r<br />

americano que se recusou a prestar as tais reverências e ao ser<br />

ameaça<strong>do</strong> pelos guardas sacou cinematograficamente suas<br />

pistolas <strong>do</strong> coldre e ameçou atirar o que fez a rainha desistir<br />

da idéia de submetê-lo, ainda mais sen<strong>do</strong> ele um republicano<br />

de berço. Mas ela não deixou de se queixar ao <strong>rei</strong>. D. João,<br />

para não criar poblemas nem com a mulher nem com o corpo<br />

diplomático, baixou um decreto esperto determinan<strong>do</strong> que os<br />

estrangeiros estavam obriga<strong>do</strong>s a prestar no Brasil apenas as<br />

reverências a que estavam obriga<strong>do</strong>s em seu próprios países.<br />

Por conta <strong>do</strong> salomônico decreto não tinha mais como haver<br />

constrangimentos. A rainha, com certeza, não gostou, mas<br />

não tinha argumentos e desta vez deixou o mari<strong>do</strong> no seu<br />

sagra<strong>do</strong> sossego.<br />

A próxima tentativa de golpe da irriquieta princesa<br />

espanhola foi contra o irmão Fernan<strong>do</strong>. Aproveitou-se da<br />

deposição dele <strong>do</strong> trono espanhol por Napoleão Bonaparte e<br />

tentou ser aclamada princesa regente da Espanha, governan<strong>do</strong><br />

a partir das colonias espanholas na América, com capital em<br />

Buenos Aires. O plano era meio absur<strong>do</strong> e só conseguiu apoio<br />

de maior peso na pessoa <strong>do</strong> almirante inglês Sidney Smith.<br />

Ele, porém, não conseguiu sensibilizar o governo britânico<br />

para levar a emp<strong>rei</strong>tada adiante. É possível até que nem ele<br />

mesmo estivesse empenha<strong>do</strong> de fato no plano de d. Carlota. É<br />

que os encontros <strong>do</strong> almirante inglês com a rainha para tratar<br />

57


<strong>do</strong> assunto eram priva<strong>do</strong>s, nas horas e locais mais impróprios<br />

e cheios de risinhos maliciosos. Ninguém acreditava mesmo<br />

que eles estivessem conspiran<strong>do</strong>, a não ser, claro, contra a<br />

honra <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>.<br />

Outras tentativas de golpes contra d. João ocorreriam<br />

mas, a partir daí, ele ficou muito mais atento. Isso, contu<strong>do</strong>,<br />

não impediu que ele viesse a morrer provavelmente<br />

envenena<strong>do</strong>. Há quem diga que d. Carlota Joaquina estava por<br />

trás desse trágico desfecho. Mas essa não é a única suspeita de<br />

assassinato que paira sobre ela. Conta-se que d. Gertrude<br />

Angélica Pedra Carneiro Leão casada com José Fernan<strong>do</strong><br />

Carneiro Leão, diretor <strong>do</strong> Banco <strong>do</strong> Brasil e suposto amante<br />

de d. Carlota, foi assassinada no Rio de Janeiro a man<strong>do</strong> da<br />

rainha e que o inquérito tinha si<strong>do</strong> arquiva<strong>do</strong> a man<strong>do</strong> de d.<br />

João. Parece que ele preferiu que a mulher ficasse na posição<br />

de suspeita de assassinato <strong>do</strong> que ele na posição de corno<br />

comprova<strong>do</strong>. Era mais um <strong>do</strong>s tantos aborrecimentos que ela<br />

trazia ao mari<strong>do</strong>, inclusive instigan<strong>do</strong> o filho d. Miguel a<br />

também conspirar contra o pai, o que ele fez com absur<strong>do</strong><br />

entusiasmo e que, aliás, faria também contra o irmão d. Pedro.<br />

Mas d. Carlota morreu feliz pois, quan<strong>do</strong> deixou este<br />

mun<strong>do</strong> cruel, d. Miguel tinha usurpa<strong>do</strong> o trono portugues e<br />

<strong>rei</strong>nava absoluto, aterrorizan<strong>do</strong> os liberais, apoia<strong>do</strong> pelos<br />

padres, pelos camponeses e pelos nobres conserva<strong>do</strong>res<br />

portugueses em geral. Então o mari<strong>do</strong> tinha si<strong>do</strong> assassina<strong>do</strong>,<br />

o filho mais velho tinha si<strong>do</strong> traí<strong>do</strong>, as Cortes de Lisboa<br />

estavam desfeitas e a constituição liberal portuguesa tinha si<strong>do</strong><br />

jogada no lixo. D. Carlota, claro, finalmente, tinha consegui<strong>do</strong><br />

o que queria. Mas dizem que ela morreu meio maluca,<br />

vagan<strong>do</strong> em andrajos pelo Palácio de Queluz, debaixo de uma<br />

cabeleira branca vasta e desgrenhada. Logo ela que, no Brasil<br />

gostava de se vestir como uma verdadeira Carmem Miranda<br />

oitocentista coberta de plumas e de joias. É fato que essa<br />

58


espanhola corajosa e in<strong>do</strong>mável morreu pobre e meio<br />

aban<strong>do</strong>nada e certamente, não morreu feliz, mesmo com o<br />

filho preferi<strong>do</strong> finalmente assenta<strong>do</strong> no trono portugues que<br />

ela tantas vezes quis para si própria.<br />

Nasce o infante Pedro<br />

Foi mais no final <strong>do</strong> século XIX que as histórias das<br />

carochinhas começaram a transformar sapos em príncipes.<br />

Era relativamente fácil: bastava o beijo corajoso de uma<br />

legítima princesa. Na dinastia <strong>do</strong>s Bragança também não era<br />

muito dificil se virar príncipe. Claro, tinha-se que nascer<br />

infante, ou seja tinha-se que ser filho <strong>do</strong> <strong>rei</strong> ou <strong>do</strong> próprio<br />

príncipe herdeiro. Depois a natureza cuidava <strong>do</strong> resto, visto<br />

que, a mortalidade entre as famílias reais era bastante alta,<br />

como de resto na população como um to<strong>do</strong>, notadamente na<br />

população infantil. Mas entre as famílias nobres em geral ainda<br />

tinha o agravante <strong>do</strong>s casamentos consanguínios que podiam<br />

potenciar as fragilidades genéticas. Vai daí que relativamente<br />

poucos <strong>rei</strong>s portugueses entre os Bragança, tinham nasci<strong>do</strong><br />

príncipes. Dizem até que havia uma maldição por conta da<br />

praga que um frade rogou por ter si<strong>do</strong> maltrata<strong>do</strong> por d. João<br />

IV que se recusou a dar-lhe esmolas e, provavelmente, ainda<br />

fez um comentário grosseiro. Isso agastou muito o tal frade<br />

pois ele devia ser humilde mas não tinha sangue de barata.<br />

A praga comecou a fazer efeito já na primeira geração:<br />

o príncipe era d. Teodósio, primogênito de d. João IV. Ele<br />

morreu com dezenove anos e não chegou a assumir o trono.<br />

O título, como vimos, foi para seu irmão d. Afonso VI que<br />

subiu ao trono em 1662. Acabou deposto por seu irmão mais<br />

novo Pedro que, também não ten<strong>do</strong> nasci<strong>do</strong> príncípe assumiu<br />

como regente e depois virou <strong>rei</strong>, desvian<strong>do</strong> a linha original de<br />

59


sucessão. O primogênito de d. Pedro era João de Bragança,<br />

mas ele só foi príncipe por quinze dias, tempo que durou a sua<br />

efêmera vida. No ano seguinte nascia outro João, que pela<br />

morte prematura <strong>do</strong> seu irmão mais velho, já nasceu príncipe<br />

herdeiro <strong>do</strong> trono, caso raro mas também decorrente <strong>do</strong><br />

habitual infortúnio bragantino <strong>do</strong>s primogênitos. Este veio a<br />

ser o famoso D. João V. Ele próprio, em 1734, reformou a<br />

titulação <strong>do</strong>s herdeiros da família real da Dinastia de Bragança,<br />

determinan<strong>do</strong> que o título de príncipe ou princesa da Beira<br />

passasse a identifica o primogênito <strong>do</strong> herdeiro da coroa. O<br />

herdeiro, por sua vez, ficaria com o título de Príncipe <strong>do</strong><br />

Brasil. Aí, mais uma vez, a roda da fortuna girou tiran<strong>do</strong> o<br />

título <strong>do</strong> primogênito. O primeiro filho varão de d. João V<br />

chamou-se Pedro e, por primeiro, nasceu Príncipe <strong>do</strong> Brasil,<br />

quer dizer, herdeiro da coroa. Mas ele sobreviveu apenas <strong>do</strong>is<br />

anos e o título foi parar no colo de seu irmão d. José que<br />

assumiu e governou até 1777. Foi substitui<strong>do</strong> por sua filha d.<br />

Maria, essa sim, nascida princesa e que chegou a rainha, sem<br />

que para isso algum irmão seu tivesse que ficar pelo caminho.<br />

Mas o caso é único e a regra continuou depois dela e até com<br />

um certo exagero. O primogénito de d. Maria I era d. José,<br />

portanto, nasceu príncipe <strong>do</strong> Brasil, herdeiro <strong>do</strong> trono. O<br />

nosso futuro d. João VI era apenas o quarto na linha de<br />

sucessão, mas acabou viran<strong>do</strong> príncipe regente pela morte de<br />

seus três irmãos mais velhos. D. José, o príncipe original,<br />

morreu em 1788 aos vinte e oito anos, d. João de Bragança<br />

nasceu já sem vida e d. João Francisco viveu pouco mais de<br />

um mês. Na sequência chegamos ao caso <strong>do</strong> nosso Pedro de<br />

Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula<br />

60


Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano<br />

Serafim de Bragança e Bourbon 16 . Ele foi o quinto príncipe da<br />

Beira mas, seguin<strong>do</strong> a tradição, nasceu apenas infante e prior<br />

<strong>do</strong> Crato pois o título já pertencia a seu irmão mais velho d.<br />

Antônio que faleceu com seis anos de idade. De sorte que em<br />

1801 d. Pedro de Alcântara se tornava o príncipe da Beira.<br />

Não chegou a ser príncipe <strong>do</strong> Brasil pois o herdeiro era seu<br />

pai, já então príncipe regente. 17 Nasceu no Palácio de Queluz<br />

no dia 12 de outubro de 1798 e naquele tempo é possível que<br />

as relações entre seus pais já estivessem em adianta<strong>do</strong> esta<strong>do</strong><br />

de deterioração. Naquele palácio, que muitos rotulavam de<br />

uma imitação barata <strong>do</strong> Palácio de Versailles, passou os<br />

primeiros anos de vida curtin<strong>do</strong> as alamedas ajardinadas e as<br />

pinturas <strong>do</strong> teto da “sala D. Quixote” que talvez até viessem a<br />

influenciar sua venturosa vida futura. Tinha apenas sete anos<br />

quan<strong>do</strong> ocorreu aquela tentativa de golpe que separou de vez<br />

d. João e d. Carlota. Deve ter ti<strong>do</strong> uma infância nada fácil<br />

conviven<strong>do</strong> com uma mãe que gostava muito mais <strong>do</strong> irmão<br />

d. Miguel <strong>do</strong> que dele e com uma avó demente, vestida de luto<br />

eterno e com um terço indefectível enrola<strong>do</strong> nas mãos de<br />

16 Dizem que no nascimento de d. Pedro, d. Carlota teria sofri<strong>do</strong><br />

terríveis contrações durante quatro dias, mas enfrentou o<br />

sofrimento com notável coragem. Talvez por conta disso é que ele<br />

teria dito ““Sei que minha mãe é uma cadela, mas ela me trouxe a esse<br />

mun<strong>do</strong> sem me<strong>do</strong>”.<br />

17 Depois da vinda da família real para o Brasil, com a criação <strong>do</strong><br />

Reino Uni<strong>do</strong>, o título de Príncipe <strong>do</strong> Brasil foi extinto e assim d.<br />

Pedro de Alcântara passou a ser “Príncipe Herdeiro <strong>do</strong> Reino<br />

Uni<strong>do</strong> de Portugal, Brasil e Algarves”.<br />

61


cera. Além disso, d. Carlota não tinha mesmo muito tempo<br />

para os filhos, estan<strong>do</strong> sempre ocupada mergulhada numa<br />

atmosfera diuturna de fantasias musicais de mau gosto nos<br />

jardins de Queluz. Típico de uma Versailles pobretona. Talvez<br />

por isso ele se sentisse muito mais liga<strong>do</strong> ao pai <strong>do</strong> que<br />

àquelas mulheres, apesar dele estar quase sempre mais<br />

distante, em Mafra ou Vila Viçosa.<br />

<strong>Os</strong> historia<strong>do</strong>res, em geral, informam que nosso Pedro<br />

de Alcântara, teve uma educação descurada, especialmente por<br />

ela, na sua essência, ter aconteci<strong>do</strong> fora da Europa, num certo<br />

país tropical, distante e iletra<strong>do</strong>. Apontam como prova disso,<br />

sobretu<strong>do</strong>, a grafia claudicante <strong>do</strong>s seus escritos. Há um certo<br />

exagero nessa conclusão, primeiro porque as regras<br />

gramaticais e ortográficas naquele tempo não eram muito bem<br />

convencionadas e segun<strong>do</strong> porque d. Pedro escrevia com<br />

regular habitualidade, dispensan<strong>do</strong> a ajuda de terceiros na<br />

redação <strong>do</strong>s seus principais discursos. Seus textos, se não<br />

primam propriamente pelo refinamento literário, também não<br />

chegam a comprometer. Uma comparação cronológica <strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong>cumentos que deixou mostra a clara melhoria <strong>do</strong> seu texto<br />

ao longo <strong>do</strong>s anos. Era um missivista compulsivo que tinha o<br />

hábito de escrever cartas em série tratan<strong>do</strong> <strong>do</strong> mesmo assunto.<br />

Sempre que se sentia ofendi<strong>do</strong> publicava um artigo na<br />

imprensa se defenden<strong>do</strong> sob pseudônimo. Gostava de inserir<br />

expressões latinas nos seus textos e dizem que se distraiu na<br />

travessia <strong>do</strong> Atlântico rumo ao Brasil len<strong>do</strong> Virgílio no<br />

original. Isso aos nove anos de idade! 18 Além disso, <strong>do</strong>minava<br />

18<br />

Embora haja um pouco de exagero, essa história não é de to<strong>do</strong><br />

impossível pois junto <strong>do</strong> pequeno príncipe viajou F<strong>rei</strong> Antônio da<br />

Arrábida, franciscano que tinha si<strong>do</strong> bibliotecário da magnífica<br />

livraria <strong>do</strong> palácio de Mafra. Ele bem pode ter aproveita<strong>do</strong> a<br />

travessia para exercitar o futuro pupilo num pouco de latim.<br />

62


azoavelmente as técnicas musicais, tinha um certo talento<br />

para compor e não tinha dificuldades de se comunicar nas<br />

línguas cultas da época. Aliás, o talento musical era uma marca<br />

da Dinastia de Bragança e dizem que d. João IV – o funda<strong>do</strong>r<br />

da dinastia – tocava to<strong>do</strong>s os instrumentos existentes no seu<br />

tempo. De qualquer forma, quan<strong>do</strong> d. Pedro desembarcou no<br />

Brasil, em plena primeira infância, trazia muito pouco das<br />

luzes da cultura europeia e jamais teria como recuperar essa<br />

carência na sua pátria a<strong>do</strong>tiva. Não porque não tivesse bons<br />

mestres à sua disposição e sim porque não havia disciplina na<br />

corte tropical de d. João. Com certeza essa lacuna alimentou<br />

um certo preconceito contra ele e os escritos de viajantes<br />

estrangeiros e os relatórios diplomáticos da época mostram<br />

isso com clareza. Também não teria oportunidade de se<br />

ilustrar melhor quan<strong>do</strong> retornou à Europa. Sua curta vida no<br />

velho mun<strong>do</strong> não lhe ofereceu tempo senão para pegar em<br />

armas tentan<strong>do</strong> recuperar o trono da pequenina filha. Daí,<br />

para os portugueses, ele foi, sobretu<strong>do</strong> o “Rei Cavaleiro” ou o<br />

“Rei Solda<strong>do</strong>”. Mas não se esqueceram que acima de tu<strong>do</strong> ele<br />

tinha da<strong>do</strong> a Portugal uma constituição que, de qualquer<br />

forma, organizou o país num perío<strong>do</strong> particularmente difícil<br />

para a gente lusa. Por isso também o chamaram “O<br />

Liberta<strong>do</strong>r”.<br />

O fim <strong>do</strong> <strong>do</strong>ce <strong>rei</strong>no tropical<br />

Napoleão Bonaparte invadiu Portugal três vezes. A<br />

de desfecho mais rápi<strong>do</strong> foi exatamente aquela que espantou a<br />

família real. Embora tenha si<strong>do</strong> a única que resultou na<br />

ocupação efetiva de Lisboa, durou apenas nove meses e no dia<br />

30 de agosto de 1808, já era assinada a convenção de Sintra<br />

pela qual o general Junot se comprometia a deixar Portugal.<br />

63


Foi um acor<strong>do</strong> arranja<strong>do</strong> à conveniência de ingleses e<br />

franceses, de forma que o general invasor pôde deixar o país<br />

tranquilamente levan<strong>do</strong> o fruto das suas pilhagens, para<br />

indignação geral <strong>do</strong>s portugueses. <strong>Os</strong> solda<strong>do</strong>s franceses<br />

entraram em Lisboa como verdadeiros mendigos, sujos e<br />

esfomea<strong>do</strong>s e sairam cheios de ouro e pratarias, rouba<strong>do</strong>s às<br />

igrejas e palácios. Tomava outro destino, então, muito da<br />

riqueza que o aventu<strong>rei</strong>ro luso tinha acumula<strong>do</strong> em séculos de<br />

agressiva política colonial no ocidente e no oriente, inclusive<br />

no Brasil que agora acolhia a real família tentan<strong>do</strong> formar um<br />

ninho no meio de tantos destroços coloniais. Mas a política de<br />

ocupação <strong>do</strong>s franceses era assim desde os tempos <strong>do</strong><br />

diretório quan<strong>do</strong>, embala<strong>do</strong>s pelos calores da sua grande<br />

revolução, iam saquean<strong>do</strong> os <strong>rei</strong>nos que ameaçavam as<br />

conquistas <strong>do</strong>s novos cidadãos. Napoleão, então, levava essa<br />

política com ar<strong>do</strong>r e refinamento, enchen<strong>do</strong> a França também<br />

com preciosas obras de arte. <strong>Os</strong> italianos que o digam. No<br />

fun<strong>do</strong> a efêmera conquista não tinha si<strong>do</strong> mau negócio, até<br />

porque, os próprios ingleses se encarregaram de levar o fruto<br />

da pilhagem em seus navios entregan<strong>do</strong>-o em <strong>do</strong>micílio. Quer<br />

dizer, o primeiro encontro de ingleses e franceses nas terras<br />

lusas aban<strong>do</strong>nadas pelo <strong>rei</strong> tinha muito mais de<br />

confraternização <strong>do</strong> que de confronto.<br />

Com o acor<strong>do</strong> de Sintra formaliza<strong>do</strong>, talvez d. João até<br />

já pudesse voltar ao seu país mas, como era da sua ín<strong>do</strong>le,<br />

apelou para a marcha lenta mais uma vez e preferiu aguardar<br />

que Napoleão fosse efetivamente desarma<strong>do</strong> e não mais se<br />

constituísse numa ameaça para a Europa. Aliás, justiça seja<br />

feita, quan<strong>do</strong> partiu ele já tinha avisa<strong>do</strong> que só voltaria depois<br />

da paz geral. Portanto, sua preguiça tropical já tinha si<strong>do</strong><br />

previamente anunciada. E ele tinha razão pois as tentativas de<br />

<strong>do</strong>minação pelos franceses, continuariam ao longo <strong>do</strong>s<br />

próximos sete anos. Logo depois <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> de Sintra o<br />

64


príncipe regente concor<strong>do</strong>u que o general inglês William<br />

Beresford cuidasse da reorganização <strong>do</strong> exército português<br />

para fazer frente à ameaça <strong>do</strong> corso, inconforma<strong>do</strong> com o<br />

desfecho desfavorável <strong>do</strong> caso luso. Napoleão queria<br />

redesenhar o mapa monárquico da Europa e mudar os<br />

inquilinos <strong>do</strong>s tronos e Portugal não podia ficar de fora tão<br />

facilmente.<br />

O general Beresford fez bem mais <strong>do</strong> que o príncipe<br />

regente lhe pediu: transformou Portugal numa imensa caserna<br />

e se pôs à frente dela. Talvez não pudesse ter si<strong>do</strong> diferente<br />

naqueles tempos pois a libertação de Portugal não estava<br />

mesmo garantida e várias batalhas continuaram a ser travadas<br />

em vários pontos <strong>do</strong> país.<br />

Em 1810 Napoleão resolveu arriscar de novo uma<br />

invasão mais contundente. Botou à frente <strong>do</strong> exército o<br />

general Masséna, um <strong>do</strong>s seus oficiais mais brilhantes. À<br />

frente <strong>do</strong>s exércitos luso-britânicos postou-se outro general<br />

não menos brilhante: Arthur Wellesley - o futuro duque de<br />

Wellington. O avanço <strong>do</strong> exército francês acabou barra<strong>do</strong> na<br />

linha de Torres Vedras, garanti<strong>do</strong> a cidadela de Lisboa. As<br />

batalhas continuaram ainda por mais quatro anos com vitórias<br />

crescentes <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s, até que Napoleão acabou obriga<strong>do</strong> a<br />

abdicar. Tentou um retorno menos de um ano depois mas foi<br />

definitivamente abati<strong>do</strong> pelo duque de Wellington e<br />

destrona<strong>do</strong> em 22 de junho de 1815.<br />

Havia mais de oito anos que a família real estava no<br />

Brasil e desta vez d. João não tinha mais nenhum motivo para<br />

não voltar. Mas, ao contrário, o príncipe regente confirmou<br />

Beresford como uma espécie de governa<strong>do</strong>r militar de<br />

Portugal e continuou devoran<strong>do</strong> seus frangos e suas frutas<br />

tropicais e brincan<strong>do</strong> com as araras da Quinta de Boa Vista e<br />

<strong>do</strong> Sítio de Santa Cruz, tal qual um senhor rural tipicamente<br />

65


tupiniquim. Enquanto isso Beresford ia aborrecen<strong>do</strong> os<br />

portugueses, gente orgulhosa que não tolerava que, depois da<br />

aniquilação <strong>do</strong> poderio napoleônico, seu país estivesse sen<strong>do</strong><br />

governa<strong>do</strong> por um inglês, militar duro e arrogante de origem<br />

irlandesa. Mas d. João continuou sossega<strong>do</strong> e permaneceu<br />

assim até 1820. Desde 1815 já havia clima de revolta em<br />

Portugal, mas o <strong>rei</strong> preferia ficar longe, dan<strong>do</strong> tempo ao<br />

tempo, confian<strong>do</strong> na sua velha estratégia da acomodação<br />

histórica, procuran<strong>do</strong> não levar em conta que ela de fato existe<br />

mas nem sempre joga a favor de quem espera. Foi aí que<br />

estourou a revolução liberal <strong>do</strong> Porto e ele passou muito<br />

tempo sem ter um minuto de paz pois, quan<strong>do</strong> não estava<br />

enfrentan<strong>do</strong> os desafios das Cortes de Lisboa, estava sen<strong>do</strong><br />

aborreci<strong>do</strong> com as conspirações da mulher e <strong>do</strong> filho caçula.<br />

É que o povo português estava farto <strong>do</strong> autoritarismo da junta<br />

governativa portuguesa e <strong>do</strong> marechal Beresford. Na verdade<br />

por trás <strong>do</strong> movimento da cidade <strong>do</strong> Porto estava o sinal <strong>do</strong>s<br />

tempos, quer dizer, depois <strong>do</strong> iluminismo, da revolução<br />

francesa e das guerras napoleônicas, a Europa jamais poderia<br />

ser a mesma. De sorte que, embora se continuasse toleran<strong>do</strong><br />

os regimes monárquicos 19 , o absolutismo já começava a não<br />

ser mais admiti<strong>do</strong> e a moda passava a ser as monarquias<br />

constitucionais.<br />

O levante bem sucedi<strong>do</strong> na cidade <strong>do</strong> Porto abriu<br />

espaço para a instalação de uma junta provisória que, em<br />

nome <strong>do</strong> <strong>rei</strong> d. João VI, convocou as Cortes para elaboração<br />

de uma constituição liberal. Ato contínuo a revolta irrompe<br />

em Lisboa e o povo, devidamente escora<strong>do</strong> por apoio militar,<br />

19 Naquela altura o regime republicano, na acepção moderna, só<br />

existia nas Américas e os europeus, em geral, ainda o viam como<br />

uma coisa meio exótica.<br />

66


depõe a junta de governo oficial e forma uma outra que<br />

depois se funde com a junta <strong>do</strong> Porto. Nessa altura Beresford<br />

estava no Rio de Janeiro, confabulan<strong>do</strong> com d. João sobre o<br />

clima tenso que já vinha <strong>rei</strong>nan<strong>do</strong> em Portugal há alguns anos.<br />

Sua ausência até facilitou as coisas já que, o aspecto de<br />

guer<strong>rei</strong>ro mutila<strong>do</strong> que Beresford exibia, costumava meter<br />

me<strong>do</strong> em opositores pois, além de alto e corpulento, tinha um<br />

olho vaza<strong>do</strong>, fruto de um balaço que levou numa batalha 20 .<br />

Quan<strong>do</strong> o general retornou a Lisboa foi impedi<strong>do</strong> de<br />

desembarcar e rumou para a Inglaterra, encerran<strong>do</strong> sua<br />

car<strong>rei</strong>ra em terras lusas, para alívio da gente de lá. Estava<br />

vitoriosa a revolução liberal portuguesa. Mas como a história<br />

dá muitas voltas, tal qual aconteceu com a revolução francesa,<br />

os frutos imediatos <strong>do</strong> movimento português foram pífios,<br />

como veremos depois. Mas, de qualquer forma, no dia 26 de<br />

janeiro de 1821 as Cortes de Lisboa expediam um manifesto<br />

exigin<strong>do</strong> a presença de d. João VI em Portugal. Ele postergou<br />

o retorno até 26 de abril e só embarcou depois que a situação<br />

no Brasil estava caminhan<strong>do</strong> para se tornar pior <strong>do</strong> que a que<br />

o aguardava em Lisboa. Dá para imaginar o espírito de d. João<br />

na viagem de retorno, melancólico a lamentar ter que deixar as<br />

delícias bucólicas <strong>do</strong> Palácio da Quinta da Boa Vista e <strong>do</strong><br />

Jardim Botânico. Talvez nem em Mafra pudesse mais morar,<br />

ten<strong>do</strong> que ficar em Lisboa aturan<strong>do</strong> os desaforos <strong>do</strong>s<br />

deputa<strong>do</strong>s lusos, naquela altura cheios de arrogância, ansiosos<br />

por devolver os anos de humilhante submissão aos <strong>rei</strong>s que<br />

tiveram que suportar desde os tempos de d. Afonso<br />

Henriques.<br />

20<br />

Patrick Wilcken informa que a lesão tinha si<strong>do</strong> fruto de um<br />

acidente em uma caçada e não adquirida em batalha.<br />

67


D. Pedro ficava no Brasil como príncipe regente. A<br />

intenção inicial <strong>do</strong> <strong>rei</strong> era mandar o filho negociar com as<br />

Cortes uma constituição mais amena, mas acabou fican<strong>do</strong><br />

com me<strong>do</strong> <strong>do</strong> que d. Pedro pudesse fazer, sen<strong>do</strong> ele próprio<br />

um liberal constitucionalista. Assim, mu<strong>do</strong>u de ideia e resolver<br />

voltar ele mesmo. A última recomendação que d. João deixou<br />

ao filho foi que ficasse atento e que, se necessário, tomasse a<br />

frente da independência <strong>do</strong> Brasil, antes que algum<br />

aventu<strong>rei</strong>ro o fizesse. Eis o <strong>rei</strong> como de fato era: cauteloso e<br />

sagaz.<br />

A demora de d. João VI em retornar a Portugal não<br />

era, de fato, só questão de preguiça e fascínio tropical.<br />

Conduzi<strong>do</strong> por aquela arguta percepção de que era <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>,<br />

buscou aproveitar-se das circunstâncias de poder estar tão<br />

longe <strong>do</strong> caldeirão fervente da política europeia pós furacão<br />

napoleônico É que no Brasil d. João VI teria muito melhores<br />

condições de resistir às pressões britânicas, num mun<strong>do</strong><br />

recém saí<strong>do</strong> de uma guerra geral onde a pequena ilha<br />

confirmara sua posição de senhora <strong>do</strong>s mares e candidata a<br />

<strong>do</strong>na <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Para não se tornar definitivamente um mero<br />

quintal <strong>do</strong> império britânico, o <strong>rei</strong> tentava trazer para Portugal<br />

o apoio da Áustria e da França restaurada. Na América <strong>do</strong> Sul<br />

esmagaria Artigas e conquistaria o Uruguai. Desmancharia a<br />

estrutura colonial <strong>do</strong> Brasil e, tanto quanto possível, faria <strong>do</strong><br />

Rio de Janeiro uma cidade em condições de hospedar um<br />

<strong>rei</strong>no. Remodelaria a cidade, ampliaria o Palácio da Quinta da<br />

Boa Vista e tentaria cercar a corte de arte e fineza.<br />

De alguma forma a Europa tinha fica<strong>do</strong> mais perto.<br />

Portugal, contu<strong>do</strong>, ia ficar cada vez mais distante. Mas o <strong>do</strong>ce<br />

<strong>rei</strong>no tropical ficaria para sempre no coração de d. João VI.<br />

Ele devia a<strong>do</strong>rar o jeitinho brasileiro e em especial aquele<br />

68


sapientíssimo dita<strong>do</strong> nacional: “o balanço da carroça é que acomoda<br />

as melancias”.<br />

A era das revoluções<br />

No campo político o século de d. Pedro foi o século<br />

da prática revolucionária, assim como o século anterior tinha<br />

si<strong>do</strong> o século das ideias revolucionárias 21 . Tu<strong>do</strong> começou<br />

quan<strong>do</strong> os filósofos passaram a questionar certos valores até<br />

então inquestionáveis que vinham nortean<strong>do</strong> os rumos<br />

humanos desde a idade média. Surgiu o Iluminismo. Esse<br />

marco filosófico é o mais notável fruto <strong>do</strong> pensamento<br />

humano da era moderna. Está para a evolução da capacidade<br />

filosófica e política da humanidade assim como o<br />

Renascimento está para a evolução da arte. Varreu a Europa<br />

no século XVIII e trouxe mudanças substanciais, embora em<br />

grau diverso nos quatro la<strong>do</strong>s <strong>do</strong> continente. Também assim<br />

nas colônias subjugadas pelas grandes potências <strong>do</strong> velho<br />

mun<strong>do</strong>. Na França tomou uma conotação mais radical e fez<br />

rolar cabeças coroadas. Nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s gerou a primeira<br />

democracia da era moderna que, no seu bojo, deu lugar a<br />

maior potência mundial <strong>do</strong> século posterior. Em Portugal foi<br />

mais reformista e seu ponto culminante foi a reforma <strong>do</strong><br />

ensino perpetrada por Pombal e que fez nascer a nova<br />

Universidade de Coimbra. Ali as novas ideias impregnaram os<br />

estudantes brasileiros e portugueses de sonhos de liberdade,<br />

cujo projeto político teve na Inconfidência Mineira o seu<br />

ponto culminante no século XVIII no Brasil. Esta não vingou,<br />

21<br />

Embora a Revolução Francesa tenha eclodi<strong>do</strong> no final <strong>do</strong> século XVIII<br />

sua prática acabaria sen<strong>do</strong> um laboratório para o próprio amadurecimento<br />

das ideias revolucionárias subseqüentes.<br />

69


mas aqui como em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, nada seria mais como antes<br />

e os <strong>rei</strong>nos absolutistas principiaram a morrer e ideias como<br />

liberdade, democracia e república não puderam mais ser<br />

caladas nos cadafalsos e nas fogueiras tardias da inquisição. O<br />

homem assumiu a plena potencialidade da sua razão, nasceu a<br />

ciência moderna e começou a maravilhosa aventura <strong>do</strong><br />

conhecimento humano e da busca da felicidade. Esta, uma<br />

dádiva que Deus, enfim, não tinha reserva<strong>do</strong> apenas àqueles<br />

que nasceram com o sangue azul.<br />

Uma das coisas mais fantástica que o iluminismo criou<br />

foi o senti<strong>do</strong> de moral pública, essa coisa singela que nos<br />

ensina que é o di<strong>rei</strong>to <strong>do</strong>s outros que dá senti<strong>do</strong> ao meu<br />

di<strong>rei</strong>to e que a consciência disso é que garante a realização da<br />

dignidade das pessoas. Paralelamente se entendeu que essa<br />

moral estava lastreada em valores comuns a um grupo de<br />

pessoas que faziam com que elas se identificassem pela<br />

comunhão desses valores e, com base nisso, formassem uma<br />

nação. Empurra<strong>do</strong>s por essas novas formas de ver o mun<strong>do</strong><br />

uma gente deserdada, reprimida há século, partiu para encarar<br />

os <strong>rei</strong>s e exigir mais espaço no cenário das decisões que<br />

afetavam de forma crucial a sua vida.<br />

Grosso mo<strong>do</strong>, o moto da mudança política <strong>do</strong>s<br />

tempos modernos começou com a Revolução Francesa, no<br />

final <strong>do</strong> século XVIII. Mas o movimento batiza<strong>do</strong> no sangue<br />

derrama<strong>do</strong> no assalto às masmorras da Bastilha no<br />

inesquecível dia 14 de julho de 1789 produziu estron<strong>do</strong>s que<br />

ecoaram por to<strong>do</strong> o século XIX e fizeram dele a era das<br />

revoluções.<br />

Mas o modelo não foi o mesmo em to<strong>do</strong>s os lugares.<br />

Pelo menos no que diz respeito aos projetos políticos, aos<br />

anseios populares e à ação das novas lideranças que surgiam.<br />

Na revolução francesa faltaram projetos políticos consistentes<br />

e sobrou oportunismo demagógico das novas lideranças. Vai<br />

70


daí que no auge <strong>do</strong> seu perío<strong>do</strong> mais quente a revolução ia e<br />

vinha, ao sabor <strong>do</strong> convencimento <strong>do</strong>s ora<strong>do</strong>res mais hábeis e<br />

<strong>do</strong>s agita<strong>do</strong>res mais inescrupulosos. As leis nem tinham tempo<br />

de amadurecer e já morriam logo após o nascimento.<br />

No século XIX a coisa se inverteu um pouco e as<br />

cartas constitucionais passaram a nortear os rumos <strong>do</strong><br />

ativismo com um pouco mais de senti<strong>do</strong> e duração. Em<br />

ambos os perío<strong>do</strong>s, contu<strong>do</strong>, o povo não sabia muito bem o<br />

que queria e isso dificultava a estabilização de objetivos. Se na<br />

revolução francesa abundavam talentosos oportunistas, no<br />

século seguinte faltaram bons líderes para conduzir o processo<br />

através das inevitáveis águas turbulentas que toda revolução<br />

levanta. E assim continuou o desnorteio. Menos sangrento,<br />

mas de toda forma, repleto de volteios. É claro que no meio<br />

<strong>do</strong> pioneirismo <strong>do</strong> movimento francês, tu<strong>do</strong> era novo e não<br />

poderia mesmo haver projetos políticos claros. O que to<strong>do</strong>s<br />

sentiam é que havia uma força descomunal concentrada na<br />

indignação <strong>do</strong> povo, pronta para explodir. Era preciso<br />

primeiro fazer tal força extravasar, depois se veria o que fazer<br />

com tanta energia. Faz senti<strong>do</strong>. Eram inevitáveis tantos<br />

avanços e retrocessos, tanto descontrole, tantos imbecis<br />

esgrimin<strong>do</strong> o poder. Tanta coisa em tão pouco tempo.<br />

A própria tomada da Bastilha ilustra, em pequeno<br />

plano, a essência <strong>do</strong> modelo revolucionário incipiente daquele<br />

fim de século. E eis o obscuro cidadão Camille Desmoulins<br />

vociferan<strong>do</strong> mentiras pelas ruas de Paris, incitan<strong>do</strong> o povo a<br />

se armar e partir para a ofensiva. Resulta<strong>do</strong> trágico: a turba,<br />

completamente fora de controle, decapita o comandante da<br />

Bastilha, espeta sua cabeça numa lança e sai alucinada pelas<br />

ruas ostentan<strong>do</strong> o troféu macabro. Mas Desmoulins escolheu<br />

o alvo com incrível precisão. Uma masmorra abaixo, a<br />

liberdade corren<strong>do</strong> desvairada pelas ruas de Paris. Estava<br />

deflagra<strong>do</strong> um processo sanguinolento de mudança que<br />

71


levaria quase cem anos para se consolidar, cheio de avanços e<br />

retrocessos entremea<strong>do</strong>s de muita carnificina. A revolução<br />

propriamente dita durou até a promulgação da primeira<br />

constituição formal em 1791 22 . A partir daí o que se viu foi<br />

uma violenta dança das cadeiras com cada um queren<strong>do</strong> furar<br />

o olho <strong>do</strong> outro.<br />

Em 1792 começa a república e vai até 1804. Deixa os<br />

cadáveres de Marat, Danton e Robespierre no caminho;<br />

aquele apunhala<strong>do</strong> à traição e estes guilhotina<strong>do</strong>s em 1794, um<br />

após o outro. A França declara guerra a todas as grandes<br />

potências europeias. Tem início a exportação militar da<br />

revolução.<br />

Em 1799 instala-se o consula<strong>do</strong> militarista com<br />

Bonaparte à frente e as coisas ameaçam tomar novos rumos.<br />

De sorte que a república francesa começa a fenecer e não<br />

duraria, de fato, mais <strong>do</strong> que sete anos. Mas a declaração<br />

universal <strong>do</strong>s di<strong>rei</strong>tos <strong>do</strong> homem já tinha se torna<strong>do</strong> o<br />

breviário <strong>do</strong> liberalismo europeu e uma robusta baliza política<br />

estava estabelecida para nortear a humanidade a partir dali.<br />

A revolução da França contagiou o mun<strong>do</strong> que, aliás,<br />

estava mesmo pronto para ser contagia<strong>do</strong>, pois o lastro<br />

ideológico da mudança já estava consolida<strong>do</strong> e pronto.<br />

Ativistas e ideólogos de to<strong>do</strong> canto correram a Paris para<br />

22<br />

A maioria <strong>do</strong>s autores compartilha a opinião de que a Revolução<br />

Francesa tenha dura<strong>do</strong> até 1799 quan<strong>do</strong> se deu o golpe de 18<br />

brumário de Bonaparte. Eu, porém, prefiro entender que ela<br />

terminou com o arrefecimento da capacidade <strong>do</strong> povo de influir<br />

diretamente nas grandes decisões das assembleias revolucionárias, o<br />

que acabou em 1791. A partir daí o que se viu foi muito mais uma<br />

briga intestina de pessoas e parti<strong>do</strong>s, cada um queren<strong>do</strong> impor suas<br />

teorias sobre democracia, república e poder.<br />

72


assistir aos acontecimentos de perto. A imprensa mundial<br />

ainda engatinhava, mas não deixava de dar destaque à<br />

efervescência francesa. A agitação logo transborda as<br />

fronteiras e atinge os países vizinhos. Há agitações no Sacro<br />

Império, na Bélgica, na Holanda. Paralelamente vem o<br />

expansionismo militar da revolução, mesmo porque era<br />

preciso conter o reacionarismo <strong>do</strong>s <strong>rei</strong>s da Europa que<br />

achavam que aquela balbúrdia já estava in<strong>do</strong> longe demais.<br />

Juntou a fome <strong>do</strong>s deserda<strong>do</strong>s europeus com a vontade de<br />

comer <strong>do</strong>s revolucionários franceses. O país pode formar<br />

exércitos formidáveis já que tem vinte e sete milhões de<br />

habitantes e precisa arranjar ocupação para eles, pois a<br />

república tem que zelar pela dignidade de seus cidadãos. Nada<br />

mais digno <strong>do</strong> que a guerra <strong>do</strong> novo contra o velho regime.<br />

São os tentáculos da revolução abraçan<strong>do</strong> a Europa. A guerra<br />

começada em 1792 se amplia. Surgem grandes generais. Entre<br />

eles, Napoleão Bonaparte com espetaculares vitórias na Itália<br />

e no Egito. O general sanguinário é também um grande<br />

político. Tem um méto<strong>do</strong> esperto de alimentar a guerra: com<br />

o dinheiro <strong>do</strong>s saques de hoje equipa os exércitos das<br />

conquistas de amanhã. Forma um exército republicano cheio<br />

de novas e poderosas motivações pois cada um luta por si<br />

mesmo e não por um <strong>rei</strong> preguiçoso e distante. À frente da<br />

armada francesa iam generais competentes e ambiciosos,<br />

misto de patriotas e mercenários aos quais Napoleão per<strong>do</strong>ava<br />

pequenos saques silenciosos. Muitos deles, como prêmio por<br />

seu desempenho militar, viravam embaixa<strong>do</strong>res que, não raro,<br />

cultivavam o hábito de achacar os <strong>rei</strong>s das pequenas nações<br />

buscan<strong>do</strong> levar vantagens pessoais.<br />

Foi o caso de Leannes embaixa<strong>do</strong>r francês em Lisboa.<br />

Mais de uma vez ele se envolveu com contraban<strong>do</strong> em<br />

Portugal. Até tentou roubar d. João, exigin<strong>do</strong> indenização pelo<br />

suposto furto de uma baixela de prata que teria aconteci<strong>do</strong> em<br />

73


sua residência em Lisboa. Para dramatizar ainda mais o<br />

significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> obscuro furto, Leannes alegou que a tal baixela<br />

tinha si<strong>do</strong> presente <strong>do</strong> próprio Napoleão. E, assim,<br />

misturan<strong>do</strong> competência militar, arrogância diplomática e<br />

simples malandragem, o corso e seus generais vão levan<strong>do</strong> a<br />

Europa de roldão e vão salpican<strong>do</strong> pequenas repúblicas no<br />

continente <strong>do</strong>s <strong>rei</strong>s. A constituição francesa, claro, é o<br />

breviário a ser segui<strong>do</strong>.<br />

Em 1802, no tempo <strong>do</strong> consula<strong>do</strong>, os regimes<br />

republicanos centra<strong>do</strong>s na França já abraçam um terço <strong>do</strong>s<br />

europeus. Têm em comum constituições que valorizam os<br />

di<strong>rei</strong>tos civis, entre os quais a universalização <strong>do</strong> voto e a<br />

liberdade de imprensa e de culto. Mas há fortes resquícios <strong>do</strong><br />

passa<strong>do</strong>, de tal forma que um contato com os projetos de<br />

reforma de alguns soberanos assusta<strong>do</strong>s não é de to<strong>do</strong><br />

impensável. Contu<strong>do</strong>, mesmo nos cantos mais liberais ainda<br />

há um perío<strong>do</strong> de aprendiza<strong>do</strong> a ser cumpri<strong>do</strong>. De sorte que a<br />

censura não é de to<strong>do</strong> esquecida. Assembleias são dissolvidas<br />

para resolver dificuldades de convencimento. O próprio<br />

Napoleão faz isso na Itália. Há retrocessos postos em marcha.<br />

Bonaparte está cansa<strong>do</strong> de ser cônsul de uma república sem<br />

perspectivas e, assim, o século XIX acordaria <strong>do</strong> pesadelo <strong>do</strong><br />

final <strong>do</strong> século anterior com o corso sonhan<strong>do</strong> em se assentar<br />

no trono de Luiz XVI e, o que é pior, conduzi<strong>do</strong> pelo voto <strong>do</strong><br />

povo. O mesmo povo que quinze anos antes havia pega<strong>do</strong> em<br />

armas para derrubar o <strong>rei</strong>, agora votava pela volta da<br />

monarquia. Liberdade e república ficariam para mais tarde<br />

outra vez. O grande general não tinha ti<strong>do</strong> a menor<br />

dificuldade de iludir o povo de novo. Mas quis mais, quis ser<br />

impera<strong>do</strong>r, unin<strong>do</strong> a Europa numa monumental monarquia<br />

bastarda. É o povo em armas mais uma vez, se engajan<strong>do</strong> em<br />

batalhas que não eram mais suas. Mas aí entraria em cena o<br />

que sempre está em cena, quer dizer, a mão forte das grandes<br />

74


potencias militares a intervir nos destinos <strong>do</strong>s povos daqui e<br />

dacolá. Naquela altura os <strong>rei</strong>s ainda estavam fortes e o povo<br />

voltou a se lembrar disso com humildade e respeito.<br />

Com o corso venci<strong>do</strong>, exila<strong>do</strong> e morto, era tempo de<br />

restaurar as casas reais da Europa começan<strong>do</strong>, claro, pela<br />

própria França. <strong>Os</strong> Bourbon voltaram ao trono pela mão de<br />

Luis XVIII, irmão <strong>do</strong> <strong>rei</strong> decapita<strong>do</strong>. Mas então, gato pra lá de<br />

escalda<strong>do</strong>, sabia que tinha que resgatar um pouco da história<br />

tragicamente interrompida e tratou de tirar <strong>do</strong> bolso <strong>do</strong> colete<br />

o que to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> já sabia que estava lá: uma constituição que<br />

limitava seus próprios poderes e estabelecia os di<strong>rei</strong>tos civis<br />

<strong>do</strong> cidadão. Afinal a luta <strong>do</strong> povo não tinha si<strong>do</strong> em vão pois<br />

a História dá voltas mas não restaura o passa<strong>do</strong>. Foi assim que<br />

o <strong>rei</strong> se tornou liberal e continuou tentan<strong>do</strong> ser enquanto<br />

pôde.<br />

Mas, como dito, a história dá voltas. E numa dessas<br />

trouxe Carlos X ao aconchego <strong>do</strong> trono que tinha si<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

irmão. Nova recaída absolutista, novo rugi<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>rei</strong>. Mas logo<br />

o povo se irritou outra vez, já que, vivia na era das revoluções<br />

e a humanidade tinha que seguir em frente, enfrentan<strong>do</strong> os<br />

tropeços e acomodan<strong>do</strong> as novas ideias políticas, pois elas não<br />

tinham surgi<strong>do</strong> à toa. De sorte que em 1830 a turba de Paris<br />

amotinada pega nos velhos trabucos novamente, levanta<br />

barricadas, vence a guarda e afugenta o <strong>rei</strong>. Desta vez<br />

comerciantes e banqueiros, cansa<strong>do</strong>s da velha ordem que<br />

obstava o progresso, marcharam ao la<strong>do</strong> da plebe. E eis Luis<br />

Felipe alça<strong>do</strong> ao trono cheio de liberalismos e apoio popular<br />

para avançar nos novos tempos. Era o fim da dinastia <strong>do</strong>s<br />

Bourbon e início <strong>do</strong> <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> de um Orleans: um <strong>rei</strong><br />

constitucional e cidadão, burguês e financista, numa<br />

complicada mistura.<br />

Finalmente iria a França marchar inexorável rumo à<br />

democracia e a república? Sim e não, pois a História não é<br />

75


assim tão simples. Luis Felipe teve dezoito anos para dizer a<br />

que veio. Em 1848 o prazo se esgota, quero dizer, se esgota<br />

novamente a paciência <strong>do</strong>s franceses e eles proclamam a<br />

república novamente, achan<strong>do</strong> que um <strong>rei</strong> constitucional e<br />

bonzinho já não era suficiente pois o poder emana <strong>do</strong> povo,<br />

não era uma dádiva de Deus. E quem é o primeiro presidente<br />

eleito? Um descendente de Danton, um neto de Marat? Não, é<br />

um sobrinho de Napoleão Bonaparte, justamente o cônsul<br />

republicano que tinha coloca<strong>do</strong> a coroa <strong>do</strong>s Bourbon em sua<br />

própria cabeça. Encantou o povo prometen<strong>do</strong> restaurar a<br />

antiga glória <strong>do</strong> tio. Foi eleito com espantosos 73% <strong>do</strong>s votos.<br />

Ato contínuo, fechou a assembleia e assumiu como dita<strong>do</strong>r. O<br />

povo pegou em armas novamente? Desta vez não, preferiu<br />

votar. Ratificou o golpe de esta<strong>do</strong> com grande entusiasmo.<br />

Luis Napoleão seguiu fielmente os passos políticos <strong>do</strong> tio:<br />

virou cônsul e em 1852 virava impera<strong>do</strong>r. Pasmem, tu<strong>do</strong> isso<br />

escora<strong>do</strong> no voto popular!<br />

Mas em 1870 as coisas voltavam aos seus devi<strong>do</strong>s<br />

lugares, com quase um século de atraso: era proclamada<br />

definitivamente a república francesa. Napoleão III, o sobrinho<br />

<strong>do</strong> I, tinha si<strong>do</strong> ao mesmo tempo o primeiro presidente e o<br />

último <strong>rei</strong> <strong>do</strong>s franceses, nessa ordem absolutamente<br />

esdrúxula.<br />

Retrocessos e avanços, avanços e retrocessos haveria<br />

não só na França mas na Europa em geral. <strong>Os</strong> <strong>rei</strong>s voltaram a<br />

engolir as pequenas repúblicas e limpar as bocas com as<br />

constituições mais atrevidas.<br />

E no Brasil? Como o espírito <strong>do</strong> século das revoluções<br />

afetou nosso país? Começou de forma bastante agitada,<br />

partin<strong>do</strong> logo para uma revolução republicana. Falo da<br />

revolução pernambucana de 1817. Aliás, ela é muito ilustrativa<br />

<strong>do</strong> potencial revolucionário <strong>do</strong>s brasileiros naquela época de<br />

grandes mudanças políticas. Desde a Inconfidência Mineira,<br />

76


abortada vinte e oito anos antes, não se ousava falar em<br />

república. A transmigração da família real em 1808 tinha<br />

reforça<strong>do</strong> ainda mais o espírito monarquista. Mas,<br />

paralelamente, tinha também reforça<strong>do</strong> a convicção de que o<br />

Brasil jamais poderia voltar a ser uma colônia portuguesa. O<br />

país tinha ganha<strong>do</strong> um presente: habilitara-se a se tornar um<br />

<strong>rei</strong>no, assim sem mais nem menos. Presente tardio, todavia,<br />

pois o espírito <strong>do</strong> século anunciava passos adiante. Juntan<strong>do</strong><br />

as coisas, em cada canto <strong>do</strong> Brasil se começou a pensar<br />

modelos a serem a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s para consolidar uma separação<br />

definitiva com o velho <strong>rei</strong>no luso; alguns mais avança<strong>do</strong>s<br />

outros menos, mas to<strong>do</strong>s muito patrióticos.<br />

Em 1810 as colônias espanholas da América se<br />

rebelavam e corriam para os modelos republicanos, imitan<strong>do</strong><br />

o que a América Inglesa já tinha feito há mais de trinta anos.<br />

De sorte que muitos estavam convenci<strong>do</strong>s e tentavam<br />

convencer que o regime republicano era o que convinha aos<br />

povos das Américas, quase uma vocação natural. Assim<br />

também se pensava em Pernambuco em 1817. Além <strong>do</strong><br />

impulso natural provoca<strong>do</strong> pelas ideias liberais, também<br />

pesaram os interesses comerciais de produtores de algodão e<br />

senhores de engenho escravagistas que temiam as pressões<br />

que a Inglaterra vinha fazen<strong>do</strong> sobre Portugal para abolir o<br />

tráfigo vil da mão-de-obra africana, dócil e competente. Assim<br />

o movimento que então se deflagrou teve em juristas, padres e<br />

fazendeiros, os seus quadros ativistas.<br />

A suposta tomada <strong>do</strong> poder é clássica, monótona e<br />

efêmera: um levante militar bem sucedi<strong>do</strong> afugenta os<br />

governantes legais, instala-se um governo provisório,<br />

proclama-se a república, convoca-se uma constituinte,<br />

glorifica-se a nacionalidade. <strong>Os</strong> patriotas pernambucanos<br />

pensam à frente, mas Pernambuco é pequeno demais frente<br />

ao tamanho da nacionalidade que irrompia em to<strong>do</strong>s os<br />

77


quadrantes da pátria brasileira. Assim, era preciso exportar a<br />

revolução e é aí que ela é engolida pela sua própria pequenez.<br />

O Brasil não pensa ainda como os pernambucanos pois estava<br />

enamora<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu jovem <strong>rei</strong>no. É o que basta para que, logo<br />

na primeira incursão militar das forças legalistas, o movimento<br />

seja desfeito.<br />

A sonhada e sonha<strong>do</strong>ra república pernambucana tinha<br />

dura<strong>do</strong> apenas três meses. De qualquer forma, era uma bela<br />

ousadia que tinha produzi<strong>do</strong> muito mais <strong>do</strong> que haviam<br />

consegui<strong>do</strong> os patriotas mineiros de Vila Rica. Mas, como<br />

dito, o Brasil não estava pronto para ser uma república, nem<br />

para perder qualquer das suas partes. Anos depois a,<br />

igualmente efêmera Confederação <strong>do</strong> Equa<strong>do</strong>r, ratificaria isso<br />

com a mesma facilidade. Pobre f<strong>rei</strong> Caneca, finalmente pagaria<br />

com a vida sua patriótica teimosia.<br />

O país permaneceria uma monarquia por muitos anos<br />

mais, figura estranha num ninho de pequenas repúblicas<br />

espalhadas ao logo das fronteiras. Mas, como produto maior<br />

das grandes e das pequenas revoluções, somente os regimes<br />

constitucionais seriam mais tolera<strong>do</strong>s e, salvo infelizes<br />

percalços pontuais, nunca mais o Brasil seria guia<strong>do</strong> pela<br />

vontade <strong>do</strong>s tiranos.<br />

No <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> de d. Pedro I haveria uma competente<br />

coluna liberal para garantir os avanços políticos conquista<strong>do</strong>s,<br />

pugnan<strong>do</strong> no parlamento e na imprensa e frean<strong>do</strong> os excessos<br />

que as vezes zumbiam nos ouvi<strong>do</strong>s inquietos <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r e<br />

que também tinham que ouvir, um tanto contraria<strong>do</strong>, o povo<br />

gritan<strong>do</strong> nas ruas: “viva o impera<strong>do</strong>r, enquanto constitucional!”<br />

Manguinhas de fora<br />

78


Logo os reflexos da revolução liberal portuguesa<br />

ecoaram no Brasil, ou seja, se d. João VI não quis ir atrás dela,<br />

ela veio atrás de d. João. Assim que chegaram as primeiras<br />

notícias da situação lusa a província <strong>do</strong> Pará declarou apoio à<br />

causa constitucionalista portuguesa e formou uma junta<br />

provisória de governo. A Bahia seguiu-lhe o exemplo. O clima<br />

é o mesmo no país inteiro. Sopram os ventos <strong>do</strong><br />

constitucionalismo peninsular inicia<strong>do</strong> em Cádiz e<br />

consolida<strong>do</strong> no Porto. D. João oscila entre ouvir os conselhos<br />

liberais <strong>do</strong> conde de Palmela e os conselhos conserva<strong>do</strong>res de<br />

Tomaz Antônio Vila Nova Portugal. Breve o fluxo<br />

constitucionalista chega também ao Rio de Janeiro, baten<strong>do</strong> às<br />

portas <strong>do</strong> <strong>rei</strong> que ainda guardava esperanças de ficar longe<br />

dele e, por isso mesmo, retardava sua volta a Lisboa. Naquele<br />

momento Sua Majestade só tinha ouvi<strong>do</strong>s para seu ministro<br />

conserva<strong>do</strong>r e a política era distribuir balinhas para enganar a<br />

velha fome constitucional que grassava voraz no meio <strong>do</strong><br />

povo. Se necessário seriam feitas mais concessões, mas só se<br />

estritamente necessário. Jogo perigoso, pois é difícil <strong>do</strong>sar<br />

remédios nesses casos.<br />

No dia 23 de feve<strong>rei</strong>ro de 1821 d. João havia manda<strong>do</strong><br />

publicar <strong>do</strong>is decretos convocan<strong>do</strong> os procura<strong>do</strong>res das vilas<br />

para tratar da questão constitucional à luz <strong>do</strong>s trabalhos das<br />

Cortes de Lisboa. Também criava uma comissão de onze<br />

membros para produzir um <strong>do</strong>cumento que servisse de base<br />

para as discussões <strong>do</strong>s procura<strong>do</strong>res. Essa meia medida urdida<br />

por Tomaz Antônio causou grande insatisfação na tropa e na<br />

população, dada sua notória inspiração absolutista e<br />

indisfarçável carga de embromação. A tal comissão se reuniu<br />

pela primeira e ultima vez no dia 25 de maio, meio que<br />

timidamente, nas dependências da residência <strong>do</strong> conde de<br />

Palmela, quer dizer, justamente na casa de quem era<br />

inteiramente contra aquelas meias medidas. Não deve ter<br />

79


servi<strong>do</strong> nem cafezinho, minan<strong>do</strong> o entusiasmo <strong>do</strong>s debates.<br />

Na mesma data uma comissão de liberais se reunia na casa <strong>do</strong><br />

padre Marcelino Macamboa, aliás amigo de d. Pedro e um <strong>do</strong>s<br />

seus prováveis mentores da causa liberal. No dia seguinte<br />

rebentava um motim debaixo das suíças de sua majestade e é<br />

aí que se dá o nascimento político de sua alteza real o príncipe<br />

herdeiro de Portugal, Brasil e Algarves. Muitos historia<strong>do</strong>res,<br />

entre eles o português João Ameal 23 , acreditam que o próprio<br />

d. Pedro tenha si<strong>do</strong> o instiga<strong>do</strong>r das agitações. É muito<br />

possível, mesmo porque, diferentemente <strong>do</strong> pai, ele não deve<br />

ter fica<strong>do</strong> nem um pouquinho desconfortável com aquelas<br />

marolas que começaram a se formar depois da chegada das<br />

notícias das agitações de Portugal. Muito antes pelo contrário,<br />

singrou as águas <strong>do</strong>s acontecimentos com a maior<br />

desenvoltura e não deixou passar a oportunidade de<br />

estabelecer aí sua grande est<strong>rei</strong>a nos negócios de esta<strong>do</strong>, pela<br />

veia liberal que iria pautar a sua curta mas marcante trajetória.<br />

De fato d. Pedro teria motivos de sobra para acreditar que o<br />

pai, somente sob pressão, assumiria um compromisso mais<br />

sério com uma constituição. Vai daí...<br />

Desde a madrugada daquele marcante 26 de feve<strong>rei</strong>ro<br />

que o brigadeiro Carreti vinha concentran<strong>do</strong> tropas na praça<br />

<strong>do</strong> Rossio, ten<strong>do</strong> ao la<strong>do</strong> os competentes padre Francisco<br />

Romão de Góis e padre Macamboa que, logo após aquela<br />

reunião em sua casa, já saiu instigan<strong>do</strong> os militares sobre<br />

possíveis manobras de d. João para arrefecer o impacto das<br />

notícias que vinham de Portugal. Assim que soube <strong>do</strong><br />

ajuntamento na praça o príncipe não perdeu tempo. Nem<br />

23 História de Portugal. (Vide bibliografia)<br />

80


precisou, pois parece que já tinha tu<strong>do</strong> prepara<strong>do</strong> e pode ser<br />

até que seu cavalo já estivesse sela<strong>do</strong> à sua espera,<br />

resfolegan<strong>do</strong> e baten<strong>do</strong> os cascos na laje. Não gastou mais <strong>do</strong><br />

que alguns quartos de hora para estar bem no meio <strong>do</strong><br />

tumulto levan<strong>do</strong> um decreto <strong>do</strong> pai. O <strong>do</strong>cumento já estava<br />

pronto de véspera pois, independentemente das artimanhas,<br />

tu<strong>do</strong> já era mais ou menos espera<strong>do</strong> para o caso da<br />

convocação anterior não dar certo. Nele o <strong>rei</strong> abria o leque <strong>do</strong><br />

debate constitucional e ratificava a necessidade de ser<br />

constituída uma comissão para examinar as propostas que<br />

estavam sen<strong>do</strong> elaboradas em Lisboa, visan<strong>do</strong> adaptá-las às<br />

necessidades <strong>do</strong> Brasil. Era um singelo atenuante <strong>do</strong>s decretos<br />

divulga<strong>do</strong>s no dia 23, produzi<strong>do</strong> ao estilo <strong>do</strong>s remédios <strong>do</strong> <strong>rei</strong>,<br />

ou seja, uma gota de cada vez. Mas o povo, que conhecia bem<br />

a fama de enrola<strong>do</strong>r <strong>do</strong> <strong>rei</strong>, no meio da leitura <strong>do</strong> decreto,<br />

interrompeu o príncipe herdeiro e exigiu mais. Exigiu que d.<br />

João VI jurasse a constituição portuguesa sem qualquer<br />

condicionante e que, além disto, destituísse o ministério. E<br />

mais ainda, apresentou a d. Pedro a lista pronta <strong>do</strong>s novos<br />

ministros que deviam ser nomea<strong>do</strong>s. Anos mais tarde, uma<br />

exigência semelhante a essa é que faria com que ele abdicasse<br />

<strong>do</strong> trono <strong>do</strong> Brasil mas, naquele instante, ele ficou calmo,<br />

ouviu atentamente o pleito <strong>do</strong> povo e da tropa, anotou tu<strong>do</strong><br />

di<strong>rei</strong>tinho e correu para São Cristóvão deixan<strong>do</strong> a assembleia<br />

suspensa. Contou ao pai o que tinha visto e o que era pedi<strong>do</strong> e<br />

recomen<strong>do</strong>u um retorno imediato. Claro que Sua Majestade<br />

preferia deixar a resposta para depois, mas foi alerta<strong>do</strong> que se<br />

ela não fosse dada imediatamente, certamente a multidão viria<br />

buscá-la. D. João, muito assusta<strong>do</strong>, induzi<strong>do</strong> pelo filho e<br />

escora<strong>do</strong> agora nos bons conselhos de Palmela, concor<strong>do</strong>u em<br />

atender as <strong>rei</strong>vindicações: juraria as bases da constituição<br />

portuguesa ainda em gestação e trocaria o ministério. Deve ter<br />

81


si<strong>do</strong> a decisão mais rápida que o cauteloso <strong>rei</strong> tomou em toda<br />

a sua vida, não obstante a delicadeza da situação.<br />

Assim que d. Pedro obteve a aprovação <strong>do</strong> pai,<br />

montou em seu cavalo, voltou para o meio <strong>do</strong> povo, bra<strong>do</strong>u a<br />

boa nova e foi delirantemente ovaciona<strong>do</strong>. Era a primeira vez<br />

que o príncipe e seus súditos se olhavam de tão perto e a<br />

simpatia mútua foi imediata. Mas, o povo, sentin<strong>do</strong> que o<br />

momento era muito oportuno e que o príncipe mostrava<br />

muita disposição, achou por bem exigir um pouco mais. Quis<br />

que d. João VI, em pessoa viesse confirmar sua disposição de<br />

atender aqueles anseios populares que nem eram tão absur<strong>do</strong>s<br />

assim. D. Pedro não se fez de roga<strong>do</strong>, montou novamente e<br />

foi buscar o pai. Este ficou tão ator<strong>do</strong>a<strong>do</strong> que nem teve<br />

tempo de pensar em nada. Entrou no coche real meio zonzo<br />

e, com d. Pedro marchan<strong>do</strong> à frente, se dirigiu para a praça <strong>do</strong><br />

Rossio, onde a multidão o aguardava, vibrante de entusiasmo.<br />

A medida que o cortejo seguia o entusiasmo ia aumentan<strong>do</strong>.<br />

No largo de São Francisco o povo deteve a carruagem e<br />

desatrelou os cavalos. Sua Majestade entrou em pânico<br />

imaginan<strong>do</strong> que seria leva<strong>do</strong> direto para o cadafalso. Mas,<br />

nada disso, é só um susto. A multidão começa a dar vivas ao<br />

apavora<strong>do</strong> <strong>rei</strong>, conduzin<strong>do</strong> a carruagem sobre os próprios<br />

costa<strong>do</strong>s. D. João VI fica literalmente mu<strong>do</strong>. É coloca<strong>do</strong> num<br />

balcão para falar ao povo. Não consegue, a voz se esconde. D.<br />

Pedro interfere salva<strong>do</strong>r, desvia a atenção, toma-a sobre si e se<br />

dirige para o recinto da assembléia dan<strong>do</strong> ao pai a chance de<br />

escapar daquela situação desvairada. O <strong>rei</strong> pôde voltar para<br />

casa são e salvo, apenas lamentan<strong>do</strong> o fato de que, no meio da<br />

confusão, alguém lhe tinha furta<strong>do</strong> a bengala.<br />

No tumulto da assembléia d. Pedro toma a palavra e,<br />

em nome <strong>do</strong> <strong>rei</strong>, jura a constituição que se ia formar em<br />

Lisboa. Também anuncia que o ministério seria troca<strong>do</strong><br />

conforme estava sen<strong>do</strong> pedi<strong>do</strong>. A massa delirante aceita a<br />

82


autoridade <strong>do</strong> príncipe real e se dá por satisfeita irrompen<strong>do</strong><br />

em vivas. Em seguida é anuncia<strong>do</strong> o novo ministério e cada<br />

um <strong>do</strong>s novos ministros presentes também jurou a<br />

constituição inexistente e que nunca seria a<strong>do</strong>tada no Brasil.<br />

Por para<strong>do</strong>xal que possa parecer, naquele instante o Brasil<br />

começava a se separar de Portugal.<br />

Mas a iniciação <strong>do</strong> príncipe não estava completa. A<br />

força inercial <strong>do</strong> momento político continuava atuan<strong>do</strong>. O<br />

povo se sentia forte e os militares se sentiam livres. A ressaca<br />

arrebentou no dia 21 de abril de 1821, ou seja, cerca de <strong>do</strong>is<br />

meses depois. É que, naquele dia, o ouvi<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Rio de Janeiro<br />

tinha convoca<strong>do</strong> os eleitores paroquiais fluminenses para o<br />

processo de eleição <strong>do</strong>s seus representantes brasileiros às<br />

Cortes de Lisboa. O propósito era meramente burocrático,<br />

mas o clima se agitou e descambou para a bagunça. É que d.<br />

João tinha ti<strong>do</strong> a má ideia de aproveitar a reunião para<br />

apresentar a lista de ministros nomeada para assistir d. Pedro<br />

na regência <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no <strong>do</strong> Brasil. A leitura <strong>do</strong>s nomes foi<br />

acompanhada de apupos e gritos de que aqueles ministros não<br />

tinham a aprovação <strong>do</strong> povo. A partir daí, instigada por alguns<br />

hábeis ora<strong>do</strong>res, entre eles de novo o agita<strong>do</strong> padre<br />

Macamboa, a reunião virou assembléia revolucionária e a<br />

turba reunida resolveu, sem mais nem menos, impor uma série<br />

de exigências ao <strong>rei</strong>, tentan<strong>do</strong> perpetrar um verdadeiro golpe<br />

de esta<strong>do</strong>, costura<strong>do</strong> de improviso e em um clima de feira.<br />

Decidiram que o Brasil deveria a<strong>do</strong>tar a constituição<br />

espanhola e que o <strong>rei</strong> estava proibi<strong>do</strong> de ir para Portugal.<br />

Decidiram ainda formar um novo ministério e uma junta de<br />

governo. No auge <strong>do</strong> delírio chegaram a expedir ordens<br />

militares contra a família real. Desta vez d. Pedro não se fazia<br />

presente e a assembleia decide ir atrás <strong>do</strong> <strong>rei</strong> na maior semcerimônia.<br />

Uma deputação é enviada ao Paço. D. João VI é<br />

83


pego de surpresa. Sem apoio e sem ter como reagir submetese<br />

facilmente. Assina um decreto juran<strong>do</strong> a dita constituição<br />

espanhola, perjuran<strong>do</strong> a constituição portuguesa que, aliás,<br />

nem existia. A comissão volta triunfante à assembleia,<br />

re<strong>do</strong>bran<strong>do</strong> o entusiasmo <strong>do</strong>s mais exalta<strong>do</strong>s. O clima vai<br />

esquentan<strong>do</strong> e o tom <strong>do</strong>s discursos vai se tornan<strong>do</strong><br />

demasiadamente atrevi<strong>do</strong> para o momento e a conjuntura,<br />

quan<strong>do</strong> os excessos se tornam perigosos.<br />

Assim que fica saben<strong>do</strong> daquele achaque ao pai e <strong>do</strong><br />

descontrole que o processo <strong>do</strong>s debates vai toman<strong>do</strong>, d.<br />

Pedro tem uma reação enérgica, completamente diversa da<br />

que tivera no episódio anterior pois, desta vez, não esperava<br />

nada daquilo. Determina à tropa que dissolva a assembleia<br />

tresloucada o que é feito com violência, produzin<strong>do</strong> um sal<strong>do</strong><br />

de mortos e feri<strong>do</strong>s.<br />

No rastro da indignação pela dissolução violenta da<br />

assembleia, o edifício da praça <strong>do</strong> comércio, onde tinha<br />

havi<strong>do</strong> a infeliz repressão, passou a ser conheci<strong>do</strong> como “O<br />

Açougue <strong>do</strong>s Bragança”. No dia seguinte o <strong>rei</strong> baixava novo<br />

decreto anulan<strong>do</strong> o anterior. Aproveitou e marcou sua volta<br />

imediata para Portugal onde iria suportar situação muito pior e<br />

continuaria driblan<strong>do</strong> as pressões que o seu emprego lhe<br />

impunha. D. Pedro ficaria no Brasil por enquanto,<br />

administran<strong>do</strong> a imagem dúbia que a sua personalidade passou<br />

à história: um coração autoritário numa mente liberal.<br />

Alternaria momentos de gloriosa popularidade com surtos de<br />

radical intolerância, tanto aquém como além mar. <strong>Os</strong><br />

brasileiros não confiaram nele porque o achavam demasia<strong>do</strong><br />

português e os portugueses não confiaram nele por achá-lo<br />

demasia<strong>do</strong> brasileiro. Interessante observar que as primeiras<br />

medidas de governo que o novo príncipe regente <strong>do</strong> Brasil<br />

tomou foram de grande impacto popular. Mal seu pai tinha<br />

deixa<strong>do</strong> de avistar as costas brasileiras e ele já abolia o<br />

84


acachapante imposto <strong>do</strong> sal que tanto perturbava a pecuária<br />

brasileira. Reduziu alíquotas, estimulou o comércio de<br />

alimentos. Sobretu<strong>do</strong> avançou sobre os preceitos<br />

constitucionais liberais abolin<strong>do</strong> as prisões sem formação de<br />

culpa e o uso de instrumentos humilhantes para a dignidade<br />

<strong>do</strong>s presos como correntes, grilhões e instrumentos de<br />

tortura. Eis o constitucionalista liberal em seus primeiros<br />

passos.<br />

Facciosas, horrorosas e pestíferas<br />

No dia 19 de março de 1812, Vicente Pascoal,<br />

presidente <strong>do</strong> congresso revolucionário reuni<strong>do</strong> em Cádiz,<br />

apresentava ao plenário os trezentos e oitenta e quatro artigos<br />

da nova constituição espanhola. No seu artigo 171 a carta<br />

garantia ao <strong>rei</strong> sancionar e promulgar as leis que, no entanto,<br />

de acor<strong>do</strong> com o artigo 131, seriam propostas, decretadas,<br />

interpretadas e derrogadas pelas Cortes. O Artigo 154 dizia<br />

que publicada a lei pelas Cortes, dar-se-ia aviso ao <strong>rei</strong> para que<br />

ele cuidasse da sua promulgação solene. Ou seja, em matéria<br />

legislativa o monarca espanhol tinha vira<strong>do</strong> um mero<br />

chancela<strong>do</strong>r emproa<strong>do</strong> <strong>do</strong>uran<strong>do</strong> os acertos parlamentares.<br />

Desde então os liberais portugueses se puseram a<br />

trabalhar com afinco para aplicar esse mesmo princípio ao<br />

regime monárquico português. Em 1817 o tenente-general<br />

Gomes F<strong>rei</strong>re de Andrade foi acusa<strong>do</strong> de chefiar uma<br />

conspiração liberal em Portugal. Por conta disso foi preso e<br />

executa<strong>do</strong> com mais <strong>do</strong>ze companheiros, sem di<strong>rei</strong>to a um<br />

julgamento decente É que o marechal Beresford, imiscuí<strong>do</strong> na<br />

junta de governo portuguesa nomeada por d. João, excedia<br />

suas atribuições e estava louco para intimidar os<br />

revolucionários da nação lusa, em cujos negócios, ele se metia<br />

85


com desenvoltura legitima<strong>do</strong> de forma imoral pelo fato de ser<br />

representante <strong>do</strong> governo de Sua Majestade Britânica. Ainda<br />

mais em se tratan<strong>do</strong> de alguém como F<strong>rei</strong>re de Andrade que<br />

tinha ti<strong>do</strong> a infeliz ideia de lutar ao la<strong>do</strong> de Napoleão o que,<br />

certamente não seria facilmente esqueci<strong>do</strong> pelo general inglês.<br />

Assim, Beresford achou por bem acusar F<strong>rei</strong>re de Andrade de<br />

ter conspira<strong>do</strong> contra a sua preciosa vida. O resulta<strong>do</strong>, porém,<br />

ao contrário <strong>do</strong> que o truculento sargentão inglês esperava,<br />

revoltou ainda mais os liberais portugueses aninha<strong>do</strong>s na<br />

magistratura e nas forças armadas, pois as sementeiras <strong>do</strong><br />

liberalismo já estavam prontas em Portugal. Em 24 de agosto<br />

de 1820 vinha o refluxo na cidade <strong>do</strong> Porto, berço e acalanto<br />

<strong>do</strong> liberalismo em Portugal. Primeiro foram discursos<br />

inflama<strong>do</strong>s dizen<strong>do</strong> o que o povo ansiava ouvir, depois<br />

proclamações <strong>do</strong>s comandantes militares garantin<strong>do</strong> as<br />

ousadias <strong>do</strong>s ora<strong>do</strong>res e os aplausos <strong>do</strong> povo e, finalmente, a<br />

destituição <strong>do</strong> governo e eleição de uma junta provisória.<br />

Estava lançada a famosa revolução liberal <strong>do</strong> Porto. Era um<br />

modelo que seria amplamente a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> no Brasil no ano<br />

seguinte para formação de juntas provisórias de governo,<br />

permitin<strong>do</strong> o eclodir de um crucial perío<strong>do</strong> de transição com<br />

pouco derramamento de sangue, pois já era tempo de<br />

mudança e não havia porque teimar e brigar. Logo depois o<br />

movimento <strong>do</strong> Porto se estenderia até Lisboa com a<br />

convocação das Cortes Gerais.<br />

Como d. João VI e d. Carlota receberam a notícia da<br />

revolução em Portugal? Não é difícil imaginar. Ela deve ter<br />

vocifera<strong>do</strong> alguns dias, recorren<strong>do</strong> a sonoros palavrões em<br />

Espanhol. Deve ter jura<strong>do</strong> acabar com aquela indecência<br />

liberal, promessa que, aliás, cumpriria de certa forma através<br />

de seu filho d. Miguel. D. João, fiel aos seus impulsos, deve ter<br />

corri<strong>do</strong> à Capela Real e solfeja<strong>do</strong> alguns cânticos pedin<strong>do</strong><br />

86


inspiração, pré-avisan<strong>do</strong>, porém, aos santos de que não tinha<br />

pressa. Era uma péssima notícia chegada logo agora que ele<br />

tinha fica<strong>do</strong> mais livre da pressão inglesa e que Napoleão<br />

continuava quieto, encerra<strong>do</strong> com a máxima segurança na Ilha<br />

de Santa Helena. O embaixa<strong>do</strong>r inglês tinha avisa<strong>do</strong> que os<br />

britânicos não interfeririam em nenhuma hipótese na<br />

Península Ibérica. Também o paciente monarca não acreditava<br />

que podia recorrer à Santa Aliança pois a própria Inglaterra<br />

não via com bons olhos aquela associação ultraconserva<strong>do</strong>ra e<br />

nunca convinha a Portugal contrariar os britânicos. De sorte<br />

que d. João se viu desta vez inteiramente sozinho para<br />

resolver outra ameaça à sua coroa. Desta vez o perigo tinha<br />

brota<strong>do</strong> no próprio ventre <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no e o único caminho era<br />

recorrer à sua própria autoridade. Apelan<strong>do</strong> para aquela<br />

cautela que lhe era compulsivamente peculiar, a primeira coisa<br />

que d. João VI fez foi rodar uma pesquisa entre seus<br />

conselheiros. Estes recomendaram que d. Pedro fosse<br />

manda<strong>do</strong> a Portugal para, com sua delegada autoridade,<br />

arrefecer os ânimos menos realistas. Isso gerou um decreto<br />

ardiloso <strong>do</strong> <strong>rei</strong> determina<strong>do</strong> a volta de seu filho. Mero<br />

subterfúgio pois, no fun<strong>do</strong>, Sua Majestade não queria o<br />

príncipe herdeiro solto em Portugal, louco para promover sua<br />

est<strong>rei</strong>a política. Nós bem sabemos que o tal decreto nunca se<br />

cumpriu e que o <strong>rei</strong> se submeteu às Cortes e o fez até que um<br />

levante militar as dissolvessem, em maio de 1823 e lhe<br />

restituísse o poder absoluto. Mas parece que d. João queria<br />

subjugar as Cortes, mesmo antes de voltar a Portugal.<br />

Segun<strong>do</strong> Melo Morais em março de 1821 ele teria manda<strong>do</strong><br />

João Severiano Maciel da Costa 24 para Roma de onde,<br />

24<br />

Era ele um <strong>do</strong>s suspeitos de ter escrito um folheto apócrifo que<br />

circulou no Rio e na Europa pedin<strong>do</strong> a permanência de d. João VI<br />

87


disfarça<strong>do</strong> de diplomata, deveria sondar as possibilidades de<br />

um movimento contra as Cortes. Mas o envia<strong>do</strong> nem chegou<br />

a assumir o encargo e o próprio <strong>rei</strong> abortou a simplória missão<br />

assim que desembarcou em Lisboa.<br />

No dia 24 de janeiro de 1821 as Cortes se investiam de<br />

papel constituinte e se instalavam no Convento das<br />

Necessidades em Lisboa com o nome de Cortes<br />

Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa. Seis dias<br />

depois tomavam a deliberação de destituir o governo<br />

nomea<strong>do</strong> por d. João VI e instituíam uma regência constituída<br />

de cinco membros. Estava inaugurada a fase <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio<br />

absoluto das Cortes de Lisboa que tanto humilharia d. João e<br />

tumultuaria a vida de d. Pedro.<br />

Mas quan<strong>do</strong> o <strong>rei</strong> chegou a Lisboa de volta <strong>do</strong> Brasil<br />

foi recebi<strong>do</strong> por uma simpática deputação comandada pelo<br />

Arcebispo da Bahia, presidente e representante brasileiro nas<br />

Cortes, embora estivesse residin<strong>do</strong> em Lisboa e fosse de<br />

inteira confiança da bancada portuguesa. Muitos integrantes<br />

da comitiva <strong>do</strong> <strong>rei</strong> foram simplesmente impedi<strong>do</strong>s de<br />

desembarcar, entre eles o conde de Palmela, ti<strong>do</strong> como<br />

simpático à causa brasileira. Mas o arcebispo, mui<br />

respeitosamente, foi logo falan<strong>do</strong> em amor e veneração o que<br />

deixou o <strong>rei</strong> meio desconfia<strong>do</strong>. Mais desconfia<strong>do</strong> ainda ficaria<br />

quan<strong>do</strong> o ora<strong>do</strong>r o chamou de dócil e pacífico e pediu sua<br />

cooperação “na majestosa obra da regeneração política”. Ao final d.<br />

João agradeceu e, como não podia deixar de ser, jurou<br />

cooperação. Em seguida man<strong>do</strong>u uma mensagem à<br />

assembléia, mensagem essa escrita com o maior cuida<strong>do</strong> para<br />

não ofender as susceptibilidades liberais. Mas não adiantou o<br />

no Brasil.<br />

88


zelo e foi aí que já começaram os incidentes mais<br />

constrange<strong>do</strong>res. Alguns deputa<strong>do</strong>s identificaram que, em<br />

algumas passagens da mensagem, o <strong>rei</strong> mostrava não ter<br />

entendi<strong>do</strong> bem o seu novo papel como monarca de Portugal,<br />

especialmente no que dizia respeito a divisão de poderes.<br />

Assim, enviaram uma carta a ele, mais desaforada <strong>do</strong> que<br />

pedagógica, ensinan<strong>do</strong> que:“se atribui somente às cortes a<br />

representação nacional e o poder legislativo, com a exclusão da iniciativa<br />

direta <strong>do</strong> <strong>rei</strong>, e só com a dependência subseqüente da sua sanção e de um<br />

veto que não será absoluto.”<br />

Coita<strong>do</strong> de d. João VI, apesar da boa vontade não<br />

seria fácil para ele aprender a ser um <strong>rei</strong> constitucional.<br />

O poder absoluto das Cortes duraria até 31 de maio de<br />

1823 quan<strong>do</strong> teria um fim melancólico, deixan<strong>do</strong> destroços<br />

irresgatáveis e sen<strong>do</strong> substituída pelo velho absolutismo que<br />

ela tentou extirpar. D. João com sua <strong>do</strong>ce paciência, glutão e<br />

sossega<strong>do</strong>, vencia mais uma vez. Mas, até então, os<br />

parlamentares portugueses aborreceram muito o <strong>rei</strong> e o<br />

regente que ele tinha deixa<strong>do</strong> no Brasil.<br />

Em 19 de junho de 1822, d. Pedro escrevia uma carta<br />

a seu pai informan<strong>do</strong> que tinha convoca<strong>do</strong> uma assembleia<br />

brasileira para discutir a questão constitucional, ou seja, já<br />

tinha dada uma banana para a “Soberana Assembleia”. Pedia<br />

ao <strong>rei</strong> que desse conhecimento <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> da carta às Cortes<br />

as quais chamava de “facciosas, horrorosa e pestíferas, constituídas de<br />

infames déspotas”. Era mais um grande passo em direção à<br />

ruptura.<br />

A assembleia lusa atuou durante cerca de <strong>do</strong>is anos e<br />

oito meses e, ao final, produziu resulta<strong>do</strong>s desastrosos.<br />

Antecipou a independência da sua mais importante colônia e<br />

foi miseravelmente dissolvida por um golpe que restaurou o<br />

89


absolutismo. No rastro da sua atuação sobrou entusiasmo<br />

casuístico e faltou realismo histórico. Deputa<strong>do</strong>s havia da<br />

facção<br />

portuguesa que pregavam que se o Brasil quisesse se separar<br />

que o fizesse pois, se ficassem juntos, Portugal havia de estar<br />

no coman<strong>do</strong>. Era a política <strong>do</strong> “juntos mas não iguais”.<br />

Tratava-se de uma notável inabilidade de alguns parlamentares<br />

lusos, inabilidade essa cimentada na velha empáfia portuguesa<br />

no trato com os brasileiros, trazida anacronicamente para<br />

dentro <strong>do</strong> recinto de debates <strong>do</strong> Convento das Necessidades,<br />

onde se davam as reuniões das Cortes.<br />

Muitos deputa<strong>do</strong>s portugueses pregavam o uso puro e<br />

simples da força militar para submeter as ousadias de alémmar.<br />

Esqueciam-se eles de que o <strong>rei</strong>no português se<br />

encontrava numa situação miserável, incapaz de ofender a<br />

mais frágil das nações. A radicalização da bancada portuguesa<br />

se mostrava ainda mais estúpida se lembramos que, mesmo<br />

entre os brasileiros, pre<strong>do</strong>minava uma política <strong>do</strong> “juntos mas<br />

iguais” que, afinal, com um mínimo de bom senso e<br />

sensibilidade política não era tão difícil de acomodar, mesmo<br />

porque, era a única alternativa capaz de adiar a ruptura um<br />

pouco mais.<br />

Assim que os deputa<strong>do</strong>s brasileiros se assentaram em<br />

maior numero na assembleia lisboeta, os representantes de<br />

Portugal já começaram a mostrar sua tênue tolerância para<br />

com seus colegas <strong>do</strong> ultramar. Não faltaram ameaças e<br />

vociferações espetaculosas que não obstante insensatas, e<br />

talvez até por isso mesmo, arrancavam delírios das galerias <strong>do</strong><br />

plenário da assembleia. Um <strong>do</strong>s deputa<strong>do</strong>s – usan<strong>do</strong> uma<br />

imagem no mínimo simplória - ameaçou soltar um cão<br />

português para obrigar os facciosos brasileiros a se<br />

submeterem às Cortes. Ao que um deputa<strong>do</strong> brasileiro<br />

90


etrucou dizen<strong>do</strong> que contra os cães portugueses havia as<br />

onças brasileiras. Outros falavam em mandar um general de<br />

confiança, com carta branca para subjugar o <strong>rei</strong>no rebelde.<br />

Em 05 de julho de 1822, ou seja, na época acalorada<br />

<strong>do</strong>s debates - Felisberto Caldeira Brant - então representante<br />

da corte brasileira em Londres, escrevia a José Bonifácio uma<br />

carta cautelosa. Informava que os jornais franceses haviam<br />

publica<strong>do</strong> que estaria em curso a formação de uma aliança<br />

militar entre Espanha e Portugal que planejava a formação de<br />

um exército de 20.000 homens a ser envia<strong>do</strong> contra o Brasil e<br />

as ex-colônias hispânicas. O diplomata mineiro recomen<strong>do</strong>u<br />

atenção ao boato, muito embora observa-se: “não sei qual das<br />

duas nações (Portugal e Espanha) está mais pobre e mais fraca”. Como<br />

militar, alias, Caldeira Brant – futuro marques de Barbacena –<br />

achava que o Brasil deveria fortalecer o seu exército, não só<br />

para enfrentar as ameaças das Cortes, externas e internas,<br />

como também para fazer frente às questões de fronteira <strong>do</strong><br />

império para, se não expandir pelo menos não encolher. Foi<br />

dele a ideia de contratação <strong>do</strong> almirante Cochrane,<br />

inicialmente para bloquear o Porto da Bahia e sufocar a<br />

rebelião <strong>do</strong> general português Madeira de Melo, logo após a<br />

independência.<br />

De qualquer forma, com ou sem arrogância e<br />

irrealismo <strong>do</strong>s deputa<strong>do</strong>s portugueses instala<strong>do</strong>s nas Cortes, a<br />

questão militar corria a par com a questão política. De fato,<br />

uma das questões mais críticas <strong>do</strong> processo da independência<br />

foi a questão da nomeação <strong>do</strong>s governa<strong>do</strong>res de armas. Aqui,<br />

de forma mais realista, as Cortes de Lisboa viram que a<br />

disposição da lealdade <strong>do</strong>s ocupantes dessa função era vital<br />

para subjugar as pretensões brasileiras à separação.<br />

Em 23 de agosto de 1821, sob pretexto de atender a<br />

um alerta da junta da Bahia, as Cortes aprovavam o envio de<br />

91


tropas para a capital baiana. Também aprovaram o envio de<br />

tropas para o Rio de Janeiro. Essa decisão, até pela modéstia<br />

<strong>do</strong> efetivo aprova<strong>do</strong> era um simplório delírio de uma<br />

assembleia de deputa<strong>do</strong>s entusiasma<strong>do</strong>s com o som das<br />

próprias vozes. No fun<strong>do</strong> as Cortes deviam estar rezan<strong>do</strong> para<br />

que a questão brasileira não pedisse uma solução bélica.<br />

Assim, teriam que apelar mais para indisfarçadas bravatas <strong>do</strong><br />

que para intimidação militar.<br />

Mas sobre d. Pedro – <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de grande coragem<br />

pessoal e cheio de sonhos aventu<strong>rei</strong>ros – essas coisas<br />

dificilmente funcionariam. Ao contrário. No ano seguinte,<br />

entusiasma<strong>do</strong> pelos acontecimentos <strong>do</strong> “Fico”, ele é que iria<br />

punir os militares portugueses que lhe eram hostis, obrigan<strong>do</strong><br />

a Divisão Auxilia<strong>do</strong>ra a retornar a Portugal (feve<strong>rei</strong>ro de 1822)<br />

e impedin<strong>do</strong> que um contingente de 1.200 expedicionários,<br />

envia<strong>do</strong> para substituí-la, desembarcasse no Rio de Janeiro.<br />

Este batalhão chegaria ao Rio de Janeiro a 09 de março de<br />

1822, sob o coman<strong>do</strong> de Francisco Maximiliano de Souza.<br />

Integrava a esquadra encarregada de levar d. Pedro para<br />

Lisboa, por bem ou por mal. Naquela altura a Divisão<br />

Auxilia<strong>do</strong>ra já tinha zarpa<strong>do</strong>. A modesta força portuguesa<br />

encontrou a cidade em posição de defesa, com as baterias das<br />

fortalezas carregadas e a infantaria reforçada com mais 1.200<br />

milicianos desci<strong>do</strong>s de São Paulo e Minas Gerais. Desistin<strong>do</strong><br />

de desembarcar, a força portuguesa retornou no dia 23<br />

esvaziada de 900 solda<strong>do</strong>s que, a convite de d. Pedro,<br />

aceitaram ser incorpora<strong>do</strong>s ao exército <strong>do</strong> Brasil. O general<br />

Maximiliano voltou para casa comandan<strong>do</strong> um restolho de<br />

300 homens, derrota<strong>do</strong>s sem ter sequer entra<strong>do</strong> em batalha.<br />

Por conta disso seria severamente repreendi<strong>do</strong> pelas Cortes, o<br />

que também aconteceu com o general Avilez, comandante da<br />

Divisão Auxilia<strong>do</strong>ra. Eram as primeiras vitórias militares de d.<br />

Pedro à frente de tropas, em prontidão de combate. Mais<br />

92


tarde, em Portugal, mostraria seus talentos de general com<br />

muito mais dramaticidade, se meten<strong>do</strong> no meio de batalhas<br />

verdadeiramente sangrentas. Mas o importante para ele<br />

naquele momento era o fato de que o Brasil começava a se<br />

mostrar verdadeiramente capaz de se impor pelas armas.<br />

Claro que, tanto nas Cortes quanto no Brasil, havia<br />

brasileiros mais lusófonos, assim como portugueses mais<br />

brasilianistas. Mas logo as diferenças foram se fazen<strong>do</strong> claras<br />

pois os horizontes eram notavelmente distintos. As províncias<br />

que haviam retarda<strong>do</strong> o envio de suas delegações a Lisboa<br />

para integrar as Cortes, acabaram desistin<strong>do</strong> de fazê-lo. Foi o<br />

caso <strong>do</strong> Mato Grosso, Rio Grande <strong>do</strong> Sul e Minas Gerais,<br />

sen<strong>do</strong> que as duas primeiras nem chegaram a realizar as<br />

eleições. De sorte que pouco mais de metade <strong>do</strong>s deputa<strong>do</strong>s<br />

brasileiros, eleitos ou previstos, se fez presente no plenário <strong>do</strong><br />

Convento das Necessidades. Assim, embora naquela época o<br />

número de habitantes de Portugal e <strong>do</strong> Brasil fosse mais ou<br />

menos o mesmo, havia cerca de três deputa<strong>do</strong>s lusos para<br />

cada parlamentar brasileiro. Desta forma, a despeito <strong>do</strong><br />

brilhantismo da atuação de alguns deputa<strong>do</strong>s brasileiros, os<br />

portugueses ficaram à vontade para decidir os destinos <strong>do</strong><br />

Brasil. Acabaram resolven<strong>do</strong> enfraquecer a unidade nacional e<br />

tirá-la de debaixo da regência de d. Pedro. Nessa linha em 29<br />

de setembro de 1821 determinaram que as juntas provisórias<br />

de todas as províncias ficassem submetidas diretamente às<br />

Cortes em Lisboa. <strong>Os</strong> governa<strong>do</strong>res de armas, comandantes<br />

das tropas espalhadas pelas províncias, passaram a se reportar<br />

também diretamente às Cortes. Na mesma data determinaram<br />

que o príncipe herdeiro retornasse a Portugal. Ou seja, a sede<br />

<strong>do</strong> governo brasileiro saía <strong>do</strong> Rio de Janeiro e voltava para<br />

Lisboa. Era a gota d água que faltava.<br />

93


A partir de janeiro de 1822, d. Pedro resolve afrontar<br />

os deputa<strong>do</strong>s portugueses com toda a clareza e empenho. Em<br />

16 de feve<strong>rei</strong>ro começa a trabalhar, de fato, contra as<br />

represálias das Cortes. Convoca os procura<strong>do</strong>res das<br />

províncias brasileiras para tratar da questão constitucional e<br />

em 03 de junho convoca a própria corte constitucional. Em<br />

23 de julho os deputa<strong>do</strong>s portugueses reagem e produzem<br />

uma enxurrada legislativa para deter o ímpeto libertário <strong>do</strong><br />

príncipe regente. Publicam três decretos. O primeiro suspende<br />

a determinação de que ele volte a Portugal, mas, em<br />

compensação, tira-lhe todas as prerrogativas de governo,<br />

transforman<strong>do</strong>-o num privilegia<strong>do</strong> turista em férias, curtin<strong>do</strong> a<br />

cidade maravilhosa. Suas decisões teriam que ser ratificadas<br />

pelas Cortes e os secretários <strong>do</strong> governo seriam mandatos<br />

diretamente de Portugal. Outro decreto manda processar os<br />

membros da junta de São Paulo julga<strong>do</strong>s desleais aos<br />

interesses de Portugal. Um terceiro decreto anula a<br />

convocação <strong>do</strong> conselho de procura<strong>do</strong>res. Era a completa<br />

decretação da volta <strong>do</strong> Brasil à condição de colônia.<br />

Em 23 de setembro de 1822 era jurada em Lisboa a<br />

nova constituição portuguesa com apoio <strong>do</strong>s deputa<strong>do</strong>s<br />

brasileiros presentes. A maioria deles tinha resolvi<strong>do</strong><br />

aban<strong>do</strong>nar os trabalhos antes <strong>do</strong> juramento, mas não<br />

receberam permissão <strong>do</strong>s colegas portugueses para regressar<br />

ao Brasil. O padre Feijó, deputa<strong>do</strong> por São Paulo, por<br />

exemplo, tinha pedi<strong>do</strong> permissão para voltar ao Brasil<br />

alegan<strong>do</strong> uma moléstia na vista (02 de setembro). A corte<br />

despachou o seu pedi<strong>do</strong> meio que tachan<strong>do</strong>-o de mentiroso.<br />

Concluíram que “o impedimento <strong>do</strong> mesmo deputa<strong>do</strong>, para assistir os<br />

trabalhos das cortes nestes últimos tempos, tem si<strong>do</strong> mais imaginário e<br />

voluntário <strong>do</strong> que físico e real”. Mesmo depois <strong>do</strong> juramento,<br />

muitos deputa<strong>do</strong>s resolveram deixar Lisboa clandestinamente.<br />

94


Na sessão de 12 de outubro era lida uma nota <strong>do</strong> intendente<br />

de polícia de Lisboa informan<strong>do</strong> que sete deputa<strong>do</strong>s<br />

brasileiros tinham se evadi<strong>do</strong>, embarcan<strong>do</strong> sem passaportes<br />

em navios ingleses. Foi uma epopeia inglória. Talvez tivessem<br />

feito bem os deputa<strong>do</strong>s mineiros que preferiram ficar em casa<br />

a se submeter àquele vexame.<br />

No seu artigo 20 a constituição aprovada pelas Cortes<br />

dizia que o território da nação portuguesa formava o Reino<br />

Uni<strong>do</strong> de Portugal, Brasil e Algarve. <strong>Os</strong> habitantes <strong>do</strong> Brasil<br />

eram considera<strong>do</strong>s cidadãos portugueses. O Brasil seria<br />

governa<strong>do</strong> por uma regência composta de cinco membros.<br />

Tarde demais, dezesseis dias antes d. Pedro já havia lança<strong>do</strong><br />

sua proclamação às margens <strong>do</strong> Ipiranga.<br />

Assim que a notícia da proclamação chegou a Portugal<br />

o presidente da Câmara da cidade <strong>do</strong> Porto fez publicar na<br />

imprensa de Lisboa um violento manifesto contra as Cortes<br />

onde dizia em uma passagem: “Que infâmia, que tirania. Enfim,<br />

por cúmulo de desgraça fizeram perder o nosso rico Brasil, pretenden<strong>do</strong><br />

soprar-lhes a guerra civil; sim, foram só elas e mais ninguém; vos os<br />

sabeis portugueses, assim como sabeis também – que já estamos perdi<strong>do</strong>s<br />

com a perda <strong>do</strong> Brasil, <strong>do</strong>nde nos vinha tantos socorros e onde<br />

empregávamos tantos homens”.<br />

O desastra<strong>do</strong> esforço parlamentar português tinha<br />

si<strong>do</strong> contraproducente assim como, logo depois, seria inútil o<br />

pífio esforço militar para manter o Brasil subjuga<strong>do</strong>.<br />

Mudança <strong>do</strong>s ventos<br />

Como vimos, os trabalhos constitucionais das Cortes<br />

começaram no dia 24 de janeiro de 1821. No princípio eles<br />

não sabiam muito bem que reação os brasileiros teriam diante<br />

95


da regeneração política que se anunciava com enorme<br />

entusiasmo. Como inserir o Brasil nesse novo contexto? Havia<br />

uma incógnita pedin<strong>do</strong> cautela aos parlamentares reuni<strong>do</strong>s em<br />

Lisboa. Desde que d. João instalara a Corte no Rio de Janeiro,<br />

há mais de treze anos, que os brasileiros se mostravam<br />

deslumbra<strong>do</strong>s com o fato <strong>do</strong> seu país ter deixa<strong>do</strong> de ser uma<br />

colônia passan<strong>do</strong> a centro <strong>do</strong> império português. Além disso,<br />

as Cortes sabiam da enorme simpatia que a bonomia natural<br />

<strong>do</strong> <strong>rei</strong> costumava despertar nos seus súditos. Não tinha si<strong>do</strong><br />

diferente no <strong>rei</strong>no americano. Com relação às restrições ao<br />

poder <strong>do</strong> <strong>rei</strong> os parlamentares lusos não tinham dúvidas, mas<br />

em relação ao status político <strong>do</strong> Brasil era necessária toda a<br />

delicadeza <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. O problema maior é que poucos<br />

deputa<strong>do</strong>s lusos estavam prepara<strong>do</strong>s para serem delica<strong>do</strong>s.<br />

Mas, felizmente para eles, naquela altura <strong>do</strong> debate eles não<br />

tinham nada o que temer. Mesmo porque, passada a euforia<br />

<strong>do</strong> Brasil ter vira<strong>do</strong> um <strong>rei</strong>no, os brasileiros já estavam<br />

pensan<strong>do</strong> em outra coisa, pois as ideias revolucionárias já<br />

vinham cativan<strong>do</strong> o país desde o século passa<strong>do</strong>. Agora havia<br />

ideias até muito mais palatáveis que admitiam que era possível<br />

garantir os interesses <strong>do</strong>s deserda<strong>do</strong>s sem ter que matar os<br />

<strong>rei</strong>s. De sorte que, no princípio, o povo esqueceu um pouco<br />

da alegria despreocupada que d. João tinha trazi<strong>do</strong> e passou a<br />

desacreditar um pouco nele. Pois ninguém duvidava que ele<br />

era muito bonzinho mas um tanto malandro, fingin<strong>do</strong> de<br />

bobo. Aliás, essa desconfiança, salvo em alguns intervalos<br />

relativamente curtos, seria legada a seu filho e só estancaria em<br />

seu neto, afinal um impera<strong>do</strong>r genuinamente brasileiro e que<br />

só tinha um <strong>rei</strong>no com que se preocupar.<br />

Assim, o raiar <strong>do</strong> ano de 1821, com todas aquelas<br />

maravilhosas novidades chegadas de Lisboa, viu a confiança<br />

<strong>do</strong>s brasileiros, que até então vinha sen<strong>do</strong> reservada para o <strong>rei</strong>,<br />

desviada para as Cortes. Muita gente se mostrou eufórica<br />

96


disposta a jurar antecipadamente uma constituição que<br />

ninguém ainda sabia di<strong>rei</strong>to como seria. Desta forma, logo no<br />

primeiro dia <strong>do</strong> ano de 1821, ou seja, antes mesmo das Cortes<br />

terem inicia<strong>do</strong> os trabalhos da construção constitucional e<br />

destituí<strong>do</strong> a junta <strong>do</strong> governo de Portugal nomeada pelo <strong>rei</strong>, o<br />

povo <strong>do</strong> Pará já tinha instala<strong>do</strong> uma junta de governo<br />

provisional <strong>do</strong> seu agra<strong>do</strong> e jura<strong>do</strong> a constituição que ainda<br />

iria ser feita. Em feve<strong>rei</strong>ro os paraenses nomearam uma<br />

comissão para ir até Lisboa participar o ocorri<strong>do</strong>. À frente ia o<br />

jovem Felipe Alberto Patroni - bacharel gradua<strong>do</strong> em<br />

Coimbra - que gostava de discursar à moda <strong>do</strong>s<br />

revolucionários franceses, exageran<strong>do</strong> na forma e no<br />

conteú<strong>do</strong>. Mas a visita causou sensação no recinto <strong>do</strong> Palácio<br />

das Necessidades e assim os parlamentares lusos respiraram<br />

alivia<strong>do</strong>s, certos de que os brasileiros estavam a seu la<strong>do</strong> e que<br />

podiam seguir em frente com a questão brasílica sem temer<br />

hostilidades. <strong>Os</strong> deputa<strong>do</strong>s portugueses ficaram tão<br />

entusiasma<strong>do</strong>s com o entusiasmo <strong>do</strong> povo paraense que até<br />

cogitaram de transformar o Pará numa província portuguesa<br />

ligada diretamente a Lisboa.<br />

De fato, no princípio foi só alegria. No dia 10 de<br />

feve<strong>rei</strong>ro foi a vez da Bahia mostrar o seu amor. Ali a revolta<br />

para instalação da junta de governo leal às Cortes já não foi<br />

tão tranqüila e o conde da Palma – governa<strong>do</strong>r da confiança<br />

de d. João VI – teve que entregar o governo aos revoltosos<br />

depois de algumas trocas de tiros. É que ele dependia da<br />

capacidade militar <strong>do</strong> marechal Felisberto Caldeira Brant – o<br />

futuro marques de Barbacena – que então já mostrou toda a<br />

sua notória incompetência no coman<strong>do</strong> de armas, a mesma<br />

que mostraria mais tarde novamente à frente <strong>do</strong> exército<br />

brasileiro na campanha da província Cisplatina.<br />

Instalada a junta baiana, jurou-se fidelidade ao <strong>rei</strong> e à<br />

futura constituição. O próprio conde da Palma foi convida<strong>do</strong><br />

97


a presidir a nova junta de governo, mas não aceitou. Quer<br />

dizer, naquela altura ninguém queria uma mudança<br />

verdadeiramente radical. O <strong>rei</strong> deveria governar, mas deveria<br />

ampliar os di<strong>rei</strong>tos <strong>do</strong> povo e governar baliza<strong>do</strong> pelas regras<br />

de uma constituição a ser feita em Portugal. Nada além.<br />

República ficava para outra ocasião. Também, no meio<br />

daquele entusiasmo, poucos estavam preocupa<strong>do</strong>s com o fato<br />

de que um novo modelo teria que ser cria<strong>do</strong> para regular as<br />

relações lusobrasileiras. Assim, muitas vezes, o moto que<br />

levava a formação das juntas provisórias de governo nas<br />

províncias era a simples necessidade de acomodação de<br />

vaidades locais. Também contribuía a ambição de militares de<br />

alta e média patente que viam então uma oportunidade de<br />

ascensão na car<strong>rei</strong>ra, por força de meras aclamações ou<br />

decretos das juntas. Assim aconteceu na Bahia onde o<br />

tenente-coronel Manuel Pedro de F<strong>rei</strong>tas Guimarães, por<br />

graça da junta provisória, virou brigadeiro e assumiu o<br />

governo das armas. O mesmo acontecen<strong>do</strong> em Minas com<br />

José Maria Pinto Peixoto que chefiou a rebelião para<br />

instalação da junta de governo e passou de sargento-mor a<br />

brigadeiro, numa ascensão espetacular.<br />

A notícia <strong>do</strong> movimento baiano chegou a Lisboa em<br />

15 de abril de 1821 e causou ainda mais sensação <strong>do</strong> que a<br />

notícia da adesão <strong>do</strong> Pará pois a Bahia era uma das mais<br />

importantes províncias <strong>do</strong> Brasil. De sorte que as Cortes<br />

entenderam que agora sim, estava definitivamente assentada<br />

sua cabeça de praia para impor seu constitucionalismo ao<br />

Brasil. Assim, tratou de despachar tropas para lá, garantin<strong>do</strong><br />

competitividade num eventual confronto com a corte <strong>do</strong> Rio<br />

de Janeiro pois, àquela altura, a volta de d. João VI para a<br />

pátria mãe ainda era uma incógnita.<br />

98


Em Pernambuco o próprio governa<strong>do</strong>r Luiz <strong>do</strong> Rego<br />

tratou de formar sua junta provisória o que se deu em 31 de<br />

março. Mais tarde houve uma dissidência e a questão foi<br />

remetida ao campo de batalha. É que Mena Cala<strong>do</strong>,<br />

discordan<strong>do</strong> da iniciativa de Luiz <strong>do</strong> Rego, resolveu formar<br />

outra junta de governo na vila de Goiás. Depois de muito<br />

sangue derrama<strong>do</strong>, em 29 de agosto de 1821 revolveram<br />

entrar num acor<strong>do</strong> e em 26 de outubro conseguiram eleger<br />

um governo de conciliação.<br />

Em São Paulo a movimentação para a formação da<br />

junta provisória de governo se deu no dia 23 de março de<br />

1821. O clima era propício, principalmente porque a tropa<br />

estava descontente com o governo por conta de questões<br />

ligadas ao aumento de seus sol<strong>do</strong>s. Sob a presidência <strong>do</strong><br />

conselheiro José Bonifácio de Andrada, convida<strong>do</strong> pela tropa<br />

e pelo povo, deu-se a eleição <strong>do</strong> governo provisório sem<br />

nenhum incidente ou fato de maior nota.<br />

Em Minas a coisa correu um pouco mais devagar. A<br />

instalação da junta de governo se deu pela iniciativa <strong>do</strong>, à<br />

pouco cita<strong>do</strong> - sargento-mor de nacionalidade portuguesa -<br />

José Maria Pinto Peixoto. No dia 16 de setembro de 1821 ele<br />

reuniu a tropa na Praça <strong>do</strong> Palácio, convocou as autoridades e<br />

o povo e determinou a eleição da junta. Embora o próprio<br />

governa<strong>do</strong>r Manuel de Portugal e Castro tenha si<strong>do</strong> eleito<br />

presidente da comissão de governo, não ficou tu<strong>do</strong> mais ou<br />

menos na mesma pois, além de jurar lealdade às Cortes, a<br />

junta mineira ainda teve o exagero de estabelecer que todas as<br />

determinações de d. Pedro teriam que ser ratificadas por ela<br />

para passar a fazer efeito sobre os mineiros. O sargento-mor<br />

rebelde, claro, reservou para si o posto de governa<strong>do</strong>r de<br />

armas.<br />

99


Em 09 de março as Cortes aprovavam as bases da<br />

constituição portuguesa. Quan<strong>do</strong> a notícia chegou ao Brasil<br />

todas as juntas provisionais que já tinham jura<strong>do</strong> a futura<br />

constituição que ainda se ia fazer, tiveram que jurar as bases<br />

também. Ou seja, quem já tinha jura<strong>do</strong> o geral, agora jurava o<br />

particular. Não tinha muito senti<strong>do</strong>, mas era uma boa<br />

oportunidade política para as Cortes re<strong>do</strong>brarem os<br />

compromissos de fidelidade <strong>do</strong>s brasileiros. E eles o fizeram<br />

cheios de civismo. O próprio príncipe regente teve que fazêlo,<br />

pressiona<strong>do</strong> pelos militares portugueses, o que se deu no<br />

dia 05 de junho de 1821.<br />

Em 24 de abril, ou seja, uma semana depois da<br />

chegada das novidades da Bahia, as Cortes baixavam<br />

resolução reconhecen<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os governos provisórios<br />

cria<strong>do</strong>s no Brasil. Anima<strong>do</strong>s, enfim, com os acontecimentos<br />

que estavam ocorren<strong>do</strong> nos diversos cantos <strong>do</strong> Brasil, os<br />

deputa<strong>do</strong>s lusos começaram a acreditar que podiam reverter a<br />

obra tropical de d. João VI e submeter o país novamente à<br />

antiga condição de quintal de Portugal. Mas, já a partir de<br />

setembro de 1821, a simpatia <strong>do</strong>s brasileiros pelo trabalho<br />

constitucional que estava sen<strong>do</strong> elabora<strong>do</strong> em Portugal<br />

começava a arrefecer. Foi quan<strong>do</strong> os deputa<strong>do</strong>s brasileiros<br />

começaram a chegar a Lisboa. E foi aí que começou a<br />

mudança <strong>do</strong>s ventos.<br />

Ao longo <strong>do</strong> ano de 1821, a quase totalidade das<br />

províncias eram governadas por juntas provisórias, a maioria<br />

delas leais às Cortes de Lisboa e algumas claramente hostis ao<br />

príncipe regente. No ano seguinte d. Pedro partiria para<br />

submetê-las ao seu coman<strong>do</strong>, condição indispensável pra<br />

evitar uma recolonização <strong>do</strong> Brasil.<br />

100


A decisão de d. Pedro, de não mais retornar a Portugal<br />

atenden<strong>do</strong> a intimação das Cortes, se deu no dia 09 de janeiro<br />

de 1822, dia da proclamação <strong>do</strong> “fico”. Aí a lealdade <strong>do</strong>s<br />

brasileiros tomaria um rumo completamente diferente,<br />

confrontan<strong>do</strong> claramente os interesses de Portugal,<br />

representa<strong>do</strong>s pelos militares e comerciantes portugueses,<br />

sentinelas avança<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s interesses das Cortes de Lisboa.<br />

Titília e Demonão<br />

Até nos nossos dias, tão plenos de releituras, os<br />

brasileiros ainda a<strong>do</strong>ram caricaturar a família real portuguesa,<br />

repetin<strong>do</strong> imagens preservadas ao longo <strong>do</strong> tempo pela<br />

historiografia de gosto mais popular. Muitos há que não<br />

duvidam que d. João VI era um glutão meio panaca, Carlota<br />

Joaquina era uma megera sanguinária e d. Pedro era um<br />

moleque farrista, desvaira<strong>do</strong> por um rabo de saia. Tu<strong>do</strong> isso,<br />

claro, tem um pouco de verdade. Mas é injusto que eles<br />

passem à história carregan<strong>do</strong> alegorias tão rasteiras, diante de<br />

tu<strong>do</strong> que fizeram. 25<br />

As histórias picantes de d. Pedro sempre despertaram<br />

grande interesse, até porque, mostravam à plebe que os <strong>rei</strong>s<br />

também eram chega<strong>do</strong>s a uma sem-vergonhice o que, afinal,<br />

os tornava mais iguais. Claro que muito exagero foi<br />

perpetra<strong>do</strong> pelos inimigos <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r, sempre atentos a<br />

detalhes que pudessem comprometer a imagem dele que, aliás,<br />

25 Muitas das imagens <strong>do</strong>s soberanos portugueses, passaram à História a<br />

partir de relatos de viajantes e diplomatas ingleses e franceses cheios de<br />

preconceito e arrogância ou até, cheios de mentiras mesmo.<br />

101


não era nada cauteloso com as intimidades pouco modelares<br />

da sua vida <strong>do</strong>méstica.<br />

No caso da marquesa de Santos, os deslizes amorosos<br />

<strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r até assumiram uma dimensão mais grave. Não<br />

pelas delícias da luxuria, mas pelas agruras <strong>do</strong> preço político<br />

que ele teve que pagar. Sem falar no intenso sofrimento que<br />

infligiu à imperatriz Leopoldina de forma grosseira e<br />

desnecessária.<br />

Pelo la<strong>do</strong> mundano da questão, há de se começar<br />

lembran<strong>do</strong> das cartas amorosas que d. Pedro gostava de enviar<br />

à amante favorita. Elas têm um interessante valor sociológico<br />

pois mostram que, em pleno começo <strong>do</strong> século XIX, os<br />

amantes não eram assim tão recata<strong>do</strong>s. As missivas de d.<br />

Pedro à Domitila de Castro exibem uma intimidade que beira<br />

à escatologia. Uma das correspondências preservadas mostra<br />

que ele não tinha nenhum constrangimento de contar a ela um<br />

ou outro simplório caso de disfunção intestinal ou<br />

indisposição genital. Há uma carta em que ele faz um registro<br />

que sugere que pudesse estar acometi<strong>do</strong> de alguma <strong>do</strong>ença<br />

venérea.<br />

D. Pedro chegou a pedir a Domitila que destruísse a<br />

correspondência 26 entre eles, mas ela não o fez e muita coisa<br />

ficou preservada nos escaninhos da História. Assim pudemos<br />

ficar saben<strong>do</strong> que eles se tratavam na intimidade pelos<br />

apeli<strong>do</strong>s de “Titília” e “Demonão”.<br />

Há indícios de que eles praticavam um sexo não muito<br />

orto<strong>do</strong>xo e numa carta ele chama seu prestativo pênis de<br />

26 Carta datada de 03 de novembro de 1827 (Referência de Otávio<br />

Tarquínio de Sousa).<br />

102


“máquina triforme” o que sugere que o dito cujo tinha<br />

múltiplas funções, multiplican<strong>do</strong> as delícias da alcova infiel.<br />

Quanto ao comportamento sexual propriamente dito, Sua<br />

Majestade sempre mostrava um desempenho notável pela<br />

variação e quantidade. Justiça seja feita, seu apetite nesse<br />

particular não dava para passar em branco. E verdadeiramente<br />

não passou, mesmo na pena <strong>do</strong>s escritores mais austeros e<br />

recata<strong>do</strong>s. Mas a hiperatividade da sua vida sexual pode ter<br />

si<strong>do</strong> muita curta. Há registro de que logo depois <strong>do</strong> seu<br />

segun<strong>do</strong> casamento (1829), d. Pedro pudesse estar sofren<strong>do</strong><br />

de certa impotência ou, como se diz hoje com muito mais<br />

educação, “disfunção erétil”. De fato, ele só conseguiu ter<br />

uma filha com a segunda esposa, apesar da fama de grande<br />

beleza que ela carregava, plena nos seus dezenove anos de<br />

idade. A revelação desse inespera<strong>do</strong> desacoroço está numa<br />

carta enviada por d. Pedro ao marques de Resende. Tinha<br />

apenas trinta anos na época. Mas até lá esbanjou vitalidade.<br />

Além das duas esposas e da amante favorita, d. Pedro teve<br />

pelo menos mais <strong>do</strong>ze outras concubinas. Primava pelo<br />

multinacionalismo na escolha das parceiras: cinco francesas,<br />

quatro brasileiras, duas portuguesas e uma uruguaia. Tinha até<br />

uma f<strong>rei</strong>ra, preferência que lembrava as célebres taras <strong>do</strong> seu<br />

trisavô - d. João V.<br />

Mas vamos ao surti<strong>do</strong> rol <strong>do</strong>s rabos de saia <strong>do</strong><br />

impera<strong>do</strong>r: Noémi Thierry, uma dançarina francesa; Maria<br />

Benedita Bonfim, irmã da marquesa de Santos; Maria del<br />

Carmen Garcia, uma uruguaia obscura; Clémence Saisset,<br />

francesa, esposa de um comerciante <strong>do</strong> Rio; Adéle de<br />

Bonpland, mulher <strong>do</strong> naturalista Aimé Bonpland 27 ; Madame<br />

27<br />

Bonpland tinha si<strong>do</strong> companheiro de Humboldt na sua famosa<br />

expedição à América. Viveu uns tempos na Argentina com a família,<br />

103


Saturville e Heloise Henri, francesas de que pouco se sabe;<br />

Luisa Clara de Menezes, mineira de Paracatu; Gertrude<br />

Meireles, mineira de Ouro Preto; Lu<strong>do</strong>vina Soares, atriz;<br />

Joaquina de Lencastre Barros, mulher <strong>do</strong> general Avilez e Ana<br />

Augusta, monja portuguesa <strong>do</strong>s Açores, seu último caso<br />

conheci<strong>do</strong>.<br />

Mas, a grande paixão <strong>do</strong> nosso primeiro impera<strong>do</strong>r, foi<br />

sem dúvida, Domitila de Castro Canto e Melo. Ele a conheceu<br />

em 29 de agosto de 1822 e manteve um caso com ela que<br />

durou sete anos, debaixo de pouca discrição. Durou até que<br />

ele se deu conta de que, se não suspendesse aquela mancebia,<br />

ficaria viúvo para sempre, pois as cortes europeias não tinham<br />

gosta<strong>do</strong> nem um pouco <strong>do</strong> que o impera<strong>do</strong>r tinha feito com<br />

<strong>do</strong>na Leopoldina, levan<strong>do</strong> a amante para perto de si e levan<strong>do</strong><br />

seus filhos bastar<strong>do</strong>s para dentro <strong>do</strong> palácio. Domitila era<br />

casada e parece que, além de trair o mari<strong>do</strong>, an<strong>do</strong>u train<strong>do</strong><br />

também o impera<strong>do</strong>r. Mas, com exceção de d. Pedro claro,<br />

to<strong>do</strong>s eram mansos e sabiam explorar aquela rica relação,<br />

inclusive pais e irmãos, coniventes e conforta<strong>do</strong>s pelos muitos<br />

mimos recebi<strong>do</strong>s de Sua Majestade. Ao to<strong>do</strong> o impera<strong>do</strong>r<br />

freqüentou a alcova legítima ou adulterina de treze mulheres<br />

com as quais teve nada menos <strong>do</strong> que dezoito filhos, sen<strong>do</strong><br />

treze assumi<strong>do</strong>s.<br />

Mas tinha fama de ser um pai amoroso: a <strong>do</strong>is deles<br />

legaria uma coroa real. <strong>Os</strong> bastar<strong>do</strong>s também tiveram a sua<br />

parte. À sua filha primogênita com a amante favorita faria<br />

depois desentendeu-se com a mulher o foi viver no Paraguai onde<br />

montou uma grande fazenda de produção de mate. O governo local<br />

achou que sua atividade contrariava uma lei e o prendeu, manten<strong>do</strong>o<br />

encarcera<strong>do</strong> durante nove anos. Foi nesse perío<strong>do</strong> que madame<br />

Bonpland an<strong>do</strong>u pelo Rio de Janeiro trocan<strong>do</strong> favores com d.<br />

Pedro a favor da soltura <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>.<br />

104


duquesa, lhe daria uma educação esmerada e um bom<br />

casamento. A nenhum deles deixou de legar alguma coisa. De<br />

acor<strong>do</strong>, claro, com a paixão que a respectiva mãe conseguiu<br />

despertar.<br />

Domitila de Castro devia ser mesmo muito boa de<br />

cama, mas, sem dúvida, foi um <strong>do</strong>s maiores estorvos na vida<br />

de d. Pedro. Por mais que ele apreciasse as habilidades sexuais<br />

daquela mulher, seu relacionamento com ela agregou um<br />

enorme la<strong>do</strong> escuro na sua biografia e não deixou de lhe dar a<br />

imagem de ter feito certo papel de trouxa. Gerou desgaste<br />

político, escárnio <strong>do</strong> corpo diplomático e o deboche <strong>do</strong> povo.<br />

Por conta da influência da amante, d. Pedro se enre<strong>do</strong>u numa<br />

meritocracia de alcova da pior espécie, toleran<strong>do</strong> e, não raro,<br />

compartilhan<strong>do</strong> de um esquema de favores imoral e corrupto,<br />

toca<strong>do</strong> pela favorita.<br />

Dizem que o impera<strong>do</strong>r aquiescia e até estimulava um<br />

esquema de cobrança de propinas de que Domitila se<br />

beneficiava para desembaraçar tramitações de governo junto a<br />

ele próprio. Não tinha erro: cem por cento de eficácia. Era<br />

fácil como matar peixes à tiros num barril. Enquanto d. Pedro<br />

sonegava a mesada a que d. Leopoldina tinha di<strong>rei</strong>to, impon<strong>do</strong><br />

a ela uma austeridade incompatível com sua dignidade de<br />

imperatriz; a amante enriquecia a olhos vistos. Quan<strong>do</strong> se<br />

mu<strong>do</strong>u para o Rio, Domitila de Castro foi viver<br />

modestamente no bairro <strong>do</strong> Mata Porcos, onde se contentava<br />

em prestar discretamente seus competentes serviços ao<br />

impera<strong>do</strong>r, cativan<strong>do</strong>-o cada vez mais com seus truques<br />

delirantes. Nessa altura ela já tinha si<strong>do</strong> esfaqueada pelo<br />

mari<strong>do</strong>, por conta de um notório adultério em tempos<br />

passa<strong>do</strong>s. À medida que o delírio foi crescen<strong>do</strong> o Impera<strong>do</strong>r<br />

foi trazen<strong>do</strong> a amante para mais perto de si. Transformou-a<br />

em primeira dama da Imperatriz e a colocou ao la<strong>do</strong> de d.<br />

105


Leopoldina, em posição de destaque. Enquanto crescia a<br />

glória da concubina desvairada, ia crescen<strong>do</strong> também a<br />

humilhação da recatada esposa, o que acabaria por matá-la<br />

literalmente de desgosto.<br />

Por conta de sua ren<strong>do</strong>sa ocupação, a futura<br />

marquesa de Santos se mudaria para um palácio, ricamente<br />

mobilia<strong>do</strong>, rica prataria e farta criadagem vestida com vistosos<br />

librés. Dava festas suntuosas, despenden<strong>do</strong> somas na casa <strong>do</strong>s<br />

contos de <strong>rei</strong>s e distribuía preciosos presentes aos amigos. De<br />

noite o palácio era uma festa iluminada, de dia uma próspera<br />

agencia de negócios. Dizem que ela recebia as propinas<br />

pessoalmente e, claro, sem passar recibo, que também nem era<br />

exigi<strong>do</strong>, para conveniência das partes.<br />

As imperatrizes<br />

D. Carolina Josefa Leopoldina Francisca Fernanda<br />

de Habsburgo-Lorena era filha <strong>do</strong> Impera<strong>do</strong>r da Áustria<br />

Francisco I. Quan<strong>do</strong> casou com d. Pedro, a 13 de maio de<br />

1817, tinha vinte anos, enquanto ele tinha dezoito. O<br />

casamento tinha custa<strong>do</strong> uma fortuna a d. João VI pois a<br />

arquiduquesa da Áustria estava sen<strong>do</strong> muito requisitada pelas<br />

casas reais da Europa. Para convencer de que o melhor<br />

consorte era um príncipe de um longínquo <strong>rei</strong>no tropical, foi<br />

necessário convencer antes de que a Corte Portuguesa nadava<br />

opulenta nas riquezas <strong>do</strong> Brasil. Pelo menos foi o que tentou<br />

mostrar o marques de Marialva em Viena, enquanto negociava<br />

o matrimônio. Festas nababescas e presentes generosos<br />

fizeram a alegria da nobreza austríaca naqueles dias<br />

esplen<strong>do</strong>rosos de caça à mão da recatada princesa. Mas<br />

106


acabou dan<strong>do</strong> certo, mesmo porque, também pesou a opinião<br />

da própria noiva pois ela estava morren<strong>do</strong> de curiosidade para<br />

conhecer a natureza exuberante da América <strong>do</strong> Sul, sen<strong>do</strong> ela<br />

entusiasta ama<strong>do</strong>ra de botânica e mineralogia.<br />

D. Leopoldina não era bonita e parece que ostentava<br />

alguns quilos a mais <strong>do</strong> que o recomenda<strong>do</strong>. Também tinha<br />

fama de ser desleixada no vestir, o que, na verdade, era apenas<br />

conseqüência da sua austera simplicidade. Também vivia<br />

pejada, agregan<strong>do</strong> ainda mais robustez ao seu biótipo já<br />

disposto para tal. Quan<strong>do</strong> ela morreu, seu pai teria dito que<br />

ela era tímida e negligente e que a próxima esposa de d. Pedro<br />

tinha que ser linda e espirituosa. De fato, quan<strong>do</strong> os<br />

casamenteiros reais partiram para a Europa em busca da<br />

segunda esposa para o impera<strong>do</strong>r viúvo, levavam severas<br />

instruções de que a nova imperatriz tinha que ser bela e<br />

virtuosa, requisitos que a primeira esposa só preenchia pela<br />

metade. Alberto Rangel 28 , apelan<strong>do</strong> para uma notável<br />

disposição depreciativa a descreveu como: “de estatura meã,<br />

grosso pescoço das vienenses, um que de corcunda, beiços polposos <strong>do</strong>s<br />

Habsburgos no rosto vultuoso carrega<strong>do</strong> de pigmentação vermelha, de<br />

mo<strong>do</strong> a parecer sujeito a um exatema, o nariz desgraciosíssimo, cabelos<br />

espicha<strong>do</strong>s, olhos azuis com expressão de assusta<strong>do</strong>s, a organização<br />

robusta e inelegante”.<br />

Não resta dúvida que a primeira vez que d. Pedro viu a<br />

esposa ele teve que disfarçar uma certa decepção. Com certeza<br />

o marquês de Marialva tinha manda<strong>do</strong> para o Brasil um<br />

retrato muito generoso quanto aos atributos físicos da<br />

arquiduquesa. Mas d. Leopoldina era muito culta e inteligente<br />

e foi ela que estimulou a ideia de aportar ao Brasil<br />

28 Cita<strong>do</strong> por Otávio Tarquínio de Souza.<br />

107


acompanhada de notáveis naturalistas como Emmanuel Pohl<br />

e Spix e Martius 29 . Era atenta aos negócios de esta<strong>do</strong> e tinha<br />

plena noção <strong>do</strong> momento histórico que estava viven<strong>do</strong>.<br />

Talvez até fosse inteligente demais para o gosto de d. Pedro.<br />

Também era virtuosa e fazia o la<strong>do</strong> social da sua investidura<br />

com muita competência. <strong>Os</strong> negros tinham esperança que ela<br />

pudesse influir no fim da escravidão, o que acabou sen<strong>do</strong><br />

sacramenta<strong>do</strong> por sua neta, algum tempo depois. A figura de<br />

d. Leopoldina sempre despertou menos interesse histórico <strong>do</strong><br />

que seria justo pois sempre tendeu a ser notada muito mais<br />

como a mulher que foi facilmente vencida pela Marquesa de<br />

Santos no jogo das preferências amorosas de d. Pedro. Mas é<br />

justo reconhecer que ela tinha predica<strong>do</strong>s incomuns e longe<br />

estava da mediocridade da própria rival. Pelos <strong>do</strong>tes físicos e<br />

pelos truques de Alcova ela certamente foi derrotada, mas isso<br />

é muito pouco para condená-la ao segun<strong>do</strong> plano. Para Luis<br />

Norton 30 ela: “era uma mulher de espírito, calma, culta, dedicada às<br />

boas-letras e belas-artes; interessara-se vivamente pelas ciências naturais,<br />

tinha curiosidades científicas, lia Sismondi, colecionava animais e plantas,<br />

conhecia perfeitamente a mineralogia, a zoologia e a geometria descritiva”.<br />

Sabia jogar o jogo político com habilidade: na<br />

correspondência interna mostrava apoiar plenamente as<br />

decisões <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> e na correspondência para os parentes<br />

austríacos mostrava-se uma fiel filha da Santa Aliança,<br />

recriminan<strong>do</strong> o liberalismo de d. Pedro. Afinava-se muito bem<br />

29 A bem da verdade, a expedição de naturalistas que acompanhou<br />

d. Leopoldina ao Brasil já havia si<strong>do</strong> planejada pelo <strong>rei</strong> da Baviera<br />

algum tempo antes, mas o casamento abriu a oportunidade para<br />

concretização da ideia, já que Metternich também passou a apoiá-la.<br />

30 “A Corte de Portugal no Brasil”.<br />

108


com José Bonifácio e aju<strong>do</strong>u-o muito em certos<br />

convencimentos.<br />

Foi uma princesa feliz e uma imperatriz desgraçada. É<br />

que quan<strong>do</strong> d. Pedro foi a São Paulo, em agosto de 1822,<br />

acabou trazen<strong>do</strong> de lá a independência e Domitila de Castro.<br />

A primeira faria de d. Leopoldina a Imperatriz <strong>do</strong> Brasil e a<br />

segunda faria dela a infeliz esposa traída. É inegável que o<br />

impera<strong>do</strong>r submeteu sua mulher a grandes humilhações e isso<br />

pode ter si<strong>do</strong> a causa da sua morte prematura, aos vinte e<br />

nove anos de idade, deixan<strong>do</strong> quatro filhos órfãos. Ao to<strong>do</strong><br />

tinha da<strong>do</strong> à luz a sete filhos de d. Pedro, três <strong>do</strong>s quais já<br />

disputan<strong>do</strong> preferências com Domitila que, no mesmo<br />

perío<strong>do</strong>, também daria três filhos ao irrequieto fauno 31 . A<br />

imperatriz teve que suportar <strong>do</strong>loroso escárnio público pois, a<br />

partir de 1826, o impera<strong>do</strong>r passou a não fazer nenhuma<br />

questão de poupá-la das suas aventuras extraconjugais. O<br />

ponto alto da degradação foi a viagem que d. Pedro fez à<br />

Bahia em feve<strong>rei</strong>ro. Foi aí que ele desfilou publicamente com<br />

a amante, colocan<strong>do</strong>-a ao la<strong>do</strong> de d. Leopoldina e não, raro,<br />

mostran<strong>do</strong>-se muito mais atencioso com ela <strong>do</strong> que com a<br />

esposa. Naquele ano sua primeira filha com Domitila fazia<br />

<strong>do</strong>is anos e ele resolveu assumi-la publicamente na condição<br />

de Duquesa de Goiás. Mas o que mais parece ter magoa<strong>do</strong> d.<br />

Leopoldina não foi tanto o reconhecimento da paternidade<br />

mas sim a permissão para que a filha de Domitila convivesse<br />

31 D. Pedro e d. Leopoldina geraram uma bela prole. Fotos e<br />

pinturas de d. Maria da Gloria, d. Francisca e d. Pedro II confirmam<br />

isso, mesmo pela ótica estética <strong>do</strong>s nossos dias. D. Francisca, que<br />

viveu na corte francesa, era chamada de “La Belle Francoise”.<br />

Casou-se com Francisco Fernan<strong>do</strong> filho <strong>do</strong> <strong>rei</strong> da França Luis<br />

Felipe I que de passagem casual pelo Brasil a conheceu e,<br />

deslumbra<strong>do</strong> pela sua beleza, se apaixonou por ela.<br />

109


com seus filhos legítimos o que inseria a bastarda no nível de<br />

nobreza <strong>do</strong>s demais. Teria ela escrito “Tu<strong>do</strong> posso sofrer e tenho<br />

sofri<strong>do</strong>, menos ver essa menina a par de meus filhos.” Como bem<br />

anotou Otávio Tarquínio “eram os netos <strong>do</strong> Impera<strong>do</strong>r da Áustria<br />

conviven<strong>do</strong> com a neta de um loca<strong>do</strong>r de bestas da capitania de São<br />

Paulo”.<br />

A primeira imperatriz <strong>do</strong> Brasil morreu em dezembro<br />

de 1826 quan<strong>do</strong> d. Pedro se encontrava no Sul,<br />

acompanhan<strong>do</strong> os insucessos da Guerra Cisplatina, tentan<strong>do</strong><br />

infundir mais ânimos à soldadesca brasileira. Desde abril que<br />

ela não se encontrava bem, queixan<strong>do</strong>-se de <strong>do</strong>res reumáticas.<br />

Seguiu-se um aborto, provoca<strong>do</strong>, certamente, pela evolução<br />

da sua própria <strong>do</strong>ença. O impera<strong>do</strong>r chegou a pensar em adiar<br />

a viagem, mas a enfermidade não parecia particularmente<br />

grave e ele seguiu em frente. Estava longe, portanto, quan<strong>do</strong>,<br />

no dia 11, o médico da imperatriz anunciava: “Foi Deus servi<strong>do</strong><br />

chamá-la a Si pelas dez horas e um quarto”. Na sua última carta<br />

endereçada à irmã e ditada <strong>do</strong>is dias antes de morrer, escreveu:<br />

“Por amor a um monstro sedutor me vejo reduzida ao esta<strong>do</strong> da maior<br />

escravidão e totalmente esquecida pelo meu a<strong>do</strong>ra<strong>do</strong> Pedro”. Não há<br />

dúvida: morreu de paixão pelo mari<strong>do</strong> infiel.<br />

Chegou a circular uma versão de que a causa da morte<br />

teria si<strong>do</strong> uma agressão física sofrida de d. Pedro, poucos dias<br />

antes dele viajar. A semente da versão seria a carta derradeira<br />

da imperatriz onde ela menciona ter sofri<strong>do</strong> um “horroroso<br />

atenta<strong>do</strong>” <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> e que este seria a causa da sua morte.<br />

Hoje, prevalece a crença de que a Imperatriz, morreu mesmo<br />

foi de melancolia e que o menciona<strong>do</strong> atenta<strong>do</strong> teria si<strong>do</strong> o<br />

próprio desprezo <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>. Segun<strong>do</strong> ela, d. Pedro chegou a<br />

destratá-la diante da amante, suprema humilhação para uma<br />

imperatriz mãe de um impera<strong>do</strong>r, uma rainha e uma princesa<br />

da França.<br />

110


Parece que d. Leopoldina tinha grande fervor cristão e<br />

até teria escrito um código de conduta religiosa para si<br />

própria, onde o sofrimento era visto como um caminho de<br />

elevação a Deus. É possível que a humilhação que d. Pedro<br />

infligiu a ela possa tê-la mergulha<strong>do</strong> num ritual de<br />

autoflagelação espiritual que acabou precipitan<strong>do</strong> sua morte.<br />

Com certeza, d. Leopoldina tinha uma personalidade meio<br />

neurótica, pautada pela submissão resignada ao sofrimento.<br />

Tinha nasci<strong>do</strong> para morrer de amor por Deus e o mari<strong>do</strong>... e<br />

morreu. Mas, justiça seja feita, nutriu como pôde o feto da<br />

nação independente <strong>do</strong> Brasil. Não há dúvida que d.<br />

Leopoldina amava profundamente o mari<strong>do</strong>. Sua<br />

correspondência mostra isso, desde o princípio <strong>do</strong> enlace. E d.<br />

Pedro, gostava da mulher? É possível que sim, embora a<br />

morte da imperatriz tenha lhe arranca<strong>do</strong> muito mais provas de<br />

remorso <strong>do</strong> que de paixão. 32 Pobre dela, era mãe amorosa mas<br />

esposa distraída, enquanto d. Pedro parecia estar mais<br />

interessa<strong>do</strong> numa mãe distraída mas amante fogosa, como era<br />

Domitila. Descontrola<strong>do</strong> era o amor que, naquela época, ele<br />

devotava à aventu<strong>rei</strong>ra paulista. Mas, a médio prazo, foi a<br />

morte da mulher que acabou provocan<strong>do</strong> a queda da amante<br />

pois, quanto d. Pedro quis se casar de novo, nenhuma<br />

princesa europeia de primeira linha, estava disposta a ter o<br />

mesmo destino da filha <strong>do</strong> Impera<strong>do</strong>r da Áustria. Sua fama de<br />

canalha mulherengo já estava firmada na Europa.<br />

No dia 19 de agosto de 1827, ou seja, nove meses<br />

corri<strong>do</strong>s de viuvez, o visconde de Barbacena partia para a<br />

32 Dizem que, parte <strong>do</strong>s dias de nojo e reclusão decreta<strong>do</strong>s pelo luto<br />

da Imperatriz, d. Pedro passou gostosamente nos braços de<br />

Domitila.<br />

111


Europa atrás de uma nova noiva para d. Pedro. Para aplainar a<br />

missão de seu envia<strong>do</strong>, o próprio impera<strong>do</strong>r escreveu ao seu<br />

ex-sogro prometen<strong>do</strong> tomar juízo. E de fato o impera<strong>do</strong>r da<br />

Áustria, à revelia de seu ministro Metternich, tentou ajudar um<br />

pouco pois queria uma boa madrasta para os netos brasileiros.<br />

O primeiro alvo seria a princesa Lu<strong>do</strong>vica Guilhermina ou<br />

então sua irmã Maria Ana, ambas irmãs <strong>do</strong> <strong>rei</strong> da Baviera.<br />

Nenhum das duas quis a grande honra. A má notícia foi dada<br />

pelo ex-sogro de d. Pedro em 27 de novembro de 1827. A<br />

próxima meta passou a ser a princesa Mariana Ricarda da<br />

Sardenha. No eventual desinteresse desta, a princesa de<br />

Nápoles também servia. Ambas, devidamente alertadas da má<br />

fama <strong>do</strong> moço casa<strong>do</strong>iro, recusaram a proposta. Duas<br />

princesas suecas também declinaram <strong>do</strong> convite. Diante de<br />

tanta dificuldade o impera<strong>do</strong>r resolveu montar uma verdadeira<br />

equipe multinacional de caças-noivas composta <strong>do</strong> visconde<br />

de Pedra Branca, <strong>do</strong> coronel de Brack e <strong>do</strong> sr. Dumoulin. O<br />

sucesso não veio de imediato, mas eles trabalharam com<br />

empenho, envian<strong>do</strong> cartas e pedin<strong>do</strong> ajuda <strong>do</strong>s alcoviteiros da<br />

Europa. A próxima recusa foi <strong>do</strong> pai da moça Luisa, princesa<br />

de Baden, filha de Estefânia de Beauharnais e <strong>do</strong> Grão duque<br />

de Baden. A mãe da pretendida, porém, não quis desperdiçar a<br />

chance. Lembrou-se de que seu irmão estava precisan<strong>do</strong> casar<br />

uma filha e sugeriu que ela fosse procurada pelos caças-noivas.<br />

A tal sobrinha era neta da ex-mulher da Napoleão - Josefina<br />

de Beauharnais - e filha de Eugênio de Beauharnais e de d.<br />

Augusta Amélia, esta filha <strong>do</strong> <strong>rei</strong> da Baviera e se chamava<br />

Amélia. Essa sim, era a mulher de verdade que d. Pedro estava<br />

procuran<strong>do</strong>. Amélia Augusta Eugênia Napoleona de<br />

Beauharnais - princesa de Leuchtemberg, consultada, aceitou a<br />

112


proposta e pôs fim ao vexame que d. Pedro vinha passan<strong>do</strong><br />

nas cortes europeias, sen<strong>do</strong> sistematicamente recusa<strong>do</strong> como<br />

um mau parti<strong>do</strong>. 33 Celebra<strong>do</strong> o casamento por procuração, a<br />

princesa chegou ao Rio de Janeiro em outubro de 1829. Era<br />

belíssima, plena de atrativos no viço <strong>do</strong>s seus dezoito anos.<br />

De Domitila de Castro, aos trinta e <strong>do</strong>is anos, depois<br />

de sucessivas gravidezes, já não se podia dizer o mesmo. Na<br />

verdade, ela sempre aparentou mais idade <strong>do</strong> que tinha, e mais<br />

experiência também. De sorte que d. Pedro finalmente<br />

tomava juízo e despachava a amante para São Paulo, para<br />

nunca mais voltar. Com a nova imperatriz teria apenas uma<br />

filha pois, naquele tempo, como já demos notícia, ele já não<br />

era tão fogoso. Também an<strong>do</strong>u muito tempo longe da esposa,<br />

guerrean<strong>do</strong> contra o irmão em terras portuguesas. Domitila<br />

ainda manteria o costume e, enquanto teve condições, foi<br />

procrian<strong>do</strong> por aí.<br />

Mas, justiça seja feita, d. Pedro conseguiu dar ao Brasil<br />

duas imperatrizes oriundas das melhores casas da nobreza<br />

europeia, tornan<strong>do</strong>-se contraparente de figuras <strong>do</strong> mais puro<br />

sangue azul que a Europa produzia. 34 Pouca gente se dá conta<br />

33 D. Amélia teria aceito o convite por influência de seu tio, então<br />

<strong>rei</strong> da Baviera, que como constitucionalista, tinha boa imagem<br />

política de d. Pedro. Só assim foi possível vencer o boicote de<br />

Metternich que vinha trabalhan<strong>do</strong> contra o casório pois não gostava<br />

nem um pouco de d. Pedro, seja pelas suas idéias liberais seja pelo<br />

sofrimento que infringira a d. Leopoldina.<br />

34 No caso da segunda esposa nem tanto, pois o incremento da<br />

nobreza <strong>do</strong>s Beauharnais vinha <strong>do</strong> fato de Napoleão ter se casa<strong>do</strong><br />

com Josefina de Beauharnais - avó de d. Amélia - e ele nem era tão<br />

nobre assim.<br />

113


de que nosso impera<strong>do</strong>r foi concunha<strong>do</strong> de Napoleão<br />

Bonaparte - o impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s franceses. Sim, pois em 1810<br />

Napoleão tinha se casa<strong>do</strong> com d. Maria Luisa, irmã de d.<br />

Leopoldina. Também foi concunha<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>rei</strong> Orcar da Suécia<br />

já que ele era casa<strong>do</strong> com uma das irmãs de d. Amélia, a<br />

segunda esposa.<br />

Curiosas e intrincadas eram as relações de parentesco<br />

entre os nobres europeus naquela época. É que os casamentos<br />

entre as casas nobres era um delica<strong>do</strong> jogo político teci<strong>do</strong><br />

como uma teia de aranha de conveniências políticas e<br />

inconveniências genéticas 35 . Metternich o to<strong>do</strong> poderoso<br />

ministro austríaco, gerente-geral da Santa Aliança, por<br />

exemplo, costumava influir diretamente nos arranjos<br />

matrimoniais das cortes europeias, usan<strong>do</strong> isso para costurar<br />

alianças e garantir a restauração absoluta das casas reais que<br />

tinham si<strong>do</strong> fragmentadas por Bonaparte. Atuava como uma<br />

espécie de grande agente matrimonial que, se não podia<br />

facilitar um casamento, podia muito bem, dificultá-lo. Ele teve<br />

influência direta nos <strong>do</strong>is casamentos de d. Pedro, embora não<br />

tenha consegui<strong>do</strong>, com nenhum desses casamentos frear a<br />

veia liberal <strong>do</strong> nosso impera<strong>do</strong>r. Também com Napoleão,<br />

Metternich não teve melhor sorte pois o casamento com a<br />

filha de Francisco I não impediu que o impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s<br />

franceses continuasse a hostilizar a Áustria. Na verdade os<br />

casamentos costura<strong>do</strong>s ao longo <strong>do</strong> século XIX não<br />

conseguiram vida longa para os <strong>rei</strong>nos da Europa. É que o<br />

povo já estava fican<strong>do</strong> cansa<strong>do</strong> das cabeças coroadas e a<br />

alvorada constitucionalista já raiava rutilante.<br />

35 Coisa de que já falamos um poço quan<strong>do</strong> tratamos da genealogia<br />

<strong>do</strong>s Bragança.<br />

114


O pomo está maduro.<br />

Em primeiro de agosto de 1822 d. Pedro emitiu um<br />

decreto contundente e, na mesma data, fez uma proclamação<br />

ao povo brasileiro. Formam um conjunto que vale como uma<br />

autêntica antecipação da aclamação de independência. O<br />

decreto, nas palavras de Tarquínio Barbosa, se constitui numa<br />

“verdadeira declaração de guerra à antiga metrópole”. Nele o príncipe<br />

regente declarava inimigas todas as tropas que as Cortes<br />

viessem a despachar para o Brasil bem como as tripulações<br />

<strong>do</strong>s navios que as transportassem. Determinava que, caso<br />

tentassem desembarcar, deveriam ser rechaçadas pelas forças<br />

militares de primeira e segunda linhas e até pelo povo em<br />

armas. Em determina<strong>do</strong> ponto da proclamação que completa<br />

o decreto diz ele:<br />

“Acordemos pois, generosos habitantes deste vasto e poderoso<br />

Império; pois está da<strong>do</strong> o grande passo da vossa independência e<br />

felicidade, há muito tempo preconiza<strong>do</strong> pelos grandes políticos da Europa.<br />

Já sois um povo soberano; já entrastes na grande sociedade das nações<br />

independentes a que tínheis to<strong>do</strong> o di<strong>rei</strong>to”.<br />

Embora o processo da independência já estivesse<br />

claramente em curso desde janeiro de 1822, para muitos o<br />

rompimento político lusobrasileiro ainda é aquela coisa meio<br />

tresloucada que teve lugar intempestivamente numa bela tarde<br />

<strong>do</strong> dia sete de setembro <strong>do</strong> ano de 1822, no decorrer de uma<br />

viagem que, afinal, nem tinha muita relevância política. As<br />

dissidências da junta de São Paulo eram muito mais uma<br />

questão pessoal <strong>do</strong>s Andradas <strong>do</strong> que uma ameaça à<br />

autoridade <strong>do</strong> regente. Desta forma, a viagem às plagas<br />

paulista não era uma questão particularmente crítica. Que<br />

acontecesse o gesto final <strong>do</strong> rompimento às margens <strong>do</strong><br />

Ipiranga foi, pois, mais uma questão de hora <strong>do</strong> que de lugar.<br />

115


Está claro que d. Pedro foi digerin<strong>do</strong> o processo de<br />

separação com um certo comedimento, mas os fatores<br />

desencadea<strong>do</strong>res se movimentavam com rapidez e ele soube<br />

acompanhar o ritmo para não ser atropela<strong>do</strong>.<br />

No meio <strong>do</strong>s vários folclores que distorcem nossa<br />

História, não poderia faltar, é claro, o da proclamação<br />

setembrina. A cena nos foi passada carregada de teatralidade<br />

épica, coisa que sempre nos parece um tanto cômica. Sen<strong>do</strong><br />

assim, não poderia deixar de inspirar algum deboche, mesmo<br />

porque, pelo vício da comparação simplista, muita gente segue<br />

não conseguin<strong>do</strong> entender a forma como nossa independência<br />

se deu, embora ela tenha segui<strong>do</strong> a mais formal e comportada<br />

lógica histórica.<br />

Pela pior tradição folclórica, a separação de Portugal<br />

teria si<strong>do</strong> simples fruto casual <strong>do</strong> mau jeito de d. Pedro por<br />

conta de uma indisposição estomacal que vinha lhe<br />

incomodan<strong>do</strong> desde Santos e que se agravou desajeitadamente<br />

às vistas <strong>do</strong> Ipiranga, obrigan<strong>do</strong>-o a dar a umas cartas, que<br />

tinha acaba<strong>do</strong> de receber, uma destinação inusitada, o que o<br />

impediu de lê-las. Adverti<strong>do</strong> da leviandade <strong>do</strong> que tinha feito,<br />

ele teria si<strong>do</strong> assalta<strong>do</strong> por um violento mau-humor e apela<strong>do</strong><br />

para aquele gesto cinematográfico sem sequer ter podi<strong>do</strong><br />

avaliar o conteú<strong>do</strong> das cartas. Mas, ao contrário <strong>do</strong> que quis<br />

insinuar a piada de mau gosto, as tais cartas – lidas ou não -<br />

tiveram influência desprezível na decisão pois, como dito, a<br />

situação vinha se agravan<strong>do</strong> e o ambiente político às vésperas<br />

<strong>do</strong> rompimento era extremamente agita<strong>do</strong>, tanto no Brasil<br />

quanto em Portugal. Em Lisboa, como vimos, os deputa<strong>do</strong>s<br />

brasileiros eram hostiliza<strong>do</strong>s pelas Cortes que queriam o puro<br />

e simples retorno <strong>do</strong> Brasil à condição de colônia. Havia<br />

excesso de arrogância colonialista e falta de bom senso<br />

constitucionalista. D. Pedro era trata<strong>do</strong> como um moleque e<br />

116


intima<strong>do</strong> a voltar à Europa para completar a deficiente<br />

formação escolar que tinha adquiri<strong>do</strong> na América. Deveria<br />

ficar passean<strong>do</strong> pela Europa uns tempos, toman<strong>do</strong> banhos de<br />

cultura nas principais capitais, longe da política. Afinal ele<br />

tinha sai<strong>do</strong> de Portugal com nove anos de idade e agora, aos<br />

vinte e três anos, não passava de um matuto iletra<strong>do</strong> que tinha<br />

vivi<strong>do</strong> em excessiva promiscuidade com raças inferiores sob o<br />

calor in<strong>do</strong>lente <strong>do</strong> trópico.<br />

As cartas que d. Pedro recebeu às margens <strong>do</strong> Ipiranga<br />

tratavam, genericamente falan<strong>do</strong>, <strong>do</strong>s desman<strong>do</strong>s das Cortes e<br />

de ameaças militares, mas nada disso era novidade e já vinha<br />

num crescen<strong>do</strong> desde setembro de 1821. A hostilidade já<br />

estava posta, tanto que alguns deputa<strong>do</strong>s brasileiros se<br />

recusaram a embarcar para Portugal para participar das<br />

discussões constitucionais, sabe<strong>do</strong>res de que pouca influência<br />

poderiam exercer numa assembleia onde, além de serem<br />

minoria, ainda tinham as galerias a apupá-los. A agravar ainda<br />

mais, lembremos o fato de que muitos <strong>do</strong>s deputa<strong>do</strong>s<br />

brasileiros não o eram de fato pois, embora nasci<strong>do</strong>s no<br />

Brasil, eram residentes em Portugal onde exerciam disputa<strong>do</strong>s<br />

cargos na administração <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no e da igreja. A lembrar,<br />

também, que o próprio presidente da assembleia de Lisboa era<br />

nada menos <strong>do</strong> que o arcebispo da Bahia. Uma das suas<br />

principais preocupações era garantir tropas portuguesas que<br />

pudessem afrontar os patriotas baianos. O chamamento da<br />

representação brasileira nos debates, de fato, era puro jogo de<br />

cena liberal pois raríssimos parlamentares lusos estavam<br />

dispostos a manter as concessões que d. João VI tinha feito ao<br />

seu <strong>rei</strong>no tropical. No final, a maioria <strong>do</strong>s nossos deputa<strong>do</strong>s<br />

acabou aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong> Lisboa, protestan<strong>do</strong> quanto ao exíguo<br />

espaço que lhes era faculta<strong>do</strong>.<br />

117


No Brasil, pouco antes da independência, <strong>do</strong>is<br />

parti<strong>do</strong>s se estranhavam. Um era o parti<strong>do</strong> brasileiro, ten<strong>do</strong><br />

como braços a maçonaria, a oficialidade nativa e a imprensa.<br />

O outro era o parti<strong>do</strong> português, forma<strong>do</strong> pela Divisão<br />

Auxilia<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> exército luso, pelos antigos funcionários da<br />

corte e por comerciantes. Enquanto d. João VI ainda estava<br />

no Brasil matutan<strong>do</strong> se devia voltar ou não, não havia muitas<br />

diferenças e os brasileiros tinham por bandeira principal<br />

apoiar o constitucionalismo português que lhes parecia um<br />

avanço notável para reger o novo status de <strong>rei</strong>no que d. João<br />

VI concedera ao Brasil. Com a volta <strong>do</strong> <strong>rei</strong> para Portugal<br />

deixan<strong>do</strong> d. Pedro como regente, isso foi mudan<strong>do</strong><br />

rapidamente e os brasileiros passaram a sentir que tinha si<strong>do</strong><br />

criada a grande chance de ruptura com Portugal e de<br />

implantação de uma monarquia constitucional brasileira, com<br />

d. Pedro I à frente. A partir daí os <strong>do</strong>is parti<strong>do</strong>s passaram a<br />

atuar pelas suas respectivas bandeiras e não deixou de correr<br />

sangue nos momentos mais quentes.<br />

O primeiro incidente político que d. Pedro teve que<br />

enfrentar sozinho, nem tinha posto ainda os parti<strong>do</strong>s em<br />

verdadeiro confronto. O inimigo comum de portugueses e<br />

brasileiros era o absolutismo, ou seja, o excesso de poder<br />

concentra<strong>do</strong> nas mãos da Casa de Bragança e que as Cortes<br />

queriam podar ao máximo. O incidente aconteceu quan<strong>do</strong> o<br />

regente relutou em jurar as bases da constituição elaborada em<br />

Lisboa. Alegou que os deputa<strong>do</strong>s brasileiros não tinham<br />

participa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s debates pois ainda não tinham ti<strong>do</strong> tempo de<br />

se incorporar à assembleia de Lisboa. Também achava que<br />

não precisava jurar o que já tinha jura<strong>do</strong>. Mas pressiona<strong>do</strong><br />

tanto por brasileiros quan<strong>do</strong> pela tropa, d. Pedro teve que<br />

voltar atrás. Era o dia 05 de junho de 1821. Viveria o primeiro<br />

<strong>do</strong>s muitos dias de agitação militar e popular que teve que<br />

118


enfrentar em seu curto perío<strong>do</strong> de regência. As bases da nova<br />

constituição tinham chega<strong>do</strong> ao Brasil poucos dias antes. O<br />

<strong>do</strong>cumento, como o próprio príncipe regente tinha alega<strong>do</strong>,<br />

determinava que as condições constitucionais estendidas ao<br />

Brasil só seriam estabelecidas depois que os deputa<strong>do</strong>s<br />

brasileiros tivessem condições de participar <strong>do</strong>s debates.<br />

Portanto, nada tinha que ser feito por enquanto. Não<br />

obstante, firmou-se aquele movimento para obrigar d. Pedro a<br />

jurar obediência às tais bases. A exigência era essencialmente<br />

política, já que a própria constituição já tinha si<strong>do</strong> jurada<br />

extemporaneamente em 26 de feve<strong>rei</strong>ro, quan<strong>do</strong> os trabalhos<br />

constitucionais ainda estavam em esta<strong>do</strong> de gestação. Mas o<br />

fato é que esse detalhe lógico não tinha a menor importância<br />

pois o que se queria mesmo era aporrinhar o príncipe regente<br />

e desgastá-lo politicamente, minan<strong>do</strong> sua autoridade como<br />

quereriam as Cortes cada vez mais.<br />

Melo Morais sugere que por trás <strong>do</strong> movimento da<br />

tropa se postava o conde de Louzã que estava louco para<br />

derrubar o conde <strong>do</strong>s Arcos, amigo e principal conselheiro de<br />

d. Pedro. Na véspera o príncipe tinha parti<strong>do</strong> para Santa Cruz<br />

para cuidar de seu mistér fazendeiro. À noite foi avisa<strong>do</strong> de<br />

que o batalhão de caça<strong>do</strong>res de São Cristóvão estava<br />

amotina<strong>do</strong>, o que o fez voltar a acelera<strong>do</strong> galope como era de<br />

seu feitio. Foi direto tirar satisfação com os rebeldes, mas eles<br />

desconversaram. Tomaram uma descompostura, contu<strong>do</strong> não<br />

se intimidaram. Na manhã seguinte a tropa amotinada,<br />

engrossada por mais três batalhões, ia se postar<br />

desafia<strong>do</strong>ramente na praça <strong>do</strong> Rossio. Informa<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

ajuntamento d. Pedro, mais uma vez, partiu a galope para o<br />

meio <strong>do</strong> tumulto. Interroga<strong>do</strong>s os rebela<strong>do</strong>s pediram o<br />

juramento das bases da constituição, o afastamento <strong>do</strong> conde<br />

<strong>do</strong>s Arcos e a formação de uma junta de governo à qual o<br />

ministério da regência teria que prestar contas. Pela primeira<br />

119


eivindicação o príncipe já esperava, a segunda o pegou de<br />

surpresa e o encheu de indignação. Quis ganhar tempo,<br />

chaman<strong>do</strong> ao ajuntamento os eleitores fluminenses, para<br />

opinarem em nome <strong>do</strong> povo. Não deu certo pois os eleitores<br />

consulta<strong>do</strong>s acabaram ratifican<strong>do</strong> o pleito <strong>do</strong>s militares sem<br />

nenhuma dificuldade. Mas o comandante militar <strong>do</strong> Rio de<br />

Janeiro – general Jorge de Avilez - com apoio da tropa,<br />

acabaria ganhan<strong>do</strong> papel de destaque e aí é que estaria a pedra<br />

no sapato de d. Pedro, onde permaneceria por mais de um<br />

ano. A junta então formada, por falta de uma maior definição<br />

<strong>do</strong> que devia fazer, acabou dissolvida. Contu<strong>do</strong>, começava aí<br />

uma série de confrontos entre o príncipe regente e o<br />

comandante de armas, chefe da divisão portuguesa.<br />

Mas a maior vítima <strong>do</strong> episódio seria o conde <strong>do</strong>s<br />

Arcos. Ele foi preso ao cair da noite <strong>do</strong> dia 10 de junho e<br />

embarca<strong>do</strong> para Portugal com a roupa <strong>do</strong> corpo. D. Pedro<br />

nada pôde fazer e talvez nem quisesse pois, afinal, era a<br />

chance que surgia dele ficar livre <strong>do</strong>s boatos de que ele não<br />

passava de um joguete nas mãos <strong>do</strong> conde <strong>do</strong>s Arcos. D.<br />

Marcos de Noronha e Brito – o conde <strong>do</strong>s Arcos – cumpriria<br />

pena na Torre de Belém, em Lisboa, acusa<strong>do</strong> injustamente de<br />

conspirar contra o constitucionalismo das Cortes. Logo ele<br />

que tinha si<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s principais mentores liberais <strong>do</strong><br />

príncipe. Morreria em 1828 com cinqüenta e cinco anos, mas<br />

não sem antes ter ti<strong>do</strong> a chance de ver a constituição de seu<br />

pupilo d. Pedro outorgada a Portugal.<br />

O Conde de Louzã, por sua vez, continuaria seguin<strong>do</strong><br />

car<strong>rei</strong>ra pelo la<strong>do</strong> aposto, se tornan<strong>do</strong> ministro <strong>do</strong> governo<br />

absolutista de d. Miguel. Ele teria atribuí<strong>do</strong> ao próprio d.<br />

Miguel a culpa pela perda da coroa “pela sua exaltação, vaidade e<br />

ignorância”.<br />

120


Na carta que d. Pedro man<strong>do</strong>u a d. João VI, contan<strong>do</strong><br />

as ocorrências de 05 de junho, ele diminuiu ao máximo o<br />

episódio. Lavou as mãos como pôde e explicou singelamente<br />

ao pai: “ju<strong>rei</strong> as bases por mim já juradas, quan<strong>do</strong> ju<strong>rei</strong> a constituição<br />

in totum. To<strong>do</strong>s os demais juraram e eu fui jantar à chácara às cinco e<br />

meia da tarde”<br />

Com a tropa, porém, o príncipe regente foi mais direto<br />

e man<strong>do</strong>u um reca<strong>do</strong> de que se fosse constrangi<strong>do</strong> a tomar<br />

mais qualquer decisão sob pressão, deixaria o Brasil no dia<br />

seguinte. Mas, no geral, teve que contemporizar e administrar<br />

a realidade de que a tropa portuguesa tinha se arvora<strong>do</strong> da<br />

condição de zela<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s interesses das Cortes de Lisboa e ele<br />

estava sozinho para enfrentar essa situação pois, nessa altura,<br />

ainda não tinham começa<strong>do</strong> os ardis das Cortes para reverter<br />

a grande autonomia que d. João VI tinha concedi<strong>do</strong> ao Brasil.<br />

Então to<strong>do</strong>s estavam completamente felizes com a união <strong>do</strong>s<br />

<strong>rei</strong>nos de Portugal e Brasil e apenas ansiavam que ela fosse<br />

colocada debaixo de uma constituição liberal que garantisse ao<br />

Brasil um certo espaço para gerir seu próprio destino.<br />

Em vinte e quatro de abril de 1821 – mesmo dia em<br />

que d. João VI embarcava de volta para Portugal - as Cortes<br />

tentaram criar um problema cabelu<strong>do</strong> para d. Pedro,<br />

reconhecen<strong>do</strong> a legitimidade de todas as juntas provisórias<br />

criadas no Brasil e que se mostravam comprometidas com a<br />

“sagrada causa da regeneração política da nação portuguesa”. Quer<br />

dizer, seriam legítimas todas as juntas obedientes às Cortes,<br />

independentemente da autoridade <strong>do</strong> príncipe. Assim,<br />

começava ce<strong>do</strong> a manobra de esvaziamento da regência<br />

americana. As juntas <strong>do</strong> Pará, Bahia e Maranhão, que tinham<br />

si<strong>do</strong> inspira<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> decreto, foram as primeiras a gostar da<br />

honra e se declararam desligadas da autoridade de d. Pedro.<br />

121


As de São Paulo e Minas, ameaçaram seguir-lhes o exemplo e<br />

outras o fizeram de verdade.<br />

A autoridade d. Pedro, delegada pelo pai, recebia um<br />

duro golpe. Em lugar de ser regente <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no <strong>do</strong> Brasil ele<br />

estava ameaça<strong>do</strong> de ter sua autoridade restrita ao governo da<br />

província <strong>do</strong> Rio de Janeiro, como se fosse um mero<br />

governa<strong>do</strong>r. Em 17 de julho escrevia a d. João VI, se<br />

queixan<strong>do</strong> dessa infame ameaça:<br />

“Hoje sou capitão-general porque governo só a província (<strong>do</strong> Rio<br />

de Janeiro) e assim assento o que qualquer junta poderá fazer, para que<br />

a Vossa Majestade não se degrade a si, sen<strong>do</strong> o seu herdeiro, como<br />

governa<strong>do</strong>r de uma província só”.<br />

Foi o pior perío<strong>do</strong> da regência. Parecia que o <strong>rei</strong>no <strong>do</strong><br />

Brasil se desmanchava sob os pés <strong>do</strong> príncipe, apenas três<br />

meses depois dele assumir o encargo real. Teve que ser<br />

paciente contu<strong>do</strong> pois não tinha forças para reverter aquela<br />

situação. Então o fascínio pelas cortes lisboetas estava no<br />

auge. Mas d. Pedro soube ser paciente, contrarian<strong>do</strong> sua<br />

inquieta natureza. Abriu um parêntese no seu projeto político<br />

imediato, secun<strong>do</strong>u os negócios <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>, relaxou e passou a<br />

cultivar laços de festiva amizade com a tropa portuguesa. Nem<br />

seu pai faria melhor. Foi um perío<strong>do</strong> descontraí<strong>do</strong> que duraria<br />

até final de setembro de 1821. D. Pedro e a princesa se<br />

tornaram freqüenta<strong>do</strong>res assíduos de bailes e festas militares.<br />

Passaram até a frequentar a casa de Jorge Avilez, onde, às<br />

vezes, o regente ia desacompanha<strong>do</strong> de d. Leopoldina pois<br />

também gostava de cortejar a mulher <strong>do</strong> general, a bela d.<br />

Joaquina. Entregou-se a esses <strong>do</strong>ces misteres de alcova e de<br />

caserna e até se esqueceu um pouco <strong>do</strong>s aborrecimentos<br />

castrenses. Suas cartas ao pai nesse perío<strong>do</strong> se tornaram mais<br />

amenas. Chegaria mesmo a esquecer sua habitual sovinice,<br />

122


liberan<strong>do</strong> nada menos <strong>do</strong> que 53 contos de <strong>rei</strong>s para a<br />

realização de um monumental baile para mil e trezentas<br />

pessoas, incluso nas palavras dele mesmo, incorrigível<br />

cronista: “Camarotes to<strong>do</strong>s arma<strong>do</strong>s com galão de prata, festões de<br />

flores das mais finas, muitas luzes, uma ótima ceia.”<br />

Mas, a partir de setembro de 1821, a intenção das<br />

Cortes de recolonizar o Brasil, começou a se tornar mais clara<br />

aos olhos <strong>do</strong> povo brasileiro e a causa emancipa<strong>do</strong>ra foi<br />

crescen<strong>do</strong> e se aceleran<strong>do</strong> Em mea<strong>do</strong>s daquele mês já<br />

circulavam boatos de que no dia 12 de outubro – dia <strong>do</strong><br />

aniversário de d. Pedro - os brasileiros iriam proclamá-lo<br />

impera<strong>do</strong>r. Mesmo desconhecen<strong>do</strong> o que ia aquela altura no<br />

Brasil, foi já nesse clima que as Cortes tomaram a decisão mais<br />

indicativa das suas intenções regressivas. Pelos tais decretos,<br />

produzi<strong>do</strong>s em 29 de setembro de 1821, d. Pedro foi insta<strong>do</strong> a<br />

regressar e foi decidi<strong>do</strong> que as tropas portuguesas<br />

estacionadas no Brasil deveriam ser reforçadas. Foi aí que se<br />

estabeleceu uma linha divisória definitiva, brasileiros e<br />

portugueses passaram a pugnar mais claramente em campos<br />

opostos e d. Pedro sentiu que podia contar com algum<br />

respal<strong>do</strong> para ir adiante à sua ambição em relação ao Brasil<br />

onde queria ser <strong>rei</strong>, mais ce<strong>do</strong> ou mais tarde. Mas isso não o<br />

seduziu de imediato como uma simples paixão, mesmo<br />

porque, como veremos mais adiante, naquela altura, nem ele<br />

nem nenhum político de mais destaque pensava em desligar-se<br />

<strong>do</strong> <strong>rei</strong>no uni<strong>do</strong>.<br />

Havia menos de seis meses que d. João tinha entregue<br />

a ele a regência <strong>do</strong> Brasil. Por mais que tivesse pressa, ainda<br />

sentia a presença <strong>do</strong> pai. A ele enviaria uma carta cheia de<br />

fidelidade onde dizia:<br />

123


“A independência que se tem queri<strong>do</strong> cobrir comigo e com a<br />

tropa; com nenhum conseguiu, nem conseguirá, porque a minha honra e a<br />

dela são maiores <strong>do</strong> que to<strong>do</strong> o Brasil; queriam-me, e dizem que me<br />

querem aclamar impera<strong>do</strong>r, protesto a Vossa Majestade que nunca se<strong>rei</strong><br />

perjuro, que nunca lhe se<strong>rei</strong> falso, e que eles farão essa loucura, mas será<br />

depois de eu e to<strong>do</strong>s os portugueses estarem feitos em postas.”<br />

Enquanto isso, a maçonaria ganhava corpo e o moto<br />

<strong>do</strong> seu crescimento era o alinhamento <strong>do</strong>s patriotas brasileiros<br />

que sentiam que uma grande chance de mudança estava em<br />

gestação, longe de Portugal.<br />

Enfim, agora estavam forma<strong>do</strong>s os parti<strong>do</strong>s brasileiro<br />

e português, posta<strong>do</strong>s em la<strong>do</strong>s diversos e que já marchavam<br />

celeremente para se tornarem la<strong>do</strong>s contrários. A bem da<br />

verdade, o parti<strong>do</strong> brasileiro contava também com ilustres<br />

figurantes nasci<strong>do</strong>s em Portugal. Vários portugueses natos<br />

tiveram papel preponderante na emancipação, tanto no<br />

exército, quanto na política e até nas ruas. Portanto, o local de<br />

nascimento não era o fator principal a discriminar os parti<strong>do</strong>s,<br />

embora fosse lembra<strong>do</strong> primeiro quan<strong>do</strong> se queria discriminar<br />

as pessoas.<br />

Em janeiro de 1822 os Andradas se incorporaram ao<br />

ministério da regência. D. Pedro tinha escolhi<strong>do</strong> o seu la<strong>do</strong>. A<br />

independência estava em marcha e ele começou a mexer as<br />

peças <strong>do</strong> jogo, às vezes comedi<strong>do</strong>, às vezes afoito, às veze<br />

sozinho, às vezes leva<strong>do</strong> por outros.<br />

A primeira medida de caráter militar tomada por d.<br />

Pedro foi a determinação de que a Divisão Auxilia<strong>do</strong>ra<br />

retornasse a Portugal, o que ocorreu em 15 de feve<strong>rei</strong>ro de<br />

1822. No mês seguinte, a divisão que vinha para reforçar a<br />

primeira foi impedida de desembarcar e teve que retornar. D.<br />

Pedro então é proclama<strong>do</strong> “defensor perpétuo <strong>do</strong> Brasil”. Portugal<br />

124


tinha deixa<strong>do</strong> de ser a pátria-mãe e os seus exércitos passavam<br />

a ser trata<strong>do</strong>s como invasores.<br />

A esperta proposta de fazer <strong>do</strong> príncipe regente<br />

defensor perpétuo surgiu <strong>do</strong> brigadeiro Domingos Alves<br />

Branco Moniz Barreto e foi lançada numa reunião da<br />

maçonaria. Atingiu em cheio a vaidade de d. Pedro e influiu<br />

intensamente na sua disposição pela separação. Foi proposto<br />

o dia 13 de maio para a proclamação e assim foi feito.<br />

Coincidia com a data <strong>do</strong> aniversário de d. João VI e aquele<br />

presente certamente não o agradaria. A proclamação foi<br />

seguida de um desfile militar com 4.000 participantes. A<br />

guarda de honra desfilou em uniformes novos de inspiração<br />

austríaca, em homenagem a d. Leopoldina. Em 21 de maio<br />

escrevia ao pai “Defende<strong>rei</strong> o Brasil que tanto me honrou (...) tal é o<br />

meu dever como brasileiro. D. João deve ter suspira<strong>do</strong> e se<br />

conforma<strong>do</strong> com certa amargura, acreditan<strong>do</strong>, contu<strong>do</strong>, que<br />

quan<strong>do</strong> o filho herdasse o trono português, aquela ameaça de<br />

perda <strong>do</strong> Brasil se corrigisse.<br />

Em junho era convocada uma assembleia geral<br />

constituinte e legislativa brasileira. Em agosto d. Pedro vai a<br />

São Paulo tentar acomodar as dissidências da junta provisória<br />

paulista. É ai que recebe as cartas de d. Leopoldina e <strong>do</strong>s<br />

irmãos Andradas, informan<strong>do</strong>-o de que as Cortes ameaçavam<br />

radicalizar ainda mais e que o clima no Brasil era propício à<br />

separação. Fica saben<strong>do</strong> que um corpo de sete mil<br />

expedicionários portugueses estava sen<strong>do</strong> prepara<strong>do</strong> para vir<br />

ao Brasil e que os deputa<strong>do</strong>s de Lisboa passaram a tratá-lo<br />

como se fosse um moleque. Um deles disse em plenário: “Se<br />

examinarmos atentamente o caráter e o procedimento <strong>do</strong> príncipe<br />

encontramos um mancebo vazio de experiência, arrebata<strong>do</strong> pelo amor da<br />

novidade e por um insaciável desejo de figurar, vacilante em princípios,<br />

incoerente em ação, contraditório em palavras.”<br />

125


Numa das cartas enviadas a d. Pedro sua mulher teria<br />

dito “o pomo está maduro, colhe-o já, senão apodrece.” 36 E ele<br />

resolveu fazê-lo. Não pelas cartas, claro, mas pela soma de<br />

tanta circunstância instiga<strong>do</strong>ra. Infelizmente para a futura<br />

indigitada imperatriz, naquela viagem ele iria colher um outro<br />

fruto muito apetitoso. É que poucos dias antes ele tinha<br />

conheci<strong>do</strong> Domitila de Castro Canto e Melo. Para a princesa<br />

iriam começar problemas novos, para seu mari<strong>do</strong> os<br />

problemas velhos não iriam acabar. Aliás, os piores só viriam<br />

alguns anos depois.<br />

Doze dias depois da proclamação, sem saber ainda <strong>do</strong><br />

fato da independência, as Cortes anulavam to<strong>do</strong>s os atos de d.<br />

Pedro. Um <strong>do</strong>s deputa<strong>do</strong>s o chamou de “desgraça<strong>do</strong> e miserável<br />

rapaz.” Foi intima<strong>do</strong> a regressar à Portugal sob pena de ser<br />

incurso em crime de traição. Tinha colhi<strong>do</strong> o pomo na hora<br />

certa, mas a fruta não estava ainda no ponto. O passo seguinte<br />

requeria capricho nos rituais monárquicos pois um império<br />

pede grandeza e seu impera<strong>do</strong>r pede majestade. O Brasil seria<br />

um império e seu impera<strong>do</strong>r seria coroa<strong>do</strong> no dia primeiro de<br />

dezembro de 1822 com toda a pompa que fosse possível, tão<br />

36 Essa referência de Otávio Tarquínio de Sousa não é confirmada<br />

pela maioria <strong>do</strong>s historia<strong>do</strong>res que informam que na carta que d.<br />

Leopoldina man<strong>do</strong>u ao mari<strong>do</strong> em São Paulo ela o exortava a voltar<br />

o mais rápi<strong>do</strong> possível pois que o clima não estava bom,<br />

principalmente na Bahia. Mas não falava de oportunidades a serem<br />

aproveitadas. Neil Macaulay afirma que a carta citada por Tarquínio<br />

não existe.<br />

126


longe da Europa. Mas não faltou nem coroa e nem cetro para<br />

entronar o primeiro e único <strong>rei</strong>no da América 37 .<br />

Mas a separação de Portugal não foi feita só de<br />

oportunidades e entusiasmos. Havia focos de resistência<br />

lusófona na Bahia, no Maranhão, no Piauí, no Pará e em<br />

Montevidéu. D. Pedro correu a fortalecer o exército brasileiro<br />

para enfrentar o perigo, corren<strong>do</strong> contra o fato de que nossa<br />

armada levou algum tempo para absorver um mínimo de jeito<br />

militar. Isso não seria consegui<strong>do</strong> senão depois de incorporar<br />

oficiais e solda<strong>do</strong>s estrangeiros, conforme uma política<br />

colocada em prática por d. Pedro logo após a independência.<br />

Dela fazia parte a absorção de portugueses que quisessem<br />

servir ao Brasil, colonos e mercenários alemães e irlandeses,<br />

imigra<strong>do</strong>s sob promessas um tanto desonestas de agentes<br />

inescrupulosos.<br />

A respeito da qualidade da vocação militar no Brasil, o<br />

príncipe Wied-Neuwied anotava em 1817: “A diferença entre os<br />

solda<strong>do</strong>s vin<strong>do</strong>s da Europa, depois de terem servi<strong>do</strong>s na Espanha sob as<br />

ordens de Wellington, e aqueles que não saíram <strong>do</strong> Brasil impõe-se à<br />

primeira vista. Aqueles têm o aspecto to<strong>do</strong> militar, estes são vagarosos e<br />

amolenta<strong>do</strong>s pelo calor <strong>do</strong> clima. Acaba<strong>do</strong> o exercício mandam os negros<br />

levar suas armas para casa.”<br />

<strong>Os</strong> primeiros meses <strong>do</strong> ano de 1823 gastou-os d.<br />

Pedro concentra<strong>do</strong> na questão militar que provinha<br />

inexoravelmente <strong>do</strong> fato de que o Brasil era um império com<br />

extensas fronteiras, escoradas em dezenas de pequenos<br />

esta<strong>do</strong>s republicanos, lutan<strong>do</strong> para se consolidar. Além <strong>do</strong><br />

mais, a antiga metrópole acabava de ter de engolir a perda de<br />

37<br />

Desconsideran<strong>do</strong>, a trágica experiência <strong>do</strong> grãoduque<br />

Maximiliano da Áustria, no efêmero trono mexicano.<br />

127


sua mais rica colônia e não tinha como reverter isso a não ser<br />

pela força o que, até então, não tinha tenta<strong>do</strong> com verdadeiro<br />

empenho. O impera<strong>do</strong>r sabia que tinha que montar uma<br />

armada capitaneada por uma marinha de guerra de primeira<br />

linha. O mun<strong>do</strong> estava cheio de mercenários prontos para isso<br />

e também havia corretores em to<strong>do</strong>s os principais portos,<br />

apregoan<strong>do</strong> barcos mercantes à venda, facilmente adaptáveis<br />

para fins militares. Portanto, a hora era essa, quer pela<br />

necessidade, quer pela oportunidade.<br />

Quan<strong>do</strong> lord Cochrane chegou <strong>do</strong> Chile para<br />

comandar a esquadra que d. Pedro tinha forma<strong>do</strong>, encontrou<br />

um ban<strong>do</strong> de banheiras velhas reformadas mas com razoável<br />

condição de batalha, mesmo porque, o inimigo estava mais ou<br />

menos na mesma condição.<br />

Maria Graham, como mulher de capitão, tinha mania<br />

de contar navios. De sorte que ela anotou no seu diário os<br />

nomes de algumas embarcações que faziam parte desta<br />

nascente armada brasileira: Liberal, Niterói, Pedro I, Carolina,<br />

União, Maria da Glória, Real e Nightingale, soman<strong>do</strong> um total<br />

de 300 bocas de fogo. Registra, ainda, as embarcações da frota<br />

portuguesa: d. João VI, Constituição, Pérola, Princesa Real,<br />

Dez de Feve<strong>rei</strong>ro, Ativa, Calípso, Regeneração, Audaz,<br />

Prontidão, Emília, Conceição e os navios mercantes arma<strong>do</strong>s,<br />

São Domingos, Restauração, São Gualter e Bizarra,<br />

perfazen<strong>do</strong> um total de 398 canhões.<br />

Entre os comandantes da frota brasileira, Maria<br />

Graham registra nomes de gente competente como o capitão<br />

americano David Jeweet, o francês Teo<strong>do</strong>r Beaurepaire, os<br />

ingleses capitão John Taylor e capitão Crosbie.<br />

Em março de 1823, grande parte da nascente força da<br />

marinha <strong>do</strong> Brasil levantou âncoras <strong>do</strong> Rio de Janeiro e<br />

128


enfunou as velas em direção à Bahia. Era lá que estava<br />

estabelecida a maior resistência contra a separação<br />

lusobrasileira. Tu<strong>do</strong> começou em 09 de dezembro de 1821,<br />

quan<strong>do</strong> uma carta régia, nomeou o brigadeiro português<br />

Inácio Luis Madeira de Melo governa<strong>do</strong>r de armas da<br />

província da Bahia. Acontece que o brigadeiro brasileiro<br />

Manuel Pedro da Silva Guimarães já ocupava esse cargo e,<br />

naquela altura, os parti<strong>do</strong>s brasileiro e português já tinham<br />

assumi<strong>do</strong> suas diferenças com toda a nitidez. Madeira acabou<br />

forçan<strong>do</strong> a barra e, escora<strong>do</strong> numa carta de nomeação <strong>do</strong><br />

próprio d. João VI, ocupou o posto com a aquiescência da<br />

junta de governo. Mas estabeleceu-se um conflito que deitou<br />

uma inflamada linha divisória entre os militares portugueses e<br />

os brasileiros. As diferenças se acentuaram após a<br />

proclamação da independência. Pretendia Madeira centrar em<br />

Salva<strong>do</strong>r um foco de resistência militar para tentar<br />

heroicamente reverter a situação. Contu<strong>do</strong>, contava apenas<br />

com os parcos recursos que as Cortes tinham condições de<br />

desviar para o Brasil.<br />

A resistência durou mais de um ano e as Cortes se<br />

limitaram a despachar um modesto reforço de 3.700 solda<strong>do</strong>s<br />

portugueses para fincar o tal foco de resistência. Era o<br />

derradeiro e patético esforço militar vota<strong>do</strong> para tentar<br />

reconquistar o Brasil às vésperas das próprias Cortes serem<br />

dissolvidas.<br />

Depois de várias batalhas o exército brasileiro, ten<strong>do</strong><br />

Rodrigo Delamare à frente da força naval ajuda<strong>do</strong> pelo<br />

brigadeiro francês Pierre Labatut e ten<strong>do</strong> José Joaquim de<br />

Lima e Silva à frente das forças terrestres, conseguiu a<br />

rendição e expulsão de Madeira para Portugal. <strong>Os</strong> solda<strong>do</strong>s<br />

portugueses voltaram para casa humilha<strong>do</strong>s e entraram na<br />

boca <strong>do</strong> Tejo um tanto espavori<strong>do</strong>s ten<strong>do</strong> o capitão John<br />

129


Taylor nos calcanhares. Essa foi a principal guerra da<br />

independência e fez um monte de vítimas e heróis.<br />

Desde o fim das guerras com Napoleão a Europa<br />

estava cheia de veteranos mercenários, valentes e capazes. 38<br />

Cochrane era um deles. Depois de duras negociações<br />

comerciais a ele foi entregue o coman<strong>do</strong> da marinha e a<br />

missão de sufocar as revoltas na Bahia e no Maranhão.<br />

Cochrane tinha combati<strong>do</strong> Napoleão servin<strong>do</strong> brilhantemente<br />

a marinha britânica e desde 1817 andava pela América <strong>do</strong> Sul,<br />

prestan<strong>do</strong> serviços aos rebeldes das colônias espanholas,<br />

combaten<strong>do</strong> ao la<strong>do</strong> de Bolívar, O’Higgns e San Martin. Era,<br />

portanto, um veterano em guerras de independência<br />

latinoamericanas. Não teve dificuldades de completar sua<br />

missão com êxito. Em reconhecimento d. Pedro lhe concedeu<br />

o título de marques <strong>do</strong> Maranhão. Foi o primeiro almirante da<br />

marinha <strong>do</strong> Brasil.<br />

Outro importante militar que se pôs a serviço de d.<br />

Pedro foi o general Carlos Frederico Lecor. Ele era português<br />

mas aceitou o convite para integrar o exército brasileiro,<br />

receben<strong>do</strong> a missão de combater seus ex-comanda<strong>do</strong>s que<br />

resistiam em Montevidéu em nome de Portugal. Venceu-os a<br />

<strong>do</strong>is de agosto de 1824. Foi a última resistência portuguesa.<br />

Ainda haveria a experiência da Confederação <strong>do</strong> Equa<strong>do</strong>r que<br />

tentaria transformar algumas províncias brasileiras num leque<br />

de pequenas repúblicas a partir de Pernambuco, sem sucesso.<br />

(Julho de 1824). A independência e o império estavam<br />

definitivamente consolida<strong>do</strong>s e, com exceção de Montevidéu,<br />

38<br />

Mais tarde d. Pedro iria empregar muitos outros deles na guerra<br />

de restauração <strong>do</strong> trono de d. Maria II em Portugal.<br />

130


as províncias estavam asseguradas para integrar, mais tarde, a<br />

federação <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s da República <strong>do</strong> Brasil, suceden<strong>do</strong> o<br />

império que d. Pedro tinha cria<strong>do</strong> setenta e sete anos antes.<br />

Foi esse o país que os Bragança nos legaram.<br />

Mas, voltemos à questão <strong>do</strong> caldeirão de razões que<br />

aquecia a disposição de d. Pedro para a proclamação da<br />

independência. E aqui há de se acentuar que, muito mais<br />

eloqüente <strong>do</strong> que as tais cartas que ele recebeu às margens <strong>do</strong><br />

Ipiranga na tarde <strong>do</strong> dia sete de setembro de 1822, resulta ser<br />

a carta que ele enviou ao pai, datada de dezenove de junho de<br />

1822. Nelas, mais de uma vez, ele se identifica como “nós, os<br />

brasileiros”. Começa por chamar as Cortes de “facciosas,<br />

horrorosas e pestíferas” Mais adiante completa: “o Brasil (...) não só<br />

abomina e detesta essas (as cortes), mas não lhes obedece, nem lhes<br />

obedecerá mais”.<br />

É nesta carta que o, então príncipe regente <strong>do</strong> Brasil,<br />

lembra ao pai a recomendação que este lhe fizera as vésperas<br />

de partir: “Pedro se o Brasil se separar antes seja para ti, que me hás de<br />

respeitar <strong>do</strong> que para alguns desses aventu<strong>rei</strong>ros”.<br />

Na carta, informa ainda, que os brasileiros queriam<br />

fazer dele <strong>rei</strong> <strong>do</strong> Brasil e fazer de d João VI impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />

<strong>rei</strong>no uni<strong>do</strong>, e adverte:<br />

“se isso acontecer, recebe<strong>rei</strong> as aclamações, porque não hei de me opor à<br />

vontade <strong>do</strong> povo a ponto de retroceder; mas sempre, se me deixarem, hei<br />

de pedir licença a V. M. para aceitar porque eu sou bom filho e fiel<br />

súdito”.<br />

Nesta carta ao pai, d. Pedro também anexava<br />

representações <strong>do</strong> sena<strong>do</strong> da câmara <strong>do</strong> Rio de Janeiro<br />

exortan<strong>do</strong>-o a tomar decisões não tão veladamente a favor <strong>do</strong><br />

rompimento com Portugal, ao que ele respondeu:<br />

131


“Fico ciente da vontade <strong>do</strong> povo <strong>do</strong> Rio e tão depressa saiba a das mais<br />

províncias (...) me conforma<strong>rei</strong> com o voto <strong>do</strong>s povos deste grande, fértil e<br />

riquíssimo <strong>rei</strong>no”.<br />

Na mesma carta, anexa ainda, uma cópia <strong>do</strong> decreto de<br />

três de junho de 1822 convocan<strong>do</strong> a assembleia geral<br />

constituinte e legislativa <strong>do</strong> Brasil. Ainda em junho – dia 22 –<br />

o príncipe regente, ao tomar posse como membro de uma<br />

entidade maçônica, jurava defender a independência <strong>do</strong> Brasil.<br />

De tu<strong>do</strong> isso, é lícito entender que, pelo menos quatro<br />

meses antes da proclamação <strong>do</strong> Ipiranga, as condições<br />

deflagra<strong>do</strong>ras da separação já estavam inteiramente postas,<br />

faltan<strong>do</strong> apenas um ou outro alinhavo. Vale dizer, de um la<strong>do</strong>,<br />

a situação <strong>do</strong> ano anterior estava inteiramente mudada e o<br />

povo já estava inteiramente desencanta<strong>do</strong> com o<br />

constitucionalismo das Cortes de Lisboa, certos de que o que<br />

os deputa<strong>do</strong>s portugueses queriam de fato era <strong>rei</strong>mplantar o<br />

regime colonial. Portanto, o Brasil devia buscar sua própria<br />

fórmula constitucional. Do outro la<strong>do</strong>, estava d. Pedro cheio<br />

de vaidade com sua popularidade, entusiasman<strong>do</strong> com o seu<br />

papel de defensor perpétuo <strong>do</strong> Brasil e preocupa<strong>do</strong> com a<br />

possibilidade <strong>do</strong>s brasileiros resolverem fazer <strong>do</strong> império uma<br />

federação de repúblicas. Também, sentimental como era,<br />

temia ofender o pai, toman<strong>do</strong>-lhe o pedaço mais rico <strong>do</strong>s seus<br />

<strong>do</strong>mínios. Mas tentava atenuar esse caroço justifican<strong>do</strong><br />

previamente o que, talvez, já estivesse convenci<strong>do</strong> <strong>do</strong> que teria<br />

que fazer. Aliás, outra não era a intenção da carta de dezenove<br />

de junho. No meio desses precedentes, não se falava<br />

oficialmente em separação mais sim em buscar uma saída<br />

132


satisfatória para fortalecer as relações entre Brasil e Portugal 39 .<br />

De qualquer forma, quan<strong>do</strong> d. Pedro recebeu as cartas de d.<br />

Leopoldina e <strong>do</strong>s Andradas às margens <strong>do</strong> riacho <strong>do</strong> Ipiranga,<br />

tu<strong>do</strong> já estava costura<strong>do</strong> e talvez ele só estivesse mesmo era<br />

esperan<strong>do</strong> um retrós para bordar uma alegoria histórica. As<br />

Cortes lhe ofereceram o retrós e ele só teve que laçar o<br />

arremate.<br />

Em 24 de setembro as Cortes, ainda sem saber <strong>do</strong><br />

bra<strong>do</strong> <strong>do</strong> Ipiranga, promulgaram um decreto declaran<strong>do</strong> nulos<br />

to<strong>do</strong>s os atos de d. Pedro, mandan<strong>do</strong> apurar a<br />

responsabilidades <strong>do</strong>s atos <strong>do</strong>s ministros sobre as decisões <strong>do</strong><br />

regente e intiman<strong>do</strong>-o a retornar a Portugal em um mês, sob<br />

pena de perder os di<strong>rei</strong>tos de herança. Tarde demais: a<br />

separação tinha si<strong>do</strong> proclamada na hora certa.<br />

Patriarcas e musas<br />

José Bonifácio de Andrada e Silva foi mesmo o<br />

patriarca da independência? Etimologicamente, com certeza,<br />

apenas parcialmente. Historicamente cabem polêmicas.<br />

Patriarca, quem sabe pela idade, pois o líder da notável trinca<br />

de políticos paulistas da família Andrada tinha já quase<br />

sessenta anos quan<strong>do</strong> assumiu o coman<strong>do</strong> <strong>do</strong> ministério de d.<br />

Pedro I, pouco antes <strong>do</strong> Grito <strong>do</strong> Ipiranga. Mas, para que o<br />

epíteto lhe caísse com correta propriedade, seria necessário<br />

39<br />

Como veremos a seguir, a ruptura <strong>do</strong>s laços lusobrasileiros não<br />

era o primordial objetivo até mea<strong>do</strong>s de 1822. O que d. Pedro e<br />

seus principais apoia<strong>do</strong>res queriam, até então, era estabelecer um<br />

<strong>rei</strong>no brasileiro, autônomo, mas uni<strong>do</strong> à Portugal.<br />

133


que ele fosse um separatista histórico, detalhe que passa longe<br />

da biografia <strong>do</strong> ilustre santista. Suas ligações com Portugal<br />

eram muito fortes. Ele até tinha si<strong>do</strong> herói de guerra,<br />

comandan<strong>do</strong> o batalhão <strong>do</strong>s acadêmicos de Coimbra contra as<br />

forças de Napoleão. Viveu em Portugal durante trinta e seis<br />

anos, debaixo de muito prestígio junto ao mun<strong>do</strong> científico,<br />

político e acadêmico luso. An<strong>do</strong>u por toda a Europa por<br />

conta de bolsas de estu<strong>do</strong> e pesquisa concedidas pelo governo<br />

português. Pertenceu à Academia de Ciências de Lisboa, deu<br />

aulas em Coimbra, ocupou cargos importantes como agente<br />

da Coroa Portuguesa, especialmente na área mineralógica.<br />

Quer dizer, tinha um funda dívida de gratidão para com a mãe<br />

pátria pois ela tinha si<strong>do</strong> muito gentil com ele. Voltou ao<br />

Brasil só depois de aposenta<strong>do</strong> e com uma pensão <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>.<br />

Então d. João já tinha cria<strong>do</strong> o Reino Uni<strong>do</strong>, os laços entre<br />

Brasil e Portugal estavam fortes e amenos como nunca e ele já<br />

podia viver na sua própria terra, em pé de igualdade cívica<br />

com os irmãos portugueses. Aliás, até melhor <strong>do</strong> que isso,<br />

pois o centro <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no era então o Rio de Janeiro e não Lisboa<br />

e era ali que se podia viver próximo ao poder. Voltou<br />

aposenta<strong>do</strong>, ou jubila<strong>do</strong>, como também se dizia então. Mas<br />

ficar para<strong>do</strong> não era mesmo com José Bonifácio. Assim,<br />

retomou as pesquisas científicas nas cercanias da cidade de<br />

São Paulo e, ativo como era, logo se meteu na política paulista,<br />

exercen<strong>do</strong> papel de combativa liderança, como era <strong>do</strong> seu<br />

feitio. Uniu, com habilidade e autoridade, os paulistas em<br />

torno <strong>do</strong> príncipe regente e lhe deu o respal<strong>do</strong> político que o<br />

Rio de Janeiro e Minas vieram completar, seguran<strong>do</strong> a<br />

regência <strong>do</strong> príncipe que as Cortes queriam cassar. À frente <strong>do</strong><br />

ministério mostrou esperteza, visão e energia. Foi muito, mas<br />

não foi tu<strong>do</strong>.<br />

134


Na verdade, o processo de desate das amarras entre o<br />

Brasil e Portugal não teve patriarcas, nem mentores, nem<br />

patronos, nem musas. Foi um processo histórico de evolução<br />

autopropelida, onde várias pessoas assumiram, com<br />

competência, papéis que as próprias circunstâncias lhes<br />

ofereciam assumir. Maçons, estadistas, o príncipe e a<br />

arquiduquesa Leopoldina se uniram e, impulsiona<strong>do</strong>s pelos<br />

anseios <strong>do</strong> povo e pela obtusidade política das cortes<br />

portuguesas, acabaram atingin<strong>do</strong> um objetivo comum e nobre.<br />

É claro<br />

que José Bonifácio e Gonçalves Le<strong>do</strong>, na sua condição de<br />

líderes naturais das suas respectivas facções, tiveram papel de<br />

destaque. Mas há de se lembrar também <strong>do</strong>s demais irmãos<br />

Andrada, de Joaquim José da Rocha, de José Clemente Pe<strong>rei</strong>ra<br />

e tantos outros patriotas. Mas nenhum deles foi<br />

verdadeiramente um precursor ou tutor e não há dúvida que,<br />

até mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ano de 1822, ninguém queria a separação de<br />

Brasil e Portugal. Bastava-lhes que as Cortes produzissem uma<br />

constituição em que os <strong>do</strong>is <strong>rei</strong>nos tivessem situação política<br />

equivalente, dentro de uma mesma nação e debaixo <strong>do</strong> cetro<br />

magnânimo de d. João VI e de seus herdeiros. Então, bastaria<br />

a nós um príncipe regente com autonomia para tratar das<br />

coisas <strong>do</strong> Brasil ao mo<strong>do</strong> brasileiro. Até seria bom se d. João<br />

VI voltasse, mas isso não era fundamental.<br />

A análise mais detida <strong>do</strong> papel de José Bonifácio no<br />

processo da independência requer o indispensável exame de<br />

<strong>do</strong>is <strong>do</strong>cumentos de sua autoria, marcantes como indicativos<br />

da sua posição nos meses críticos de gestação da<br />

independência. O primeiro deles contém as instruções para<br />

atuação da deputação paulista às Cortes de Lisboa. O<br />

<strong>do</strong>cumento está data<strong>do</strong> de 09 de outubro de 1821. Portanto,<br />

foi produzi<strong>do</strong> apenas onze meses antes da proclamação<br />

135


separatista e naquele instante, o dito patriarca, com certeza,<br />

ainda não cultivava ideias de ser infiel à pátria mãe. Àquela<br />

altura estava claro que a preocupação <strong>do</strong>s Andradas e, aliás, da<br />

maioria <strong>do</strong>s políticos brasileiros, era apenas conquistar a tal<br />

posição igualitária para o Brasil no concerto <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no uni<strong>do</strong>.<br />

Essa era a suprema missão <strong>do</strong>s deputa<strong>do</strong>s paulistas envia<strong>do</strong>s a<br />

Lisboa. O próprio d. Pedro, indubitavelmente, partilhava<br />

dessa visão concilia<strong>do</strong>ra. Tanto que ele ficou<br />

entusiasmadíssimo com o conteú<strong>do</strong> das instruções, quan<strong>do</strong><br />

Antônio Carlos, chefe da deputação paulista, as apresentou a<br />

ele no dia 09 de novembro de 1821, às vésperas de embarcar<br />

para Lisboa.<br />

O primeiro mandamento das instruções de<br />

José Bonifácio pregava: “integridade e indivisibilidade <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no<br />

uni<strong>do</strong>”. Outro mandamento propunha que a sede <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no<br />

uni<strong>do</strong> fosse no Brasil ou, quem sabe, no Rio e em Lisboa<br />

alternadamente. Um outro ponto propunha a criação de leis<br />

orgânicas para regular a união. Ao mesmo tempo, o<br />

<strong>do</strong>cumento continha uma série de propostas legais e de<br />

governo buscan<strong>do</strong> pragmaticamente lançar bases sólidas para<br />

viabilizar a união lusobrasileira. Não tenho nenhuma dúvida<br />

de que, se as instruções inspiradas por José Bonifácio tivessem<br />

si<strong>do</strong> absorvidas pela Cortes de Lisboa, a independência teria<br />

si<strong>do</strong> retardada em algumas décadas. O segun<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>cumento interessante a que nos referimos é a carta que José<br />

Bonifácio enviou a d. Pedro, datada de 24 de dezembro de<br />

1821. <strong>Os</strong> <strong>do</strong>is <strong>do</strong>cumentos nos permite notar uma certa<br />

mudança de humor mas, mesmo então, o Andrada ainda não<br />

pensava em independência, nem em seus sonhos mais<br />

agita<strong>do</strong>s. A correspondência enviada ao, então príncipe<br />

regente <strong>do</strong> Brasil, em nome da junta paulista de governo,<br />

protestava contra os decretos das Cortes de 29 de setembro de<br />

1821 . Em essência exortava d. Pedro a permanecer no Brasil,<br />

136


evitan<strong>do</strong>: “deixar-nos em mísera orfandade, arrancan<strong>do</strong> <strong>do</strong> seio da<br />

grande família brasileira o único pai comum que nos restava depois de<br />

terem esbulha<strong>do</strong> o Brasil <strong>do</strong> benéfico funda<strong>do</strong>r desde <strong>rei</strong>no o augusto pai<br />

de V. A. Real. E mais adiante: “Como ousam roubar a V.A. Real o<br />

lugar-tenente que seu augusto pai, nosso <strong>rei</strong>, concedera-lhe.<br />

A preocupação de José Bonifácio então, como dito,<br />

não era a independência e sim a ameaça de recolonização. O<br />

Brasil inteira fazia coro com a mesma indignação <strong>do</strong> paulista,<br />

repudian<strong>do</strong> a grosseira e inábil manobra das cortes lisboetas.<br />

Rio de Janeiro e Minas, também se manifestaram oficialmente<br />

solidárias à permanência de d. Pedro no Brasil. Daí que, em 09<br />

de janeiro de 1822, acontecia o “Fico”, primeiro passo efetivo<br />

para a independência. A partir de então os acontecimentos se<br />

precipitariam vertiginosamente. José Bonifácio iria assumir a<br />

testa <strong>do</strong> ministério poucos dias depois mas, naquele<br />

memorável dia, os irmãos Andrada estavam longe e, quem<br />

organizou a representação simbólica <strong>do</strong> eloquente gesto com<br />

notável maestria, foram os fluminenses, com o mineiro<br />

Joaquim José da Rocha e o português José Clemente Pe<strong>rei</strong>ra à<br />

frente.<br />

Parece que de início o próprio d. Pedro quis atenuar o<br />

caráter rebelde <strong>do</strong> ato <strong>do</strong> “Fico”. Tanto que sua verdadeira<br />

declaração aos representantes <strong>do</strong> sena<strong>do</strong> da câmara na ocasião<br />

foi:<br />

“Convenci<strong>do</strong> de que a presença da minha pessoa no Brasil interessa ao<br />

bem de toda a nação portuguesa e, conheci<strong>do</strong> que a vontade de algumas<br />

províncias assim o requer, demo<strong>rei</strong> a minha saída até que as Cortes e<br />

meu augusto pai e Senhor deliberem a este respeito com perfeito<br />

conhecimento <strong>do</strong> que tem ocorri<strong>do</strong>”.<br />

137


<strong>Os</strong> organiza<strong>do</strong>res <strong>do</strong> ato acharam a declaração muito<br />

timorata e desproporcional ao entusiasmo <strong>do</strong> povo. Assim,<br />

propuseram fazer um arranjo na ata e mudar a declaração para<br />

o:<br />

“Como é para o bem de to<strong>do</strong>s e felicidade geral da nação, estou pronto,<br />

diga ao povo que fico”.<br />

D. Pedro acabou concordan<strong>do</strong> com o ajuste e assim<br />

foi feito para júbilo geral.<br />

Muitos acham realmente exagera<strong>do</strong> o peso da<br />

participação que se atribui a José Bonifácio de Andrada e Silva<br />

no processo da independência. Cito, a seguir, o que teriam<br />

dito dele alguns notáveis conspira<strong>do</strong>res e políticos da época 40 .<br />

José Joaquim da Rocha dizia que ele “não era partidário da nossa<br />

causa”: “Esse homem não fez a independência”, dizia o cônego<br />

Januário da Cunha Barbosa. “Aderiu quan<strong>do</strong> a revolução já se<br />

podia considerar triunfante”, protestou o brigadeiro Luis Pe<strong>rei</strong>ra<br />

da Nóbrega. O marquês de Sapucaí declarou: “Cooperou muito<br />

menos <strong>do</strong> que se pensa. Obedeceu às circunstâncias porque não lhe era<br />

possível resistir.”<br />

Mello Morais conta ter ouvi<strong>do</strong> <strong>do</strong> marquês de Olinda<br />

que José Bonifácio era contra a independência porque, com<br />

ela iria perder as vantagens que recebia <strong>do</strong> Erário Real.<br />

Enfim, para muitos, durante seu perío<strong>do</strong> a frente <strong>do</strong><br />

ministério, às vésperas da emancipação; o principal empenho<br />

<strong>do</strong> velho Andrada era combater o radicalismo da turma de<br />

40 Cita<strong>do</strong> por Heytor Lira in “História de D. Pedro II”.<br />

138


Joaquim Gonçalves Le<strong>do</strong>, neutralizan<strong>do</strong> o empenho <strong>do</strong> grupo<br />

em obter uma independência completa e rápida.<br />

Há um certo exagero nas críticas que elenquei acima e<br />

não há de se esquecer que elas vieram basicamente <strong>do</strong>s<br />

inimigos de José Bonifácio, agrupa<strong>do</strong>s na facção que lhe era<br />

hostil dentro da maçonaria carioca. Tu<strong>do</strong> não passava de mera<br />

disputa de espaço junto ao ouvi<strong>do</strong> precioso de d. Pedro pois,<br />

no fun<strong>do</strong>, to<strong>do</strong>s queriam a mesma coisa e to<strong>do</strong>s abominavam<br />

os movimentos republicanos que pipocavam nas províncias<br />

mais distantes.<br />

Não é correto imaginar-se que Gonçalves Le<strong>do</strong><br />

pensava diferente de José Bonifácio e quisesse uma<br />

independência imediata e radical. Isso está evidencia<strong>do</strong> numa<br />

proclamação feita por ele a d. Pedro em junho de 1822: “O<br />

Brasil quer ter o mesmo <strong>rei</strong>, mas não quer (ter) senhores nos Deputa<strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong> congresso de Lisboa. O Brasil quer independência, mas firmada sobre<br />

a união bem entendida com Portugal; quer, enfim, apresentar duas<br />

grandes famílias regidas pelas suas leis, presas pelos seus interesses,<br />

obedientes ao mesmo chefe.”<br />

Até pode ser que José Bonifácio tenha ti<strong>do</strong> algum<br />

melindre em desfechar o golpe final <strong>do</strong> processo da<br />

independência, mas é inegável que foi ele quem efetivamente<br />

o fez. Sabe-se, com toda a certeza, que ele e a princesa<br />

Leopoldina coordenaram uma reunião <strong>do</strong> ministério onde foi<br />

aprovada a proclamação da independência. Foi logo depois<br />

dela que Emílio Bregaro partiu com as cartas que encontraram<br />

d. Pedro nas cercanias <strong>do</strong> Ipiranga e o instigaram a proclamar,<br />

finalmente, a separação. Ninguém sabe o conteú<strong>do</strong> exato das<br />

ditas cartas mas nelas, muito provavelmente, o ministro dava<br />

ciência ao regente <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong>s decretos das Cortes de 23<br />

139


de julho de 1822 e procurava convencê-lo de que era chegada<br />

a fatídica hora, não havia mais o que esperar.<br />

Esses decretos determinavam que:<br />

- D. Pedro podia permanecer no Brasil “governan<strong>do</strong>, entretanto,<br />

com sujeição de El-<strong>rei</strong> e das Cortes, (somente) as províncias que<br />

atualmente governa, e lhe obedecem”;<br />

- Tornava nula a convocação da constituinte brasileira;<br />

- Mandava processar o ministério de d. Pedro, responsável<br />

pela convocação (quer dizer, José Bonifácio incluso);<br />

- Mandava processar os membros da Junta de São Paulo<br />

(incluso José Bonifácio, mais uma vez).<br />

Está certo que havia fortes interesses pessoais de José<br />

Bonifácio embuti<strong>do</strong>s nos decretos, mas ele não seria tão<br />

medíocre a ponto de deixar passar a oportunidade que, afinal,<br />

continha a contundência necessária a provocar a carga de<br />

indignação pública que o desfecho final requeria. Arrasta<strong>do</strong> ou<br />

não, ele fez o que tinha que fazer como ministro e brasileiro.<br />

Ademais, ele não era homem de desperdiçar os<br />

espaços que lhe davam ou que conquistava com fina<br />

habilidade. Era cativante pelas maneiras e pela inteligência e<br />

tinha histórias interessantes para contar sobre os quatro<br />

cantos da Europa. É inegável que d. Pedro e d. Leopoldina<br />

eram fascina<strong>do</strong>s pelo Andrada. Principalmente a princesa que,<br />

encontrava nele, toda aquela fineza de caráter que faltava no<br />

círculo das amizades mais íntimas <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>. Confiava nele e<br />

viu no velho um meio seguro de conduzir d. Pedro para o<br />

la<strong>do</strong> que desejava. Daí, ele deve ter se senti<strong>do</strong> à vontade para<br />

140


manobrar naquele campo delica<strong>do</strong> onde a política e a emoção<br />

se chocavam com frequência, inclusive as suas próprias.<br />

Heytor Lira defende a ideia de que nem José<br />

Bonifácio, nem d. Pedro queriam, de fato, a separação <strong>do</strong><br />

Brasil de Portugal. Tanto que, mesmo depois <strong>do</strong> grito de sete<br />

de setembro, nos <strong>do</strong>cumentos assina<strong>do</strong>s por d. Pedro ele se<br />

intitulava ainda “príncipe regente”, assinan<strong>do</strong> em nome de d.<br />

João VI, <strong>rei</strong> de Portugal. Lyra especula que, na época, a<br />

palavra “independência” admitia também a conotação de<br />

“autonomia” e não necessariamente de “separação” ou<br />

“ruptura”. Assim, o que José Bonifácio incentivava era a<br />

autonomia <strong>do</strong> Brasil em relação às Cortes de Lisboa e não<br />

propriamente em relação à coroa de d. João VI. Há um grande<br />

exagero na interpretação proposta pelo principal biógrafo de<br />

d. Pedro II. Ninguém tinha dúvida, não só quanto ao<br />

significa<strong>do</strong> correto da palavra independência, como também<br />

em relação a forma capaz de concretizá-la. Tanto que, que em<br />

outubro de 1821, diante <strong>do</strong>s boatos de que estava em curso<br />

um movimento marginal para proclamá-lo impera<strong>do</strong>r; ele se<br />

apressava a escrever ao pai aquela carta, já citada, em que<br />

dizia:<br />

“A independência, tem-se queri<strong>do</strong> cobrir comigo e com a tropa; com<br />

nenhum conseguiu ou conseguirá, porque – minha honra e a dela é maior<br />

que to<strong>do</strong> o Brasil. Queriam me dizer que querem me aclamar impera<strong>do</strong>r.<br />

Protesto a Vossa Majestade que nunca se<strong>rei</strong> perjuro.”<br />

Apesar das juras, deu no que deu e em 12 de outubro<br />

<strong>do</strong> ano seguinte d. Pedro era aclama<strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r o que,<br />

inequivocamente, selava e carimbava a independência. É<br />

provável que, nesse precípuo episódio, a turma de Gonçalves<br />

Le<strong>do</strong> tenha da<strong>do</strong> um ligeiro empurrão em José Bonifácio e<br />

141


apressa<strong>do</strong> a formalização <strong>do</strong> processo de separação. Apelaram<br />

para a vaidade de d. Pedro mais uma vez e o lembraram de<br />

que o Brasil era um grande império, livre e soberano. Assim,<br />

ele tinha que parar já com aquele hábito de ser prínciperegente<br />

governan<strong>do</strong> em nome <strong>do</strong> pai e assumir seu próprio<br />

trono, como um verdadeiro impera<strong>do</strong>r. Teria si<strong>do</strong>, então, o<br />

ato de sagração definitiva de um Brasil independente, até<br />

porque, o povo não admitiria qualquer atenuante de bolso de<br />

colete. Era, enfim, o ato indispensável para entusiasmar o<br />

povo e a tropa para enfrentar a reação mais radical que viria<br />

de Portugal e das províncias mais lusófilas.<br />

Mas foi aí, quer dizer, depois da consolidação <strong>do</strong><br />

processo, que José Bonifácio despiu a simpatia e passou a<br />

mostrar a face mais crua da sua personalidade: a falta de<br />

escrúpulos e a perseguição tenaz de seus desafetos políticos.<br />

É difícil atribuir juízos de valor para tais características, em se<br />

tratan<strong>do</strong> de um político da estatura de José Bonifácio, às<br />

voltas com a tarefa, nada singela, de ajudar a construir uma<br />

nação. Mas fato é que, assim que se viu fortaleci<strong>do</strong> à sombra<br />

<strong>do</strong> novo poder imperial, ele passou a infernizar a vida de seus<br />

opositores. Man<strong>do</strong>u prender Gonçalves Le<strong>do</strong> que, no<br />

entanto, conseguiu escapar e se refugiar na Argentina. A<br />

pendenga entre os Andradas e os maçons <strong>do</strong> Grande Oriente,<br />

contu<strong>do</strong>, continuaria cheia de intrigas e maldades. Até que em<br />

julho de 1823 d. Pedro acabou perden<strong>do</strong> a confiança nos<br />

Andradas e os afastou definitivamente <strong>do</strong> ministério 41 . Eles,<br />

41 Como se recorda, em 28 de outubro de 1822 os Andradas<br />

pediram demissão <strong>do</strong> ministério, mas foram reconduzi<strong>do</strong>s logo<br />

depois nos braços <strong>do</strong> povo. Segun<strong>do</strong> alguns autores esse episódio<br />

foi uma farsa perpetrada pelos partidários <strong>do</strong>s Andradas com a<br />

concordância <strong>do</strong> próprio d. Pedro. Foi então que José Bonifácio se<br />

142


claro, não ficaram amua<strong>do</strong>s, choramingan<strong>do</strong> pelos cantos. Ao<br />

contrário, passaram para a oposição, fundaram o jornal “O<br />

Tamoio” e passaram a atazanar d. Pedro como nunca<br />

ninguém tinha feito, tanto na imprensa quanto no parlamento.<br />

Acabou que d. Pedro encheu-se novamente, fechou a<br />

assembléia e exilou José Bonifácio e sua turma na Europa.<br />

Mas o<br />

impera<strong>do</strong>r gostava muito <strong>do</strong> seu velho amigo. Tanto que foi<br />

dele que se lembrou para tutor <strong>do</strong> pequeno Pedro, quan<strong>do</strong><br />

abdicou nele o império <strong>do</strong> Brasil e voltou para Portugal. Foi<br />

então que José Bonifácio mostrou que, aos sessenta e oito<br />

anos, ainda estava cheio de energia e preservava aquela mesma<br />

tenacidade e amor ao poder <strong>do</strong>s velhos tempos. Continuou<br />

intrigan<strong>do</strong>, conspiran<strong>do</strong> e atazanan<strong>do</strong> seus adversários sempre<br />

que surgia uma chance. Até diziam que ele planejava<br />

seqüestrar o menino impera<strong>do</strong>r e dar um golpe de esta<strong>do</strong>.<br />

Pode ser exagero mas, naquele tempo, d. Pedro II não passava<br />

de uma criança assustada e os supostos inimigos <strong>do</strong> velho<br />

tutor eram muito mais fortes <strong>do</strong> que ele. Assim, acabou<br />

exonera<strong>do</strong> da tutoria e exila<strong>do</strong> mais uma vez. 42 Desta vez em<br />

Niteroi onde veio a morrer em 1838 com setenta e cinco<br />

anos, relativamente pobre e ainda dan<strong>do</strong> conselhos sobre os<br />

segre<strong>do</strong>s de Maquiavel.<br />

Contrato de compra e venda<br />

tornou um verdadeiro primeiro-ministro, temi<strong>do</strong> por seus<br />

adversários e com toda a razão.<br />

42 Contam que ele teve que ser retira<strong>do</strong> à força <strong>do</strong> palácio pois,<br />

apesar da avançada idade, pegou um porrete a ameaçou resistir à sua<br />

exoneração.<br />

143


Dentre as várias desconfianças que d. Pedro<br />

despertou nos brasileiros uma das mais contundentes foi a<br />

suspeita, ou melhor, a desagradável sensação de que o trata<strong>do</strong><br />

de reconhecimento da independência, celebra<strong>do</strong> entre Brasil e<br />

Portugal, não passava de um contrato de compra e venda,<br />

onde o Brasil fez um mau negócio econômico e político,<br />

pagan<strong>do</strong> um preço absur<strong>do</strong> por algo que já tinha si<strong>do</strong><br />

legitimamente conquista<strong>do</strong> e não precisava custar tanto.<br />

Negócio de filho para pai, enfim. E as suspeitas tinham razão<br />

de ser, mesmo porque, o impera<strong>do</strong>r sempre mostrou<br />

inequívoco respeito pelo pai e se esforçava por não arranharlhe<br />

a claudicante majestade, tarefa delicada para quem lhe<br />

subtraia a maior e mais preciosa parte da Coroa.<br />

O processo começou em março de 1825 quan<strong>do</strong>,<br />

como não poderia deixar de ser, a Inglaterra - onipresente<br />

fada madrinha - se ofereceu para intermediar a transação.<br />

Destacou sir Charles Stuart, um de seus mais ilustres<br />

diplomatas, para chefiar a missão. Na parte mais reservada da<br />

maleta levava ele instruções para negociar acor<strong>do</strong>s comerciais<br />

com o Brasil, celebra<strong>do</strong>s no tempo de d. João e que estavam<br />

para expirar jogan<strong>do</strong> no incerto os negócios <strong>do</strong>s súditos de<br />

Sua Majestade britânica no <strong>rei</strong>no brasileiro. <strong>Os</strong> termos iniciais,<br />

exigi<strong>do</strong>s por Portugal para reconhecer o Império <strong>do</strong> Brasil,<br />

chegavam a ser hilários pelo la<strong>do</strong> político e imorais pelo la<strong>do</strong><br />

econômico. D João, vai<strong>do</strong>so e simplório, solicitava para si o<br />

título de impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil, o que não agregava nada ao seu<br />

poder mas, quem sabe, pudesse florear sua biografia, agora<br />

grandemente ameaçada pela perda da sua colônia mais rica,<br />

depois de mais de trezentos anos de <strong>do</strong>mínio, pauta<strong>do</strong> pelo<br />

bom e leal comportamento <strong>do</strong>s súditos da América. Pelo la<strong>do</strong><br />

sonante, a coroa lusa pedia que o Brasil assumisse metade da<br />

dívida pública de Portugal acumulada até 1817, mais<br />

indenizações correspondentes a to<strong>do</strong>s os bens deixa<strong>do</strong>s no<br />

144


Brasil e mais reembolso de algumas despesas com serviços<br />

burocráticos <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no. Foi apresentada uma conta<br />

discriminan<strong>do</strong> os itens que estavam sen<strong>do</strong> cobra<strong>do</strong>s e que<br />

perfaziam o total de 18 145:424$542, ou seja, 18.145,42<br />

contos de <strong>rei</strong>s que converti<strong>do</strong>s em libras daria 1,8 milhões. 43<br />

Mas essa era apenas a conta <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>, ou seja, relativa<br />

aos bens e despesas da Coroa. Havia os bens pessoais de d.<br />

João, entre os quais, seus imóveis em Santa Cruz e São<br />

Cristóvão. Nada de <strong>do</strong>á-los ao filho, ou antecipar o di<strong>rei</strong>to de<br />

herança. A situação era outra: o Brasil que os comprasse e<br />

<strong>do</strong>asse ao seu impera<strong>do</strong>r e defensor perpétuo.<br />

De posse das contas e diretrizes, Stuart partiu para o<br />

Brasil onde, depois de marchas e contra marchas e sempre<br />

olhan<strong>do</strong> também os interesses britânicos, acertou com d.<br />

Pedro uma contra proposta recheada de amor filial. O Brasil<br />

assumiria uma dívida que Portugal tinha com a Inglaterra no<br />

valor de 1,4 milhões de libras e repassaria 600 mil libras a<br />

Portugal, sen<strong>do</strong> 250 mil direto para o bolso de d. João, a título<br />

de indenização pessoal. Ou seja, o trata<strong>do</strong> de reconhecimento<br />

da independência por parte de Portugal custaria 2 milhões de<br />

libras esterlinas ou cerca de 19.800 contos de <strong>rei</strong>s 44 . Assim,<br />

43 D. Pedro, numa carta em que conta detalhes da auditoria que fez<br />

nas contas <strong>do</strong> marquês de Barbacena, menciona que uma libra<br />

correspondia a 9$900 <strong>rei</strong>s. Foi esse o câmbio que usamos.<br />

44 É uma quantia significativa. Com base nos valores <strong>do</strong> ouro no<br />

século XVIII, daria para comprar 3.223 arrobas de ouro. Para se ter<br />

uma ideia da magnitude desse valor, basta lembrar que de 1725 a<br />

1751 a capitania de Minas Gerais remeteu 3.402 arrobas de ouro<br />

para Portugal a título <strong>do</strong> imposto <strong>do</strong> quinto. (Devo salientar aqui<br />

minhas restrições a conversão de valores históricos de moedas e<br />

145


para o Brasil, a proposta britânica era pior <strong>do</strong> que a conta<br />

inicialmente apresentada. Quer dizer, de certa forma, pagavase<br />

aquela conta desrespeitosa apresentada logo no início da<br />

negociação e mais alguma coisa. Mesmo assim d. Pedro topou.<br />

É que, além de não querer melindrar o pai, estava ansioso para<br />

que a independência <strong>do</strong> Brasil e a sua condição de impera<strong>do</strong>r<br />

ganhassem o mun<strong>do</strong> o mais rápi<strong>do</strong> possível. De sorte que as<br />

negociações duraram cerca de quatro meses apenas e em 15<br />

de novembro de 1825 d. João punha seu aceite à generosa<br />

proposta de seu ama<strong>do</strong> filho Pedro.<br />

Como dito, pelo la<strong>do</strong> político há no trata<strong>do</strong> um<br />

excesso de zelo em não deixar d. João mal perante os<br />

portugueses e a história. No artigo I esta dito que: “Sua<br />

Majestade Fidelíssima reconhece o Brasil na categoria de império<br />

independente e separa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s <strong>rei</strong>nos de Portugal e Algarves: e o seu sobre<br />

to<strong>do</strong>s muito ama<strong>do</strong> e preza<strong>do</strong> filho d. Pedro por impera<strong>do</strong>r, ceden<strong>do</strong> e<br />

transferin<strong>do</strong> de sua livre vontade a soberania <strong>do</strong> dito império ao mesmo<br />

seu filho e seus legítimos sucessores. Sua majestade penas toma e reserva<br />

para sua pessoa o mesmo título”.<br />

Isso equivalia a dizer, enfim, que o Brasil não havia<br />

conquista<strong>do</strong> a independência. Ao contrário, ela teria si<strong>do</strong> uma<br />

generosa <strong>do</strong>ação de d. João VI, aliás, justamente “O<br />

Magnânimo”. E notem que a <strong>do</strong>ação não era aos brasileiros e<br />

sim ao seu ama<strong>do</strong> e preza<strong>do</strong> filho. Não se tratava da libertação<br />

de uma nação, mas apenas da transferência de um patrimônio<br />

entre pai e filho e ninguém mais tinha nada a ver com isso.<br />

Por isso mesmo d. João ainda quis compartilhar com o filho o<br />

metais, pois dificilmente há convergência quan<strong>do</strong> se usa fontes<br />

diferentes. Trato dessa questão com mais detalhe no livro “Vilas<br />

Ricas, Vilas Pobres”.)<br />

146


pomposo título de Impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil, glorioso inda que<br />

meramente honorário. Doces preciosidades absolutistas às<br />

quais d. Pedro respeitosamente aquiesceu.<br />

As suspeitas <strong>do</strong>s brasileiros, enfim, estavam lastreadas<br />

em pesa<strong>do</strong>s fundamentos. Tanto que o acor<strong>do</strong> de<br />

reconhecimento da independência, por parte de Portugal, foi<br />

manti<strong>do</strong> em segre<strong>do</strong>, dan<strong>do</strong>-se notícia ao povo, apenas da<br />

parte boa <strong>do</strong> trato, ou seja, que a separação tinha si<strong>do</strong><br />

oficialmente reconhecida pela coroa lusitana. Em Portugal a<br />

imprensa divulgou a parte política <strong>do</strong> acor<strong>do</strong>. A parte das<br />

indenizações, porém, ficou selada na discrição <strong>do</strong>s<br />

negocia<strong>do</strong>res e nas gavetas de d. João e d. Pedro, devidamente<br />

fechadas a sete chaves. 45 Mas, de qualquer forma, foi a partir<br />

daí que, realmente, o Império <strong>do</strong> Brasil se tornou uma<br />

realidade mundial. Áustria, França, Inglaterra, Alemanha,<br />

Itália, reconheceram a nova realidade, nesta ordem. <strong>Os</strong><br />

Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s já tinha reconheci<strong>do</strong> a emancipação desde o<br />

ano anterior pois, em matéria de independência, eles já eram<br />

escola<strong>do</strong>s desde 1776. Além disso havia a <strong>do</strong>utrina Monroe<br />

facilitan<strong>do</strong> essa política.<br />

Na ratificação política internacional da independência<br />

<strong>do</strong> Brasil muitos podem considerar que d. Pedro não tenha<br />

ti<strong>do</strong> a necessária isenção para zelar apropriadamente pelo<br />

patrimônio <strong>do</strong>s brasileiros, compran<strong>do</strong> o que já tinha si<strong>do</strong><br />

conquista<strong>do</strong>. Se lembrarmos, contu<strong>do</strong>, que grande parte <strong>do</strong>s<br />

Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s da América <strong>do</strong> Norte foi agregada à<br />

federação America por simples acor<strong>do</strong>s comerciais de compra<br />

de terras (Luisiana, Florida, Alasca), o expediente usa<strong>do</strong> pelo<br />

45<br />

D. João VI morreria quatro meses depois e nem teve muito<br />

tempo de curtir sua esdrúxula condição de impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil.<br />

147


impera<strong>do</strong>r não parece tão absur<strong>do</strong> assim. Mesmo porque,<br />

indenizações entre nações sempre fez parte da história: de<br />

venci<strong>do</strong>s para vence<strong>do</strong>res, de ofensores para ofendi<strong>do</strong>s e... ,<br />

por que não, de filho para pai. Além disso, como já tinha<br />

anota<strong>do</strong> o marquês de Pombal, às vezes custa mais barato<br />

evitar guerras <strong>do</strong> que fazê-las. Mas o que mais pesou mesmo<br />

foi a pressa que d. Pedro tinha de que o mun<strong>do</strong> reconhecesse<br />

o Brasil como nação independente. Afinal não há impera<strong>do</strong>r<br />

se o império não existe. Mas que, <strong>do</strong> ponto de vista financeiro,<br />

o acor<strong>do</strong> custou caro, não há como negar.<br />

Cartas na manga<br />

Como d. Pedro se tornou um liberal, viven<strong>do</strong> numa<br />

corte tradicionalista tão longe da Europa? Seu irmão d. Miguel<br />

pensava exatamente o oposto que ele e, certamente, muito das<br />

ideias absolutistas ouviu da mãe em suas cantigas de ninar,<br />

cheias de arengas e <strong>do</strong>utrinações. Nesse aspecto o afastamento<br />

de d. Pedro da convivência com d. Carlota Joaquina deve ter<br />

contribuí<strong>do</strong> muito para que ele se tornasse um liberal<br />

convicto. Porém, nesse ponto, se a mãe não atrapalhou o pai<br />

também não aju<strong>do</strong>u, pois d. João VI não se acomodava muito<br />

bem nos meios constitucionalistas. <strong>Os</strong> preceptores de d.<br />

Pedro, pelos menos os das primeiras letras, também não<br />

primavam propriamente pelas ideias liberais. Como então a<br />

semente foi plantada?<br />

Com certeza, seu liberalismo foi fermenta<strong>do</strong> muito<br />

com base em suas leituras e conversas com os amigos e, nesse<br />

aspecto, os condes de Palmela, da Barca e <strong>do</strong>s Arcos devem<br />

ter ajuda<strong>do</strong> com suas manhas e alguns conselhos<br />

bibliográficos. Bons livros não faltavam ao jovem príncipe,<br />

mesmo porque, da maravilhosa biblioteca que d. João havia<br />

148


trazi<strong>do</strong> de Portugal, parte tinha si<strong>do</strong> destinada exatamente à<br />

livraria <strong>do</strong> infanta<strong>do</strong>. Assim, desde menino ele sempre teve<br />

farta coleção de boas obras à sua disposição. De qualquer<br />

forma, só um pouco mais tarde é que teria apareci<strong>do</strong> gente lhe<br />

ditan<strong>do</strong> as leituras mais interessantes. Mas não teria si<strong>do</strong> só<br />

isso. Segun<strong>do</strong> Melo Morais, d. Pedro tinha uma espécie de sala<br />

secreta abaixo da Sala <strong>do</strong>s Pássaros - no Palácio de São<br />

Cristovão - onde gostava de se reunir informalmente com o<br />

conde <strong>do</strong>s Arcos e o padre Macamboa - constitucionalistas<br />

entusiasma<strong>do</strong>s - para discutir as ideias políticas <strong>do</strong> tempo.<br />

Mais tarde o conde de Palmela se juntou a eles e, embora<br />

tivesse pouco tempo para influenciar d. Pedro, tinha o<br />

predica<strong>do</strong> de ter visto de perto o impacto que as ideias liberais<br />

provocavam sobre a Europa pós Napoleão, ainda mais sen<strong>do</strong><br />

ele freqüenta<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s salões e da alcova de madame de Stael.<br />

Pode ser até que Francisco Gomes da Silva – o<br />

Chalaça – tenha participa<strong>do</strong> das reuniões políticas <strong>do</strong> príncipe<br />

e também se sentisse atraí<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> menos, para ficar <strong>do</strong><br />

mesmo la<strong>do</strong> <strong>do</strong> precioso amigo. De mais a mais, com certeza,<br />

com sua vivacidade intelectual e tirocínio político inegáveis, d.<br />

Pedro já devia ter percebi<strong>do</strong> que os <strong>rei</strong>s absolutos já não<br />

tinham mais meios de governar, num tempo tão efervescente<br />

de ideias sobre di<strong>rei</strong>tos <strong>do</strong> cidadão. Assim, aderiu gostoso às<br />

inovações <strong>do</strong> seu século.<br />

Sabemos que ele gostava de buscar nos livros<br />

ilustração para entender e cumprir melhor suas necessidades<br />

pragmáticas. Assim foi no exílio em Paris, quan<strong>do</strong> an<strong>do</strong>u<br />

len<strong>do</strong> muito trata<strong>do</strong> militar enquanto se preparava para a<br />

expedição restaura<strong>do</strong>ra que lançaria sobre o irmão d. Miguel<br />

para recuperar o <strong>rei</strong>no da filha.<br />

149


Qualquer que fosse o grau <strong>do</strong> preparo<br />

constitucionalista de d. Pedro, ele não se furtou a assumir a<br />

direção da tarefa de elaborar a carta brasileira de 1824 46 . É<br />

certo que ele, ajuda<strong>do</strong> pelo secretário Chalaça, tenha<br />

elabora<strong>do</strong> uma sólida minuta, consultan<strong>do</strong> a carta da França<br />

de 1814, a própria carta elaborada pelas cortes portuguesas de<br />

1822 e a obra de Benjamin Constant. Há quem diga que uma<br />

minuta de constituição da autoria de Antônio Carlos, que d.<br />

Pedro havia confisca<strong>do</strong> aos Andradas, aju<strong>do</strong>u muito no<br />

trabalho. O impera<strong>do</strong>r teria se guia<strong>do</strong>, também, pela sua<br />

promessa de que daria ao Brasil uma carta muito mais liberal<br />

<strong>do</strong> que a que vinha sen<strong>do</strong> elaborada pela assembleia<br />

constituinte que tinha dissolvi<strong>do</strong> meses antes. De fato, ela era<br />

mais liberal no que diz respeito aos di<strong>rei</strong>tos <strong>do</strong> cidadão,<br />

embora mais conserva<strong>do</strong>ra no que diz respeito aos poderes <strong>do</strong><br />

governo.<br />

Depois de elaborar a minuta da constituição, d. Pedro<br />

a passou para uma <strong>do</strong>uta comissão de dez membros instituída<br />

em novembro de 1823 para, oficialmente, dar à luz a<br />

constituição a ser outorgada. Também, com toda a certeza, ele<br />

an<strong>do</strong>u xeretan<strong>do</strong> os rascunhos das discussões da comissão<br />

para manter os trabalhos sob controle pois era essa uma das<br />

suas manias: supervisionar miudamente os serviços que<br />

encomendava. Era assim no ministério, nas repartições, na<br />

fazenda de Santa Cruz e até nas barricadas das cidades <strong>do</strong><br />

Porto e de Lisboa, sitiada pelas forças de d. Miguel em 1833.<br />

Deve ter aceito uma ou outra sugestão <strong>do</strong>s membros da<br />

46 O que não seria novidade pois Napoleão redigiu, ele próprio, a<br />

constituição que outorgou à república Cisalpina em 1796.<br />

150


comissão constitucional, mas a obra tinha que ser dele. De<br />

toda forma, sabe-se que José Joaquim Carneiro de Campos,<br />

futuro marques de Caravelas, veio a ser o mais influente<br />

membro da comissão e é lembra<strong>do</strong> como autor coadjuvante<br />

da carta. Era ele um liberal baiano que em 1823 tinha si<strong>do</strong><br />

constituinte pelo Rio de Janeiro e que foi ministro de d. Pedro<br />

várias vezes. Também foi membro da regência trina, quan<strong>do</strong><br />

d. Pedro abdicou.<br />

Quan<strong>do</strong> nossa comissão constitucional começou a<br />

trabalhar, a restauração absolutista pós-revolucionária já tinha<br />

varri<strong>do</strong> a Europa. Com exceção da Áustria e da Rússia, to<strong>do</strong>s<br />

os principais <strong>rei</strong>nos tinham prometi<strong>do</strong> obedecer a<br />

constituições, mas a maioria não cumpriu. França e Noruega 47<br />

juraram suas constituições em 1814, Bélgica e Holanda no ano<br />

seguinte. Assim, tanto o impera<strong>do</strong>r quanto Carneiro de<br />

Campos e sua equipe, tinham vasta matéria constitucional a<br />

examinar, inclusive alguns ensaios de constituições<br />

republicanas latino americanas.<br />

No resulta<strong>do</strong> final, com maior ou menor influência da<br />

comissão, prevaleceu a vontade de d. Pedro e, no geral,<br />

pre<strong>do</strong>minou o velho princípio de que o esta<strong>do</strong> começa e<br />

termina no <strong>rei</strong>. A rigor o parlamento era apenas um grande<br />

grupo de conselheiros <strong>do</strong> <strong>rei</strong>. Na prática acabou não sen<strong>do</strong><br />

assim, pois o congresso nacional daquele tempo era forma<strong>do</strong><br />

de brilhantes e combativos parlamentares liberais, muito<br />

atuantes, escora<strong>do</strong>s por uma imprensa agressiva e exigente.<br />

Aliás, o parlamento e a imprensa se confundiam muitas vezes<br />

47<br />

A constituição norueguesa, inspirada na constituição francesa<br />

revolucionária era considerada a constituição mais liberal da Europa<br />

na época.<br />

151


e não poucos jornalistas acabaram viran<strong>do</strong> deputa<strong>do</strong>s como<br />

Evaristo da Veiga, Luiz Augusto May, Antônio Borges da<br />

Fonseca e muitos outros.<br />

Nossa primeira constituição teria si<strong>do</strong> baseada mais<br />

especificamente na carta constitucional de Luis XVIII de 1814<br />

e vigorou até o advento da república, ou seja, durante sessenta<br />

e cinco anos. Inspirava-se num liberalismo constitucional mais<br />

modera<strong>do</strong> <strong>do</strong> que o da carta de Cádiz de 1812 e o da carta<br />

portuguesa oriunda <strong>do</strong> movimento de 1820. Da carta francesa<br />

her<strong>do</strong>u aquele velho princípio de que a autoridade máxima<br />

repousa na pessoa <strong>do</strong> <strong>rei</strong> e dela depende a ordem social.<br />

Instituía um governo monárquico hereditário, constitucional e<br />

representativo. A religião católica era o cre<strong>do</strong> oficial.<br />

Estabelecia que os portugueses residentes no Brasil à época da<br />

independência, também eram brasileiros. Instituía os poderes<br />

executivo, legislativo, judiciário e modera<strong>do</strong>r. A ideia da<br />

existência <strong>do</strong> poder modera<strong>do</strong>r veio diretamente de Benjamin<br />

Constant, trazida por Carneiro de Campos ou, mais<br />

provavelmente, pelo próprio impera<strong>do</strong>r. A carta de d. Pedro<br />

estabelecia ainda uma assembleia geral formada da câmara <strong>do</strong><br />

sena<strong>do</strong> e da câmara <strong>do</strong>s deputa<strong>do</strong>s. O mandato de deputa<strong>do</strong><br />

era de quatro anos e os sena<strong>do</strong>res eram vitalícios, sen<strong>do</strong> um<br />

terço <strong>do</strong> grupo escolhi<strong>do</strong> pelo impera<strong>do</strong>r ao qual se somavam<br />

os príncipes imperiais, sena<strong>do</strong>res natos. Como toda carta<br />

liberal <strong>do</strong> século XIX, a carta de d. Pedro tentava conciliar a<br />

<strong>do</strong>utrina da soberania da nação e <strong>do</strong>s di<strong>rei</strong>tos <strong>do</strong> cidadão, com<br />

a preservação <strong>do</strong> poder <strong>do</strong> <strong>rei</strong>. Quer dizer, tentava segurar as<br />

monarquias num tempo em que elas já começavam a não<br />

fazer mais senti<strong>do</strong> e as sementes republicanas já rompiam o<br />

solo comprimi<strong>do</strong> pelo peso excessivo e longevo <strong>do</strong>s tronos.<br />

152


A outra carta que d. Pedro tirou da manga, quer dizer<br />

aquela outorgada aos portugueses, era baseada na carta<br />

brasileira e foi escrita de uma assentada com a ajuda <strong>do</strong><br />

Chalaça em competente trabalho de secretaria<strong>do</strong>.<br />

D. João VI morreu no dia 10 de março de 1826.<br />

Quarenta e cinco dias depois uma delegação portuguesa<br />

chegava ao Rio de Janeiro trazen<strong>do</strong> a infausta notícia. A morte<br />

<strong>do</strong> pai causou grande <strong>do</strong>r ao impera<strong>do</strong>r. Ele ficou cinco dias<br />

recluso, sem falar com ninguém, cumprin<strong>do</strong> o luto oficial que<br />

tinha decreta<strong>do</strong>. Mas dizem que foi nesse perío<strong>do</strong> de reclusão<br />

que ele, muito mais <strong>do</strong> que lamentan<strong>do</strong> a morte <strong>do</strong> pai, se<br />

aplicou com afinco a redigir a constituição que queria dar a<br />

Portugal, o quanto antes. Pronta a carta, encarregou sir<br />

Charles Stendard de levá-la a Portugal. Era uma missão<br />

delicada pois, justo então, surgia a oportunidade de ouro que<br />

os absolutistas portugueses estavam esperan<strong>do</strong>, com d.<br />

Carlota Joaquina à frente, tenaz e combativa, partidária de que<br />

o país luso voltasse a ser uma monarquia absolutista como nos<br />

velhos tempos, com d. Miguel no trono. Por isso mesmo é<br />

que d. Pedro tinha pensa<strong>do</strong> em casar o irmão com d. Maria II,<br />

tentan<strong>do</strong> acomodar as diferenças uterinas. A constituição era<br />

peça chave nesse arranjo e era fundamental que d. Miguel a<br />

jurasse. Isso não foi problema e ele o fez sem nenhum<br />

condicionante, mas perjuran<strong>do</strong> logo depois na maior cara de<br />

pau. Para o Impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil era preciso que a nação<br />

portuguesa aceitasse a carta pois ela era a base da difícil<br />

aliança. E essa não foi uma questão simples. Ainda mais que<br />

d. Pedro queria lhes dar uma constituição mas não queria<br />

colocar a coroa de Portugal na própria cabeça, transferin<strong>do</strong>-a<br />

à filha que, para complicar um pouco mais, era brasileira.<br />

Imaginem se d. Carlota Joaquina iria engolir isso? Assim, os<br />

planos de d. Pedro para Portugal, logo de princípio, já<br />

153


prenunciavam um conflito difícil. Ele só viria explodir de fato<br />

mais tarde. Naquela ocasião uma intervenção providencial <strong>do</strong><br />

general João Carlos Saldanha acomo<strong>do</strong>u as coisas<br />

provisoriamente. É que ele, <strong>do</strong> alto da sua condição de<br />

governa<strong>do</strong>r militar da cidade <strong>do</strong> Porto, proclamou que a<br />

constituição, a partir daquele momento, era a lei maior da<br />

gente lusa. Saldanha tinha afinidades com d. Pedro e com o<br />

Brasil, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> governa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul em 1821.<br />

Mais tarde seria um <strong>do</strong>s principais generais da campanha de d.<br />

Pedro para derrubar o irmão. De sorte que o impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />

Brasil e novo <strong>rei</strong> de Portugal, pôde contar com esse<br />

substancial apoio para outorgar sua carta aos portugueses.<br />

Mas, no episódio, não bastou o bra<strong>do</strong> de Saldanha e correu<br />

algum sangue. Já estavam assentadas as sementes da guerra<br />

civil portuguesa que tantas vidas custaria, alguns anos mais<br />

tarde.<br />

No meio de to<strong>do</strong> aquele clima delica<strong>do</strong> a constituição<br />

portuguesa de d. Pedro só conseguiu vigorar de julho de 1826<br />

a maio de 1828. Foi então que d. Miguel abjurou das juras que<br />

tinha feito e resolveu governar absoluto como tantos<br />

portugueses queriam, especialmente o clero e os rudes<br />

camponeses que eles fanatizavam nos cantões. Como não<br />

poderia deixar de ser, o palco principal da contenda foi, mais<br />

uma vez, a cidade <strong>do</strong> Porto. Embora a cidade fosse e<br />

continuasse sen<strong>do</strong> alguns anos depois uma cidadela liberal, os<br />

portuenses receberam o general Pólvora e o exército<br />

miguelista com o mesmo entusiasmo com que tinham<br />

recebi<strong>do</strong> a alta cúpula liberal poucas semanas antes. Isso, no<br />

entanto, não evitou que um verdadeiro festival de horrores<br />

caísse sobre os liberais que não puderam fugir ou que não o<br />

fizeram porque acreditaram na justiça <strong>do</strong>s vence<strong>do</strong>res.<br />

154


<strong>Os</strong> historia<strong>do</strong>res lusos mais sarcásticos gostam de<br />

dizer que, naqueles tempos confusos, os portugueses não<br />

sabiam se queriam ser liberais ou absolutistas. A mesma<br />

reversão se veria quan<strong>do</strong> d. Pedro anos, mais tarde, entraria<br />

no Porto e em Lisboa. Essa indefinição decorre, sem dúvida,<br />

das manobras <strong>do</strong>s atores mais importantes que atuavam<br />

naquele jogo cheio de lances imprevistos. Falo principalmente<br />

da nobreza e <strong>do</strong> exército, ambos cheios de gente assustada,<br />

ávida por conquistar ou não perder títulos, cargos e riquezas.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, o povo queria tu<strong>do</strong>, menos passar de novo<br />

pelas misérias que as guerras napoleônicas espalharam nas<br />

cidades, nas vilas e nos campos. Por outro la<strong>do</strong>, ninguém<br />

queria ficar novamente órfão de seus <strong>rei</strong>s. Enfim, é possível<br />

que as guerras peninsulares tenham desnortean<strong>do</strong> a<br />

nacionalidade portuguesa por uns tempos.<br />

Com a fuga <strong>do</strong>s principais líderes liberais, Palmela,<br />

Saldanha e Vila Flor - que aban<strong>do</strong>naram a cidade <strong>do</strong> Porto em<br />

02 de julho de 1828 - a carta que d. Pedro tinha da<strong>do</strong> aos<br />

portugueses estava morta e restaurava-se o absolutismo em<br />

Portugal. Depois da perda <strong>do</strong> Brasil era mais um efeito<br />

colateral da desastrada experiência liberal, começada com a<br />

revolução de 1820. A constituição de d. Pedro foi reabilitada<br />

em agosto de 1834, após sua espetacular vitória militar sobre<br />

d. Miguel. Mas aqueles eram tempos turbulentos e ela só<br />

vigorou até setembro de 1836. Foi quan<strong>do</strong> os liberais<br />

portugueses resolveram radicalizar e voltar à constituição de<br />

1822, depois suavizada por uma nova constituição. Mas como<br />

a turbulência continuava acesa, em janeiro de 1848 Costa<br />

Cabral voltou a reabilitar a velha carta de d. Pedro. Está certo<br />

que ela passaria por várias reformas mas, em sua essência, iria<br />

vigorar até 1910; tornan<strong>do</strong>-se letra morta e sepultada apenas<br />

com o advento da república.<br />

155


Pode-se dizer que as constituições <strong>do</strong>adas por d.<br />

Pedro ao Brasil e a Portugal, juntas, vigoraram por cento e<br />

trinta e um anos e foram substituídas por constituições<br />

republicanas, tanto no Brasil quanto em Portugal. Há de se<br />

reconhecer que elas contribuíram para dar uma sobrevida à<br />

monarquia brasileira e portuguesa e à Dinastia de Bragança.<br />

No primeiro caso ajudada pela independência da velha colônia<br />

que, se não fosse pelo gesto de d. Pedro, teria se transforma<strong>do</strong><br />

numa federação de republiquetas antes mesmo da morte de d.<br />

João VI, tal qual pretendiam os revolucionários<br />

pernambucanos de 1824.<br />

Certa canalha<br />

Quan<strong>do</strong> o visconde de Barbacena chegou ao Rio de<br />

Janeiro em 16 de outubro de 1829 trazen<strong>do</strong> d. Maria Amélia<br />

pelo braço e d. Maria II pela mão, o impera<strong>do</strong>r o abraçou<br />

efusivamente, juran<strong>do</strong> eterna gratidão e dura<strong>do</strong>ura amizade.<br />

Afinal, depois de <strong>do</strong>is anos de penosa busca de uma noiva<br />

para o fogoso viúvo, a missão tinha si<strong>do</strong> cumprida com êxito.<br />

Ainda mais ten<strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> na descoberta de uma princesa<br />

graciosa, fresca e belíssima que estava ali pronta para cumprir<br />

a parte mais saborosa <strong>do</strong> minucioso contrato de casamento.<br />

Além disso, Barbacena tinha toma<strong>do</strong> prudente resolução<br />

colocan<strong>do</strong> d. Maria II – então uma tenra criança - à salvo das<br />

garras de d. Miguel e/ou de Metternich que tinham planos<br />

não muito gloriosos para ela. A dupla missão tinha si<strong>do</strong><br />

extraordinariamente dispendiosa mas d. Pedro, naquela altura<br />

deslumbra<strong>do</strong> com o resulta<strong>do</strong>, não tinha contesta<strong>do</strong> nenhum<br />

<strong>do</strong>s centavos gastos. De sorte que abria-se para o visconde um<br />

<strong>do</strong>ce horizonte, propício a gloriosos feitos, respalda<strong>do</strong>s na<br />

amizade <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r, agora jurada em granito. Menos de<br />

156


<strong>do</strong>is meses depois Barbacena assumia a testa <strong>do</strong> ministério<br />

imperial como ministro da fazenda. Embora militar de<br />

formação, ele não tinha se da<strong>do</strong> bem nessa car<strong>rei</strong>ra,<br />

mostran<strong>do</strong>-se muito melhor diplomata <strong>do</strong> que marechal.<br />

Também tinha credenciais para ser ministro da fazenda pois<br />

era um empresário muito bem sucedi<strong>do</strong>, com negócios na<br />

Bahia e trânsito junto aos banqueiros ingleses. Uma das<br />

primeiras coisas que Barbacena fez à frente <strong>do</strong> ministério não<br />

tinha nada a ver com as combalidas finanças <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no, mas<br />

afetava a governabilidade <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no como um to<strong>do</strong>. É que ele,<br />

como a opinião pública em geral, achava que d. Pedro era<br />

muito susceptível aos palpites <strong>do</strong>s vali<strong>do</strong>s que o cercavam,<br />

chefia<strong>do</strong>s pelo ardiloso Chalaça. Assim, foi pedir a d. Pedro<br />

para afastar da intimidade da corte aquele ciclo de amigos de<br />

má fama que tanto prejudicavam sua autoridade e que<br />

escandalizariam a jovem nova imperatriz, assim como tinha<br />

escandaliza<strong>do</strong> a defunta d. Leopoldina que detestava aquela<br />

corja achan<strong>do</strong>, não sem razão, que tinha muito cafetão em<br />

torno de d. Pedro. O impera<strong>do</strong>r, maravilha<strong>do</strong> com a nova<br />

esposa e queren<strong>do</strong> se reabilitar diante <strong>do</strong>s seus súditos<br />

brasileiros e das cortes europeias, concor<strong>do</strong>u e man<strong>do</strong>u o<br />

Chalaça passear na Europa por tempo indetermina<strong>do</strong>. Nasceu<br />

aí uma briga de foice no escuro.<br />

Felisberto Caldeira Brant Pontes de Oliveira Horta – o<br />

marquês de Barbacena – embora tenha fica<strong>do</strong> rico negocian<strong>do</strong><br />

na Bahia, tinha nasci<strong>do</strong> em Mariana em 1772. Francisco<br />

Gomes da Silva – o Chalaça - nasceu em Lisboa em 1791. Na<br />

visão da maioria <strong>do</strong>s historia<strong>do</strong>res não havia, entre as pessoas<br />

mais próximas de d. Pedro, duas que fossem tão diferentes.<br />

Caldeira Brant, oriun<strong>do</strong> das mais tradicionais e ricas famílias<br />

mineiras, depois de to<strong>do</strong>s aqueles relevantes serviços<br />

presta<strong>do</strong>s, agora tentava servir d. Pedro como ministro, num<br />

157


momento particularmente delica<strong>do</strong>. Gomes da Silva - filho<br />

bastar<strong>do</strong> <strong>do</strong> visconde de Vila Nova da Rainha – era um<br />

aventu<strong>rei</strong>ro esperto e sedutor, especialista na espionagem e na<br />

intriga palaciana. Então fazia o que sempre fez desde os<br />

tempos de d. João VI, ou seja, serviços de alcova, espionagem<br />

e puxa-saquismo. Quan<strong>do</strong> d. Pedro foi buscá-lo, ele já tinha<br />

si<strong>do</strong> expulso <strong>do</strong> palácio por d. João, havia tenta<strong>do</strong> ganhar a<br />

vida como barbeiro, dentista e sangra<strong>do</strong>r e estava pelejan<strong>do</strong><br />

para manter um botequim de má fama no centro <strong>do</strong> Rio de<br />

Janeiro. Era boêmio e grosseiro, intrigante e dissimula<strong>do</strong>. Mas<br />

tinha pelo menos um mérito: não tinha ambições pecuniárias e<br />

era de fato um colabora<strong>do</strong>r <strong>do</strong> seu imperial amigo, servin<strong>do</strong>-o<br />

como um dedica<strong>do</strong> e aplica<strong>do</strong> lacaio, pau para toda obra. Seria<br />

incapaz de prejudicar deliberadamente o amigo, o que incluía<br />

não roubá-lo. Além disso era inteligente e consciencioso <strong>do</strong><br />

projeto político liberal. Quer dizer era o secretário particular<br />

ideal.<br />

Barbacena era chefe <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> “ministério<br />

Barbacena” e o Chalaça era chefe <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> “ministério<br />

secreto”. É provável que haja um certo exagero na<br />

caracterização “ministerial” da influência <strong>do</strong> “gabinete”<br />

Chalaça, mesmo porque, os demais componentes <strong>do</strong> círculo<br />

palaciano não tinham capacidade para nenhuma incumbência<br />

de maior responsabilidade e seria temerário confiar-lhes<br />

qualquer missão mais complexa <strong>do</strong> que a entrega de um<br />

reca<strong>do</strong> ou uma pequena espionagem pelo buraco da<br />

fechadura. De sorte que muitos deles eram meros<br />

companheiros de folgue<strong>do</strong>s e de conferências picantes.<br />

Outros eram simples serviçais <strong>do</strong>mésticos espirituosos como<br />

João Carlota. Outros tinham como principal talento intimidar<br />

jornalistas e falastrões. Havia ainda aqueles que se dedicavam<br />

com afinco a roubar d. Pedro. É o caso de Pláci<strong>do</strong> Pe<strong>rei</strong>ra de<br />

Abreu. Tinha ele si<strong>do</strong> barbeiro de d. João VI e acabou sen<strong>do</strong><br />

158


nomea<strong>do</strong> por ele para o cargo de chefe da Uchuaria, que vem<br />

a ser a despensa real. Cultivava o hábito de requisitar<br />

mantimentos muito acima <strong>do</strong> que era realmente consumi<strong>do</strong>,<br />

montan<strong>do</strong> seu próprio armazém com o excesso amealha<strong>do</strong>.<br />

Quan<strong>do</strong> d. Pedro assumiu a regência, deu nele um acesso de<br />

economia e ele acabou com a Uchuaria. Mas, em lugar de<br />

mandar o ex-barbeiro para o olho da rua, fez pior <strong>do</strong> que o<br />

pai dan<strong>do</strong>-lhe o último cargo para o qual ele poderia ter<br />

alguma qualificação, vale dizer, tesou<strong>rei</strong>ro da casa real. Nesse<br />

cargo criou o hábito de dar recibo aos fornece<strong>do</strong>res da casa<br />

real em valores sempre superiores ao montante realmente<br />

entregue ao cre<strong>do</strong>r que assim tinha que pagar uma taxa de<br />

administração ao esperto ex-barbeiro.<br />

A despeito da mediocridade geral da corja palaciana, é<br />

inegável que a opinião de Francisco Gomes da Silva tinha<br />

influência sobre o impera<strong>do</strong>r. Mas também é muito provável<br />

que ele não costumava confrontar o mo<strong>do</strong> de pensar de d.<br />

Pedro. Talvez o mais comum fosse que ele se antecipasse<br />

espertamente, dan<strong>do</strong> sugestões que sabia que agradariam ao<br />

poderoso amigo. Além disso tinham gostos em comum,<br />

apesar de que o impera<strong>do</strong>r fosse um abstêmio convicto e<br />

Gomes da Silva fosse um notório beberrão.<br />

Na verdade, o tal ministério secreto não foi um pedra<br />

apenas no sapato de Barbacena pois ele começou a ser cria<strong>do</strong><br />

logo que d. João retornou a Portugal. O pai era a pessoa de<br />

quem d. Pedro desconfiava menos. Nem mesmo para a<br />

esposa ele abria inteiramente o flanco, sempre temeroso da<br />

influência de Metternich sobre ela. Assim, quan<strong>do</strong> a família<br />

voltou para Portugal, o príncipe regente há de ter se senti<strong>do</strong><br />

um tanto aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>. É compreensível, portanto, que ele<br />

logo se fizesse cercar de um grupo de supostos amigos fieis.<br />

159


Como ele tinha uma verdadeira neurose de desconfiança,<br />

qualquer pessoa que o convencesse minimamente que lhe<br />

dedicava amizade e lealdade, passava a merecer atenções<br />

especiais. Desta forma formou aquele grupo um tanto<br />

incômo<strong>do</strong> às austeridades de uma corte e foi assim que se<br />

cercou daquela gente tirada <strong>do</strong>s mais desqualifica<strong>do</strong>s lugares, a<br />

quem d. Leopoldina chamava de “certa canalha”.<br />

Mas, com o tempo, to<strong>do</strong>s os oportunistas que<br />

cercavam d. Pedro foram sen<strong>do</strong> descarta<strong>do</strong>s. <strong>Os</strong> motivos<br />

foram vários e até Domitila de Castro, num determinan<strong>do</strong><br />

ponto, se tornou uma figura incômoda. Sem contar alguns<br />

fiéis serviçais menores, só o fiel Chalaça permaneceu até o<br />

fim. Aliás, depois da morte <strong>do</strong> Impera<strong>do</strong>r, ele se manteve ao<br />

la<strong>do</strong> de. d Maria Amélia, prestan<strong>do</strong> leais serviços à viúva e o<br />

fez até o fim da vida.<br />

Cessa<strong>do</strong>s os incômo<strong>do</strong>s <strong>do</strong> suposto ministério secreto<br />

sobre os ministros, o parlamento, a imprensa e o povo;<br />

Barbacena buscou governabilidade, est<strong>rei</strong>tan<strong>do</strong> relações com a<br />

assembleia e a imprensa, tentan<strong>do</strong> costurar delicadas alianças e<br />

tocar a combalida fazenda imperial. Mas, <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

oceano, Gomes da Silva vasculhava os rastros <strong>do</strong> visconde em<br />

Londres, procuran<strong>do</strong> peca<strong>do</strong>s naquela missão em que ele<br />

afinal tinha si<strong>do</strong> tão bem sucedi<strong>do</strong>. Mas a missão tinha si<strong>do</strong><br />

demasiadamente dispendiosa e valia a pena descobrir porquê.<br />

Mestre nesse tipo de coisa, acabou achan<strong>do</strong> o que queria, ou<br />

seja, coisas para botar minhocas na cabeça de d. Pedro. A<br />

briga estava fican<strong>do</strong> interessante e Barbacena acabaria levan<strong>do</strong><br />

a pior. O fim prematuro <strong>do</strong> ministério Barbacena pode ter<br />

si<strong>do</strong> uma das causas da ruína de d. Pedro à frente <strong>do</strong> Império<br />

<strong>do</strong> Brasil, precipitan<strong>do</strong> o fim de uma era que estava apenas<br />

começan<strong>do</strong>. Chalaça conseguiu convencer o impera<strong>do</strong>r de que<br />

160


o marquês tinha falsea<strong>do</strong> a prestação de conta das suas<br />

despesas na Europa, naquela missão de conseguir uma<br />

segunda imperatriz para o Brasil. As contas já tinham si<strong>do</strong><br />

aprovadas sem ressalvas mas, com a instigação <strong>do</strong> Chalaça, d.<br />

Pedro resolveu perseguir seu ministro como se fosse ele um<br />

reles ladrão a fraudar contas públicas. Repetia-se assim, oitenta<br />

anos depois, a mesma provável história de injustiça que já<br />

tinha vitima<strong>do</strong> o avô <strong>do</strong> visconde de Barbacena. Estou me<br />

referin<strong>do</strong> a Felisberto Caldeira Brant, o contrata<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s<br />

diamantes <strong>do</strong> Tijuco que, por intriga <strong>do</strong> ouvi<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Serro <strong>do</strong><br />

Frio e <strong>do</strong> Intendente <strong>do</strong>s Diamantes, acabou preso e priva<strong>do</strong><br />

de to<strong>do</strong>s os seus bens. Mais tarde o contrata<strong>do</strong>r injustiça<strong>do</strong><br />

seria reabilita<strong>do</strong> pelo marquês de Pombal que man<strong>do</strong>u soltálo.<br />

Mas reparou só metade da injustiça pois Caldeira Brant – o<br />

avô - teve de volta a liberdade mas não teve de volta seus<br />

bens. Acabou morren<strong>do</strong> em 1756 em Caldas da Rainha, onde<br />

tentava recuperar a saúde, abalada pelas injustiças que sofreu.<br />

Estabelecida a maledicência contra Barbacena, d.<br />

Pedro man<strong>do</strong>u reabrir a prestação de contas <strong>do</strong> marquês e se<br />

pôs a esmiuçar, ele mesmo, os recibos. O império estava<br />

ruin<strong>do</strong> e d. Pedro se ocupan<strong>do</strong> daquilo, como se não tivesse<br />

mais nada o que fazer. Pedia esclarecimentos constrange<strong>do</strong>res,<br />

achacan<strong>do</strong> seu mais importante colabora<strong>do</strong>r. Eis um la<strong>do</strong><br />

menor da personalidade complexa <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r: tinha<br />

dificuldades de colocar o <strong>rei</strong> à frente <strong>do</strong> homem, mostran<strong>do</strong>se<br />

excessivamente vulnerável às influências das pessoas por<br />

quem se afeiçoava. E assim, chalaças e <strong>do</strong>mitilas foram<br />

fazen<strong>do</strong> os seus estragos no glorioso trono <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />

Brasil. D. Pedro não teve a menor dificuldade de esquecer a<br />

gratidão pétrea que tinha jura<strong>do</strong> a Barbacena. As lágrimas que<br />

d. Pedro verteu ao beijar a filha são e salva e os efusivos<br />

abraços que tinha da<strong>do</strong> a Caldeira Brant ainda a bor<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

161


navio que tinha trazi<strong>do</strong> ela e d. Amélia ao Brasil, já tinham<br />

fica<strong>do</strong> sob a laje <strong>do</strong> esquecimento. E o impera<strong>do</strong>r partiu para<br />

a Europa, em abril de 1831, chaman<strong>do</strong> Barbacena de ladrão<br />

para quem quisesse ouvir.<br />

O ministério Barbacena foi o último ministério efetivo<br />

que d. Pedro formou. A partir daí, se sucederam nomeações e<br />

demissões sem senti<strong>do</strong>, numa série frenética, tangida pela<br />

agitação da assembleia, das ruas e da inquietude <strong>do</strong>s militares.<br />

Ao sair, Barbacena enviou uma carta ao impera<strong>do</strong>r,<br />

seu antigo amo e amigo, onde se pode ler estas palavras<br />

proféticas:“Ainda há tempo, senhor, de manter-se V.M.I no trono<br />

como o deseja a maioria <strong>do</strong>s brasileiros, mas se V.M., indeciso, continuar<br />

com as palavras de Constituição e brasileirismo na boca, a ser português e<br />

absoluto de coração, neste caso a sua desgraça será inevitável, e a<br />

catástrofe que praza a Deus não seja geral, parecerá em poucos meses,<br />

talvez não chegue a seis”. 48<br />

Em sua carta, Barbacena evitou mencionar as<br />

perseguições pessoais que estava sofren<strong>do</strong> da parte <strong>do</strong><br />

impera<strong>do</strong>r, embora não hesitasse em chamá-lo de louco.<br />

Procurava mostrar-se sóbrio e sincero, ilustre herdeiro da<br />

tradição mineira <strong>do</strong>s Caldeira Brant. Era 15 de dezembro de<br />

1830. Poucos mais de três meses depois, d. Pedro era<br />

obriga<strong>do</strong> a abdicar em favor de seu filho d. Pedro II, então<br />

48 Neil Macaulay afirma que não há evidência de que a carta<br />

de Barbacena tenha si<strong>do</strong> de fato enviada a d. Pedro. O que existiria,<br />

na verdade, seria um rascunho da mesma, descoberto entre os<br />

<strong>do</strong>cumentos <strong>do</strong> marquês, depois da sua morte. Isso sugere que a tal<br />

profecia possa ser uma miserável fraude. Se isso é verdade, afinal<br />

Barbacena e Chalaça não eram tão diferentes assim.<br />

162


com cinco anos de idade. Mas tinha deixa<strong>do</strong> seu velho e leal<br />

companheiro-José Bonifácio - como tutor <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>rmenino.<br />

A assembleia, por sua vez, fez sua parte nomean<strong>do</strong><br />

uma junta governativa com o sena<strong>do</strong>r Vergueiro à frente. A<br />

Dinastia de Bragança ainda sobreviveria no Brasil por mais<br />

cinqüenta e sete anos, tempo em que durou o <strong>rei</strong>nan<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

impera<strong>do</strong>r brasileiro d. Pedro II, um <strong>do</strong>s mais longevos da<br />

história <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

Coração e mente<br />

Um império ocupan<strong>do</strong> um quarto de to<strong>do</strong> o<br />

território da América era uma aberração. Aliás, Portugal<br />

ocupan<strong>do</strong> um quarto da Península Ibérica, resistin<strong>do</strong> à<br />

indefectível união de Castela, Leon e Aragon, também era. E é<br />

até hoje. Belo enclave a honrar a nossa origem. Mas no<br />

primeiro quarto <strong>do</strong> século XIX, à milhares de léguas oceano à<br />

fora, na América, pululavam repúblicas, oportunas mas<br />

claudicantes. O Brasil era único, mais ainda o era seu<br />

impera<strong>do</strong>r, nasci<strong>do</strong> no Palácio de Queluz, a meio caminho<br />

entre Lisboa e Sintra e que se dizia brasileiro por amor e<br />

opção. E tinha di<strong>rei</strong>to de pensar assim. Educa<strong>do</strong> longe da<br />

Europa, sem parâmetros de referência, d. Pedro era um<br />

autêntico <strong>rei</strong> tropical, único e espelha<strong>do</strong> em si mesmo.<br />

Embora seu pai tivesse cria<strong>do</strong> esse inusita<strong>do</strong> <strong>rei</strong>no, como bom<br />

bonachão que era, nele foi tu<strong>do</strong> menos <strong>rei</strong>. De sorte que d.<br />

Pedro, embora receben<strong>do</strong> um império de herança, não her<strong>do</strong>u<br />

regras de majestade. Construiu a própria dignidade,<br />

respalda<strong>do</strong> nas sementes da sua própria digníssima origem e<br />

no seu próprio senso inato de honradez. Felizmente foi assim,<br />

pois foi isso que fez dele um notável constitucionalista num<br />

ninho de ferrenhos absolutistas: pai, mãe e irmão. Teve que<br />

163


vencer a força das sementes genéticas e o fez da melhor<br />

maneira que pôde, com altos e baixos, pois sua mente liberal<br />

brigava continuamente com seu coração autoritário sem que<br />

ele pudesse moderar essas divergências. Às vezes a mente<br />

ganhava, às vezes perdia, pois o coração sempre soprou muito<br />

forte nas velas da nau <strong>do</strong> destino de d. Pedro. O caso é que<br />

ele, embora se preocupasse com os di<strong>rei</strong>tos civis e a<br />

representatividade <strong>do</strong> povo, não admitia intervenções no seu<br />

di<strong>rei</strong>to de governar. Tinha ojeriza de qualquer tipo de<br />

intervenção no seu di<strong>rei</strong>to constitucional de nomear seu<br />

ministério e, se observarmos bem, esse fator esteve presente<br />

em todas as grandes crises políticas que enfrentou no Brasil,<br />

direta ou indiretamente.<br />

Num registro pessoal, escreveu a respeito da abdicação<br />

<strong>do</strong> trono <strong>do</strong> Brasil:<br />

“Naquela ocasião não havia remédio senão ou ceder aos rogos<br />

das forças armadas e de uma população em anarquia que queria o<br />

ministério que eu tinha demiti<strong>do</strong> por incapaz e por desconfiança que fosse<br />

trai<strong>do</strong>r, ou então abdicar para salvar a honra e não ferir a constituição<br />

naquela parte em que me era concedi<strong>do</strong> nomear e demitir livremente os<br />

ministros de esta<strong>do</strong>. Tomei o expediente de abdicar e deste mo<strong>do</strong>, pon<strong>do</strong><br />

de parte todas as considerações, salvei a minha honra que prezo mais que<br />

tu<strong>do</strong>”.<br />

Embora nunca abrisse mão da sua dignidade imperial,<br />

era relativamente simples em seus hábitos. Um <strong>rei</strong> no meio de<br />

colonos rudes e iletra<strong>do</strong>s que estavam apenas, e tragicamente,<br />

aprenden<strong>do</strong> a exercer a liberdade que seu próprio impera<strong>do</strong>r<br />

havia propicia<strong>do</strong>. Aprendera sem dificuldades a ser brasileiro e<br />

não se furtava a pequenas tarefas braçais impeli<strong>do</strong>, sem saber,<br />

pela realidade de que, no fun<strong>do</strong>, os brasileiros nunca tiveram<br />

vocação para serem <strong>rei</strong>s. Impaciente às vezes com a lerdeza<br />

164


<strong>do</strong>s serviçais, tomava-lhes o lugar com a maior sem-cerimônia.<br />

As vezes escandalizava os diplomatas estrangeiros com seus<br />

hábitos pois eles, alheios às fundas diferenças entre a velha<br />

Europa e a nova América, julgavam que ele se preocupava<br />

demais com coisas miúdas indignas de um <strong>rei</strong>. 49 Sua<br />

sinceridade também assustava. E ele até se divertia com isso<br />

pois gostava de ironizar os taciturnos e trágicos e quase<br />

sempre estava de bom humor. Gostava de mandar bilhetes<br />

atrevi<strong>do</strong>s carrega<strong>do</strong>s de fina ironia. Como daquela fez em que<br />

o ministro Caula alegou <strong>do</strong>ença para não participar de uma<br />

reunião ministerial delicada, onde o Regente queria discutir<br />

quem deveria ou não permanecer no ministério depois que ele<br />

decidira desobedecer às Cortes e não voltar para Portugal.<br />

“Caula, mande me dizer como está de saúde e se está disposto a<br />

melhorar e se, depois, também o está para seguir no seu emprego deste<br />

novo mo<strong>do</strong> em que se vai isto arranjan<strong>do</strong>. Responda já porque a não lhe<br />

fazer conta será demiti<strong>do</strong>”.<br />

Na mesma linha da ironia, para demonstrar sua<br />

contrariedade com os resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s trabalhos da primeira<br />

legislatura brasileira, no discurso de encerramento <strong>do</strong> perío<strong>do</strong><br />

legislativo d. Pedro disse simplesmente: “Augustos e Digníssimos<br />

Senhores Representantes da Nação Brasileira – Está fechada a sessão”.<br />

É o mais breve discurso de que se tem notícia,<br />

proferi<strong>do</strong> por um chefe de esta<strong>do</strong>, numa situação tão solene.<br />

Essa ironia, aliás, lhe custaria ácidas críticas da imprensa que<br />

julgava que o próprio ministério não havia colabora<strong>do</strong> para<br />

49<br />

Apos a abdicação, d. Pedro se exilou numa fragata inglesa<br />

fundeada na baia <strong>do</strong> Rio de Janeiro. Ao embarcar ele fez questão de<br />

carregar sua própria bagagem o que escandalizou a marinhagem<br />

britânica. O memorialista de bor<strong>do</strong> acabou registran<strong>do</strong> notas<br />

desairosas sobre o ex-impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil, achan<strong>do</strong>-o<br />

excessivamente cidadão para quem até então tinha si<strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r.<br />

165


que os trabalhos legislativos fossem mais produtivos. Isso<br />

levou o deputa<strong>do</strong> Bernar<strong>do</strong> Pe<strong>rei</strong>ra de Vasconcelos a dizer:<br />

“cortam-nos as pernas e acusam-nos perante o Brasil por que não<br />

corrermos”.<br />

Talvez o coração autoritário de d. Pedro fosse<br />

empurra<strong>do</strong> também por sua ansiedade mórbida. Ele<br />

simplesmente não tinha paciência com a demora com que<br />

coisas, tipicamente de governo, eram resolvidas nas<br />

assembleias. Quer dizer, os rituais próprios <strong>do</strong> processo<br />

democrático o irritavam e os debates demora<strong>do</strong>s das questões<br />

cruciais lhe pareciam insuportável perda de tempo.<br />

D. Pedro foi a exata antítese de seu pai na vida e na<br />

historiografia. Naquela a diferença é flagrante, nesta nem<br />

tanto, pois sempre que algum autor ameaça falar mal de d.<br />

Pedro, no fim acaba elogian<strong>do</strong>-o e quan<strong>do</strong> alguém promete<br />

reconhecer os méritos de d. João acaba execran<strong>do</strong>-o.<br />

Mas dividir d Pedro através <strong>do</strong> que ia no seu coração e<br />

sua mente é um tanto simplório pois ninguém sabe muito bem<br />

onde termina a razão e onde começa a emoção, qual empurra<br />

qual e quan<strong>do</strong>. Tinha uma personalidade complexa. Aliás<br />

como to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> tem. Mas em sen<strong>do</strong> ele um <strong>rei</strong>, as facetas<br />

dessa complexidade se tornam mais acentuadas, já que os <strong>rei</strong>s<br />

sempre podiam mais <strong>do</strong> que os outros, para o bem e para o<br />

mal e seus humores e razões podiam causar enorme<br />

repercussão. Tinha um sóli<strong>do</strong> caráter e estava sempre<br />

preocupa<strong>do</strong> com seu senso de honra e de lealdade, o que pode<br />

ser atesta<strong>do</strong> em várias de suas cartas. Seu temperamento se<br />

caracterizava pelo notório desassossego que, no moto da sua<br />

grande energia e emotividade, compelia e mudava<br />

continuamente o vórtice das suas disposições, até de forma<br />

166


contraditória. Amou desesperadamente a marquesa de Santos<br />

a ponto de humilhar a legitima esposa de quem não deixava de<br />

gostar, mas pranteou na hora errada. Não obstante o visgo da<br />

paixão, despachou a amante com energia e frieza quan<strong>do</strong> as<br />

razões de esta<strong>do</strong> o exigiram. Odiou o irmão e prometeu<br />

vingança, mas no cerco da cidade <strong>do</strong> Porto impediu que um<br />

artilheiro disparasse um tiro de canhão que podia atingir o<br />

lugar onde d. Miguel estava. Contu<strong>do</strong>, a despeito dessa prova<br />

de compaixão, d. Pedro tinha convicção de que seu irmão<br />

Miguel havia manda<strong>do</strong> matar d. João VI.<br />

A esse propósito escreveu em 1830:<br />

“Para se ver o que é o infame a abominável d. Miguel basta dizer que é<br />

mau tio, pior irmão e péssimo filho que por vezes tentou contra a vida de<br />

seu pai até que, por último, o matou de desgosto e, segun<strong>do</strong> dizem, com<br />

veneno como disse o Cirurgião Aguiar aqui nessa corte e que em Lisboa<br />

pagou com a vida em <strong>do</strong>ze horas, o ter conta<strong>do</strong> esse horroroso feito”.<br />

D. Pedro não hesitava em fustigar o inimigo mas,<br />

quan<strong>do</strong> o vencia, sabia ser magnânimo. Tanto que, mais de<br />

uma vez, suscitou críticas em seus próprios colabora<strong>do</strong>res por<br />

ter si<strong>do</strong> generoso demais em suas anistias. Era hiperativo e<br />

<strong>do</strong>mina<strong>do</strong>r. Não tinha paciência para esperar que algo ficasse<br />

bom. Assim, quan<strong>do</strong> achava que algo não estava sen<strong>do</strong> bem<br />

feito, ia ele mesmo fazer. Foi assim que ferrou cavalos e<br />

carregou pacotes. Foi assim com a constituição e foi assim<br />

com as trincheiras da cidade <strong>do</strong> Porto e de Lisboa. Era bem<br />

humora<strong>do</strong> e às vezes excedia nas brincadeiras. Mas quan<strong>do</strong><br />

percebia que alguém se sentia humilha<strong>do</strong> com elas, não tinha<br />

pejo de se desculpar. Muitas vezes pedia para ser trata<strong>do</strong><br />

como homem e não como <strong>rei</strong> e dizia que seu sangue era da<br />

mesma cor <strong>do</strong> sangue <strong>do</strong>s negros. Não abria, contu<strong>do</strong>, mão da<br />

167


sua autoridade. Capaz de caprichos mórbi<strong>do</strong>s. Dizem que,<br />

quan<strong>do</strong> se soube que Noémi Thierry estava grávida de d.<br />

Pedro, a família se apressou a fazer um acor<strong>do</strong> para que a<br />

namorada descuidada se afastasse <strong>do</strong> Rio de Janeiro. Mesmo<br />

porque d. Leopoldina já estava atravessan<strong>do</strong> o Atlântico para<br />

se juntar ao mari<strong>do</strong>, depois <strong>do</strong> casório por procuração. O<br />

arranjo <strong>do</strong> casamento tinha custa<strong>do</strong> uma fortuna a d. João e,<br />

alguns milhares de cruza<strong>do</strong>s a mais para fazê-lo dar certo, não<br />

tinha a menor importância. Foi forma<strong>do</strong> um pacote<br />

persuasivo no qual, além de uma dezena de contos de <strong>rei</strong>s e<br />

joias, a ofendida teria um bom casamento e uma boa vida em<br />

Pernambuco, sob a proteção direta <strong>do</strong> governa<strong>do</strong>r. Assim foi<br />

feito e a futura mãe se instalou magnificamente no Recife,<br />

amparada e com um belo de um mari<strong>do</strong> <strong>do</strong> la<strong>do</strong>. Acontece,<br />

porém, que a criança – <strong>do</strong> sexo feminino - nasceu morta.<br />

Alguém, talvez temen<strong>do</strong> algum distrato no lucrativo negócio,<br />

teve a ideia de embalsamar o corpo da criança. Ao saber disso<br />

o príncipe herdeiro pediu que o corpo lhe fosse envia<strong>do</strong>,<br />

tarefa de que se encarregou o próprio governa<strong>do</strong>r Luiz <strong>do</strong><br />

Rego, pessoalmente. D. Pedro teria manti<strong>do</strong> o cadáver da<br />

própria filha guarda<strong>do</strong> em seu gabinete da Boa Vista por mais<br />

de dez anos. Até que, depois da abdicação e partida para a<br />

Europa, o macabro relicário foi encontra<strong>do</strong> e recebeu o<br />

enterro cristão que merecia 50 . Ninguém conseguiu entender<br />

muito bem a motivação <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r, mesmo se saben<strong>do</strong> ser<br />

ele um pai extremadamente amoroso. Maria Graham, garante<br />

que Noemi Thierry foi a primeira grande paixão de d. Pedro e<br />

aquela seria sua primeira filha, bastarda mas, enfim,<br />

primogênita.<br />

50 Pedro Calmon afirma que essa história não tem o menor<br />

fundamento.<br />

168


D. Pedro era mentiroso e enganava ao pai? Ou seja,<br />

era mesmo o tal herói sem nenhum caráter que alguns<br />

apregoam? É o que pode levar a crer o conteú<strong>do</strong> das cartas<br />

que enviou a d. João no mês de dezembro de 1821, logo após<br />

o impacto produzi<strong>do</strong> pelos decretos de 29 de setembro que<br />

tratavam o príncipe regente como se ele fosse um moleque.<br />

No dia 10 escrevia ele:<br />

“No mesmo dia em que a junta for eleita tomará entrega <strong>do</strong> governo,<br />

porque acaba imediatamente aquela autoridade dantes constituída e<br />

assim, logo que seja eleita, vou dar sem demora pronta execução <strong>do</strong><br />

decreto que me manda partir o quanto antes.”<br />

E mais adiante:<br />

“Enquanto eu tiver forças conte Vossa Majestade e a nação com a<br />

minha pessoa (***). Isto é o que minha alma sente e diz sem lisonja nem<br />

interesse.”<br />

Quatro dias depois voltava ao assunto:<br />

“Dou parte a Vossa Majestade que a publicação <strong>do</strong>s decretos fez um<br />

choque muito grande nos brasileiros e em muitos europeus aqui<br />

estabeleci<strong>do</strong>s, a ponto de se dizerem pelas ruas: se a constituição é fazernos<br />

mal, leve o diabo tal coisa: havemos fazer um termo para o príncipe<br />

não sair sob pena de ficar responsável pela perda <strong>do</strong> Brasil para<br />

Portugal.”<br />

E arrematava:<br />

“Sem embargo de todas essas vozes eu vou me aprontan<strong>do</strong> com toda a<br />

pressa e sossego, a fim de ver se posso, como devo, cumprir tão sagradas<br />

169


ordens, porque a minha obrigação é obedecer cegamente e assim o pede a<br />

minha honra, ainda que perca a vida.”<br />

No dia 15 repetia os rumores de que os brasileiros<br />

imputariam, ao retorno dele para Portugal, a causa de uma<br />

provável ruptura entre os <strong>do</strong>is <strong>rei</strong>nos e finalizava:<br />

“Torno a protestar às Cortes e a Vossa Majestade que só a força será<br />

capaz de me fazer faltar ao meu dever, o que será o mais sensível nesse<br />

mun<strong>do</strong>. Concluo dizen<strong>do</strong>: sou fiel e honra<strong>do</strong>.”<br />

Menos de um mês depois d. Pedro proclamava aos<br />

brasileiros que ficava no Brasil<br />

Como já tentamos convencer em capítulos passa<strong>do</strong>s,<br />

d. Pedro, nem de longe, tinha intenção de ser insincero com o<br />

pai e até mesmo em ser ardiloso com as Cortes. Apenas foi<br />

colhi<strong>do</strong> pelo vendaval e preferiu navegar na direção que lhe<br />

era favorável. Era um filho amoroso e um constitucionalista<br />

assumi<strong>do</strong>. Mas também não seria ingênuo de não perceber o<br />

peso político das coisas, nem teria sangue de barata para voltar<br />

para Portugal como um moleque, escorraça<strong>do</strong> da regência <strong>do</strong><br />

Brasil. Na verdade, a seqüência das declarações contidas nas<br />

cartas ilustra com muita propriedade, a forma como ele foi se<br />

ajustan<strong>do</strong> rapidamente a sucessão vertiginosa <strong>do</strong>s<br />

acontecimentos na virada <strong>do</strong>s anos 1821/1822 e que o foram<br />

empurran<strong>do</strong> na direção de setembro. Certamente os decretos<br />

de 29 de setembro de 1821 causaram nele enorme irritação e<br />

ele logo deve ter pensan<strong>do</strong> em confrontá-los, se tivesse forças<br />

para tal. E o fez, assim que sentiu que tinha o apoio das<br />

províncias de Minas, Rio e São Paulo. É essa a história <strong>do</strong><br />

fico. D. Pedro estava sen<strong>do</strong> muito mais o príncipe<br />

desassossega<strong>do</strong> <strong>do</strong> que o filho amoroso. Também estava<br />

170


sen<strong>do</strong> muito mais o regente humilha<strong>do</strong> <strong>do</strong> que o vassalo fiel<br />

de um <strong>rei</strong>no distante onde, aliás, um ban<strong>do</strong> de deputa<strong>do</strong>s<br />

exalta<strong>do</strong>s achacava continuamente a ele e ao pai. Eis um<br />

pouco <strong>do</strong>s meandros <strong>do</strong> seu caráter.<br />

O <strong>rei</strong> solda<strong>do</strong><br />

<strong>Os</strong> portugueses conhecem seu <strong>rei</strong> d. Pedro IV<br />

também como “O Rei Cavaleiro ou Rei Solda<strong>do</strong>”. De fato, no<br />

curto tempo que durou seu retorno à terra natal, não fez<br />

muito mais <strong>do</strong> que guerrear contra seu irmão d. Miguel, à<br />

frente <strong>do</strong>s exércitos liberais portugueses, apoia<strong>do</strong>s<br />

discretamente por franceses e ingleses. Também nem teve<br />

tempo.<br />

Ao morrer d. João VI tinha deixa<strong>do</strong> a questão sucessória<br />

no ar, limitan<strong>do</strong>-se a nomear sua filha Isabel Maria como<br />

regente provisória, até que a questão da herança ao trono<br />

fosse resolvida. Até em seu último ato sobre a terra, ele não<br />

deixaria de ser ardiloso e indireto. Não deixou claro o nome<br />

de seu herdeiro. Talvez preferisse que fosse seu dileto filho d.<br />

Pedro, mas sabia que o di<strong>rei</strong>to dele à Coroa Portuguesa<br />

poderia ser amplamente contesta<strong>do</strong>, ameaçan<strong>do</strong> a<br />

continuidade da dinastia. Seria um lega<strong>do</strong> execrável para quem<br />

já tinha perdi<strong>do</strong> o Brasil. Também não teria deixa<strong>do</strong> de<br />

considerar que sob d. Miguel a monarquia portuguesa teria um<br />

perfil absolutista, regime que lhe parecia muito mais natural,<br />

pois os <strong>rei</strong>s não tinham nasci<strong>do</strong> para serem achaca<strong>do</strong>s pelo<br />

povo como vinha sen<strong>do</strong> ultimamente. Dessa derradeira<br />

indefinição <strong>do</strong> monarca resultaram <strong>do</strong>is penosos anos de<br />

guerra civil nos diversos cantos de Portugal. A princesa<br />

regente, nomeada por d. João no leito de morte, logo pareceu<br />

171


tender a favor <strong>do</strong> irmão mais velho. De sorte que, em 30 de<br />

março, expediu uma portaria que determinava que todas as<br />

decisões de governo passassem a ser feitas em nome de d.<br />

Pedro IV, incomodamente também Impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil. A 24<br />

de abril de 1826, o impera<strong>do</strong>r recebeu uma delegação<br />

anuncian<strong>do</strong> que fora reconheci<strong>do</strong> como legítimo <strong>rei</strong> também<br />

de Portugal. Tinha enormes problemas pela frente, saben<strong>do</strong><br />

que a mãe e o irmão tramariam contra ele. E para resolver<br />

essas terríveis pendengas familiares que afetavam três milhões<br />

de portugueses passou a dedicar cada vez mais tempo aos<br />

interesses <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no luso e menos ao Império <strong>do</strong> Brasil. Foi aí<br />

que os brasileiros passaram a desconfiar dele e se lembrar<br />

daqueles velhos episódios, indignos de um liberal, em que ele<br />

an<strong>do</strong>u meti<strong>do</strong>. Lembraram <strong>do</strong> juramento condicional que ele<br />

tinha feito no momento de maior euforia da nação pela<br />

conquista da independência:<br />

“juro defender a constituição que está para ser feita, se for digna <strong>do</strong><br />

Brasil e de mim”.<br />

Sobretu<strong>do</strong>, relembraram que ele tinha considera<strong>do</strong> que ela<br />

não era digna <strong>do</strong> Brasil e dele, dissolven<strong>do</strong>, “mano militare”, a<br />

primeira assembleia constituinte brasileira, justo aquela que ele<br />

tanto prometera.<br />

Mas d. Pedro tinha razão quanto às suas preocupações com<br />

o que ia em Portugal depois da morte <strong>do</strong> pai. Havia mesmo<br />

muito espaço para contestação quanto a sua herança. Para os<br />

partidários de seu irmão d. Miguel, d. Pedro teria traí<strong>do</strong><br />

Portugal e opta<strong>do</strong> pela cidadania brasileira. Invocavam as Leis<br />

Fundamentais da Monarquia Portuguesa, ditadas pelas Cortes<br />

de Lamego em 1641, que proibiam que a Coroa fosse<br />

entregue a um estrangeiro. Portanto d. Pedro, como brasileiro,<br />

172


não podia ser <strong>rei</strong> de Portugal. Na verdade a questão principal<br />

não estava na simples definição de qual <strong>do</strong>s varões de d. João<br />

VI deveria herdar a Coroa e sim na disputa <strong>do</strong> regime sob o<br />

qual Portugal deveria ser governa<strong>do</strong>: sob um soberano<br />

absoluto ou sob um <strong>rei</strong> que tivesse que se submeter às balizas<br />

de uma constituição. Essa discussão até já estava prestes a<br />

perder o sentin<strong>do</strong> mas a Santa Aliança <strong>do</strong>s <strong>rei</strong>nos<br />

conserva<strong>do</strong>res da Europa ainda tentaria dar a ela uma<br />

sobrevida. Aqueles que pugnavam por uma monarquia<br />

constitucional se aliaram com d. Pedro e os que defendiam<br />

uma monarquia absoluta se aliaram com d. Miguel. Mas d.<br />

Pedro não era como o pai e assim não perdeu tempo a esperar<br />

definições pelo acomodar das melancias através <strong>do</strong> sacolejar<br />

da carroça da história. Há muito já estava convenci<strong>do</strong> de que<br />

Brasil e Portugal jamais poderiam ser novamente reuni<strong>do</strong>s sob<br />

um mesmo <strong>rei</strong>. Assim, <strong>do</strong>is dias depois de saber da sua nova<br />

condição de <strong>rei</strong> <strong>do</strong>s lusitanos, já começava a colocar em<br />

marcha um plano que já tinha guarda<strong>do</strong> na gaveta: Portugal<br />

seria uma monarquia constitucional sob o cetro de sua filha<br />

com nome de d. Maria II. Ele preferia permanecer como<br />

impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil. Em 26 de abril confirmou a regência de<br />

sua irmã e a 29 outorgou a carta constitucional que já estava<br />

pronta, aguardan<strong>do</strong> aquela chance. A <strong>do</strong>is de maio já abdicava<br />

em favor da filha. Eis o <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> de d. Pedro IV de Portugal:<br />

durou pouco mais de uma semana. Mas a implementação <strong>do</strong><br />

plano não terminaria aí. D. Pedro sabia que teria pela frente<br />

uma dura oposição <strong>do</strong>s conserva<strong>do</strong>res portugueses e que seu<br />

irmão era a cabeça natural desse movimento. Planeja oferecer<br />

a regência a d. Miguel, desde que ele se case com d. Maria e<br />

jure a constituição que ele outorgara. Enquanto isso, a regente<br />

Isabel Maria, mesmo juran<strong>do</strong> fidelidade a d. Pedro, vai<br />

deixan<strong>do</strong> se envolver pelos conserva<strong>do</strong>res e vai adian<strong>do</strong> o<br />

juramento da carta outorgada pelo impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil. E é aí<br />

173


que entra em cena um liberal histórico que seria muito útil na<br />

causa constitucional. Falo novamente <strong>do</strong>, então governa<strong>do</strong>r de<br />

armas da cidade <strong>do</strong> Porto, o general João Carlos de Saldanha.<br />

Acostuma<strong>do</strong> a reforçar suas convicções botan<strong>do</strong> a mão no<br />

punho da espada ele o faz novamente e exige o juramento da<br />

carta constitucional outorgada, o que acaba sen<strong>do</strong> feito em 31<br />

de julho de 1826. O próprio d. Miguel faz o mesmo em Viena<br />

no dia 04 de outubro, selan<strong>do</strong> seu acor<strong>do</strong> com o irmão. Na<br />

seqüência, a 03 de julho <strong>do</strong> ano seguinte, d. Pedro confirma o<br />

irmão como regente e, em 22 de feve<strong>rei</strong>ro de 1827, depois de<br />

um tour pela Europa, d. Miguel desembarca em Lisboa para<br />

assumir a regência em nome da sobrinha e esposa. Tu<strong>do</strong><br />

parece muito bem encaminha<strong>do</strong> mas, mal assume o governo,<br />

d. Miguel desencadeia um conjunto de atos certeiros de<br />

traição ao irmão e que o fariam <strong>rei</strong> pelo perío<strong>do</strong> de oito anos.<br />

Em 13 de março, quinze dias depois de confirmar o<br />

juramento à constituição, dá um golpe de esta<strong>do</strong> dissolven<strong>do</strong><br />

as Cortes e, obedecen<strong>do</strong> a um costume antigo para resolver<br />

pendências sucessórias, convoca os Três Esta<strong>do</strong>s. Estes,<br />

forma<strong>do</strong>s basicamente por nobres <strong>do</strong>s cantões e pelo clero,<br />

acabariam por aclamá-lo <strong>rei</strong> (30 de junho). Instala-se um<br />

conflito mortal entre os <strong>do</strong>is filhos de d. João VI. Enquanto<br />

isso, mergulha<strong>do</strong> em seus problemas brasileiros e ignorante de<br />

tu<strong>do</strong> que estava acontecen<strong>do</strong> em Portugal, d. Pedro já tinha<br />

despacha<strong>do</strong> a filha para a Europa, cumprin<strong>do</strong> sua parte no<br />

trato de dá-la em casamento a d. Miguel. Na altura de<br />

Gibraltar o marques de Barbacena, responsável pela segurança<br />

da pequena noiva, fica saben<strong>do</strong> casualmente, <strong>do</strong>s graves<br />

acontecimentos em Portugal.Então, resolve desviar a rota,<br />

conduzin<strong>do</strong> d. Maria II para a Inglaterra e retornan<strong>do</strong> depois<br />

ao Brasil.<br />

À traição de um pacto político celebra<strong>do</strong> com o irmão<br />

soma-se a humilhação imposta à filha, coisa que d. Pedro,<br />

174


decididamente, não deve ter engoli<strong>do</strong>. Ao contrário, a desfeita<br />

deve ter ouriça<strong>do</strong> de verdade seus brios de solda<strong>do</strong>. Ainda<br />

mais estan<strong>do</strong> ele convenci<strong>do</strong> que o pai tinha si<strong>do</strong> assassina<strong>do</strong><br />

e que d. Miguel podia estar por trás desse hedion<strong>do</strong> parricídio.<br />

De sorte que ele mastigou o caroço, engoliu, mas guar<strong>do</strong>u a<br />

digestão para depois. Tinha que esperar momento propício.<br />

Não podia invadir Portugal simplesmente como impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />

Brasil e restaurar o trono da filha. Arrebatada loucura. Teria a<br />

ira de todas as cortes da Europa sobre si. Logo, compreendeu<br />

que tinha que fortalecer os liberais portugueses de alguma<br />

forma. Aglutinar e prover gente com grande traquejo político<br />

e diplomático como Palmela ou grande competência militar<br />

como Saldanha e especialmente como Vila Flor.<br />

A história <strong>do</strong> visconde de Vila Flor, futuro duque da<br />

Terceira, é a própria história <strong>do</strong> triunfo militar <strong>do</strong> liberalismo<br />

em Portugal. Com certeza, ele foi um <strong>do</strong>s maiores generais<br />

europeus <strong>do</strong> século XIX e conseguiu uma proeza semelhante<br />

a <strong>do</strong> general soviético Georgi Zukov que barrou as tropas de<br />

Hitler nas portas de Moscou e as empurrou até Berlim,<br />

toman<strong>do</strong> a capital <strong>do</strong> III Reich.<br />

António José de Sousa Manuel de Meneses Severim de<br />

Noronha, 7.º conde, 1.º marquês de Vila Flor e 1.º duque da<br />

Terceira, serviu a cinco gerações de monarcas da Dinastia de<br />

Bragança. Começou como fidalgo de d. Maria I. Serviu a d.<br />

João VI, d. Pedro IV, d. Maria II e d. Pedro V. Apesar de<br />

herdeiro <strong>do</strong>s mais ricos e tradicionais ramos da nobreza<br />

portuguesa, o traço mais marcante da sua biografia é o seu<br />

engajamento nas campanhas liberais, ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> conde de<br />

Saldanha e <strong>do</strong> marquês de Palmela. Ingressou na car<strong>rei</strong>ra<br />

militar com dez anos de idade e sempre se destacou pela<br />

bravura e pela astúcia nos campos de batalha. Aos vinte e <strong>do</strong>is<br />

de idade, depois de se destacar nas campanhas napoleônicas,<br />

175


já era promovi<strong>do</strong> a coronel. Em 1817 foi despacha<strong>do</strong> para o<br />

Brasil com a missão de sufocar a rebelião de Pernambuco. Em<br />

seguida d. João VI, desejoso de mantê-lo no norte disponível<br />

para eventuais necessidades contra os focos rebeldes que<br />

pululavam por lá, o nomeou governa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Pará. Poderia ter<br />

segui<strong>do</strong> brilhante car<strong>rei</strong>ra política no Brasil mas em 1821,<br />

interessa<strong>do</strong> em conhecer de perto o projeto liberal dispara<strong>do</strong> a<br />

partir da revolução <strong>do</strong> Porto, preferiu voltar a Portugal,<br />

acompanhan<strong>do</strong> d. João. Quan<strong>do</strong> d. Miguel, sem nenhum<br />

traquejo militar, foi nomea<strong>do</strong> pelo pai como chefe <strong>do</strong> exército<br />

português, Vila Flor foi coloca<strong>do</strong> ao seu la<strong>do</strong> como ajudante<br />

de ordens. Mas como tinham projetos políticos opostos, d.<br />

Miguel logo prescindiu <strong>do</strong>s serviços <strong>do</strong> futuro duque da<br />

Terceira. Com a morte de d. João VI e a proclamação de d.<br />

Pedro como <strong>rei</strong> de Portugal, Vila Flor foi reabilita<strong>do</strong> e<br />

nomea<strong>do</strong> governa<strong>do</strong>r de armas <strong>do</strong> Alentejo onde, com a ajuda<br />

<strong>do</strong> general Saldanha então ministro da Guerra, an<strong>do</strong>u<br />

reprimin<strong>do</strong> movimentos a favor de d. Miguel e <strong>do</strong><br />

absolutismo quan<strong>do</strong> ele ainda estava no exílio. Pelos seus<br />

novos feitos recebeu o titulo de marques e foi nomea<strong>do</strong><br />

governa<strong>do</strong>r de armas <strong>do</strong> Porto. Foi nessa função que d.<br />

Miguel surpreendeu-o conseguin<strong>do</strong> restabelecer o absolutismo<br />

em Portugal. Ven<strong>do</strong> que a causa liberal estava perdida o,<br />

então marques de Vila Flor, resolveu emigrar para a Inglaterra.<br />

Lá já estavam Palmela e Saldanha. Poucos meses depois<br />

rebentou, mais uma vez, um movimento constitucionalista no<br />

Porto e os liberais emigra<strong>do</strong>s, entre eles naturalmente a<br />

indefectível trinca, resolveu voltar e tentar a derrubada de d.<br />

Miguel a partir desse movimento. Mas o movimento não tinha<br />

consistência. A tropa de d. Miguel atacou duramente o reduto<br />

liberal. Vila Flor e Saldanha não se entenderam pois cada um<br />

queria ser o comandante. A tentativa frustrou-se rapidamente<br />

e os liberais tiveram que regressar à Inglaterra de forma um<br />

176


tanto humilhante. Desistiram de retomar Portugal, pelo<br />

menos por enquanto, e resolveram começar uma campanha<br />

constitucionalista nos Açores, a partir da Ilha Terceira onde<br />

um batalhão rebelde tinha jura<strong>do</strong> fidelidade a rainha d. Maria<br />

II, repudian<strong>do</strong> d. Miguel como usurpa<strong>do</strong>r. Esta foi a base que<br />

viabilizou o retorno de d. Pedro.<br />

O primeiro que tentou desembarcar uma expedição<br />

nos Açores foi Saldanha. Foi intercepta<strong>do</strong> no mar pois os<br />

Ingleses, sob a influência conserva<strong>do</strong>ra de Wellington, tinham<br />

revolvi<strong>do</strong> impedir uma progressão liberal no arquipélago. Vila<br />

Flor, porém, logo depois conseguiria furar o bloqueio e<br />

estabelecer uma boa base militar, assumin<strong>do</strong> a condição de<br />

governa<strong>do</strong>r da ilha Terceira. Assim, fortifica<strong>do</strong> o batalhão,<br />

Vila Flor conseguiu rechaçar uma tentativa miguelista de<br />

retomada da Ilha. Frustrada a tentativa os exila<strong>do</strong>s puderam<br />

passar <strong>do</strong>is anos mais tranqüilos, pensan<strong>do</strong> num plano para<br />

libertar o continente. Entenderam que primeiro tinham que<br />

expandir seu <strong>do</strong>mínio sobre o arquipélago. O marques de Vila<br />

Flor mais uma vez coman<strong>do</strong>u a campanha e conseguiu anexar<br />

quase todas as ilhas <strong>do</strong>s Açores. Era a chance que d. Pedro<br />

queria para estabelecer a cabeça de ponte de onde pudesse<br />

confrontar Portugal, política e militarmente. Tratou de<br />

legitimar a situação nomean<strong>do</strong> Palmela regente <strong>do</strong>s Açores,<br />

em nome da rainha de Portugal, d. Maria II. Estavam<br />

assentadas as bases para a queda de d. Miguel quatro anos<br />

depois quan<strong>do</strong> o próprio Vila Flor tomaria Lisboa e, em<br />

seguida, bateria a última resistência <strong>do</strong>s absolutistas nas<br />

proximidades de Santarém. Mas naquela ocasião, quase<br />

ninguém no mun<strong>do</strong> acreditava nisso.<br />

D. Pedro continuava impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil e a situação<br />

nos Açores se acomo<strong>do</strong>u por cerca de três anos sem muitas<br />

novidades, até que a causa liberal tomou um grande impulso<br />

177


com a subida de Luis Felipe ao trono da França. O mesmo<br />

ocorreu na Inglaterra onde Lord Grey assumiu o gabinete e<br />

passou a apoiar os movimentos liberais no continente. No dia<br />

07 de abril <strong>do</strong> ano seguinte (1831), pressiona<strong>do</strong> pela crescente<br />

desconfiança <strong>do</strong>s brasileiros em relação aos seus brios liberais,<br />

d. Pedro abdicaria <strong>do</strong> Império <strong>do</strong> Brasil em nome de seu filho<br />

e, aí sim, ficaria libera<strong>do</strong> para passar à Europa e se por a frente<br />

<strong>do</strong>s constitucionalistas portugueses. Aliás, essa chance foi um<br />

<strong>do</strong>s motivos da abdicação.<br />

Não poderia haver melhor líder <strong>do</strong> que d. Pedro, quer<br />

pelo simbolismo dinástico, quer pela capacidade de coman<strong>do</strong>,<br />

quer pela coragem e exemplo. O tirano rejeita<strong>do</strong> pelos<br />

brasileiros tinha vira<strong>do</strong> a esperança constitucional <strong>do</strong>s<br />

portugueses e ainda contan<strong>do</strong> com a admiração e aplauso <strong>do</strong>s<br />

liberais europeus. D. Pedro anda pela França e Inglaterra<br />

carrean<strong>do</strong> apoio para sua disposição de colocar d. Maria II no<br />

trono. O <strong>rei</strong> francês começa a se mexer discretamente: manda<br />

uma esquadra à boca <strong>do</strong> Tejo e navios portugueses são<br />

apreendi<strong>do</strong>s. Em Lisboa é tentada uma sublevação popular,<br />

sem sucesso. A operação naval francesa teve outros motivos<br />

alega<strong>do</strong>s mas seria de grande valor para a campanha liberal no<br />

futuro pois enfraqueceu a frota portuguesa permitin<strong>do</strong> que o<br />

almirante Napier, a serviço de d. Pedro, <strong>do</strong>minasse a costa<br />

Portuguesa e pudesse apoiar a tomada de Lisboa <strong>do</strong>is anos<br />

depois. Enquanto isso d. Pedro recebe autorização para<br />

montar uma esquadra em território Francês. Assim que se<br />

considera pronto navega para os Açores onde assume o<br />

coman<strong>do</strong> <strong>do</strong>s liberais lá acantona<strong>do</strong>s e agrega novos reforços<br />

ao seu pequeno exército. Seu contumaz desassossego já estava<br />

exacerba<strong>do</strong> e o próximo objetivo já seria Portugal. A força<br />

que consegue montar beira ao ridículo: oito mil homens<br />

contra oitenta mil <strong>do</strong> irmão. Palmela chamou a expedição de<br />

178


“a coisa mais romanesca que a história de qualquer país já pode<br />

apresentar”.<br />

Mas d. Pedro não entrava só com sua compulsiva<br />

coragem. Confiava na adesão <strong>do</strong>s constitucionalistas<br />

subjuga<strong>do</strong>s em Portugal. Assim se lança à louca emp<strong>rei</strong>tada.<br />

Também não tinha outro remédio: não era de seu feitio ficar<br />

exila<strong>do</strong> em algum país da Europa, curtin<strong>do</strong> uma vida de ócio.<br />

O marques de Fronteira, que fez parte da expedição,<br />

conta que no princípio não havia um plano muito preciso<br />

sobre em que ponto de Portugal deveria acontecer o ataque.<br />

Alguns sugeriam que a campanha começasse por Cascais,<br />

visan<strong>do</strong> um assalto relâmpago direto sobre Lisboa. Acabaram<br />

optan<strong>do</strong> pela região da cidade <strong>do</strong> Porto, velho reduto liberal,<br />

berço da revolução de 1820 e das revoltas mais entusiásticas<br />

contra o avanço absolutista. A oito de julho de 1832 o<br />

exército <strong>do</strong> ex-impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil e agora duque de<br />

Bragança, desembarca na enseada de Pampeli<strong>do</strong>, próximo à<br />

cidade. Aí, a primeira surpresa de tantas outras que se<br />

seguiriam boas e ruins. A cidade acabou sen<strong>do</strong> entregue de<br />

bandeja às forças liberais pois o comandante miguelista,<br />

visconde de Santa Marta, superestimou a força de ataque e<br />

depois de chamar d. Pedro de “chefe de uma quadrilha de<br />

saltea<strong>do</strong>res”, preferiu deixar a cidade sem oferecer resistência,<br />

embora tivesse 13 mil homens prontos para resistir. Foi o<br />

primeiro grande erro da campanha desastrosa das forças de d.<br />

Miguel, cheia de estratégias equivocadas. D. Pedro aceitou o<br />

presente de muito bom gra<strong>do</strong> e tratou de estabelecer ali o seu<br />

quartel-general e se preparar para as grandes batalhas que<br />

viriam. Aquela não seria uma guerra para se vencer sem tiros.<br />

Logo as forças de d. Miguel formam um anel de ferro em<br />

torno da cidade <strong>do</strong> Porto. Às forças de Santa Maria se juntam<br />

as <strong>do</strong> general Póvoa e aí o sangue começaria a correr para<br />

valer. D. Pedro resiste, sem cavalaria mas contan<strong>do</strong> com<br />

179


oficiais corajosos e gente sonha<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> seu la<strong>do</strong>. 51 Além, é<br />

claro, de centenas de mercenários competentes e sanguinários.<br />

Como d. Pedro botava música em tu<strong>do</strong> que fazia, não faltou<br />

uma banda escocesa de gaitas de fole para excitar o<br />

patriotismo luso. O fa<strong>do</strong> ficaria para a hora de contar os<br />

mortos. Em 29 de setembro de 1832, os miguelistas lançaram<br />

um assalto formidável sobre a cidade sitiada, tentan<strong>do</strong> uma<br />

vitória definitiva. <strong>Os</strong> combates se travaram às baionetas pelas<br />

ruas. Chegaram a tomar parte da cidade, mas foram<br />

rechaça<strong>do</strong>s. Na conta de Hugh Owen 52 , testemunha ocular<br />

<strong>do</strong>s combates, as forças absolutistas perderam cinco mil<br />

homens, contra apenas seiscentos e cinqüenta <strong>do</strong>s liberais. Foi<br />

uma bela resistência mas o duque de Bragança compreendeu<br />

que para romper o cerco sobre o Porto, teria que partir para a<br />

ofensiva, espalhan<strong>do</strong> a revolta por Portugal em direção a<br />

Lisboa. Depois de alguns insucessos e vitórias parciais,<br />

resolveu fazer mudanças. O grande general Saldanha tinha<br />

fica<strong>do</strong> na Europa. É que d. Pedro tinha certas restrições<br />

políticas contra ele. Além disso, ele an<strong>do</strong>u conspiran<strong>do</strong> contra<br />

Fernan<strong>do</strong> VII - o <strong>rei</strong> da Espanha - e d. Pedro tinha receio de<br />

que o dito cujo mandasse forças para o cerco <strong>do</strong> Porto se<br />

soubesse que Saldanha estava lá. Também havia o veto de<br />

Palmela e o ciúme de Vila Flor. Mas era hora de jogar todas as<br />

cartas na mesa. D. Pedro consegue superar sua própria<br />

repugnância e contornar as desavenças em nome da causa<br />

comum e manda chamar Saldanha. Entrega-lhe o coman<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

exército e a missão de defender a cidade. No coman<strong>do</strong> da<br />

frota naval substitui Sartorius pelo almirante inglês Napier,<br />

51 Entre eles Alexandre Herculano, Almeida Garret e o Batalhão<br />

Acadêmico de Coimbra.<br />

52 “O Cerco <strong>do</strong> Porto”.<br />

180


com a tarefa de partir para o sul e acossar a frota realista. Uma<br />

outra parte da força terrestre é entregue a Vila Flor – então já<br />

feito duque da Terceira - com a missão de invadir o Algarve.<br />

<strong>Os</strong> três assumem suas missões buscan<strong>do</strong>, num primeiro<br />

momento, desafogar a pressão sobre o Porto, onde d. Pedro<br />

ficou cavan<strong>do</strong> trincheiras e comandan<strong>do</strong> a defesa ao la<strong>do</strong> de<br />

Saldanha. A estratégia dá certo e é aí que a vitória começa a<br />

ser construída. A 24 de junho de 1833 as forças de d. Pedro<br />

desembarcam no Algarve e um mês depois conseguem entrar<br />

em Lisboa. Esta talvez tenha si<strong>do</strong> a mais espetacular vitória da<br />

campanha. Foi quan<strong>do</strong> o duque da Terceira, com 1.500<br />

homens apenas, conseguiu bater o exército de 15.000 homens<br />

que guarnecia Lisboa. No dia 28 d. Pedro dá entrada na<br />

capital, assumin<strong>do</strong> o governo como regente. Seu primeiro ato<br />

é restabelecer a constituição que tinha outorga<strong>do</strong> em abril de<br />

1826. Com a guerra em curso a constituição se mostra<br />

inexeqüível e d. Pedro governa como um general, através de<br />

decretos, para repugnância <strong>do</strong>s liberais mais radicais e<br />

românticos. A política externa funciona bem junto a ingleses e<br />

franceses pois eles estão cheios de boa vontade com aquela<br />

aventura constitucionalista numa Europa em transição. O<br />

general Bourmont, francês a serviço de d. Miguel, é bati<strong>do</strong> por<br />

Saldanha no cerco <strong>do</strong> Porto.<br />

O coronel Hugh Owen, no seu livro sobre o cerco, cita um<br />

conjunto de causas que teriam leva<strong>do</strong> d. Pedro a ganhar aquela<br />

guerra impossível. Entre elas inclui: “a energia inaudita e sem<br />

paralelo <strong>do</strong>s habitantes <strong>do</strong> Porto, resistin<strong>do</strong> à peste, à fome e a guerra de<br />

extermínio; bombardea<strong>do</strong>s durante o sítio de um ano e cercada a cidade<br />

por 40.000 homens de tropa e outros tantos paisanos que trabalhavam<br />

nas fortificações inimigas.”<br />

Rechaça<strong>do</strong> no Porto, o general Bourmont recua para o<br />

sul. Tenta retomar Lisboa, sem sucesso. Nessa altura d. Miguel<br />

está refugia<strong>do</strong> em Coimbra, com poucos cartuchos para<br />

181


queimar. Seus generais primam pela incompetência, perden<strong>do</strong><br />

sucessivas batalhas mesmo contan<strong>do</strong> com efetivos dez vezes<br />

maiores <strong>do</strong> que os <strong>do</strong> inimigo. A 09 de agosto a Inglaterra<br />

reconhece a coroa de d. Maria II e a 10 de outubro a França<br />

faz o mesmo. A 22 de setembro d. Maria II chega a Lisboa e<br />

se põe diretamente sobre a proteção <strong>do</strong> pai. O sucesso da<br />

armada de d. Pedro continua e d. Miguel é obriga<strong>do</strong> a se<br />

deslocar para Santarém, seu último reduto. Suas derrotas vão<br />

se acumulan<strong>do</strong> e a guerra caminha para o fim. A 18 de maio d.<br />

Pedro dá entrada em Santarém, obrigan<strong>do</strong> o irmão a se<br />

refugiar em Évora. A vitória se consuma com mais uma<br />

espetacular campanha <strong>do</strong> duque da Terceira. A 26 é assinada a<br />

rendição incondicional <strong>do</strong>s exércitos de d. Miguel. D. Pedro<br />

IV - o Rei Solda<strong>do</strong> – tinha restabeleci<strong>do</strong> o trono que havia<br />

lega<strong>do</strong> à filha. Poucos dias depois de ser aclama<strong>do</strong><br />

triunfalmente pelo povo nas ruas, seria vaia<strong>do</strong> no teatro.<br />

Manteve o mesmo sangue frio que tinha demonstra<strong>do</strong> nos<br />

descontentamentos <strong>do</strong> Rio de Janeiro e nas vicissitudes das<br />

batalhas <strong>do</strong> Porto e de Lisboa. Morreria poucos meses depois<br />

de múltipla falência física, deixan<strong>do</strong> em vigor a constituição<br />

que tinha outorga<strong>do</strong> a Portugal, oito anos antes. Mesmo<br />

sucesso teria no Brasil, país que tinha escolhi<strong>do</strong> para <strong>rei</strong>nar e<br />

que tinha deixa<strong>do</strong> de confiar nele e nas suas regras. Mas,<br />

mesmo morto não teria sossego. Muitos <strong>do</strong>s liberais que o<br />

tinham apoia<strong>do</strong> acabaram estranhan<strong>do</strong> as práticas<br />

constitucionalistas que tinham defendi<strong>do</strong>, mesmo antes delas<br />

se tornarem plenas. <strong>Os</strong> solda<strong>do</strong>s que tinham batalha<strong>do</strong> sob<br />

suas ordens queriam mais vantagens e os generais queriam<br />

mais poder, assim como os políticos. O corpo de d. Pedro<br />

nem tinha esfria<strong>do</strong> e ele já passava a ser visto pelos<br />

portugueses como um dita<strong>do</strong>r, excessivamente generoso com<br />

o irmão venci<strong>do</strong> e sovina com os vence<strong>do</strong>res. Também pelos<br />

portugueses não seria ama<strong>do</strong>. Eles jamais o per<strong>do</strong>ariam por<br />

182


ter si<strong>do</strong> tão brasileiro e não ter entendi<strong>do</strong> os anseios <strong>do</strong>s<br />

liberais portugueses que, mesmo tardiamente, apoiaram a<br />

guerra contra d. Miguel, especialmente nos quesitos da<br />

pilhagem e da vingança.<br />

D. Pedro tinha razão em preferir ser brasileiro. O <strong>rei</strong>na<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> seu filho impera<strong>do</strong>r foi muito mais longo e feliz <strong>do</strong> que o de<br />

sua filha, rainha de Portugal. Para começar, para ser rainha a<br />

pequena d. Maria II teve que se casar com seu tio d. Miguel.<br />

Quanto ao parentesco não havia problema pois os papas estavam<br />

acostuma<strong>do</strong>s a anular essas inconveniências sanguíneas, ainda que<br />

elas fossem muito mais físicas <strong>do</strong> que morais e não evitassem<br />

degenerações, quan<strong>do</strong> fosse o caso. Mas assim foi feito pelo papa<br />

Leão XII como era de costume e o casamento se realizou, pelo<br />

menos em contrato. Não se consumou, é claro, pois d. Miguel não<br />

esperou muito para rasgar seus juramentos. Politicamente o<br />

arranjo tinha que ser complica<strong>do</strong> pois, nada mais difícil <strong>do</strong> que<br />

transformar um mari<strong>do</strong>/tio absolutista num sogro/irmão liberal.<br />

Coitada da pequena rainha/noiva, acabou repudiada e traída. Esta<br />

parte d. Pedro conseguiu corrigir mas, nem assim, conseguiria que<br />

a filha fosse feliz. Não que ela não se sentisse rainha. O era pela<br />

força e pelo di<strong>rei</strong>to e o povo português nunca contestou a<br />

legitimidade <strong>do</strong> seu <strong>rei</strong>na<strong>do</strong>. Até porque, no próprio acor<strong>do</strong> da<br />

independência <strong>do</strong> Brasil, a questão sucessória já tinha si<strong>do</strong><br />

levantada e tinha fica<strong>do</strong> estabeleci<strong>do</strong> que, caso d. Pedro<br />

renunciasse ao seu di<strong>rei</strong>to de ser <strong>rei</strong> de Portugal, a sucessão<br />

passaria ao seu filho ou filha mais velha. Mas a aventura europeia<br />

da pequena rainha sempre foi muito atribulada. Começou quan<strong>do</strong><br />

ela estava in<strong>do</strong> para Viena para ser entregue à tutela <strong>do</strong> avô. Foi<br />

quan<strong>do</strong> o visconde de Barbacena, à vista das estripulias de d.<br />

Miguel em Portugal, achou por bem levá-la para Londres,<br />

livran<strong>do</strong>-a de cair nas mãos de Metternich, alia<strong>do</strong> de d. Miguel.<br />

Teve que voltar ao Brasil e só retornou à Europa depois da<br />

183


abdicação <strong>do</strong> pai. Foi morar com a madrasta em Paris enquanto o<br />

pai pelejava no cerco <strong>do</strong> Porto. De sorte que d. Maria II só veio<br />

conhecer Lisboa quan<strong>do</strong> já tinha 14 anos de idade. Mas nesse<br />

quesito até que ela se houve melhor <strong>do</strong> que o pai pois d. Pedro<br />

chegou ao Brasil com nove anos e, mesmo assim, os brasileiros<br />

nunca conseguiram esquecer, de to<strong>do</strong>, que ele não era brasileiro.<br />

Pouco antes da morte de d. Pedro, d. Maria obteve a maioridade e<br />

pôde, finalmente, ascender ao trono. Mas nunca governou de fato,<br />

nem pôde ver o seu povo contente. Nem foi feliz no primeiro<br />

casamento. O consorte, como não poderia deixar de ser, também<br />

era parente, só que desta vez pelo la<strong>do</strong> da madrasta. Falo <strong>do</strong><br />

príncipe Augusto de Leuchtenberg, irmão de d. Amélia e que<br />

morava com ela desde os tempos <strong>do</strong> Brasil. Desta vez o impecilho<br />

era o fato de d. Maria já ser oficialmente casada com d. Miguel.<br />

Mas, mais uma vez, a igreja resolveu a questão com relativa<br />

facilidade. E nem precisou subir até o papa pois o próprio<br />

patriarca de Lisboa anulou o casamento pregresso. Infelizmnete as<br />

bodas com Augusto duraram pouco e <strong>do</strong>is meses depois a jovem<br />

rainha de Portugal já era viúva. Mas a solidão também durou<br />

pouco e no ano seguinte d. Maria se casava com o príncipe D.<br />

Fernan<strong>do</strong> de Saxe-Coburgo-Gotha. Quer dizer, Sua Majestade<br />

tinha apenas 17 anos e já estava casan<strong>do</strong> pela terceira vez. Mas<br />

desta vez ela pôde viver uma vida familiar mais feliz e deixar o<br />

mari<strong>do</strong> governan<strong>do</strong> como <strong>rei</strong> consorte. Governan<strong>do</strong> é força de<br />

expressão pois ele também não teve muito espaço para <strong>rei</strong>nar.<br />

Felizmente ocupou o tempo livre se dedican<strong>do</strong> às artes e ao bom<br />

gosto e foi graças a isto que nos legou o inusita<strong>do</strong> Palácio da Pena,<br />

na serra de Sintra. Foi um perío<strong>do</strong> muito agita<strong>do</strong> e infelizmente<br />

continuou corren<strong>do</strong> sangue portugues visto que o<br />

constitucionalismo ainda era uma batata quente, pousada em mãos<br />

sem calos e havia muitas feridas abertas. De sorte que se<br />

formaram o parti<strong>do</strong> radical progressista e o parti<strong>do</strong> cartista. <strong>Os</strong><br />

heróis liberta<strong>do</strong>res Palmela, Saldanha e o duque da Terceira<br />

184


tentaram ajudar e subiram e desceram <strong>do</strong> poder várias vezes<br />

durante esta fase <strong>do</strong> <strong>rei</strong>nan<strong>do</strong>.<br />

A condição política <strong>do</strong>s antigos companheiros da<br />

jornada liberal de d. Pedro era sempre delicada e seus ministérios<br />

duravam pouco, pricipalmente os de Terceira e Saldanha que, não<br />

obstante o enorme respeito que gozavam, tinham dificuldade de<br />

esquecer o cabo da espada quan<strong>do</strong> tinham que resolver questões<br />

mais espinhosas. Acabou que a rainha teve que engolir vários<br />

arranjos indigestos, inclusive a volta da constituição feita pelas<br />

Cortes em 1822. Eram as horrendas, facciosas e pestíferas cortes<br />

assombran<strong>do</strong> d. Pedro outra vez e trazen<strong>do</strong> desassossego à paz <strong>do</strong><br />

seu túmulo em São Vicente de Fora. Na série <strong>do</strong>s acontecimentos,<br />

eis senão quan<strong>do</strong>, para não perder o costume, o duque da Terceira<br />

e o conde de Saldanha arrancam suas velhas espadas <strong>do</strong> fun<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

guarda-roupa e se postam à frente da chamada “revolta <strong>do</strong>s<br />

marechais”. Mas desta vez os grandes marechais não conseguiram<br />

repetir aqueles seus combates heroicos e a pendenga prosseguiu<br />

com escaramuças e badernas de rua e de quartel. Voltava a guerra<br />

civil e os conflitos continuaram pelo menos até 1851. Foi quan<strong>do</strong>,<br />

seguin<strong>do</strong> o grande destino histórico que lhe estava traça<strong>do</strong>, o<br />

velho general Saldanha pegou em armas mais uma vez e,<br />

respalda<strong>do</strong> na coragem <strong>do</strong>s velhos companheiros da cidade <strong>do</strong><br />

Porto, conseguiu voltar ao ministério. Mas aí entendeu que já<br />

hora de aposentar as armas e apelar para a diplomacia. E ele tinha<br />

condições pois podia transitar com certa desenvoltura entre os<br />

cartistas da rainha e os progressistas mais radicais da oposição.<br />

Aliás, já era assim desde os tempos de d. Pedro, que o considerava<br />

um liberal um tanto ou quanto radical e, por isso, tinha certa<br />

desconfiança dele. Mas graças às suas tantas jornada gloriosas, o<br />

velho marechal conseguiu formar um gabinete que duraria cinco<br />

anos e traria um pouco de paz à gente lusa, metida em conflitos há<br />

mais de vinte anos. Foi no meio desta paz que d. Maria II morreu<br />

de parto, aos 34 anos. Tinha si<strong>do</strong> rainha durante 19 anos, teve<br />

185


onze filhos e foi pranteada como digna pessoa e mãe exemplar.<br />

Como rainha foi considerada sofrível mas seu filho d. Luis foi<br />

reconheci<strong>do</strong> um <strong>rei</strong> constitucional exemplar, concilia<strong>do</strong>r e<br />

paciente. Seu avô - d. Pedro I <strong>do</strong> Brasil e d. Pedro IV de Portugal<br />

– finalmente teria motivos para se sentir gratifica<strong>do</strong>. Ele não era<br />

assim mas, afinal, não foi para garantir uma constituição para<br />

Portugal que ele tinha vira<strong>do</strong> um <strong>rei</strong> solda<strong>do</strong>?<br />

Saudades <strong>do</strong> Brasil<br />

No dia 29 de dezembro de 1830 d. Pedro e a família real<br />

partiram para uma viagem a Minas deixan<strong>do</strong> no Rio uma<br />

preocupante agitação. Não parecia boa hora para se ausentar.<br />

Ninguém nunca soube com muita clareza qual foi o intuito dessa<br />

viagem extemporânea. Já especularam que o impera<strong>do</strong>r até<br />

estivesse pensan<strong>do</strong> em mudar a capital para Ouro Preto pois a<br />

agitação <strong>do</strong> Rio de Janeiro vinha lhe aborrecen<strong>do</strong> muito nos<br />

últimos tempos. Prefiro acreditar que ele estivesse em busca da<br />

repetição da apoteótica recepção que tivera <strong>do</strong>s mineiros em 1822<br />

e que o enchera de autoridade para levar adiante a bandeira da<br />

independência. Essa viagem seria sua última cartada. E de fato foi.<br />

Se voltasse de Minas debaixo da aclamação popular se sentiria<br />

forte para enfrentar os distúrbios <strong>do</strong> Rio, quem sabe até<br />

encabeçan<strong>do</strong> uma repressão armada contra a assembleia e o povo.<br />

Se mesmo assim fosse mal sucedi<strong>do</strong>, ainda lhe restaria a<br />

alternativa de se acantonar nas Alterosas e tentar uma reação mais<br />

contundente contra a rebeldia da capital. Mas o plano, se existiu,<br />

morreu já no nasce<strong>do</strong>uro. O impera<strong>do</strong>r ro<strong>do</strong>u para baixo e para<br />

cima, costuran<strong>do</strong> as vilas mineiras em voltas inexplicáveis. Ficou<br />

mais de <strong>do</strong>is meses perambulan<strong>do</strong> e a reação foi sempre a mesma.<br />

Foi recebi<strong>do</strong> com respeito mas sem nenhum entusiasmo. Só um<br />

ou outro viva, discreto. Em Ouro Preto lançou uma proclamação<br />

186


aos mineiros e à nação que arrancou bocejos impacientes. De<br />

sorte que ele desistiu e voltou muito desanima<strong>do</strong>, certo de que<br />

tinha perdi<strong>do</strong> o amor e a confiança <strong>do</strong>s brasileiros. No dia 11 de<br />

março de 1831 retornava ao Rio de Janeiro e certamente já trazia<br />

na cabeça a ideia da abdicação ao trono. Naquela altura os<br />

brasileiros só se lembravam que ele era português de nascimento e<br />

que estava envolvi<strong>do</strong> demais com o problema da usurpação <strong>do</strong><br />

trono de sua filha, esquecen<strong>do</strong>-se <strong>do</strong>s problemas <strong>do</strong> Brasil. Na<br />

verdade to<strong>do</strong> tipo de acusação vinha sen<strong>do</strong> lançada sobre ele: era<br />

português demais, era autoritário demais, era intransigente demais,<br />

era alcoviteiro demais. Em resumo, ele tinha razão: os brasileiros<br />

já não o amavam mais.<br />

O que levou, de verdade, d. Pedro a abdicar da coroa <strong>do</strong><br />

império <strong>do</strong> Brasil? De fato, cada um <strong>do</strong>s pontos que vinha<br />

alimentan<strong>do</strong> seus detratores e agitan<strong>do</strong> o povo, teve um peso no<br />

desfecho. Havia temor quanto ao futuro da monarquia no Brasil e<br />

isso ele jamais gostaria de ver anexa<strong>do</strong> à sua biografia. Por outro<br />

la<strong>do</strong> não se sentia confortável em ter que engolir o crescimento de<br />

uma xenofobia em relação à presença lusitana na administração<br />

pública e nos negócios <strong>do</strong> Brasil, detalhe que cada vez mais<br />

colocaria em relevo sua condição de português. Sobretu<strong>do</strong> havia o<br />

temor <strong>do</strong> povo quanto a um golpe autoritário, coisa que ele<br />

teimava em desacreditar mas não convencia. Enfim, sua<br />

legitimidade para governar se complicava cada vez mais. Também<br />

tem grande peso a irritação crescente que vinha sentin<strong>do</strong> com os<br />

desman<strong>do</strong>s <strong>do</strong> irmão. O ânimo que os generais liberais<br />

portugueses vinham mostran<strong>do</strong> em encarar o absolutismo que<br />

<strong>rei</strong>nava em Portugal o fizeram voltar os olhos para a antiga pátria<br />

como há muito tempo não fazia. Soman<strong>do</strong>-se ainda a toda essa<br />

conjuntura objetiva, havia a impaciência e o orgulho naturais de d.<br />

Pedro. É provável que a abdicação tenha pego a maioria de seus<br />

inimigos de surpresa. <strong>Os</strong> mais radicais queriam pura e<br />

187


simplesmente que ele descesse <strong>do</strong> trono para implantarem uma<br />

república mas a grande maioria queria um governo monárquico<br />

mais liberal, com um ministério forma<strong>do</strong> sob indicação <strong>do</strong><br />

legislativo e aclamação <strong>do</strong> povo. Como já dissemos, para d. Pedro<br />

isso era inaceitável. Mesmo porque, a constituição lhe dava a<br />

prerrogativa de indicar o ministério como bem lhe aprouvesse.<br />

Mas é claro que essa era apenas a oportunidade pontual que surgiu<br />

para a surpreendente renúncia. O impera<strong>do</strong>r era corajoso e tenaz<br />

mas não teve ânimo para enfrentar a adversidade. Na verdade ele<br />

já estava desencanta<strong>do</strong> com seu trono americano e só queria<br />

mantê-lo se não tivesse que despender muito trabalho para isso,<br />

caso contrário, preferia ir ao encalço <strong>do</strong> irmão, tomar-lhe o trono<br />

usurpa<strong>do</strong> e devolvê-lo à filha. Não estava mais disposto a ficar<br />

meio que tolhi<strong>do</strong>, trocan<strong>do</strong> golpes com uma assembleia mais<br />

agressiva <strong>do</strong> que a anterior e uma imprensa cada vez mais<br />

insolente. Sentia-se muito mais um guer<strong>rei</strong>ro liberal <strong>do</strong> que um<br />

impera<strong>do</strong>r incompreendi<strong>do</strong> e mal ama<strong>do</strong> na nação a que tinha<br />

da<strong>do</strong> nascimento. Naquela altura uma epopeia liberta<strong>do</strong>ra nas<br />

plagas lusas lhe parecia muito mais interessante. Tanto que mais<br />

tarde escreveria ao filho:<br />

“Eu nasci muito livre e amigo da minha independência para gostar de ser<br />

soberano em uma crise em que eles têm ou de esmagar os povos que governam<br />

ou ser esmaga<strong>do</strong>s por eles”.<br />

Ao reunir o corpo diplomático para comunicar sua decisão<br />

de deixar o trono <strong>do</strong> Brasil, d. Pedro despertou naqueles homens<br />

frios surpresa e admiração. O diplomata francês M. Pontois<br />

comentou que ele soube melhor abdicar <strong>do</strong> que governar e que<br />

tinha mostra<strong>do</strong>, naquela hora, presença de espírito, firmeza e<br />

dignidades notáveis. Muitos quiseram convencê-lo a mudar de<br />

ideia, mas àquela altura a decisão já era irreversível e só o que<br />

pediu foi apoio para deixar o Rio de Janeiro imediatamente, no<br />

188


que se prontificaram os representantes da França e da Inglaterra.<br />

Partiria apenas com a esposa e a filha mais velha – a Rainha de<br />

Portugal – deixan<strong>do</strong> no Brasil os outros filhos, que jamais veria<br />

novamente.<br />

No seu comunica<strong>do</strong> à Assembleia, pedin<strong>do</strong> a confirmação<br />

da nomeação de José Bonifácio como tutor <strong>do</strong>s filhos, escreveu: “<br />

Resta-me agora como pai, como amigo de minha pátria a<strong>do</strong>tiva e de to<strong>do</strong>s os<br />

brasileiros por cujo amor abdiquei de duas coroas, (***), pedir a augusta<br />

assembléia que se digne confirmar essa minha nomeação. Eu assim o espero<br />

confia<strong>do</strong> nos serviços que de to<strong>do</strong> o meu coração fiz ao Brasil e em que a<br />

augusta assembléia geral não deixará de querer aliviar-me desta maneira um<br />

pouco as saudades que me atormentam, motivadas pela separação de meus<br />

caros filhos e da pátria que a<strong>do</strong>ro”.<br />

A 12 de abril de 1831 d. Pedro faria uma proclamação de<br />

despedida a to<strong>do</strong>s os brasileiros:<br />

“Eu me retiro para a Europa, sau<strong>do</strong>so da pátria, <strong>do</strong>s filhos e de to<strong>do</strong>s os<br />

meus verdadeiros amigos. Deixar objetos tão caros é sumamente sensível ainda<br />

ao coração mais duro, mas deixá-los para sustentar a honra não pode haver<br />

maior glória. Adeus pátria, adeus amigos e adeus para sempre.<br />

No dia seguinte, às seis e meia da manhã, a bor<strong>do</strong> da<br />

fragata inglesa Volage, partia como um d. Quixote para conquistar<br />

a Europa. Arraiga<strong>do</strong> aos costumes brasileiros não prescindiu de<br />

levar consigo seis fidelíssimos e gratos escravos.<br />

Em 10 de julho a fragata inglesa aportava na cidade<br />

francesa de Cherburgo. A recepção o surpreendeu e encheu d.<br />

Amélia de orgulho, iluminan<strong>do</strong> seu rosto juvenil, debaixo <strong>do</strong><br />

verão francês. D. Pedro tinha saí<strong>do</strong> <strong>do</strong> Brasil sob suspeita de estar<br />

pensan<strong>do</strong> em dar um golpe autoritário e chegava à Europa como<br />

um herói liberal. Foi sauda<strong>do</strong> como “o herói <strong>do</strong>a<strong>do</strong>r de duas<br />

189


constituições que abdicara para não deixar de ser constitucional”. Houve<br />

salva de canhões, revista a tropa, inspeção <strong>do</strong> arsenal, visita a<br />

obras públicas. Era apenas o Duque de Bragança, contu<strong>do</strong>, há<br />

tempos que ele não se sentia tão impera<strong>do</strong>r. Mas tinha que cuidar<br />

<strong>do</strong>s negócios e assim que pôde partiu para Londres em busca de<br />

apoio político e financeiro para a causa liberal em Portugal. A<br />

condição lhe era favorável pois o parti<strong>do</strong> liberal tinha assumi<strong>do</strong> o<br />

poder na Inglaterra, afastan<strong>do</strong> Wellington e anulan<strong>do</strong> o apoio que<br />

estava sen<strong>do</strong> da<strong>do</strong> a d. Miguel. Assim que chegou foi recebi<strong>do</strong><br />

pelo primeiro ministro Palmerton e pelo <strong>rei</strong> Guilherme IV. Com a<br />

sofreguidão que lhe era própria, foi logo pedin<strong>do</strong> ao <strong>rei</strong> que<br />

mandasse buscar d. Maria II na França num vaso de guerra<br />

britânico, demonstran<strong>do</strong> assim inequivocamente ao mun<strong>do</strong> a<br />

extensão <strong>do</strong> apoio que seria da<strong>do</strong> à recondução da rainha aos<br />

di<strong>rei</strong>tos ao trono português. Mas como o <strong>rei</strong> da Inglaterra não<br />

governa, Sua Majestade britânica desconversou e apenas ofereceu<br />

um palácio para d. Pedro se hospedar com toda a dignidade<br />

enquanto estivesse em Londres. Mas não faltaram bailes e<br />

recepções oferecidas ao então duque de Bragança pelo <strong>rei</strong>, pela<br />

rainha, pela duquesa de Albany, pelo embaixa<strong>do</strong>r Talleyrand, pelo<br />

prefeito de Londres e muitos outros. No final d. Pedro não<br />

conseguiu o apoio decisivo que almejava mas, pelo menos, d.<br />

Miguel também não o teria. Teria fica<strong>do</strong> mais tempo em Londres<br />

tentan<strong>do</strong> granjear apoio de políticos e financistas mas um convite<br />

<strong>do</strong> <strong>rei</strong> Luiz Felipe o fez embarcar para Paris para assistir às<br />

comemorações <strong>do</strong> primeiro aniversário de sua subida ao poder.<br />

Ao final dessa curta temporada parisiense e depois de uma<br />

segunda visita à Inglaterra, d. Pedro sentiu que não contaria com<br />

apoio militar, nem da França, nem da Inglaterra e que tinha que<br />

montar seu próprio exército com os recursos que fossem<br />

possíveis. Nesse senti<strong>do</strong>, as visitas que tinha recebi<strong>do</strong> se<br />

mostraram muitos mais produtivas <strong>do</strong> que as que tinha feito.<br />

Mercenários, patriotas, liberais de to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> e financistas<br />

190


estavam dispostos a seguir com ele, cada um com seus próprios<br />

motivos, nobres ou nem tanto. Aos poucos foram se forman<strong>do</strong> as<br />

condições mínimas necessárias à viabilização <strong>do</strong> projeto de d.<br />

Pedro, inclusive em relação à questão financeira da emp<strong>rei</strong>tada<br />

que caminhava para um triste desfecho quanto apareceu o liberal<br />

espanhol Juan Mendizabel. Rico e firmemente engaja<strong>do</strong> na política<br />

europeia, ele abriu a própria bolsa e conseguiu apoio entre<br />

financistas liberais ingleses para a causa e pôs o projeto<br />

efetivamente em marcha. Felizmente, à tentativa de formação<br />

daquele exército de Brancaleone, não se opunham nem a França<br />

nem a Inglaterra e desta forma, a modesta armada de d. Pedro<br />

pôde ser formada em território francês, sob o silêncio britânico.<br />

Novamente em Paris, onde permaneceu cerca de seis meses, d.<br />

Pedro mergulhou nessa tarefa com ar<strong>do</strong>r. Mas também não<br />

deixou de aproveitar os encantos da cidade luz e da corte.<br />

Habituou-se aos teatros, livrarias e cafés. Ficou amigo <strong>do</strong> <strong>rei</strong> e era<br />

visto com freqüência cavalgan<strong>do</strong> ao seu la<strong>do</strong>. Mal sabiam eles que,<br />

poucos anos depois, seus filhos se casariam e que sua querida filha<br />

Chiquinha encantaria a corte francesa com sua morenice de<br />

mulher brasileira. Nesse <strong>do</strong>ce “far niente”, nosso duque de<br />

Bragança pegou uns quilinhos a mais como mostram os retratos<br />

da época. Mas assim que a pobre armada ficou pronta, partiu para<br />

a guerra com toda aquela disposição que lhe era inata. O marques<br />

de Fronteira assim descreveu a frota de d. Pedro: “Em frente de<br />

Belle-Isle estava ancorada a nossa famosa esquadra, composta de três velhos<br />

navios compra<strong>do</strong>s em Londres à Companhia das Índias, um vapor freta<strong>do</strong> e<br />

algumas embarcações de pequeno lote”.<br />

Mas mesmo concentra<strong>do</strong> naquela tarefa quixotesca, d.<br />

Pedro não se esquecia <strong>do</strong>s filhos e <strong>do</strong> Brasil. No dia 02 de<br />

dezembro de 1831, d. Pedro II completou seis anos de idade e ele,<br />

ainda em Paris, resolveu dar uma recepção em homenagem ao<br />

pequeno impera<strong>do</strong>r. O <strong>rei</strong> Luiz Felipe não compareceu mas<br />

191


man<strong>do</strong>u o seu ajudante de campo representá-lo. A ausência <strong>do</strong> <strong>rei</strong><br />

acabou sen<strong>do</strong> benéfica ao anfitrião pois, durante um brinde aos<br />

pequenos príncipes que tinham fica<strong>do</strong> no Brasil, d. Pedro<br />

emocionou-se e sentiu-se mal, sen<strong>do</strong> obriga<strong>do</strong> a aban<strong>do</strong>nar a<br />

mesa um tanto claudicante. Por obra <strong>do</strong> acaso o <strong>rei</strong> da França<br />

tinha si<strong>do</strong> poupa<strong>do</strong> de presenciar esse pequeno vexame<br />

sentimental. Talvez d. Pedro não quisesse mostrar-se emotivo<br />

diante de um <strong>do</strong>s homens mais poderosos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> no tempo<br />

em que precisava mostrar que tinha condições para invadir<br />

Portugal e destronar o irmão. 53 Mas era a lacerante saudade. Ele<br />

nunca soubera controlar seus sentimentos mais fortes. Foi assim<br />

naquele distante dia de festa em que, diante da marquesa de<br />

Santos, se lembrou da esposa defunta e teve que aban<strong>do</strong>nar a sala<br />

debaixo de convulsante enxurrada de lágrimas. E assim estava<br />

sen<strong>do</strong> agora, mesmo porque, ele sabia que jamais veria os filhos<br />

novamente e, ao contrário <strong>do</strong> caso da filha mais velha, ele jamais<br />

poderia ajudar o filho impera<strong>do</strong>r, sozinho no Brasil.<br />

Naquele dia ele escreveria ao filho:<br />

”Não posso de, por esse mo<strong>do</strong>, deixar, como bom brasileiro de felicitar-te pelo<br />

dia de hoje e não posso deixar de recomendar-te que estudes e te faças digno de<br />

um dia imperardes sobre o Brasil, minha pátria.”<br />

Em 11 de março de 1832, logo no início da expedição<br />

contra o irmão, escreveu novamente a d. Pedro II:<br />

“Espero que tu leias com atenção esta minha carta; nela verás o interesse que<br />

tomo por ti e pelo Brasil, que desejo ver bem governa<strong>do</strong> como brasileiro que sou<br />

53 De qualquer forma Luiz Felipe ficou saben<strong>do</strong> <strong>do</strong> mal e foi visitá-<br />

lo no dia seguinte.<br />

192


e muito amigo da minha pátria a<strong>do</strong>tiva, à qual pertence meu coração”.<br />

No dia 27 de abril de 1834, faltan<strong>do</strong> poucos dias para a<br />

rendição de d. Miguel e a retomada definitiva <strong>do</strong> trono português,<br />

d. Pedro man<strong>do</strong>u uma mensagem especialmente chorosa a to<strong>do</strong>s<br />

os seus filhos:<br />

“Que dia de luto e de tristeza é este para mim. Foi nesse dia que me vi<br />

obriga<strong>do</strong> de separar-me <strong>do</strong> Brasil e de vós! “Salvei a minha honra; evitei a<br />

guerra civil, é verdade, com isso deveria eu em parte, consolar; porém o amor<br />

que vos consagro e ao Brasil não permite que minha <strong>do</strong>r seja diminuída: a<br />

minha saudade se acha cada dia mais aumentada.”<br />

Morreria cinco meses depois. Morreu em sossego, ex-<strong>rei</strong><br />

de Portugal, ex-impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil, duque de Bragança, regente<br />

da gente lusa, herói e liberta<strong>do</strong>r constitucional.<br />

Em 12 de outubro de 1998 deveria ser comemoran<strong>do</strong> o<br />

bicentenário de seu nascimento, mas ninguém se lembrou disso.<br />

Quase um ano depois, alguém se deu conta <strong>do</strong> lamentável<br />

esquecimento e, em homenagem retardatária, o sena<strong>do</strong> brasileiro<br />

aprovou, singelamente, um projeto de lei, permitin<strong>do</strong> a inscrição<br />

<strong>do</strong> nome de d. Pedro no Livro <strong>do</strong>s Heróis da Pátria onde, entre<br />

patriotas verdadeiros, goza da companhia de muitos heróis<br />

duvi<strong>do</strong>sos, aos quais a pátria não deve nada.<br />

193


Cronologia básica<br />

13/05/1767 – Nasce d. João VI.<br />

25/04/1775 – Nasce d. Carlota Joaquina.<br />

24/02/1777 – D. Maria I assume o trono de Portugal.<br />

08/05/1785 – Casamento <strong>do</strong>s infantes d. João e d. Carlota<br />

Joaquina.<br />

25/05/1786 – Morre o <strong>rei</strong> consorte, d. Pedro III, pai de d.<br />

João.<br />

11/09/1788 – Morre d. José, irmão mais velho de d. João e<br />

ele se torna herdeiro <strong>do</strong> trono português.<br />

09/07/1789 – Início das sessões da assembleia constituinte<br />

francesa.<br />

14/07/1789 – Tomada da Bastilha.<br />

01/02/1792 - D. João assume o governo em nome da mãe,<br />

declarada demente.<br />

20/09/1792 – Fim da assembleia legislativa francesa.<br />

21/09/1792 – Instalada a Convenção que decreta a instituição<br />

<strong>do</strong> regime republicano na França.<br />

194


21/01/1793 – Execução de Luis XVI.<br />

29/04/1793 – Nasce a primeira filha de d. João e d. Carlota<br />

Joaquina: d. Maria Teresa, princesa da Beira.<br />

13/07/1793 – Assassinato de Marat.<br />

26/09/1793 – Portugal e Espanha aderem ao primeiro trata<strong>do</strong><br />

contra a França, assina<strong>do</strong> em Londres.<br />

05/04/1794 – Execução de Danton.<br />

29/04/1794 – Execução de Robespierre.<br />

09/03/1795 – Casamento de Napoleão e Josefina, futura avó<br />

de d. Amélia segunda esposa de d. Pedro I.<br />

1795 – A Espanha celebra acor<strong>do</strong> de paz em separa<strong>do</strong> com a<br />

França.<br />

22/01/1797 – Nasce d. Leopoldina, arquiduquesa da Áustria,<br />

futura primeira esposa de d. Pedro.<br />

27/12/1797 – Nasce Domitila de Castro Canto e Melo, a<br />

futura marquesa de Santos.<br />

1797 – Portugal assina acor<strong>do</strong> de paz com a França e é<br />

pressiona<strong>do</strong> a romper com a Inglaterra.<br />

12/10/1798 – Nasce o infante d. Pedro de Alcântara no<br />

Palácio de Queluz.<br />

195


15/07/1799 – D. João assume o título de Príncipe Regente,<br />

passan<strong>do</strong> a governar em seu próprio nome.<br />

09/10/1799 – Napoleão volta a França depois da campanha<br />

no Egito.<br />

10/11/1799 – Napoleão dá um golpe de esta<strong>do</strong>, destitui a<br />

Convenção e institui o Consula<strong>do</strong>.<br />

18/05/1801 – José Bonifácio de Andrada e Silva é nomea<strong>do</strong><br />

Intendente Geral das Minas e Metais <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no português.<br />

11/06/1801 – Morre d. Antônio, irmão mais velho de d.<br />

Pedro e ele passa a ser o Sereníssimo príncipe da Beira,<br />

herdeiro <strong>do</strong> trono.<br />

1801 – A Espanha, com apoio da França, invade Portugal e<br />

toma Olivença. D. João é obriga<strong>do</strong> a assinar o acor<strong>do</strong> de<br />

Badajoz.<br />

26/10/1802 – Nasce d. Miguel no Palácio de Queluz.<br />

1802 – Celebrada a Paz de Amiens.<br />

09/03/1803 – O embaixa<strong>do</strong>r Leannes exige que Portugal<br />

feche seus portos aos navios britânicos.<br />

03/06/1803 – D. João proclama uma declaração de<br />

neutralidade de Portugal, frente a um novo conflito que se<br />

anuncia entre França e Inglaterra.<br />

18/05/1804 – Napoleão é proclama<strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r.<br />

196


18/11/1084 – D. Pedro começa a ser educa<strong>do</strong> pelo dr. José<br />

Monteiro da Rocha, um velho mestre, ex-jesuita de setenta<br />

anos de idade.<br />

12/04/1805 – Junot assume a embaixada francesa em Lisboa.<br />

Logo depois exige que Portugal declare guerra à Inglaterra.<br />

Outubro 1805 – Junot entrega a representação diplomática em<br />

Portugal e volta aos campos de batalha.<br />

16/06/1806 – A Inglaterra decreta o bloqueio marítimo à<br />

França.<br />

21/11/1806 – Napoleão decreta o bloqueio continental à<br />

Inglaterra.<br />

22/07/1807 – Napoleão baixa um decreto extinguin<strong>do</strong> a casa<br />

de Bragança.<br />

27/07/1807 – Napoleão determina a concentração de tropas<br />

francesas em Bayonne.<br />

08/09/1807 – Napoleão intimida d. João a aban<strong>do</strong>nar a<br />

aliança com a Inglaterra e se aliar à França.<br />

17/10/1807 – Junot sai de Bayonne para Salamanca já se<br />

preparan<strong>do</strong> para a invasão de Portugal.<br />

10/10/1907 – Portugal declara aderir ao bloqueio decreta<strong>do</strong><br />

por Napoleão à Inglaterra.<br />

22/10/1807 – Assina<strong>do</strong> em Londres um acor<strong>do</strong> secreto pelo<br />

qual a Inglaterra se compromete a preservar o <strong>rei</strong>no<br />

Português, não obstante o príncipe regente ter concorda<strong>do</strong><br />

197


com a França em fechar os portos portugueses às naus<br />

inglesas.<br />

27/10/1807 – Assina<strong>do</strong> o Trata<strong>do</strong> de Fontainebleau pelo qual<br />

Napoleão demarca o <strong>rei</strong>no luso por conquistar e o distribui<br />

entre alia<strong>do</strong>s europeus.<br />

11/11/1807 – Chega à foz <strong>do</strong> Tejo uma esquadra britânica<br />

comandada por sir Sidney Smith disposta a bloquear o porto.<br />

19/11/1807 – Junot invade Portugal.<br />

22/11/1807 – O embaixa<strong>do</strong>r britânico em Lisboa exige uma<br />

decisão sobre o plano de fuga para o Brasil.<br />

29/11/1807 – A família real deixa Lisboa rumo ao Brasil.<br />

30/11/1807 – Junot entre em Lisboa.<br />

14/01/1808 – Chega ao Rio a notícia de que a família real<br />

tinha embarca<strong>do</strong> para o Brasil.<br />

22/01/1808 – D. João aporta na Bahia.<br />

28/01/1808 – Abertura <strong>do</strong>s portos brasileiros às nações<br />

amigas.<br />

01/02/1808 – A junta de regência nomeada por d. João é<br />

dissolvida por Junot.<br />

07/03/1808 – D. João chega ao Rio de Janeiro.<br />

198


19/03/1808 – O <strong>rei</strong> da Espanha Carlos IV é força<strong>do</strong> a abdicar<br />

em favor de seu filho Fernan<strong>do</strong> VII. Logo depois ambos são<br />

força<strong>do</strong>s a abdicar em favor <strong>do</strong> próprio Napoleão que passa a<br />

coroa a seu irmão José Bonaparte.<br />

27/04/1808 – Uma deputação portuguesa constituída pelos<br />

marqueses de Marialva, Penalva, Valença, Abrantes, Conde de<br />

Sabugosa, Visconde de Barbacena e outros vai a Bayonne<br />

prestar vassalagem a Napoleão. Seus membros são envia<strong>do</strong>s<br />

para a França onde ficam deti<strong>do</strong>s até 1814.<br />

10/06/1808 – O príncipe regente de Portugal declara guerra à<br />

França.<br />

19/06/1808 – Começam em Faro as ações de milícias<br />

portuguesas contra o exército francês.<br />

01/08/1808 – <strong>Os</strong> ingleses desembarcam em Lavos – Portugal<br />

- inician<strong>do</strong> o combate ao exército francês invasor. Na mesma<br />

data, força<strong>do</strong> pelos patriotas espanhóis, José Bonaparte deixa<br />

Madrid.<br />

30/08/1808 – Assinada a Convenção de Sintra estabelecen<strong>do</strong><br />

as condições para a retirada <strong>do</strong> exército francês de Portugal.<br />

Outubro/1808 – D. Carlota participa a d. João sua intenção<br />

de assumir o trono espanhol em Buenos Aires.<br />

04/12/1808 – Napoleão reconquista Madrid.<br />

02/01/1809 – D. João nomeia nova junta de governo para<br />

Portugal.<br />

199


04/03/1809 – Começa a segunda invasão francesa a Portugal<br />

com ações <strong>do</strong> general Soult tentan<strong>do</strong> cruzar o Minho.<br />

07/03/1809 – Beresford assume o controle militar de<br />

Portugal.<br />

22/03/1809 – Artur Wesley chega a Portugal para assumir o<br />

coman<strong>do</strong> das forças luso-britânicas.<br />

29/03/1809 – <strong>Os</strong> franceses, sob coman<strong>do</strong> <strong>do</strong> general Soult<br />

tomam a cidade <strong>do</strong> Porto onde permanecem até 12 de maio,<br />

retiran<strong>do</strong>-se em seguida.<br />

16/12/1809 – Napoleão se divorcia de Josefina.<br />

27/03/1810 – Napoleão se casa com a arquiduquesa da<br />

Áustria d. Maria Luisa irmã de d. Leopoldina futura esposa de<br />

d. Pedro I.<br />

28/08/1810 – <strong>Os</strong> franceses tomam a cidade de Almeida em<br />

Portugal. É a terceira invasão francesa.<br />

17/04/1811 – <strong>Os</strong> exércitos franceses comanda<strong>do</strong>s por<br />

Masséna deixam Portugal. Termina a terceira e última invasão.<br />

19/03/1812 – Promulga a constituição espanhola de Cádiz.<br />

26/05/1812 – Morre d. Pedro Carlos, sobrinho e genro de d.<br />

João VI.<br />

22/07/1812 – José Bonaparte aban<strong>do</strong>na Madrid novamente.<br />

200


24/03/1814 – Fernan<strong>do</strong> VII reassume o trono da Espanha.<br />

Logo em seguida repudia a constituição de Cádiz e prende os<br />

liberais espanhóis.<br />

06/04/1814 – Napoleão abdica e é deporta<strong>do</strong> para a ilha de<br />

Alba.<br />

04/06/1814 – Luis XVIII outorga a carta constitucional<br />

francesa.<br />

20/03/1815 – Napoleão escapa de Alba e retorna a Paris.<br />

08/04/1815 – Lord Strangford deixa o Brasil a pedi<strong>do</strong> de d.<br />

João.<br />

18/06/1815 – Derrota de Napoleão em Waterloo.<br />

26/09/1815 – Instituída a Santa Aliança.<br />

16/12/1815 – Instituí<strong>do</strong> o Reino Uni<strong>do</strong> de Portugal, Brasil e<br />

Algarves.<br />

20/03/1816 – Morre d. Maria I no Rio de Janeiro e d. João é<br />

proclama<strong>do</strong> <strong>rei</strong>.<br />

13/05/1816 – Desfile da tropa luso-brasileira em preparação<br />

para a campanha <strong>do</strong> Rio da Prata.<br />

28/09/1816 – O <strong>rei</strong> Fernan<strong>do</strong> VII da Espanha casa-se com<br />

sua sobrinha Maria Isabel, irmã de d. Pedro I.<br />

20/01/1017 – Lecor conquista Montevidéu.<br />

06/03/1817 – Estoura a revolta pernambucana.<br />

201


13/05/1817 – Realiza-se em Viena, por procuração, o<br />

casamento de d. Pedro com a arquiduquesa da Áustria d.<br />

Carolina Josefa Leopoldina.<br />

20/05/1917 – As forças reais retomam Recife e prendem a<br />

junta republicana.<br />

21/06/1817 – Morre o conde da Barca.<br />

05/11/1817 – A princesa Leopoldina chega ao Rio de Janeiro.<br />

03/12/1817 – Portugal adere à Santa Aliança.<br />

16/02/1818 – D. João VI é coroa<strong>do</strong> <strong>rei</strong>.<br />

04/04/1819 – Nasce d. Maria da Glória, primogênita de d.<br />

Pedro e d. Leopoldina e futura rainha de Portugal.<br />

01/01/1820 – Revolta liberal em Cádiz. É a<strong>do</strong>tada a<br />

constituição de 1812.<br />

02/05/1820 – Beresford embarca para o Brasil para dar<br />

notícias das agitações liberais em Portugal.<br />

24/08/1820 – Rompe na cidade <strong>do</strong> Porto a revolução<br />

constitucionalista portuguesa e é nomeada a junta provisória<br />

que deveria assumir o governo <strong>do</strong> país em nome de d. João<br />

VI.<br />

10/10/1820 – Beresford tenta desembarcar em Portugal de<br />

volta <strong>do</strong> Brasil, ainda ignorante <strong>do</strong> que sucedia. É impedi<strong>do</strong> e<br />

retorna à Inglaterra.<br />

202


12/10/1820 – Chegam ao Brasil as primeiras notícias sobre a<br />

revolução em Portugal.<br />

27/10/1820 – D. João VI emite carta régia autorizan<strong>do</strong> a<br />

convocação das Cortes em Portugal.<br />

23/12/1820 – o conde de Palmeia chega ao Rio trazen<strong>do</strong><br />

notícias da situação em Portugal.<br />

01/01/1821 – Instala-se no Pará uma junta governativa leal às<br />

Cortes Portuguesas.<br />

15/01/1821- As Cortes determinam a volta de d. João VI à<br />

Lisboa. O decreto só chegaria ao conhecimento <strong>do</strong> <strong>rei</strong> em 07<br />

de março.<br />

30/01/1821 – O ministério opina pelo retorno de d. Pedro a<br />

Portugal. Na mesma data as Cortes iniciam suas deliberações<br />

em Lisboa e decretam a nomeação <strong>do</strong>s membros da junta<br />

provisória <strong>do</strong> governo português.<br />

07/02/1821 – D. João comunica ao corpo diplomático o<br />

retorno de d. Pedro a Portugal.<br />

10/02/1821 – Cipriano Barata e alguns militares constituem<br />

uma junta provisória na Bahia.<br />

17/02/1821 – Chega ao Rio a notícia da instalação de um<br />

governo constitucional na Bahia, à exemplo <strong>do</strong> que tinha<br />

aconteci<strong>do</strong> no Pará.<br />

18/02/1821 – D. João VI assina decreto determinan<strong>do</strong> a<br />

convocação <strong>do</strong>s procura<strong>do</strong>res das câmaras para formar um<br />

conselho para examinar as condições de aplicabilidade da<br />

203


constituição portuguesa ao Brasil e <strong>do</strong> retorno de d. Pedro a<br />

Portugal. Determinava também a formação de uma comissão<br />

para elaborar as propostas a serem submetidas ao conselho. O<br />

decreto só foi divulga<strong>do</strong> no dia 23 de feve<strong>rei</strong>ro<br />

simultaneamente a carta de nomeação <strong>do</strong>s membros da<br />

comissão.<br />

26/02/1821 – Contingentes militares estacionam na praça <strong>do</strong><br />

teatro e pressionam d. João a jurar a constituição que se ia<br />

fazer em Portugal e nomear novo gabinete com Silvestre<br />

Pinheiro Fer<strong>rei</strong>ra à frente.<br />

07/03/1821 – D. João assina decreto formalizan<strong>do</strong> sua<br />

intenção de retornar a Portugal deixan<strong>do</strong> d. Pedro como<br />

regente no Brasil. Na mesma data assina a convocação da<br />

eleição <strong>do</strong>s deputa<strong>do</strong>s brasileiros à assembléia constituinte<br />

portuguesa.<br />

10/03/1821 – Juradas as bases da constituição pelas Cortes de<br />

Lisboa.<br />

23/03/1821 – O governa<strong>do</strong>r de São Paulo João Carlos de<br />

Oeynhausen publica decreto aderin<strong>do</strong> ao regime<br />

constitucional e determina a eleição da junta provisória.<br />

27/03/1821 – <strong>Os</strong> representantes da junta provisória <strong>do</strong> Pará<br />

se apresentam no recinto das Cortes em Lisboa. Um deputa<strong>do</strong><br />

português propõe que o Pará seja reconheci<strong>do</strong> como<br />

província portuguesa.<br />

31/03/1821 Luiz <strong>do</strong> Rego Barreto constitui a junta provisória<br />

de Pernambuco.<br />

204


18/04/1821 – Decreto das Cortes reconhecen<strong>do</strong> as juntas<br />

provisórias criadas no Brasil.<br />

21/04/1821 - Uma assembleia - reunida na Praça <strong>do</strong><br />

Comércio <strong>do</strong> Rio de Janeiro para eleger o eleitores paroquiais<br />

que elegeriam os eleitores <strong>do</strong>s representes <strong>do</strong> Rio de Janeiro às<br />

Corte de Lisboa - decide obrigar d João a a<strong>do</strong>tar a<br />

constituição espanhola. Sob pressão ele baixa um decreto<br />

atenden<strong>do</strong> a imposição. Em seguida a assembleia é dissolvida<br />

e o decreto é anula<strong>do</strong>.<br />

22/04/1821 – Ratifican<strong>do</strong> <strong>do</strong> decreto de 07 de março, D.<br />

João baixa instruções sobre a regência de d. Pedro e seu<br />

retorno a Portugal.<br />

24/04/1921 – D. João embarca para Portugal.<br />

29/04/1821 – D. Pedro baixa decreto reduzin<strong>do</strong> impostos e<br />

estabelecen<strong>do</strong> di<strong>rei</strong>tos civis aos cidadãos.<br />

15/05/1821 – Início da eleição <strong>do</strong>s deputa<strong>do</strong>s brasileiros às<br />

Cortes de Lisboa.<br />

05/06/1821 – Revolta militar da “Divisão Auxilia<strong>do</strong>ra” com o<br />

general Jorge Avilez à frente. A tropa pressiona d. Pedro para<br />

jurar as bases da constituição portuguesa, demitir o conde <strong>do</strong>s<br />

Arcos e demais ministros e nomear uma junta governativa<br />

para fiscalizar o governo.<br />

23/06/1821 – Estabelecida a junta provisória de São Paulo<br />

com José Bonifácio de Andrada e Silva como vice-presidente.<br />

205


03/07/1821 – D. João VI aporta em Lisboa de volta <strong>do</strong><br />

Brasil.<br />

21/07/1821 – Luís <strong>do</strong> Rego Barreto sofre um atenta<strong>do</strong> em<br />

Recife.<br />

29/08/1821 – É a vez de Pernambuco nomear a sua junta<br />

provisória constitucionalista sen<strong>do</strong> eleito o próprio<br />

governa<strong>do</strong>r Luis <strong>do</strong> Rego.<br />

16/09/1821 – Um movimento de tropas sob liderança <strong>do</strong><br />

sargento-mor José Maria Pinto Peixoto instala a junta<br />

provisória de Minas Gerais.<br />

19/09/1821 – Termina a eleição <strong>do</strong>s deputa<strong>do</strong>s mineiros às<br />

Cortes de Lisboa.<br />

29/09/1821 – Através de <strong>do</strong>is decretos as Cortes determinam<br />

o retorno de d. Pedro, a extinção <strong>do</strong>s tribunais cria<strong>do</strong>s por d.<br />

João no Brasil e a criação de juntas provisórias em cada<br />

província. As tropas ficariam submetidas a um governa<strong>do</strong>r de<br />

armas. As províncias <strong>do</strong> Brasil se tornam autônomas,<br />

submetidas diretamente às Cortes de Lisboa,<br />

09/11/1821 – <strong>Os</strong> deputa<strong>do</strong>s paulistas às Cortes se avistam<br />

com d. Pedro antes da partida para Lisboa.<br />

09/12/1821 – Chegam ao Rio os decretos das Cortes de vinte<br />

e nove de setembro.<br />

10/12/1821 – D. Pedro escreve ao pai dizen<strong>do</strong> que vai<br />

cumprir os decretos de 29 de setembro.<br />

206


24/12/1821 – José Bonifácio escreve a d. Pedro critican<strong>do</strong> os<br />

decretos de 29 de setembro.<br />

09/01/1822 – Dia <strong>do</strong> “Fico”.<br />

11/01/1822 – A “Divisão Auxilia<strong>do</strong>ra” portuguesa se rebela<br />

contra d. Pedro, ocupa o morro <strong>do</strong> Castelo sob o coman<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

general Avilez. O povo mostra disposição de resistir no<br />

campo de Santana. A tropa desiste de uma ação militar e se<br />

retira para a Praia Grande (Niterói).<br />

11/01/1822 – D. Pedro escreve à junta de Minas pedin<strong>do</strong> o<br />

envio de tropas para o Rio de Janeiro.<br />

18/01/1822 – José Bonifácio chega ao Rio de Janeiro para<br />

assumir o ministério.<br />

22/01/1822 – <strong>Os</strong> deputa<strong>do</strong>s mineiros eleitos para as Cortes<br />

consultam d. Pedro e desistem de embarcar para Portugal.<br />

30/01/1822 – Expedidas instruções às juntas no senti<strong>do</strong> que<br />

toda decisão das Cortes só teriam validade após ratificação de<br />

d. Pedro.<br />

31/01/1822 – Eleita a nova junta da Bahia, ten<strong>do</strong> o brigadeiro<br />

Manuel Pedro da Silva Guimarães como governa<strong>do</strong>r de armas.<br />

04/02/1822 – Morre d. João Carlos filho mais velho de d.<br />

Pedro I.<br />

15/02/1822 – D. Pedro obriga a Divisão Auxilia<strong>do</strong>ra a se<br />

retirar para a Europa.<br />

207


16/02/1822 – D. Pedro cria o conselho de procura<strong>do</strong>res das<br />

províncias para analisar a adaptação das decisões das Cortes à<br />

realidade <strong>do</strong> Brasil.<br />

16/02/1822 – A junta da Bahia toma conhecimento de que o<br />

general Inácio Luiz Madeira de Melo havia si<strong>do</strong> nomea<strong>do</strong> por<br />

Lisboa para o governo das armas.<br />

17/02/1822 – Expedida portaria ao governo de Pernambuco<br />

determina<strong>do</strong> que caso ali aportassem tropas portuguesas que<br />

as intimassem a retornar à Europa.<br />

05/03/1822 – Chega ao Rio uma esquadra portuguesa com a<br />

missão de levar d. Pedro para Portugal mas é impedi<strong>do</strong> o seu<br />

desembarque, retornan<strong>do</strong> no dia 24.<br />

25/03/1822 – D. Pedro inicia sua primeira viagem a Minas.<br />

13/04/1822 – D. Pedro manda proceder à eleição de uma<br />

nova junta de governo em Minas.<br />

Maio de 1822 – A Deputação <strong>do</strong> Ceará, de tendência liberal,<br />

se incorpora aos debates das Cortes.<br />

13/05/1822 – D. Pedro é aclama<strong>do</strong> “Defensor Perpétuo <strong>do</strong><br />

Brasil”.<br />

23/05/1822 – O general Avilez comunica às Cortes seu<br />

retorno a Portugal.<br />

23/05/1822 – Eleita a segunda junta provisória da província<br />

de Minas Gerais<br />

208


28/05/1822 – José Bonifácio é eleito grão-mestre <strong>do</strong> “Grande<br />

Oriente <strong>do</strong> Brasil”<br />

01/06/1822 – D. Pedro manda instalar o conselho de<br />

procura<strong>do</strong>res começan<strong>do</strong> pelos representantes <strong>do</strong> Rio de<br />

Janeiro até que os demais representan<strong>do</strong> as províncias<br />

pudessem estar presentes.<br />

02/06/1822 – José Bonifácio funda a loja maçônica “O<br />

Apostola<strong>do</strong> depois de aban<strong>do</strong>nar o “Grande Oriente”. D.<br />

Pedro comparece à sessão e jura defender a independência <strong>do</strong><br />

Brasil.<br />

03/06/1822 – D. Pedro baixa decreto estabelecen<strong>do</strong> a<br />

convocação da Assembleia Brasílica Constituinte e Legislativa<br />

a requerimento <strong>do</strong> conselho de procura<strong>do</strong>res das províncias,<br />

com a função de adaptar as decisões das Cortes as<br />

peculiaridades <strong>do</strong> Brasil.<br />

10/06/1822 – D. Pedro escreve a d. Miguel pedin<strong>do</strong> que ele<br />

volte ao Brasil e se case no futuro com d. Maria.<br />

15/06/1822 – D. Pedro manda um ultimato ao general<br />

Madeira de Melo exortan<strong>do</strong>-o a deixar o Brasil.<br />

17/06/1822 – A comissão constitucional apresenta o<br />

resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu trabalho. Propunha a manutenção <strong>do</strong> vínculo<br />

com Portugal, porém com governo independente e uma<br />

assembleia dual para cuidar de interesses comuns <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is<br />

<strong>rei</strong>nos.<br />

209


01/07/1822 – As Cortes anulam o decreto de convocação <strong>do</strong><br />

conselho de procura<strong>do</strong>res e determinam que d. Pedro<br />

permaneça no Rio de Janeiro até a publicação da constituição<br />

portuguesa, governan<strong>do</strong> sob sujeição às Cortes e ao <strong>rei</strong>, sen<strong>do</strong><br />

os ministros nomea<strong>do</strong>s pelo <strong>rei</strong>. Determinam ainda que nas<br />

províncias onde não houvessem si<strong>do</strong> eleitas juntas as eleições<br />

se fizessem já.<br />

26/07/1822 – D. Pedro manda carta a seu pai dizen<strong>do</strong> de sua<br />

disposição de não mais cumprir os decretos das Cortes e sim<br />

as determinações da assembleia brasileira.<br />

1/08/1822 – D. Pedro baixa decreto consideran<strong>do</strong> inimigas<br />

quaisquer tropas portuguesas que desembarcassem no Brasil<br />

sem sua autorização.<br />

12/08/1822 – São nomea<strong>do</strong>s embaixa<strong>do</strong>res brasileiros para<br />

atuar em Londres, Paris e Washington.<br />

14/08/1822 – D. Pedro parte para São Paulo com o intuito de<br />

pacificar as dissidências da junta de governo.<br />

07/09/1822 – Proclamação da independência <strong>do</strong> Brasil.<br />

19/09/1822 – As Cortes de Lisboa, ainda ignorantes da<br />

proclamação da independência, emitem um decreto anulan<strong>do</strong><br />

a convocação da assembleia constituinte brasileira,<br />

determinan<strong>do</strong> que d. Pedro seja substituí<strong>do</strong> por uma regência<br />

a ser instalada em Lisboa e que se ele não voltasse para<br />

Portugal em trinta dias seria excluí<strong>do</strong> <strong>do</strong> di<strong>rei</strong>to ao trono<br />

português.<br />

210


30/09/1822 – As Cortes juram a nova constituição<br />

portuguesa.<br />

01/10/1822 – D. João VI e d. Miguel juram a constituição<br />

portuguesa.<br />

07/10/1822 – D. Pedro aceita o convite para se tornar o grãomestre<br />

da maçonaria.<br />

12/10/1822 – Aclamação de d. Pedro como Impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />

Brasil.<br />

21/10/1822 – Fechadas as lojas maçônicas sob suspeita de<br />

estarem instigan<strong>do</strong> um movimento republicano. Poucos dias<br />

depois são reabertas.<br />

27/10/1822 – José Bonifácio pede demissão em decorrência<br />

da reabertura das lojas maçônicas.<br />

30/10/1822 – José Bonifácio é <strong>rei</strong>ntegra<strong>do</strong> ao ministério e são<br />

emitidas ordens de prisão para os líderes maçônicos José<br />

Clemente e Gonçalves Le<strong>do</strong>, entre outros.<br />

04/11/1822 – As Cortes de Lisboa encerram seus trabalhos<br />

constitucionais depois de passarem por grande desgaste com<br />

os acontecimentos no Brasil e passam a se ocupar de trabalhos<br />

legislativos.<br />

01/12/1822 – Coroação de d. Pedro.<br />

13/03/1823 – Lord Cochrane chega ao Rio para negociar seus<br />

serviços à marinha de d. Pedro I, depois de pedir demissão<br />

como almirante da marinha chilena.<br />

211


01/04/1823 – Chega à Bahia um contingente militar<br />

português para garantir a resistência <strong>do</strong> general Madeira.<br />

03/05/1823 – Instala-se a assembleia constituinte para<br />

elaborar a primeira constituição <strong>do</strong> Brasil. Na mesma data a<br />

esquadra de lord Cochrane parte <strong>do</strong> Rio para combater os<br />

portugueses na Bahia<br />

29/05/1823 – D. Miguel proclama inválida a constituição<br />

elaborada pelas cortes portuguesas em 1822.<br />

31/05/1823 – Um levante militar em Lisboa a favor de d.<br />

João VI permite que ele assine um decreto abolin<strong>do</strong> a<br />

constituição de 1822 (Vilafrancada).<br />

02/06/1823 – As Cortes se reúnem pela última vez e se<br />

autodissolvem.<br />

03/07/1823 – O almirante Cochrane obriga os navios<br />

portugueses a deixarem o porto de Salva<strong>do</strong>r onde resistiam à<br />

proclamação da independência, sen<strong>do</strong> persegui<strong>do</strong>s até a<br />

embocadura <strong>do</strong> Tejo com algumas perdas.<br />

15/07/1823 – D. Pedro participa a José Bonifácio que irá<br />

assinar alguns decretos anistian<strong>do</strong> vários inimigos <strong>do</strong>s<br />

Andradas.<br />

16/07/1823 – D. Pedro fecha a sede <strong>do</strong> “O Apostola<strong>do</strong>” e<br />

confisca a <strong>do</strong>cumentação lá encontrada.<br />

17/07/1823 – Demissão <strong>do</strong>s Andradas <strong>do</strong> ministério.<br />

212


20/09/1823 – Cochrane deixa o Maranhão depois de subjugar<br />

focos de resistência portuguesa.<br />

12/11/1823 – D. Pedro dissolve a assembleia constituinte e<br />

prende os Andradas.<br />

13/11/1823 – Nomeada a comissão encarregada de elaborar a<br />

constituição encomendada por d. Pedro.<br />

20/12/1823 – <strong>Os</strong> Andradas são deporta<strong>do</strong>s para Europa.<br />

25/03/1824 – D. Pedro outorga a primeira constituição<br />

brasileira.<br />

Final de março/1824 – O capitão John Taylor vai a<br />

Pernambuco para garantir a posse <strong>do</strong> presidente da província<br />

nomea<strong>do</strong> por d. Pedro.<br />

30/04/1824 – D. Miguel lidera movimento contra d. João VI<br />

e chega a obrigá-lo a se refugiar numa embarcação fundeada<br />

no Tejo, mas o movimento não vinga e d. Miguel deixa o país<br />

(abrilada).<br />

23/05/1824 – Nasce Isabel a primeira filha de d. Pedro com<br />

Domitila de Castro.<br />

02/07/1824 – O capitão Taylor deixa Recife e Manuel de<br />

Carvalho Pais de Andrade proclama a república<br />

(Confederação <strong>do</strong> Equa<strong>do</strong>r).<br />

12/07/1824 – Começam negociações de representantes<br />

brasileiros e portugueses em Londres para acerto de condições<br />

amistosas entre Brasil e Portugal, sem sucesso.<br />

213


01/08/1824 – Lorde Cochrane sai <strong>do</strong> Rio para sufocar a<br />

revolta de Pernambuco, mas não consegue bombardear a<br />

cidade por dificuldades de manobras navais, retiran<strong>do</strong>-se para<br />

a Bahia.<br />

11/09/1824 – O general Francisco de Lima e Silva (pai <strong>do</strong><br />

Duque de Caxias) que tinha se dirigi<strong>do</strong> para Recife por terra<br />

toma o palácio <strong>do</strong> governo, Pais de Andrade se refugia numa<br />

corveta inglesa e propõe termos de rendição que não são<br />

aceitos.<br />

17/09/1824 – Com a fuga de Pais de Andrade as forças<br />

imperiais invadem Recife e <strong>do</strong>minam a cidade fazen<strong>do</strong><br />

quatrocentos prisioneiros.<br />

17/10/1824 – Depois da entrada de Cochrane em Fortaleza é<br />

sufocada a rebelião no interior <strong>do</strong> Ceará e termina a rebelião<br />

daquela província que havia aderi<strong>do</strong> ao movimento<br />

republicano de Pernambuco.<br />

13/01/1825 – Execução de f<strong>rei</strong> Caneca.<br />

04/02/1825 – Viagem d. Pedro à Bahia acompanha<strong>do</strong> da<br />

Imperatriz e Domitila.<br />

30/03/1825 – Começam as negociações <strong>do</strong>s termos de<br />

reconhecimento da independência entre Brasil e Portugal com<br />

intermediação de sir Charles Stuart.<br />

04/04/1825 – Domitila passa a primeira dama da imperatriz.<br />

214


20/05/1825 – Depois de requisitar mais de 100 contos de <strong>rei</strong>s<br />

da fazenda <strong>do</strong> Maranhão onde tinha i<strong>do</strong> pacificar dissidências,<br />

Lord Cochrane volta para a Inglaterra por conta própria<br />

arrancan<strong>do</strong> discretos protestos da corte.<br />

29/08/1825 – Assina<strong>do</strong> o acor<strong>do</strong> de reconhecimento da<br />

independência por parte de Portugal.<br />

25/11/1825 – D. João ratifica o trata<strong>do</strong> em que Portugal<br />

reconhece oficialmente a independência <strong>do</strong> Brasil.<br />

02/12/1825 – Nasce d. Pedro II.<br />

03/12/1825 – O Brasil declara guerra a Buenos Aires e no dia<br />

21 <strong>do</strong> mesmo mês estabelece um bloqueio ao porto <strong>do</strong> Rio da<br />

Prata.<br />

06/03/1826 – Sentin<strong>do</strong>-se <strong>do</strong>ente e pressenti<strong>do</strong> a morte<br />

próxima d. João VI nomeia regente a sua filha a infanta d.<br />

Isabel Maria até que a questão da sucessão seja esclarecida.<br />

10/03/1826 – Morre d. João VI e pouco depois d. Pedro é<br />

aclama<strong>do</strong> <strong>rei</strong> de Portugal com o título de d. Pedro IV.<br />

26/04/1826 – D. Pedro IV confirma a regência de sua irmã d.<br />

Isabel Maria.<br />

29/04/1826 – D. Pedro outorga a carta constitucional<br />

portuguesa.<br />

02/05/1826 – D. Pedro abdica em favor da filha d. Maria da<br />

Glória e propõe um acor<strong>do</strong> com d. Miguel em que ele seria<br />

215


egente até a maioridade da filha, desde que ele se casasse com<br />

ela.<br />

03/05/1826 – Instala-se a primeira legislatura brasileira.<br />

31/05/1826 – É jurada a carta constitucional outorgada por d.<br />

Pedro.<br />

04/10/1826 – D. Miguel jura a constituição de d. Pedro.<br />

12/10/1826 – Domitila de Castro vira marquesa de Santos.<br />

29/10/1826 – Casamento de d. Miguel e d. Maria II.<br />

12/11/1826 – D. Pedro embarca para o Sul para acompanhar<br />

a campanha de Buenos Aires.<br />

11/12/1826 – Morre a imperatriz d. Leopoldina enquanto d.<br />

Pedro estava ausente em viagem ao sul <strong>do</strong> Brasil.<br />

15/01/1827 – D. Pedro desembarca no Rio de volta <strong>do</strong> sul.<br />

03/07/1827 – D. Miguel é nomea<strong>do</strong> regente por d. Pedro.<br />

19/08/1827 – Barbacena parte para a Europa em busca de<br />

uma segunda esposa para d. Pedro.<br />

21/12/1827 – Evaristo da Veiga lança o jornal “Aurora<br />

Fluminense”.<br />

22/02/1828 – D. Miguel desembarca em Lisboa.<br />

216


26/02/1828 – D. Miguel jura oficialmente a carta<br />

constitucional de d. Pedro.<br />

26/02/1828 – D. Miguel assume a regência efetivamente em<br />

lugar de d. Isabel Maria.<br />

03/03/1828 – D. Pedro escreve a d. Miguel informan<strong>do</strong> que<br />

tinha confirma<strong>do</strong> a abdicação em favor de d. Maria II.<br />

25/04/1828 – D. Miguel é proclama<strong>do</strong> <strong>rei</strong> por autoridades de<br />

Coimbra.<br />

03/05/1828 – D. Miguel convoca a assembleia <strong>do</strong>s três<br />

esta<strong>do</strong>s.<br />

03/05/1828 – Instalada a assembleia legislativa brasileira. D.<br />

Pedro confirma a abdicação <strong>do</strong> trono de Portugal em favor da<br />

filha.<br />

23/06/1828 – D. Miguel abre a assembleia <strong>do</strong>s três esta<strong>do</strong>s.<br />

25/06/1828 – D. Miguel é reconheci<strong>do</strong> <strong>rei</strong> pela assembleia.<br />

27/06/1828 – A marquesa de Santos embarca para São Paulo<br />

a man<strong>do</strong> de d. Pedro.<br />

05/07/1828 – D. Maria II é enviada para Viena.<br />

19/07/1828 – D. Miguel dissolve a assembleia portuguesa.<br />

28/08/1828 – Assina<strong>do</strong> o trata<strong>do</strong> de paz pon<strong>do</strong> fim a guerra<br />

<strong>do</strong> sul.<br />

217


16/01/1829 – O conde de Saldanha é impedi<strong>do</strong> pelos ingleses<br />

de desembarcar na ilha Terceira.<br />

29/04/1829 – A marquesa de Santos retorna ao Rio de<br />

Janeiro.<br />

03/05/1829 – Instala-se mais uma assembleia legislativa<br />

brasileira.<br />

15/06/1829 – D. Pedro decreta a regência provisória da Ilha<br />

Terceira com Palmela à frente.<br />

24/07/1829 – D. Pedro recebe o contrato nupcial de seu<br />

casamento com d. Amélia Augusta Eugênia Napoleona de<br />

Leuchtemberg, de 17 anos.<br />

11/08/1829 – <strong>Os</strong> miguelistas tentam ocupar a ilha Terceira.<br />

24/08/1829 – A marquesa de Santos volta em definitivo para<br />

São Paulo sob pressão de d. Pedro.<br />

Outubro 1829 – Barbacena chega ao Rio trazen<strong>do</strong> d. Amélia e<br />

d. Maria II.<br />

14/12/1829 – Nomea<strong>do</strong> o ministério Barbacena.<br />

07/01/1830 – Morre d. Carlota Joaquina.<br />

28/02/1830 – Nasce a última filha de d. Pedro com a<br />

marquesa de Santos (Isabel Maria).<br />

29/12/1830 – Viagem de d. Pedro I a Minas.<br />

218


11/03/1831 – D. Pedro retorna da viagem a Minas.<br />

13/03/1831 – Noite das Garrafadas.<br />

07/04/1831 – D. Pedro abdica em favor <strong>do</strong> filho d. Pedro e<br />

parte para a Europa (Inglaterra e França) para restaurar o<br />

trono de d. Maria da Glória usurpa<strong>do</strong> por d. Miguel.<br />

13/04/1831 – D. Pedro parte para a Europa a bor<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

Volage.<br />

10/06/1831 – Desembarca em Cherburgo na França.<br />

26/06/1831 – Chega a Londres onde fica por um mês sen<strong>do</strong><br />

convida<strong>do</strong> pelo <strong>rei</strong> Guilherme IV para várias solenidades.<br />

27/06/1831 – Chega a Paris.<br />

01/12/1831 – Nasce a filha de d. Pedro com d. Amélia.<br />

10/02/1832 – D. Pedro parte para o Açores à frente <strong>do</strong><br />

exército constitucionalista.<br />

08/07/1832 – D. Pedro desembarca na Enseada de<br />

Pampeli<strong>do</strong> em Portugal, em seguida ocupa a cidade <strong>do</strong> Porto.<br />

08/11/1832 – Vila Flor é nomea<strong>do</strong> duque da Terceira.<br />

28/01/1833 – O general Saldanha chega ao Porto e é<br />

encarrega<strong>do</strong> da defesa da cidade.<br />

01/06/1833 - O Almirante Napier assume as forças navais de<br />

d. Pedro.<br />

219


24/06/1833 – As forças de d. Pedro desembarcam no<br />

Algarve.<br />

05/07/1833 – Napier bate a armada de d. Miguel e parte para<br />

bloquear Lisboa onde chega a 24 de julho.<br />

17/07/1833 – O duque da Terceira parte para Lisboa.<br />

24/07/1833 – As forças <strong>do</strong> duque da Terceira tomam Lisboa.<br />

28/07/1833 – D. Pedro entra em Lisboa.<br />

09/08/1833 – O governo britânico reconhece o trono de d.<br />

Maria II.<br />

18/08/1833 – Saldanha levanta o cerco <strong>do</strong> Porto.<br />

05/09/1833 – Bourmont, a serviço de d. Miguel, deixa o<br />

Porto e tenta retomar Lisboa.<br />

22/09/1833 – D. Amélia e d. Maria II chegam a Lisboa.<br />

10/10/1833 – Luis Felipe da França segue o exemplo da<br />

Inglaterra e reconhece d. Maria II como legítima herdeira <strong>do</strong><br />

trono português.<br />

10/10/1833 – <strong>Os</strong> miguelistas aban<strong>do</strong>nam o cerco de Lisboa e<br />

vão para Santarém.<br />

16/05/1834 – O duque da Terceira vence a Batalha de<br />

Asseiceira, última contenda da guerra civil portuguesa.<br />

220


18/05/1834 – D. Pedro e o general Saldanha entram em<br />

Santarém obrigan<strong>do</strong> d. Miguel a fugir para Évora.<br />

26/05/1834 – D. Miguel capitula em Évora e é destituí<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

trono. (Convenção de Évora-Monte).<br />

01/06/1834 – D. Miguel deixa Portugal para um exílio<br />

definitivo.<br />

31/08/1834 – D. Pedro assume como regente em nome de<br />

sua filha.<br />

19/09/1834 – Decretada a maioridade de d. Maria II.<br />

20/09/1834 – D. Pedro é condecora<strong>do</strong> com a grão-cruz da<br />

ordem da Torre e da Espada.<br />

24/09/1834 – Morre d. Pedro de tuberculose e complicações<br />

diversas, pouco antes de completar trinta e seis anos de idade.<br />

15/11/1853 – Morre d. Maria II, de parto aos trinta e quatro<br />

anos.<br />

221


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