Os desassossegos do rei - Quintal dos Poetas
Os desassossegos do rei - Quintal dos Poetas
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José Roberto de Amorim<br />
<strong>Os</strong><br />
<strong>desassossegos</strong><br />
<strong>do</strong> <strong>rei</strong><br />
<strong>Quintal</strong> <strong>do</strong>s poetas<br />
Oficina literária
José Roberto de Amorim<br />
<strong>Os</strong> <strong>desassossegos</strong> <strong>do</strong> <strong>rei</strong><br />
(Notas sobre a vida de d. Pedro de Alcântara, sua Alteza<br />
Imperial o Duque de Bragança – Defensor Perpétuo <strong>do</strong><br />
Brasil)<br />
a<br />
<strong>Quintal</strong> <strong>do</strong>s <strong>Poetas</strong><br />
Oficina Literária<br />
2
Copyright 2011 by José Roberto de Amorim<br />
Da<strong>do</strong>s de Catalogação na Publicação (CIP)<br />
A524o Amorim, José Roberto de<br />
OS DESASSOSSEGOS DO REI / José Roberto de Amorim –<br />
Lagoa Santa: <strong>Quintal</strong> <strong>do</strong>s <strong>Poetas</strong> Oficina Literária, 2011.<br />
ISBN 978-85-911866-1-7<br />
1. Brasil – História – D. Pedro I - 2. Portugal – História – D.<br />
Maria II. 3. Biografia. 4. Guerra Civil Portuguesa, 1832 - 1834 I.<br />
Título.<br />
CDD: 981.05<br />
<strong>Quintal</strong> <strong>do</strong>s <strong>Poetas</strong><br />
Oficina Literária<br />
Lagoa Santa – 2011<br />
www.quintal<strong>do</strong>spoetas.com<br />
quintal<strong>do</strong>spoetas@quintal<strong>do</strong>spoetas.com<br />
3
Sumário<br />
<strong>Os</strong> <strong>desassossegos</strong> <strong>do</strong> <strong>rei</strong><br />
A Casa de Bragança<br />
Manias<br />
A fuga ou estratégica escapada<br />
Dormin<strong>do</strong> com o inimigo<br />
Nasce o infante Pedro<br />
O fim <strong>do</strong> <strong>do</strong>ce <strong>rei</strong>no tropical<br />
A era das revoluções<br />
Manguinhas de fora<br />
Facciosas, horrorosas e pestíferas<br />
Mudança <strong>do</strong>s ventos<br />
Titília e Demonão<br />
As imperatrizes<br />
O pomo está maduro<br />
4
Patriarcas e musas<br />
Contrato de compra e venda<br />
Cartas na manga<br />
Certa canalha<br />
Coração e mente<br />
O <strong>rei</strong> solda<strong>do</strong><br />
Saudades <strong>do</strong> Brasil<br />
Cronologia básica<br />
Bibliográfia<br />
5
“Contra mim abjetam que nasci em Portugal. Eu<br />
imaginava que vinte e três anos de existência<br />
nesta terra, <strong>do</strong>s quais dez dedica<strong>do</strong>s à causa<br />
pública, me haviam da<strong>do</strong> o di<strong>rei</strong>to de ser<br />
brasileiro”.<br />
D. Pedro I<br />
(Às vésperas da abdicação <strong>do</strong> trono <strong>do</strong> Brasil)<br />
6
<strong>Os</strong> <strong>desassossegos</strong> <strong>do</strong> <strong>rei</strong><br />
Como sempre acontece comigo, titubeei muito<br />
quanto ao título deste livro. Ainda mais em tratan<strong>do</strong> ele da<br />
figura de d. Pedro I, um monarca que viveu uma das<br />
aventuras mais incomuns da história <strong>do</strong> século XIX, um<br />
século pleno de coisas incomuns, pois a germinação da<br />
semente da mudança, plantada no século anterior, não podia<br />
mais ser contida. Foi por excelência o século <strong>do</strong> nascimento<br />
das nações e <strong>do</strong> realinhamento das soberanias. Nunca a<br />
política mu<strong>do</strong>u tanto em tão pouco tempo. Surgiram as<br />
constituições modernas consolidan<strong>do</strong> os parlamentos e os<br />
di<strong>rei</strong>tos civis. A imprensa aprendeu a escorar o debate<br />
democrático e a diplomacia refinou-se, evitan<strong>do</strong> que as<br />
guerras tivessem si<strong>do</strong> ainda mais sangrentas.<br />
Para ser mal<strong>do</strong>so, acho que enquanto procurava o<br />
título ideal para esta coletânea de notas históricas, deve ter<br />
baixa<strong>do</strong> em mim o poderoso espírito de d. João VI e fiquei<br />
cheio de dúvidas e indecisões. Acredito que acabei não<br />
resolven<strong>do</strong> o problema, o que não aconteceria com o<br />
controverso monarca que, no fun<strong>do</strong>, era esperto e ardiloso e<br />
acabava sempre, com sábia e metódica paciência, obten<strong>do</strong> um<br />
desfecho aceitável para os problemas da sua coroa, que não<br />
foram poucos, pois naquele tempo não era fácil para um<br />
pequeno país europeu estrategicamente situa<strong>do</strong>, contentar os<br />
ingleses sem descontentar os franceses. Daí que o título, ou<br />
melhor, o sub-título desta obra, acabou misturan<strong>do</strong> algumas<br />
coisas, o que merece uma explicação. Na verdade, acho que<br />
essa questão não tinha mesmo solução pois a mistura é muito<br />
mais fruto <strong>do</strong> desassossego de d. Pedro <strong>do</strong> que da minha<br />
imprecisão.<br />
7
Na sua agitada e inusitada car<strong>rei</strong>ra de herói de <strong>do</strong>is<br />
mun<strong>do</strong>s ele foi príncipe herdeiro <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no uni<strong>do</strong> de Portugal,<br />
Brasil e Algarves, o que lhe dava o di<strong>rei</strong>to de ser trata<strong>do</strong><br />
como Sua Alteza Real. Nessa condição enfrentou as Cortes<br />
de Lisboa e levou a melhor sobre elas, sufocan<strong>do</strong> a velha<br />
arrogância colonial com coragem e astúcia. Em seguida<br />
virou impera<strong>do</strong>r, o que lhe dava o di<strong>rei</strong>to de ser chama<strong>do</strong> de<br />
Sua Magestade Imperial. Depois acumulou o cargo com o de<br />
Rei de Portugal, adquirin<strong>do</strong> di<strong>rei</strong>to de ser trata<strong>do</strong> de Sua<br />
Majestade Imperial d. Pedro I - Impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil e sua<br />
Majestade Real D. Pedro IV - Rei de Portugal. Nessa dupla e<br />
dúbia condição ele acabou não se sain<strong>do</strong> tão bem pois,<br />
passada a euforia da independência, os brasileiros passaram a<br />
olhá-lo com uma certa desconfiança, relevan<strong>do</strong> muito o fato<br />
de que ele tinha nasci<strong>do</strong> em Portugal, no seio de uma<br />
dinastia que <strong>rei</strong>nava nas plagas lusas há quase duzentos anos.<br />
No fun<strong>do</strong> essa implicância decorria, pura e simplesmente, <strong>do</strong><br />
fato dele não ter ti<strong>do</strong> a sorte de ter si<strong>do</strong> amamenta<strong>do</strong> nas<br />
tetas generosas de uma negra submissa e maternal, condição<br />
indispensável para a sedimentação da brasilidade naqueles<br />
tempos, ainda tão coloniais. Quer dizer, não era brasileiro da<br />
gema. O fato dele ter inventa<strong>do</strong> politicamente o Brasil nem<br />
foi leva<strong>do</strong> em conta, perpetran<strong>do</strong> uma grande ingratidão.<br />
O herói de <strong>do</strong>is mun<strong>do</strong>s, tão cheio de herança e<br />
merecimento, acabou fican<strong>do</strong> meio apátrida, pois também já<br />
tinha renuncia<strong>do</strong> à cidadania portuguesa. De sorte que ele<br />
resolveu engatar uma marcha a ré, uma vez que, sem apoio<br />
suficiente, não queria tanta coroa pesan<strong>do</strong> na sua cabeça,<br />
sobretu<strong>do</strong> debaixo de tanta desconfiança. Assim virou duque<br />
de Bragança, que é o ponto em que o herdeiro da coroa<br />
portuguesa começava sua ungida car<strong>rei</strong>ra desde 1640. Aí teve<br />
que ser feito um arranjo para que sua enorme dignidade não<br />
acabasse tão injustamente diminuida, pois quem já tinha<br />
8
carrega<strong>do</strong> tanta coroa não podia perder a majestade, ainda<br />
mais como ex-impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil e regente <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no de<br />
Portugal. Do arranjo híbri<strong>do</strong> ele acabou sen<strong>do</strong> trata<strong>do</strong> como<br />
Sua Majestade Imperial o duque de Bragança. 1 Apesar de ser<br />
um título nobiliárquico advin<strong>do</strong> da sua augusta condição de<br />
primeiro herdeiro da dinastia portuguesa de bragança, ainda<br />
agregou a ele a marca da honra de ter si<strong>do</strong> aclama<strong>do</strong><br />
“Defensor Perpétuo <strong>do</strong> Brasil”, título de que muito se<br />
orgulhava. Exibia essa honra no brazão que trazia no peito<br />
nos tempos <strong>do</strong> exílio em França e Inglaterra, logo depois da<br />
abdicação. Mas não fazia muito alarde dele para não<br />
melindrar os liberais portugueses, <strong>do</strong>s quais dependia para<br />
restaurar o trono da filha.<br />
A titulação de d. Pedro I deve ser o único caso na<br />
história pois, embora esses tratamentos variassem nas<br />
diversas cortes e os monarcas não se apegassem muito às<br />
regras nobiliárquicas, um duque não é majestade e muito<br />
menos imperial. Certamente ele foi muito mais majestade <strong>do</strong><br />
que duque, muito mais Bourbon <strong>do</strong> que Bragança. Mesmo<br />
porque, a maioria <strong>do</strong>s <strong>rei</strong>s da Dinastia de Bragança<br />
carregaram a peja de serem muito sossega<strong>do</strong>s, preguiçosos,<br />
desacoroça<strong>do</strong>s, <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s, omissos.<br />
O primeiro <strong>rei</strong> da dinastia – d. João IV - foi<br />
praticamente obriga<strong>do</strong> por sua mulher e pela alta nobreza<br />
portuguesa, a aceitar o trono que planejavam tomar <strong>do</strong> <strong>rei</strong> da<br />
Espanha. Preferia a tranquilidade de Vila Viçosa. Lá ficava<br />
toman<strong>do</strong> conta das suas vastas propriedades, se manten<strong>do</strong><br />
distante da agitação de Lisboa onde teria que organizar um<br />
1<br />
Mas eu preferi chamá-lo Rei, termo genérico que acomoda melhor<br />
to<strong>do</strong> o majestático poder que d. Pedro exerceu.<br />
9
governo que já não existia há sessenta anos. Além disso, teria<br />
que guerrear com a Espanha para garantir a independência<br />
da sua pátria no con<strong>do</strong>mínio ibérico, aperta<strong>do</strong> de to<strong>do</strong>s os<br />
la<strong>do</strong>s. Seu filho - d. Afonso VI - gostava de se ocupar com<br />
pequenas depravações pelas vielas escuras de Lisboa,<br />
deixan<strong>do</strong> a governança nas mãos de um ministro ardiloso.<br />
Acabou traí<strong>do</strong> pela mulher e o irmão na cama e no trono e<br />
entregou o governo sem esboçar a reação que sempre se<br />
espera de um <strong>rei</strong> quan<strong>do</strong> lhe puxam o assento pelas costas<br />
e/ou lhes conspurgam os lençóis. De sorte que d. Pedro II –<br />
o dito cujo irmão traiçoeiro - assumiu e tocou a dinastia,<br />
legan<strong>do</strong> o trono ao filho d. João V. Este levou uma<br />
maravilhosa vida de prazeres, torran<strong>do</strong> o dinheiro <strong>do</strong> Brasil<br />
em luxo, indulgências papais, propinas diplomáticas e obras<br />
suntuosas, gozan<strong>do</strong> as delícias de um ócio opulento e cheio<br />
de malícias conventuais. Morreu deforma<strong>do</strong> por <strong>do</strong>enças<br />
mas cheio de belos títulos concedi<strong>do</strong>s pelo papa. Se foi pro<br />
céu não se sabe, mas tinha boas referências para mostrar a<br />
são Pedro quan<strong>do</strong> lhe fosse pedi<strong>do</strong>. Seu sucessor, d. José<br />
entregou o governo ao marquês de Pombal e vivia<br />
bocejan<strong>do</strong> num palácio de tendas, cerca<strong>do</strong> de tapeçarias<br />
orientais, curtin<strong>do</strong> um clima de mil e uma noites nos<br />
arre<strong>do</strong>res de Lisboa sem muitas preocupações. Seu neto -<br />
nosso d. João VI – assumiu como regente depois que a<br />
rainha sua mãe margulhou numa santa demência,<br />
assombrada com o fogo inclemente <strong>do</strong> inferno. Este, então,<br />
é considera<strong>do</strong> com muita frequência, o <strong>rei</strong> da lerdeza, da gula<br />
e da indecisão. A acreditar nesses exageros, d. Pedro de<br />
Alcântara Bragança e Bourbon foi a contradição máxima da<br />
sua conformação genética, pela linha masculina. Estou<br />
falan<strong>do</strong> pelo la<strong>do</strong> apolínio pois, pela veia da habilidade<br />
política, ele tinha aquela velha esperteza que caracterizava os<br />
Bragança.<br />
10
Nosso d. Pedro I era essencialmente agita<strong>do</strong>,<br />
assumin<strong>do</strong> riscos e se expon<strong>do</strong> até em demasia. Deve ter<br />
herda<strong>do</strong> seu ativismo natural de sua mãe Carlota Joaquina<br />
que devia ter os gens muito mais <strong>do</strong>minantes <strong>do</strong> que os de d.<br />
João, mesmo porque, seu irmão d Miguel também era<br />
atira<strong>do</strong> e inquieto. D. Pedro era ti<strong>do</strong> como uma criança<br />
agitadíssima e um rapazola rebelde, da<strong>do</strong> a brigas,<br />
brincadeiras de mau-gosto, arruaças e ao <strong>do</strong>ce esporte da<br />
sedução de damas, loucas para serem seduzidas pelo príncipe<br />
varonil. Já impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil, tinha hábitos de capataz.<br />
Dificilmente acordava depois das cinco horas da manhã, já<br />
nessa hora usan<strong>do</strong> sua hiperatividade para controlar os<br />
negócios da família e <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>. Supervisionava os peões da<br />
fazenda de Santa Cruz e gostava de percorrer as repartições<br />
públicas logo às primeiras horas da manhã para conferir se<br />
to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> já estava no batente como era de sua obrigação.<br />
Fazia anotações e distribuia reprimendas, em geral<br />
carregadas de ironia. Admirava seu concunha<strong>do</strong> Napoleão<br />
Bonaparte e as aventuras militares em geral. Fazia questão de<br />
se apresentar calçan<strong>do</strong> botas, mesmo nas ocasiões mais<br />
solenes. Mas as botas não eram apenas enfeites, sen<strong>do</strong> ele<br />
exímio cavaleiro. Ele e Napoleão devem ter si<strong>do</strong> os únicos<br />
impera<strong>do</strong>res <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> que atravessaram campos de batalha<br />
à frente de seus exércitos. <strong>Os</strong> demais preferiam ficar no<br />
conforto de seus palácios, exalan<strong>do</strong> majestade enquanto seus<br />
generais cuidavam da parte suja da execução das suas<br />
vontades.<br />
D. Pedro ainda era criancinha e já tinha fascinação<br />
por uniformes militares. Contam que quan<strong>do</strong> Junot era<br />
embaixa<strong>do</strong>r em Lisboa, o pequeno príncipe o viu no palácio<br />
ostentan<strong>do</strong> uma belíssima farda de coronel <strong>do</strong>s hussar<strong>do</strong>s e<br />
11
quis uma igual. D. João não titubeou, pediu a fatiota<br />
emprestada e man<strong>do</strong>u tirar duas copias: uma para si outra<br />
para o menino que, naquele tempo, sonhava muito mais em<br />
ser general <strong>do</strong> que <strong>rei</strong>. E porque não as duas coisas?<br />
D. Pedro também era bom na pistola e na espada,<br />
por qualquer ângulo que se olhe. Sua ansiedade fremente o<br />
levava, muitas vezes, a tomar decisões intempestivas, não<br />
raro contrarian<strong>do</strong> suas próprias convicções. Mas também era<br />
emotivo e teria sofri<strong>do</strong> com muitas dessas decisões pois elas,<br />
claramente, o levaram para onde não queria ir como homem<br />
e como <strong>rei</strong>.<br />
D. Joao VI, <strong>do</strong> alto da sua sabe<strong>do</strong>ria, tinha dito a ele:<br />
“guia-te pelas circunstâncias com prudência e cautela”. A primeira<br />
parte <strong>do</strong> conselho ele sempre seguiu, quanto à segunda parte<br />
nem tanto. Inútil pensar que pudesse ter si<strong>do</strong> diferente.<br />
Tangi<strong>do</strong> pelo desassossego que lhe era próprio, renunciou a<br />
<strong>do</strong>is tronos, toman<strong>do</strong> decisões cruciais em poucos dias de<br />
reflexão e sem ouvir muitas opiniões.<br />
Monarca que começou impera<strong>do</strong>r e, por vontade<br />
própria, acabou duque andan<strong>do</strong> na contramão <strong>do</strong> ciclo da<br />
nobreza. Um pouco da ponderação <strong>do</strong> pai talvez não lhe<br />
tivesse feito mal. Mas teria torna<strong>do</strong> sua vida muito mais<br />
comum. Seria um desperdício para quem viveu tão pouco.<br />
A Casa de Bragança<br />
A Sereníssima Casa de Bragança surgiu <strong>do</strong> zelo <strong>do</strong> <strong>rei</strong><br />
d. João I que queria casar seu dileto filho bastar<strong>do</strong> d. Afonso<br />
de Barcelos com d. Beatriz Pe<strong>rei</strong>ra. Era ela filha <strong>do</strong><br />
Condestável d. Nuno Alves Pe<strong>rei</strong>ra e trazia entre suas<br />
graciosidades um fabuloso <strong>do</strong>te que o <strong>rei</strong> quis aconchegar no<br />
seio da real família. Assim d. João instituiu o Duca<strong>do</strong> de<br />
12
Bragança e passou-o ao filho, aplainan<strong>do</strong> a trilha para<br />
viabilizar o magnífico casório. De fato, não haven<strong>do</strong> nada que<br />
pudesse impedir as bodas, elas se deram no dia 1º de<br />
novembro de 1401 para grande gáudio <strong>do</strong>s pais que,<br />
entusiasma<strong>do</strong>s, resolveram investir no consórcio muito mais<br />
<strong>do</strong> que estava inicialmente combina<strong>do</strong>. Tanto que, já uma<br />
semana depois da feliz união, o <strong>rei</strong> lavrou uma carta de <strong>do</strong>ação<br />
passan<strong>do</strong> ao patrimônio <strong>do</strong> recém-cria<strong>do</strong> Duca<strong>do</strong> de Bragança<br />
as terras <strong>do</strong>s julga<strong>do</strong>s de Neiva, Danque, Parelhal, Faria, Rates<br />
e Vermoim, com to<strong>do</strong>s os seus bens públicos e priva<strong>do</strong>s pois<br />
naqueles tempos ainda não havia tais diferenças e tu<strong>do</strong> era <strong>do</strong><br />
grão-senhor das terras onde as pessoas nasciam, trabalhavam,<br />
procriavam e morriam.<br />
O <strong>do</strong>te feito por d. Nuno Álvares Pe<strong>rei</strong>ra também<br />
não ficou atrás. Incluia a vila e o castelo de Chaves com as<br />
terras <strong>do</strong> Monte Negro, o castelo de Monte Alegre, as terras<br />
<strong>do</strong> Barroso e Baltar, Paços e Barcelos, as quintas de<br />
Carvalhosa, Covas, Cane<strong>do</strong>s, Seraes, Godinhaes, Sanfims,<br />
Temporam, Mo<strong>rei</strong>ra e Piusada/ Bustelo. Mais tarde o <strong>rei</strong>, com<br />
a aquiêscencia da rainha e <strong>do</strong> irmão de d. Afonso acrescentou<br />
ao patrimônio as terras de Penafiel, Bastos e Coutos das<br />
Vargeas. Também d. Nuno, toma<strong>do</strong> <strong>do</strong> mesmo entusiasmo<br />
paternal, acrescentou ao já riquíssimo patrimônio <strong>do</strong> nóvel<br />
casal, o conda<strong>do</strong> e a Vila de Arraiolos, as rendas e di<strong>rei</strong>tos de<br />
Montemor, Évora, Monte, Estremoz, Souzel, Alter <strong>do</strong> Chão,<br />
Fermosa, Chancelaria, Assumar, Lagomel, Vila Viçosa, Borba,<br />
Monsaraz, Portel, Vidigueira, Frades, Vilalva, Ruivas, Beja,<br />
Campo de Ourique, e os padroa<strong>do</strong>s de S. Salva<strong>do</strong>r de Elvas e<br />
Vila Nova de Anços. Ou seja o Duca<strong>do</strong> de Bragança, logo ao<br />
ser cria<strong>do</strong>, já era quase um <strong>rei</strong>no dentro de Portugal,<br />
estenden<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> extremo norte até as proximidades de<br />
Lisboa. Mesmo assim continuou a crescer e no tempo <strong>do</strong><br />
13
segun<strong>do</strong> duque, d. Fernan<strong>do</strong>, foram acrescentadas ao duca<strong>do</strong><br />
as terras de Paiva, Tendais e Lousada.<br />
A Casa de Bragança <strong>rei</strong>nava sobre nada menos <strong>do</strong> que<br />
quatro ouvi<strong>do</strong>rias, com sedes em Vila Viçosa, Ourém,<br />
Barcelos e Bragança, deitan<strong>do</strong> poder ainda sobre a gestão de<br />
dezoito alcaides-mores e quarenta e uma comendas da Ordem<br />
de Cristo. Quer dizer, além <strong>do</strong> poder representa<strong>do</strong> pela posse<br />
de extensas terras com tu<strong>do</strong> que havia nelas, os duques de<br />
Bragança tinham poder sobre a distribuição de belos e<br />
disputa<strong>do</strong>s cargos e títulos. Pelo la<strong>do</strong> eclesiástico tinham<br />
controle, entre outras, sobre a frequesia de Vila Viçosa, que<br />
incoporava nada menos <strong>do</strong> que dezesseis capelas providas <strong>do</strong>s<br />
respectivos capelães.<br />
Enfim, a Casa de Bragança nasceu portentosa e assim<br />
parmaneceu, com exceção de pequenos perío<strong>do</strong>s em que<br />
alguns <strong>rei</strong>s de Portugal andaram brigan<strong>do</strong> com alguns duques<br />
de Bragança e os premiaram com confiscos e exílios. O<br />
patrimônio diminuiu um pouco, mas ainda assim permaneceu<br />
soman<strong>do</strong> uma riqueza extraordinária.<br />
Desta forma, não é de se estranhar que em 1640,<br />
quan<strong>do</strong> a nobreza portuguesa resolveu ficar livre <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio<br />
<strong>do</strong>s <strong>rei</strong>s espanhóis que estavam governan<strong>do</strong> o país luso desde<br />
1580, o escolhi<strong>do</strong> para liderar a revolta veio a ser exatamente<br />
o duque de Bragança. Governava então a Casa de Bragança d.<br />
João II - o oitavo duque - com casa herdada em 1630. Dizem<br />
que ele relutou muito em aceitar o cometimento de ser o<br />
restaura<strong>do</strong>r da monarquia portuguesa pois, parece que queria<br />
ser <strong>rei</strong> mas não queria ser marechal de campo, comandan<strong>do</strong><br />
tropas com a espada em riste apontan<strong>do</strong> o peito <strong>do</strong>s inimigos.<br />
Mesmo assim recebeu decidi<strong>do</strong>s apoios <strong>do</strong>s seus pares e<br />
especialmente de sua mulher - uma espanhola resoluta<br />
chamada Luisa de Gusmão – que o empurrou para a frente <strong>do</strong><br />
movimento que acabou vitorioso. Ele, na verdade, fiel à sua<br />
14
vocação, não chegou a participar das operações militares de<br />
tomada <strong>do</strong> poder. Assim, quan<strong>do</strong> um grupo de nobres entrou<br />
em Lisboa e subjugou a duquesa de Mântua, ele estava em<br />
Vila Viçosa, residência favorita <strong>do</strong>s duques de Bragança.<br />
Mas, de qualquer forma, em 1º de dezembro de 1640<br />
o duque de Bragança virava <strong>rei</strong> de Portugal com o título de d.<br />
João IV, O Restaura<strong>do</strong>r. 2 Estava fundada a Dinastia de<br />
Bragança, suceden<strong>do</strong> à Dinastia de Avis, sepultada em 1580<br />
com a morte de d. Henrique que, por ser padre consciencioso,<br />
não deixou herdeiros. 3 Mas o seu compulsório celibato acabou<br />
remeten<strong>do</strong> a Coroa Portuguesa ao colo <strong>do</strong> monarca espanhol<br />
d. Felipe II, que a passou ao filho e deste ao neto. De sorte<br />
que quan<strong>do</strong> os lusos restauraram seu <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> já se tinham<br />
passa<strong>do</strong>s sessenta anos e o <strong>rei</strong> espenhol era Felipe IV.<br />
D. João governou Portugal durante dezesseis anos<br />
atribula<strong>do</strong>s, pelejan<strong>do</strong> com a dura tarefa da restauração. Ao<br />
morrer, sua profícua intimidade com d. Luisa tinha produzi<strong>do</strong><br />
quatro príncipes e três princesas. <strong>Os</strong> <strong>do</strong>is mais velhos não<br />
sobreviveram a ele e os demais não tinham idade para assumir<br />
o trono. Assim d. Luisa assumiu como regente e eis que o<br />
trono volta às mãos espanholas de “mãos beijadas”. Mas ela<br />
era fiel a Portugal e amada pelos seus súditos e não urdiu<br />
2 Dizem os mais mal<strong>do</strong>sos que ele foi um <strong>do</strong>s últimos a saber que<br />
tinha vira<strong>do</strong> <strong>rei</strong>. Puro exagero. Ele realmente não era um nobre<br />
guer<strong>rei</strong>ro como d. Afonso Henriques o funda<strong>do</strong>r <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no de<br />
Portugal, mas fez um competente trabalho diplomático que garantiu<br />
o reconhecimento da independência portuguesa e o apoio militar da<br />
Inglaterra e da França que assegurou as vitórias sobre as forças de<br />
Filipe IV da Espanha e consolidaram a restauração.<br />
3 Ele tinha sucedi<strong>do</strong> ao sobrinho - o famoso <strong>rei</strong> d. Sebastião, “O<br />
Espera<strong>do</strong>” - que também tinha morri<strong>do</strong> sem descendentes.<br />
15
nenhuma traição. Governou durante seis anos à espera de que<br />
seu filho d. Afonso – herdeiro casual da coroa lusa - podesse<br />
atingir a maioridade e virar <strong>rei</strong>, o que se deu em 1662. O novo<br />
<strong>rei</strong> - segun<strong>do</strong> da dinastia bragantina - tinha nasci<strong>do</strong> em 1634 e<br />
era o sexto filho <strong>do</strong> real casal, mas pela morte prematura <strong>do</strong>s<br />
irmãos mais velhos acabou herdan<strong>do</strong> a coroa paterna.<br />
Assumiu com o nome de d. Afonso VI e o seu <strong>rei</strong>na<strong>do</strong>, <strong>do</strong><br />
ponto de vista pessoal, foi particularmente trágico. Foi<br />
cognomina<strong>do</strong> “O Vitorioso” mas sua vida foi um festival de<br />
derrotas e decepções que o levaram a encerrar seus dias preso<br />
num cômo<strong>do</strong> acanha<strong>do</strong> e lúgubre <strong>do</strong> Palácio de Sintra,<br />
afasta<strong>do</strong> <strong>do</strong> trono. To<strong>do</strong> o seu infortúnio começou quan<strong>do</strong> ele<br />
ainda era criança e contraiu uma <strong>do</strong>ença que lhe paralizou o<br />
la<strong>do</strong> di<strong>rei</strong>to <strong>do</strong> corpo e o deixou com uma dificuldade motora<br />
indisfarçável. Seu mo<strong>do</strong> grotesco de se locomover logo foi<br />
atribui<strong>do</strong> a uma certa debilidade mental. Foi aclama<strong>do</strong> <strong>rei</strong> aos<br />
treze anos e coroa<strong>do</strong> em junho de 1662, aos dezenove anos.<br />
Sua coroação, porém, dependeu de um golpe palaciano que<br />
asfastou sua mãe da regência. Ninguém conhecia o filho<br />
melhor <strong>do</strong> que ela e ninguém mais <strong>do</strong> que ela queria continuar<br />
na regência pois tinha acentua<strong>do</strong> receio de que ele não tivesse<br />
condições de governar. É que, além daquela deficiência que<br />
lhe dava um ar meio imbecil, d. Afonso era também adepto<br />
de uma vida de badernas e orgias, especialmente no convento<br />
de Odivelas onde mantinha alegre amizade com Ana de<br />
Moura e Feliciana de Milão, duas f<strong>rei</strong>rinhas verdadeiramente<br />
encapetadas. Mas no seu <strong>rei</strong>na<strong>do</strong>, graças a competência <strong>do</strong>s<br />
marechais portugueses, o país obteve sucessivas vitórias sobre<br />
os exércitos espanhóis, o que veio consolidar defintivamente o<br />
processo da restauração. Daí o cognome de “O Vitorioso”<br />
que d. Afonso recebeu por ironia <strong>do</strong> destino.<br />
Ten<strong>do</strong> começa<strong>do</strong> já aos três anos com aquela terrível<br />
<strong>do</strong>ença que o aleijou para sempre, as vicissitudes de d. Afonso<br />
16
continuaram logo em seguida quan<strong>do</strong> ele tinha nove anos e<br />
sua mãe tentou arranjar-lhe um bom contrato de casamento<br />
nas cortes europeias. Foram quatro tentativas fustradas até<br />
que em 1666, depois de quatorze anos de buscas e já sen<strong>do</strong> ele<br />
<strong>rei</strong>, d. Maria Francisca Isabel de Saboia - a sensualíssima<br />
Mademoiselle d´Aumale - aceitou casar-se com o pobre <strong>rei</strong>.<br />
Não poderia ter ele da<strong>do</strong> maior azar. É que a rainha e d. Pedro<br />
- o irmão caçula <strong>do</strong> <strong>rei</strong> - começaram a namorar debaixo das<br />
suas barbas, encimadas por <strong>do</strong>is notórios cornos nascentes.<br />
Apaixonaram-se e começaram a tramar contra ele, ajuda<strong>do</strong>s<br />
pela própria mãe que continuava disposta a afastar o filho <strong>do</strong><br />
trono, temen<strong>do</strong> pelos destinos de Portugal com um <strong>rei</strong> como<br />
seu filho.<br />
A primeira parte da tenebrosa conspiração consistiu<br />
em anular o casamento para que d. Pedro pudesse desfrutar<br />
com menos contrangimento das intimidades irresistíveis da<br />
cunhada. Alegou-se que o casamento não se tinha consuma<strong>do</strong>,<br />
embora a rainha tivesse chega<strong>do</strong> a anunciar orgulhosamente<br />
que esperava um filho <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> cornu<strong>do</strong>. A anulação das<br />
bodas é por si só um notável escândalo histórico, envolven<strong>do</strong><br />
o papa, o núncio e batinas de menor esplen<strong>do</strong>r, to<strong>do</strong>s<br />
irmana<strong>do</strong>s na conspiração por motivos vários, nenhum,<br />
contu<strong>do</strong>, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de um pingo de dignidade. Ato sequente, d.<br />
Afonso foi pressiona<strong>do</strong> a abdicar em favor <strong>do</strong> irmão. Ten<strong>do</strong><br />
resisti<strong>do</strong> timidamente foi apea<strong>do</strong> <strong>do</strong> poder com uma simples<br />
intimação verbal.<br />
Mas a covardia não justificou a imoralidade da trama.<br />
Corria o ano de 1668 e aí se iniaciaria o ato final da tragédia<br />
pessoal de d. Afonso. D. Pedro assumiu o poder em seu lugar<br />
como príncipe regente e simplesmente casou-se com Maria de<br />
Saboia. Quer dizer, deixou o irmão literalmente liquida<strong>do</strong>,<br />
vagan<strong>do</strong> sozinho qual alma penada. Para completar, d. Afonso<br />
VI foi bani<strong>do</strong> para os Açores onde permaneceu por cinco<br />
17
anos. Quan<strong>do</strong> voltou foi encerra<strong>do</strong> num quartinho infame no<br />
Palácio de Sintra onde viveu mais nove anos tenebrosos,<br />
contemplan<strong>do</strong> o mar ao longe. Alguns autores dizem que ele<br />
morreu envenena<strong>do</strong> e outros dizem que ele morreu<br />
tuberculoso, fulmina<strong>do</strong> pelas frieldades <strong>do</strong>s ventos constantes<br />
da serra de Sintra. Era o dia 12 de setembro de 1683. A partir<br />
daí seu irmão pôde deixar de ser regente e assumir como o <strong>rei</strong><br />
d. Pedro II, terceiro da Dinastia de Bragança. Ele nos é muito<br />
familiar pois foi no seu <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> que se descobriu aquelas ricas<br />
faisqueiras de ouro <strong>do</strong> Brasil que fizeram as delícias <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no<br />
de seu filho d. João V. Também é muito conheci<strong>do</strong> por ter<br />
consegui<strong>do</strong>, finalmente, que a Espanha reconhecesse a<br />
independência de Portugal.<br />
Sucedeu a d. Pedro II, d. João que, também, como<br />
segun<strong>do</strong> filho, não chegou a ser duque de Bragança. Seu irmão<br />
mais velho, o príncipe <strong>do</strong> Brasil, duque de Bragança e herdeiro<br />
<strong>do</strong> trono, morreu antes de completar um ano. De sorte que<br />
ele assumiu o <strong>rei</strong>no de Portugal como d. João V, quarto <strong>rei</strong> da<br />
Dinastia de Bragança e o mais notável deles. Ele foi<br />
exagera<strong>do</strong> em tu<strong>do</strong>, até nos cognomes. Oficialmente era<br />
chama<strong>do</strong> “O Magnânimo”, os historia<strong>do</strong>res o chamaram de<br />
“Rei Sol Português” e os viperinos o chamaram de “O<br />
F<strong>rei</strong>rático” da<strong>do</strong> sua incontrolável compulsão pelo que as<br />
f<strong>rei</strong>ras escondiam debaixo <strong>do</strong>s pesa<strong>do</strong>s vesti<strong>do</strong>s. Nasceu e<br />
morreu na velha Lisboa, respectivamente em 22 de outubro de<br />
1689 e 31 de julho de 1750. Pela morte <strong>do</strong> irmão mais velho<br />
foi então proclama<strong>do</strong> príncipe herdeiro e tornou-se <strong>rei</strong> em 09<br />
de novembro de 1706, subin<strong>do</strong> efetivamente ao trono em<br />
janeiro de 1707. Aí começaria um <strong>do</strong>s perío<strong>do</strong>s mais gloriosos<br />
da história de Portugal, para muitos um perío<strong>do</strong> de grande<br />
desperdício de oportunidades, quan<strong>do</strong> o <strong>rei</strong> perdeu a grande<br />
18
chance de tornar o país novamente uma das grandes potências<br />
da Europa.<br />
D. João V era refina<strong>do</strong> e sua ostentação, como não<br />
poderia deixar de ser, já começou na cerimonia de coroação.<br />
Era admira<strong>do</strong>r fervoroço <strong>do</strong>s hábitos franceses e quis trazer<br />
seus requintes para dentro de um novo e volúvel Portugal.<br />
Dizem que ele era meio moleirão, quer dizer, passava uma<br />
impressão de que estava sempre morren<strong>do</strong> de preguiça. Era<br />
muito dependente da opinião <strong>do</strong>s seus conselheiros,<br />
facilmente influenciável pelos principais da Corte: o cardeal da<br />
Cunha, os arcebispos de Lisboa e de Évora, os duques de<br />
Cadaval , os condes de Calheta, Castelo Melhor, São Vicente,<br />
Vila Verde, o conde Meirinho-Mor, de Aveiras, o de Avintes;<br />
os marqueses das Minas, de Fronteira, de Cascais, de Alegrete.<br />
Muita gente dan<strong>do</strong> palpite pois havia muito dinheiro para<br />
gastar.<br />
Como dito, d. João V a<strong>do</strong>rava imprimir desmedida<br />
magnificência às solenidades reais e mostrar seu esplen<strong>do</strong>r à<br />
Europa. Assim, seu casamento com a arquiduquesa austríaca<br />
Maria Ana Josefa Antônia, não podia ser nada menos <strong>do</strong> que<br />
inesquecível. Era ela filha <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r Leopol<strong>do</strong> da Áustria e<br />
de Eleonora Madalena Teresa de Neuburg-Wittelsburgo.<br />
Tinha vários predica<strong>do</strong>s, mas o mais patente de seus atributos<br />
era mesmo a sua notória feiura.<br />
O <strong>rei</strong> casou em Lisboa e, segun<strong>do</strong> os cronistas da<br />
época, houve preparações extraordinárias para a bênção<br />
nupcial. Aliás o esplen<strong>do</strong>r já começou na viagem de d.<br />
Mariana para Lisboa quan<strong>do</strong> foi escoltada por uma armada<br />
formada por quatorze naus de guerra.<br />
Dois anos se passaram sem que o real casal gerasse<br />
filhos. Pode até ser que d. João estivesse meio desestimula<strong>do</strong><br />
por causa da feiura da esposa. Mas qualquer que fosse o<br />
impecilho, ele foi removi<strong>do</strong> por santo Antônio que se<br />
19
sensibilizou com as preces <strong>do</strong> <strong>rei</strong> – aliás, grande devoto das<br />
santidadades em geral - e abençoou a rainha com nada menos<br />
<strong>do</strong> que cinco filhos. Em reconhecimento o <strong>rei</strong> teria manda<strong>do</strong><br />
construir o maravilhoso Palácio/Convento de Mafra que seria<br />
inaugura<strong>do</strong> pelo próprio papa Bento XIV, ofician<strong>do</strong> missa sob<br />
o magnífico duomo de mármores multicolori<strong>do</strong>s da capela <strong>do</strong><br />
palácio.<br />
Dizem que o papa recebeu de d. João V presentes<br />
maravilhosos, especialmente diamantes <strong>do</strong> Brasil grandes<br />
como ovos de ema. Em troca foi agracia<strong>do</strong> com o honroso<br />
título de Sua Majestade Fidelíssima. Isso era tu<strong>do</strong> o que ele<br />
queria pois o título o igualava à Sua Majestade Católica o <strong>rei</strong> da<br />
Espanha e Sua Majestade Cristianíssima o <strong>rei</strong> de França. E não<br />
parou por aí. Conseguiu também que sua santidade elevasse a<br />
Sé de Lisboa à dignidade de patriarca<strong>do</strong>, condição que a<br />
igualava a Roma e Veneza. Enfim, no <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> de d. João V a<br />
velha capital <strong>do</strong>s portugueses se igualou às grandes metropoles<br />
europeias. Mesmo porque, o <strong>rei</strong> foi um grande estimula<strong>do</strong>r<br />
das coisas <strong>do</strong> espírito e no seu <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> o barroco português<br />
ganhou notável identidade.<br />
No campo da arquitetura e obras públicas o <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> de<br />
d. João V é lembra<strong>do</strong> pela construção <strong>do</strong> aqueduto de Lisboa<br />
e o já menciona<strong>do</strong> Palácio/Convento de Mafra. O <strong>rei</strong> também<br />
é lembra<strong>do</strong> pela saúde instável e, em 1744, um provável<br />
derrame cerebral paralizou o seu la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> e o deixou<br />
com uma horrível “boca torta”. Esse acidente prejudicou<br />
tremendamente sua capacidade de governar, abrin<strong>do</strong> espaço<br />
para que isso passasse de fato a ser feito pelo seu ministério<br />
onde, inclusive, prestava relevantes serviços o brasileiro<br />
Alexandre de Gusmão.<br />
20
D. João V morreu em 1750. Sucedeu-o seu filho d.<br />
José I que também não era duque de Bragança pois era o<br />
terceiro filho na linha <strong>do</strong> trono e, para manter a tradição, só se<br />
tornou herdeiro com a morte de seu irmão mais velho Pedro<br />
de Bragança.<br />
José Francisco Antônio Inácio Norberto Agostinho de<br />
Bragança – para sua eterna grandesa chama<strong>do</strong> minudamente<br />
de o Reforma<strong>do</strong>r - nasceu a 06 de junho de 1814 e sua vida<br />
está marcada por <strong>do</strong>is fatos contundentes: o terremoto de<br />
Lisboa ocorri<strong>do</strong> em 1 de novembro de 1755 e a ascensão ao<br />
poder de Sebastião José de Carvalho e Melo - o marques de<br />
Pombal. D. José assustou-se tanto com o terremoto que<br />
entregou as rédeas <strong>do</strong> governo ao marquês e passou a viver<br />
em certa ociosidade e liberdade, habitan<strong>do</strong> uma espécie de<br />
palácio de tendas, cultivan<strong>do</strong> uma biografia um tanto ou<br />
quanto mo<strong>do</strong>rrenta até morrer, o que se deu em 1777.<br />
O marques de Pombal garantiu uma relativa boa vida<br />
para o <strong>rei</strong> d. José reconstruin<strong>do</strong> Lisboa e destruin<strong>do</strong> as casas<br />
nobres mais rebeldes de Portugal, liquidan<strong>do</strong> o duque de<br />
Aveiro e o marques da Távora e implantan<strong>do</strong> um cômo<strong>do</strong><br />
governo para si mesmo sob sóli<strong>do</strong>s pilares absolutistas.<br />
D. José teve quatro filhas todas de nome Maria. De<br />
sorte que não teve jeito de uma Maria não assumir o trono<br />
deixa<strong>do</strong> pelo pai. Essa veio a ser a primeira rainha da Dinastia<br />
de Bragança. Chamava-se Maria Francisca Isabel Josefa<br />
Antônia Gertrude Rita Joana, nascida a 17 de dezembro de<br />
1734. Foi a primeira princesa <strong>do</strong> Brasil e duquesa de Bragança<br />
a assumir efetivamente o trono que originalmente lhe cabia,<br />
pois sobreviveu ao pai, coisa que não aconteceu com seus<br />
reais antecessores e nem aconteceria com seu sucessor já que<br />
seu primogênito d. José também não sobreviveria a ela<br />
propician<strong>do</strong> que seu outro filho – o futuro d. João VI - viesse<br />
a assumir o trono.<br />
21
D. Maria era conhecida também como A Pie<strong>do</strong>sa ou A<br />
Louca. No primeiro caso devi<strong>do</strong> a sua acentuada carolice e no<br />
segun<strong>do</strong> devi<strong>do</strong> a indisfarçável demência que tomou conta<br />
dela a partir de 1792, o que abriu caminho para a regência e<br />
posterior <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> de seu filho João. E ei-lo: nosso d. João VI -<br />
O Clemente, filho de D. Maria I e de seu mari<strong>do</strong> e tio, o <strong>rei</strong><br />
consorte d. Pedro III. Nasceu em Lisboa em 13 de maio de<br />
1767 com o nome completo de João Maria José Francisco<br />
Xavier de Paulo Luis Antônio Domingos Rafael de Bragança<br />
e, já de berço e sem especial esforço, marca<strong>do</strong> pela graça de<br />
herdar os títulos de oitavo príncipe da Beira e <strong>do</strong> Brasil,<br />
vigésimo primeiro duque de Bragança, décimo oitavo duque<br />
de Guimarães, décimo sexto duque de Barcelos, vigésimo<br />
marques de Vila Viçosa, vigésimo quarto conde de Arraiolos,<br />
vigésimo segun<strong>do</strong> conde de Ourem e de Barcelos, de Faria e<br />
de Neiva; grão-prior <strong>do</strong> Crato e senhor da Casa <strong>do</strong> Infanta<strong>do</strong>.<br />
E mais: grão-mestre das ordens militares de Cristo, Avis, São<br />
Tiago da Espada, da Torre e Espada, da Ordem de São João<br />
de Jerusalém e agracia<strong>do</strong> com as Grão-cruzes de N. S. da<br />
Conceição, Cavaleiro da Ordem <strong>do</strong> Tosão de Ouro. E mais<br />
ainda, mun<strong>do</strong> a fora, agracia<strong>do</strong> com as cruzes das Ordens de<br />
Carlos III, São Fernan<strong>do</strong> e Isabel A Católica na Espanha; <strong>do</strong><br />
Santo Espírito, São Luiz, São Miguel e da Legião Estrangeira<br />
na França; de Leopol<strong>do</strong> na Áustria; de Santo Estevão na<br />
Hungria; da Coroa de Ferro na Itália; das de Santo André, S.<br />
Alexandre Neviski e de Sant’Ana na Rússia; cavaleiro da<br />
Ordem Inglesa da Charreteira, Grãocruz <strong>do</strong> Elefante da<br />
Dinamarca, <strong>do</strong> Leão Neerlandes <strong>do</strong>s países baixos e da Águia<br />
Negra da Prússia.<br />
D. João teria preferi<strong>do</strong> pela vida toda ser um simples<br />
infante, príncipe pacato a desfrutar das artes e da boa mesa,<br />
longe da política e <strong>do</strong>s aborrecimentos <strong>do</strong> poder, passean<strong>do</strong><br />
22
pelo Palácio de Mafra, tal qual gostava de fazer seu bisavô d.<br />
João V quan<strong>do</strong> não estava gastan<strong>do</strong> as riquezas <strong>do</strong> Brasil <strong>do</strong><br />
alto <strong>do</strong> seu trono. Mas no fatídico dia 11 de setembro de 1788<br />
seu irmão mais velho d. José morreu de tifo e ele passou a ser<br />
o príncipe <strong>do</strong> Brasil, quer dizer, herdeiro da coroa <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no<br />
Uni<strong>do</strong> de Portugal e Algarve.<br />
É com o pláci<strong>do</strong> d. João que começa a nossa história<br />
que, de fato, não é dele mas de seu inquieto filho Pedro de<br />
Alcântara, o futuro impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil. Mas antes de<br />
passarmos a tratar mais diretamente das nossas principais<br />
personagens, vamos ver um pouco mais da história geral <strong>do</strong>s<br />
Bragança, cheia de maledicências e reprovações. Deles se dizia<br />
que tinham certas fixações condenáveis. Alguns historia<strong>do</strong>res<br />
gostam de afirmar que a dinastia degenerou-se ao longo <strong>do</strong><br />
tempo devi<strong>do</strong> ao costume exagera<strong>do</strong> de contraírem<br />
casamentos consangüíneos. Isso teria contribuí<strong>do</strong> para<br />
imprimir uma característica terrível à indigitada estirpe. Para<br />
esses historia<strong>do</strong>res a tal prática de risco teria <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> os<br />
descendentes <strong>do</strong>s potenta<strong>do</strong>s de Vila Viçosa e seus parentes<br />
colaterais de uma inexorável tendência à debilidade física e<br />
mental. Mas nem a conseqüência, nem a suposta causa<br />
resistem ao detalhe. Se formos observar os cruzamentos<br />
genealógicos da família Bragança vamos concluir que a prática<br />
não era tão exagerada assim. Pelo menos durante o tempo em<br />
a dinastia ocupou o trono de Portugal. Está certo que a<br />
solução política representada pela a<strong>do</strong>ção <strong>do</strong>s matrimônios<br />
endógenos era a<strong>do</strong>tada até com uma certa facilidade no seio<br />
da última dinastia portuguesa. Mas na Espanha era pior. O <strong>rei</strong><br />
Fernan<strong>do</strong> VII, por exemplo, teve quatro esposas dentre as<br />
quais uma prima e duas sobrinhas sen<strong>do</strong> uma delas, por sinal,<br />
uma Bragança. Seu irmão d. Carlos casou com uma sobrinha,<br />
23
também Bragança e, após a morte desta, casou com outra<br />
sobrinha que, por sinal, era irmã da primeira.<br />
Em Espanha, dizem os historia<strong>do</strong>res que o exagero da<br />
prática <strong>do</strong>s casamentos consangüíneos <strong>do</strong>tou os Burbon<br />
espanhóis de uma compulsão à melancolia.<br />
No caso <strong>do</strong>s Bragança, nos duzentos anos que<br />
separam o <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> d. João IV <strong>do</strong> de d. Pedro II <strong>do</strong> Brasil,<br />
ocorreram seis casos de resvalos incestuosos, sen<strong>do</strong> cinco<br />
casos de casamentos de tios com sobrinhos e um de<br />
casamento entre primos. 4 Tais casamentos uniram d. Maria<br />
Bárbara com o tio d. Fernan<strong>do</strong> VI <strong>rei</strong> da Espanha, d. Maria I<br />
com o tio d. Pedro III, d. Maria Francisca Benedita com o<br />
sobrinho d. José, d. Maria Isabel com o tio Fernan<strong>do</strong> VII -<br />
também <strong>rei</strong> da Espanha, d. Maria Francisca com o tio Carlos<br />
de Burbon da Espanha. Há ainda o interessante caso de d.<br />
Maria Teresa que depois de enviuvar de seu primo d. Pedro<br />
Carlos da Espanha casou com o tio Carlos de Burbon que,<br />
por sua vez, tinha enviuva<strong>do</strong> de d. Maria Francisca, irmã da<br />
segunda esposa. D. Maria II também se casou com o tio d.<br />
Miguel, mas as bodas nem saíram <strong>do</strong> papel.<br />
Desses casamentos, apenas o de d. Maria I com o tio<br />
d. Pedro, gerou frutos dura<strong>do</strong>uros para a Coroa Portuguesa.<br />
Portanto, os genes degenera<strong>do</strong>s no trono de Portugal, se os<br />
houve, nem tiveram muito tempo de se disseminar. E se o<br />
tiveram nem provocaram tantos danos assim.<br />
4<br />
Há uma concentração de casos na família de d. João VI que, por<br />
conta da sua política de evitar conflitos com a Espanha, tinha<br />
fixação em arranjar casamentos de suas filhas com varões da família<br />
real espanhola. Como d. Carlota Joaquina era também uma princesa<br />
espanhola to<strong>do</strong>s esses casamentos acabavam envolven<strong>do</strong> tios,<br />
sobrinhos e primos.<br />
24
Também não tem subsistência o estigma da saúde<br />
debilitada <strong>do</strong>s Bragança. Uma espiada no histórico médico <strong>do</strong>s<br />
<strong>rei</strong>s, príncipes e princesas da família, mostra isso. É<br />
perfeitamente compatível com a realidade médica e sanitária<br />
da época em que viveram. A maioria <strong>do</strong>s monarcas<br />
bragantinos ultrapassaram os cinqüenta anos de idade e d.<br />
Maria I, apesar da loucura, morreu com oitenta e <strong>do</strong>is anos.<br />
Também não há uma <strong>do</strong>ença grave característica daquela<br />
gente. A própria epilepsia, que tanto achacou o impera<strong>do</strong>r d.<br />
Pedro I, parece ter si<strong>do</strong> atávica, sem registros particularmente<br />
notáveis em outros membros da família, exceto<br />
esporadicamente. 5<br />
D. João IV morreu de um ataque violento de gota, d.<br />
Afonso VI morreu tuberculoso, d. Pedro II morreu de<br />
complicações no fíga<strong>do</strong>, d. João V morreu talvez de um AVC,<br />
d. José morreu não se sabe bem de que, d. Maria I morreu de<br />
velhice, d. João VI morreu envenena<strong>do</strong>, d. Pedro I morreu de<br />
excessos generaliza<strong>do</strong>s, sua filha d. Maria II morreu de<br />
excesso de partos e seu filho d. Pedro II morreu de<br />
pneumonia no meio <strong>do</strong>s ventos gela<strong>do</strong>s de Paris ainda<br />
desabitua<strong>do</strong> à falta <strong>do</strong> sol <strong>do</strong> Brasil.<br />
É certo que muitos príncipes da família morreram<br />
ainda crianças, mas um alto índice de mortalidade infantil era<br />
típico daqueles tempos, mesmo no conforto bem nutri<strong>do</strong> e<br />
supostamente salubre das cortes. 6<br />
5 Houve um caso que, apesar de pontual, foi especialmente trágico. Logo<br />
trataremos dele.<br />
6 Alguns morreram, já adultos, de <strong>do</strong>enças contagiosas como varíola e tifo<br />
e até assassina<strong>do</strong>s, como veremos a seguir .<br />
25
Na verdade, se formos buscar um traço<br />
verdadeiramente marcante da história pessoal da família<br />
Bragança, talvez tenhamos muita mais chance de encontrá-lo<br />
no, digamos, destino <strong>do</strong> que na genética. Falo das tragédias<br />
familiares que muitos deles amargaram e que, a bem da<br />
verdade, a maioria soube contornar com serenidade. A<br />
lembrar, em primeiro lugar, as mortes prematuras de d.<br />
Teodósio e de d. José, casos extremos <strong>do</strong> estigma da morte<br />
<strong>do</strong>s príncipes herdeiros que tantas vítimas fez entre os<br />
Bragança.<br />
D. Teodósio, filho mais velho de d. João IV, era<br />
considera<strong>do</strong> um jovem brilhante, versa<strong>do</strong> nas artes e com<br />
precoce habilidade política. Estava sen<strong>do</strong> prepara<strong>do</strong><br />
orgulhosamente pela corte para assumir o trono restaura<strong>do</strong><br />
mas uma tuberculose o matou aos dezenove anos e foi aí que<br />
a coroa foi parar no colo de d. Afonso de Bragança,<br />
desprepara<strong>do</strong> e considera<strong>do</strong> mentalmente limita<strong>do</strong>, como<br />
comentamos. A história se repetiria duas gerações mais tarde<br />
com d. José, filho de d. Maria I, príncipe herdeiro igualmente<br />
brilhante e igualmente morto precocemente, nesse caso de<br />
varíola. Desta vez a coroa caiu no colo <strong>do</strong> futuro d. João VI,<br />
para muitos, tão desprepara<strong>do</strong> quanto tinha si<strong>do</strong> d. Afonso<br />
VI. A morte <strong>do</strong> príncipe d. José deixou desnorteadas duas<br />
mulheres: sua mãe e a tia que, além de tia, veio a ser também<br />
sua viúva desconsolada. Coitadas, nenhuma das irmãs teve<br />
força para consolar a outra e levaram a mágoa para o túmulo.<br />
Há um outro caso notável de desconsolo. É o caso de<br />
d. Fernan<strong>do</strong> VI <strong>rei</strong> da Espanha que não era Bragança mas<br />
também foi atingi<strong>do</strong>, de tabela, pelas tragédias bragantinas.<br />
Ele foi aquele outro <strong>rei</strong> espanhol casa<strong>do</strong> com uma infanta<br />
26
portuguesa. No caso d. Maria Bárbara, filha de d. João V 7 . A<br />
morte prematura da esposa deixou-o tão melancólico que ele<br />
veio a enlouquecer e morrer de amor, exatamente um ano<br />
após o falecimento de Maria Bárbara. Caso idêntico ao de d.<br />
Maria I que teve na morte <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>-tio outra das causas da<br />
sua ruína mental.<br />
Existem ainda outras tragédias na história <strong>do</strong>s<br />
Bragança, inclusive um duplo regicídio. É o caso de d. Carlos<br />
I que foi assassina<strong>do</strong> num atenta<strong>do</strong> juntamente com o<br />
príncipe herdeiro d. Luiz Felipe quan<strong>do</strong> passava em<br />
carruagem aberta pela praça <strong>do</strong> Comércio em Lisboa.<br />
Há também o caso <strong>do</strong>s três filhos de d. Maria II que<br />
morreram de tifo, um após o outro, inclusive o <strong>rei</strong> d. Pedro V.<br />
Para sorte dela - se é que se pode dizer assim - ela já havia<br />
morri<strong>do</strong> muito antes, aos trinta e quatro anos, em seu décimo<br />
primeiro parto subseqüente, com intervalos de um ano.<br />
Mas a mais tenebrosa das tragédias que atormentaram<br />
a indigitada família aconteceu com Maria Isabel de Bragança,<br />
aquela mesma, filha de d. João VI, que casou com o tio <strong>rei</strong> da<br />
Espanha. A pobre rainha já tinha perdi<strong>do</strong> o primeiro filho e<br />
estava grávida <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> sofreu um ataque epilético<br />
e caiu em coma profun<strong>do</strong>. O médico, julgan<strong>do</strong>-a morta, abriulhe<br />
o ventre tentan<strong>do</strong> salvar a criança. A <strong>do</strong>r lacerante da<br />
incisão desajeitada despertou a pobre mãe aos gritos<br />
apavora<strong>do</strong>s. Acabaria morren<strong>do</strong> logo depois debaixo de<br />
intenso sofrimento, esvain<strong>do</strong>-se em sangue. A criança também<br />
não se salvou.<br />
7 Não confundir com d. Maria Isabel, filha de d. João VI, que, anos<br />
depois, também se casaria com um tio, nesse caso, Fernan<strong>do</strong> VII,<br />
também <strong>rei</strong> espanhol.<br />
27
Manias<br />
Mas os Bragança não se quedaram inertes à espera das<br />
crueldades <strong>do</strong> destino. Também trabalharam para deixar um<br />
lega<strong>do</strong> material que os notabilizassem. Quer dizer, também<br />
tinham lá suas manias. Entre elas é justo alinhar a mania de<br />
construir palácios e de formar livrarias. Sem falar na sua<br />
compulsão para a música, da qual d. Pedro I veio a ser o<br />
exemplo mais robusto.<br />
Quan<strong>do</strong> o terremoto de Lisboa botou abaixo o Paço<br />
da Ribeira, sepultou com ele o extraordinário acervo da<br />
“Livraria Real”. Tratava-se de um monumental conjunto de<br />
memórias das glórias históricas e literárias portuguesas,<br />
inseri<strong>do</strong>s em vários <strong>do</strong>cumentos preciosos: manuscritos,<br />
mapas, ilustrações e livros. Havia nada menos <strong>do</strong> que setenta<br />
mil volumes, ordena<strong>do</strong>s metodicamente em artísticas estantes<br />
de madeira nobre. O acervo tinha si<strong>do</strong> forma<strong>do</strong> ao longo de<br />
duzentos anos, desde os primórdios da dinastia de Avis. Mas<br />
foram os Bragança que mais se empenharam em tornar a dita<br />
livraria uma das mais notáveis da Europa, especialmente d.<br />
João V. O incremento começou já com o funda<strong>do</strong>r da<br />
dinastia – d. João IV – que tomou a iniciativa de transferir<br />
para Lisboa, to<strong>do</strong>s os livros que possuía em Vila Viçosa. O<br />
acervo bragantino se destacava pela coleção de obras musicais,<br />
já que, como demos notícia, o “Restaura<strong>do</strong>r” tinha notável<br />
talento para a música. Seu neto - d. João V - não só aumentou<br />
o acervo como modernizou e melhorou as instalações da<br />
biblioteca. A livraria ocupava local nobre, instalada no torreão<br />
<strong>do</strong> palácio. As estantes, de ébano e jacarandá, eram<br />
organizadas “como ruas” e o piso reluzia na polidez de fino<br />
mármore. O conjunto decorativo formava uma agradável peça<br />
barroca, como o <strong>rei</strong> tanto prezava. Havia uma sala específica<br />
28
para as obras de música, com seis mil volumes. D. João V<br />
contratou equipes de bibliófilos e bibliotecários que saíram a<br />
garimpar obras por toda a Europa. Ao final de seu <strong>rei</strong>na<strong>do</strong>, o<br />
<strong>rei</strong> sol português deixou no Paço da Ribeira uma das melhores<br />
bibliotecas da Europa. Também não se esqueceu de <strong>do</strong>tar o<br />
Palácio/Convento de Mafra de outra magnífica livraria. Esta<br />
com sessenta mil volumes que lá ainda estão, dispostos em<br />
magníficas estantes de madeira pintada que se erguem até o<br />
teto.<br />
D. José I, empurra<strong>do</strong> pelo fascínio <strong>do</strong>s Bragança pelas<br />
livrarias e ajuda<strong>do</strong> pela fibra de Pombal, logo tratou de incluir<br />
a reconstrução da Real Livraria entre as prioridades <strong>do</strong><br />
soerguimento de Lisboa depois <strong>do</strong> cataclismo sísmico. A nova<br />
biblioteca foi instalada num edifício de pedras, junto à Real<br />
Barraca, no Alto da Ajuda. No princípio o acervo era<br />
modesto, constituí<strong>do</strong> de confiscos feitos em bibliotecas de<br />
conventos e mosteiros. Mesmo assim, continha peças<br />
preciosas, especialmente entre os exemplares toma<strong>do</strong>s aos<br />
zelosos jesuítas, grandes educa<strong>do</strong>res e liv<strong>rei</strong>ros. Mas, logo em<br />
seguida, d. José partiu para aquisições de coleções privadas,<br />
especialmente de nobres arruina<strong>do</strong>s pelos estragos que o<br />
terremoto tinha feito em seus palácios. 8 Muitos estudiosos e<br />
coleciona<strong>do</strong>res também acabaram convenci<strong>do</strong>s a fazer<br />
<strong>do</strong>ações à nova biblioteca, com destaque para o abade Diogo<br />
Barbosa Macha<strong>do</strong> que transferiu sua coleção de cerca de seis<br />
mil volumes para a nova livraria <strong>do</strong> <strong>rei</strong>, em troca de uma<br />
modesta pensão anual com que pudesse viver até o fim da<br />
vida. Enfim, ao morrer, d. José pôde deixar um bom<br />
8<br />
O <strong>rei</strong> se ocupou pessoalmente das principais negociações, o que denota a<br />
importância que dava ao assunto.<br />
29
ecomeço para a livraria destruída pelo terremoto. Com sua<br />
filha a política <strong>do</strong>s livros mu<strong>do</strong>u um pouco. É que d. Maria I<br />
também queria ter seu nome liga<strong>do</strong> à fundação de alguma<br />
biblioteca. Assim, em lugar de continuar a obra <strong>do</strong> pai,<br />
resgatan<strong>do</strong> a glória da Livraria Real; preferiu investir na<br />
Biblioteca Pública de Lisboa. Desta forma, aos auspícios da<br />
rainha, esta veio a ter um acervo maior <strong>do</strong> que o da biblioteca<br />
real. As instalações também eram melhores o que levava à<br />
suspeita de que a livraria <strong>do</strong> Palácio da Ajuda entrara em<br />
decadência no <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> de d. Maria I.<br />
D. João VI, não chegou a ficar conheci<strong>do</strong> como um<br />
grande incentiva<strong>do</strong>r de bibliotecas. Mas não se deve deixar de<br />
reconhecer que a Real Livraria tinha grande valor para ele,<br />
senão não teria ti<strong>do</strong> tanto empenho em transferi-la para o<br />
Brasil quan<strong>do</strong> aqui veio instalar o seu governo. Até pode ter<br />
pensa<strong>do</strong> em levá-la de volta quan<strong>do</strong> retornou, mas não teria<br />
ti<strong>do</strong> coragem para tanto, estan<strong>do</strong> os brasileiros tão<br />
aborreci<strong>do</strong>s com sua volta.<br />
Palácios são os monumentos preferi<strong>do</strong>s em to<strong>do</strong> canto<br />
<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> para perpetuar as glórias <strong>do</strong>s nobres. Sim, pois toda<br />
dinastia gosta de marcar sua passagem pela terra através de<br />
símbolos dura<strong>do</strong>uros, de preferência talha<strong>do</strong>s em granito,<br />
mármore ou bronze. Com os Bragança não foi diferente. Eles<br />
a<strong>do</strong>ravam construir palácios. Nunca, contu<strong>do</strong>, conseguiriam<br />
alinhar suas reais vivendas entre as mais notáveis da Europa.<br />
A Corte Portuguesa da dinastia de d. João IV jamais deixaria<br />
de ser vista como acanhada, antiquada e meio caipira, distante<br />
da aura gloriosa <strong>do</strong>s grandes <strong>rei</strong>nos europeus e seus<br />
magníficos monumentos renascentistas, barrocos ou rococós.<br />
O primeiro palácio real ocupa<strong>do</strong> efetivamente pelos<br />
<strong>rei</strong>s da dinastia bragantina foi o Palácio da Ribeira, aliás<br />
30
herda<strong>do</strong> da dinastia anterior. O palácio começou a ser<br />
construí<strong>do</strong> por iniciativa de d. Manuel I - da Casa de Avis -<br />
<strong>do</strong>is anos antes <strong>do</strong> descobrimento <strong>do</strong> Brasil. Sua construção,<br />
no formato inicial, durou apenas dez anos, até porque a<br />
edificação era muito simples, tocada em regime de austeridade<br />
e pragmatismo. Na verdade, a ideia não era simplesmente a de<br />
edificar uma nova residência para a família real mas, também,<br />
criar um complexo administrativo em torno <strong>do</strong> <strong>rei</strong>. Ficava na<br />
praça fronteiriça ao Tejo e, de certa forma, representava o<br />
ponto de partida de onde se podia alcançar administrativa e<br />
militarmente a to<strong>do</strong>s os cantos <strong>do</strong> vasto império português,<br />
agora acresci<strong>do</strong> <strong>do</strong> bom quinhão representa<strong>do</strong> por sua nova e<br />
vasta colônia da América. De sorte que, em 1510, o palácio já<br />
se prestava às suas múltiplas utilidades. Abrigava também as<br />
principais secretarias <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no. No segun<strong>do</strong> andar abria-se<br />
uma confortável galilé de onde o <strong>rei</strong> podia examinar o<br />
movimento <strong>do</strong> porto e conferir a dinâmica <strong>do</strong> estaleiro e <strong>do</strong><br />
comércio das especiarias. Mas nessa fase, como dito, a<br />
construção era muito singela, apesar de simbolizar a cabeça de<br />
um império que alcançava os quatro cantos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Assim,<br />
era objeto freqüente de críticas, especialmente no juízo <strong>do</strong>s<br />
visitantes estrangeiros. Apesar disso, ficou mais dez anos sem<br />
sofrer qualquer melhoria. Só depois que o filho de d. Manuel,<br />
d. João III subiu ao trono é que se deram as primeiras<br />
iniciativas para tornar o palácio digno <strong>do</strong> fausto português<br />
daqueles tempos. As melhorias, contu<strong>do</strong>, foram mais de<br />
natureza funcional <strong>do</strong> que artística, resultan<strong>do</strong> daí que o<br />
palácio foi amplia<strong>do</strong> mas não foi embeleza<strong>do</strong>. O sucessor de<br />
d. João, d. Sebastião não teve muito tempo para se incomodar<br />
com o palácio pois ficou o tempo to<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu curto <strong>rei</strong>na<strong>do</strong><br />
ocupa<strong>do</strong> com a ideia de partir para o Oriente à frente de uma<br />
cruzada para libertar a Terra Santa das garras <strong>do</strong>s infiéis.<br />
Como não voltou dessa louca aventura, também não teve mais<br />
31
ninguém da sua estirpe para se preocupar com o palácio pois,<br />
como não deixou herdeiros, estava extinta a Dinastia de Avis.<br />
Assim a coroa portuguesa foi cair no colo <strong>do</strong> <strong>rei</strong> da<br />
Espanha – Felipe II – e foi ele que teve a primeira iniciativa de<br />
agregar melhorias ao edifício. Foi dele a ideia de <strong>do</strong>tar o<br />
palácio de um imponente torreão, obra <strong>do</strong> arquiteto italiano<br />
Felipe Terzi, especialista na construção de fortalezas,<br />
resultan<strong>do</strong> daí a postura um tanto militar <strong>do</strong> torreão,<br />
guardan<strong>do</strong> a passagem <strong>do</strong> Tejo.<br />
Começa a Dinastia de Bragança e o Palácio da Ribeira<br />
continuaria mal fala<strong>do</strong>, pelo menos até os tempos de d. João<br />
V. Havia uma quase unanimidade de opiniões de que o paço<br />
da Ribeira era, mais ou menos, um amontoa<strong>do</strong> de pedras,<br />
robusto mas sem nenhuma elegância. O <strong>rei</strong>-sol português,<br />
contu<strong>do</strong>, não mexeu muito no aspecto externo da pesada<br />
construção, concentran<strong>do</strong> seu projeto de melhorias em <strong>do</strong>tar<br />
o palácio de um pouco mais de conforto e luxo. Assim<br />
construiu uma magnífica capela e um grande teatro, além de<br />
entulhar os aposentos reais de muita prataria, tapeçaria, obras<br />
de arte e móveis ao gosto francês, como era <strong>do</strong> seu jeito. Mas<br />
nada de melhorar o palácio como um to<strong>do</strong>.<br />
D. José I, o filho de d. João V, se limitou a concluir o<br />
projeto <strong>do</strong> teatro idealiza<strong>do</strong> pelo pai e foi nesse esta<strong>do</strong> que, no<br />
dia 1º de novembro de 1755, o terremoto de Lisboa botou o<br />
Palácio da Ribeira abaixo, arrasan<strong>do</strong> a construção que abrigava<br />
os <strong>rei</strong>s de Portugal havia já duzentos e cinqüenta anos. Por<br />
mera obra <strong>do</strong> acaso, nesse dia d. José I se encontrava na<br />
quinta de Belém onde o terremoto chegou com pouca<br />
intensidade. Mas o <strong>rei</strong> foi toma<strong>do</strong> de tal pavor com a<br />
hecatombe que nunca mais quis saber de habitar um palácio<br />
de verdade, ainda mais no centro de Lisboa, região<br />
especialmente vulnerável a terremotos. De sorte que ele<br />
32
esolveu permanecer em Belém. Chamou o futuro marques de<br />
Pombal e encarregou-o de construir uma tenda suntuosa no<br />
local da quinta de Belém e que veio dar lugar ao segun<strong>do</strong><br />
palácio residencial <strong>do</strong>s <strong>rei</strong>s da Dinastia de Bragança. Era<br />
chamada de “A Real Barraca”. Apesar de ser apenas uma<br />
tenda, a construção demorou seis anos. D. José ali morou até<br />
morrer em 1777, quan<strong>do</strong> a tal barraca foi aban<strong>do</strong>nada como<br />
residência real. Em 1794 um incêndio consumiu rapidamente<br />
a singular edificação já que ela era construída de pano e<br />
madeira. Quer dizer, podia prevenir os danos que um<br />
terremoto pudesse causar mas era extraordinariamente<br />
inflamável.<br />
D. João V não investiu muito no Palácio da Ribeira<br />
também porque se viu obriga<strong>do</strong> a cumprir uma promessa<br />
dispendiosa. Acontece que, como já contamos de passagem,<br />
sua esposa - d. Mariana - já lá se iam três anos de consumação<br />
e reconsumação <strong>do</strong> casamento, ainda não tinha consegui<strong>do</strong><br />
emprenhar, deixan<strong>do</strong> to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> muito apreensivo. Foi aí<br />
que f<strong>rei</strong> Antônio de São José sugeriu que ele fizesse uma<br />
promessa tenta<strong>do</strong>ra. O <strong>rei</strong> concor<strong>do</strong>u e foi logo prometen<strong>do</strong><br />
construir um portentoso convento, caso sua esposa viesse a<br />
engravidar. Fez a sua parte di<strong>rei</strong>tinho e não demorou muito a<br />
obter a graça. Ficou tão agradeci<strong>do</strong> que resolveu ampliar o<br />
prometi<strong>do</strong> e construir um complexo luxuoso que agregasse<br />
não só um convento mas também um palácio e uma capela<br />
majestosa. E foi assim que surgiu o Convento/Palácio de<br />
Mafra, erigi<strong>do</strong> a cerca de cinco léguas de Lisboa. A construção<br />
começou em 1717, época em que a remessa de ouro de Minas<br />
Gerais para o tesouro da Coroa Lusitana fluia copiosa,<br />
fornecen<strong>do</strong> a d. João V o lastro necessário para tornar<br />
realidade os sonhos suntuosos que tinha para o<br />
empreendimento prometi<strong>do</strong> a Deus. De sorte que o <strong>rei</strong><br />
33
chamou o arquiteto Johann Friedrich Ludwig e o encarregou<br />
de planejar a obra sem se preocupar muito com a bolsa.<br />
Dizem que no pico <strong>do</strong> entusiasmo o canteiro de obras chegou<br />
a ocupar 52 mil trabalha<strong>do</strong>res.<br />
A basílica <strong>do</strong> complexo de Mafra foi inaugurada em<br />
1730 e, desde então, d. João V cultivou o hábito de utilizar o<br />
palácio para promover magníficas festividades religiosas que<br />
costumavam durar vários dias, combinan<strong>do</strong> contrição com<br />
muita comilança e vinhos de boa safra.<br />
D. José e sua filha d. Maria I não eram muito chega<strong>do</strong>s<br />
ao Palácio de Mafra. No tempo deles a família real só<br />
costumava ir lá em curtas temporadas de caça, com muito<br />
exercício e apetite, guardan<strong>do</strong> uma certa distância da<br />
magnífica biblioteca <strong>do</strong> palácio com seus 60 mil volumes,<br />
encarderna<strong>do</strong>s em couro e grava<strong>do</strong>s a ouro.<br />
Depois de d. João V, só d. João VI adquiriu o hábito<br />
de frequentar o Palácio de Mafra, onde constumava passar<br />
temporadas de surto religioso, deprimi<strong>do</strong>, cantan<strong>do</strong> no coro<br />
da basilica ou choran<strong>do</strong> pelos cantos.<br />
Apesar da sua magnificência o Palácio de Mafra nunca<br />
chegou a ser residência oficial da família real. Ou servia para<br />
retiros espirituais ou para esportes reais. Também nunca<br />
chegou a trazer glória para a dinastia <strong>do</strong>s Bragança como<br />
imaginara d. João V no seu delírio de grandesa. Ao contrário,<br />
foi lá que o último <strong>rei</strong> portugues d. Manuel II passou a noite<br />
antes de partir para o exílio, dispensa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s seus serviços pois<br />
os portugueses já estavam fartos <strong>do</strong>s <strong>rei</strong>s e queria partir para a<br />
república.<br />
Depois <strong>do</strong> desastre que o terremoto impôs ao paço da<br />
Ribeira a família real resolveu morar pelos la<strong>do</strong>s de Belém, já<br />
que, supostamente, ali era mais protegi<strong>do</strong> <strong>do</strong>s abalos e foi em<br />
34
consequência disso que surgiu o Palácio de Belém. A origem<br />
foi uma quinta construida em 1559 por d. Manuel. O próprio<br />
d. João V fez melhorias no palácio depois de adquirí-lo <strong>do</strong><br />
conde de Aveiras e o incorporar ao patrimônio <strong>do</strong>s Bragança.<br />
Dizem que ele, adepto entusiasta <strong>do</strong>s esportes da montaria,<br />
<strong>do</strong>tou o palácio de magníficas cavalariças e não menos<br />
magníficas alcovas.<br />
Na época <strong>do</strong> terremoto o palácio oferecia condições<br />
mínimas para ser residência da família real. Mas isso não fez<br />
diferença pois d. José tinha decidi<strong>do</strong> jamais viver de novo sob<br />
um teto de alvenaria. Assim, em lugar de investir na ampliação<br />
e melhoria das instalações existentes, resolveu construir a tal<br />
“Barraca Real” nos jardins da propriedade, no alto da Ajuda e<br />
lá viveu até sua morte. No local, mais tarde, d. João VI<br />
construiria o Palácio da Ajuda.<br />
D. Maria I não tinha nenhuma intenção de herdar os<br />
hábitos meio neuróticos <strong>do</strong> pai em matéria de habitação.<br />
Assim, quan<strong>do</strong> assumiu o trono, resolveu permancer no<br />
Palácio de Queluz, nos arre<strong>do</strong>res de Lisboa, onde já morava.<br />
Com sua ascenção real achou que deveria <strong>do</strong>tar o palácio de<br />
melhorias e assim fez, especialmente nos jardins, dan<strong>do</strong>-lhes<br />
um ar mais sofistica<strong>do</strong>, à francesa, cheio de fontes e alamedas<br />
.<br />
O Palácio de Queluz, na verdade, pertencia a d. Pedro<br />
III, irmão de d. José. Quan<strong>do</strong> se casaram ele levou d. Maria<br />
para morar lá. Nessa época o palácio já era notável e, assim, a<br />
rainha preferiu permanecer em Queluz <strong>do</strong> que residir em<br />
Lisboa onde as opções eram piores. No entanto, só em 1794 é<br />
que seu filho d. João, então governan<strong>do</strong> em nome da mãe,<br />
declarou o palácio residência oficial da família real. Mas d.<br />
João ficava pouco lá, preferin<strong>do</strong> ficar em Mafra ou na Ajuda<br />
meio que fugi<strong>do</strong> das loucuras da mãe e das travessuras da<br />
35
mulher. Em Queluz nasceu a maioria de seus filhos, inclusive<br />
d. Pedro e d. Miguel.<br />
A construção <strong>do</strong> palácio iniciou-se em 1747 e logo os<br />
maledicentes identificaram o Palácio de Queluz como uma<br />
imitação portuguesa de Versalhes. Depois da morte de d.<br />
João VI o palácio entrou em declínio. D. Pedro optou por<br />
morrer lá em 1834, no mesmo quarto onde tinha nasci<strong>do</strong>.<br />
Além de Queluz, d. Maria I também tocou a ampliar e<br />
reformar o Palácio de Belém, <strong>do</strong>tan<strong>do</strong>-o de condições básicas<br />
para abrigar sua família quan<strong>do</strong> estivesse despachan<strong>do</strong> em<br />
Lisboa. Mas sempre passava mais tempo em Queluz e, cada<br />
vez mais, à medida em que sua deficiência mental ia<br />
avançan<strong>do</strong>. Com o tempo, Belém foi se tornan<strong>do</strong> mais uma<br />
residência real secundária, funcionan<strong>do</strong> como uma<br />
hospedaria para visitantes ilustres ou residência de membros<br />
menores da família real. D. Maria II habitou o palácio por uns<br />
tempos enquanto esperava para se mudar para o Palácio das<br />
Necessidades. No Palácio de Belém moraram d. Carlos -<br />
duque de Bragança - e sua esposa d. Amélia de Orleans. Lá<br />
nasceu o último <strong>rei</strong> de Portugal d. Manuel II.<br />
Como dito parágrafos atrás, a Real Barraca de d. José<br />
foi construída no Alto da Ajuda e, depois da morte <strong>do</strong> <strong>rei</strong>,<br />
ninguém quis morar lá. Ficou aquela barraca majestática meio<br />
aban<strong>do</strong>nada até que em 1794, como dito, um incêndio<br />
destruiu o inusita<strong>do</strong> palácio de pano e madeira. Foi aí que d.<br />
João achou que, a exemplo <strong>do</strong> bisavô, também deveria marcar<br />
seu <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> construin<strong>do</strong> um belo palácio e, <strong>do</strong>is anos depois,<br />
dava início à construção <strong>do</strong> Palácio da Ajuda, no local exato<br />
onde ficava a singular barraca de seu avô. Era o segun<strong>do</strong><br />
palácio construí<strong>do</strong> na região de Belém. Na verdade os<br />
Bragança tinham vastas terras naquelas paragens. É que em<br />
1726 d. João V adquiriu três quintas em Belém. Dizem que ele<br />
pretendia construir um palácio de verão na Ajuda, mas em<br />
36
lugar disso acabou optan<strong>do</strong> por melhorar as instalações já<br />
existentes numa das quintas, medida essa que veio dar origem<br />
ao Palácio de Belém.<br />
Quan<strong>do</strong> d. João partiu para o Brasil a construção <strong>do</strong><br />
Palácio da Ajuda ainda estava em andamento, mas já era<br />
habitável. Tanto que ele passou lá sua última noite antes de<br />
embarcar para a América Portuguesa. Na verdade, o projeto<br />
original traça<strong>do</strong> para a edificação <strong>do</strong> palácio nunca foi<br />
concluí<strong>do</strong>. D. João VI retornou a Portugal em 1821 e teve que<br />
ir morar no Palácio da Bemposta pois encontrou o Palácio da<br />
Ajuda em piores condições <strong>do</strong> que tinha deixa<strong>do</strong> treze anos<br />
antes. Com a morte de d. João, seus filhos resolveram<br />
reabilitar o palácio, até em homenagem a memória <strong>do</strong> pai que<br />
tinha si<strong>do</strong> seu idealiza<strong>do</strong>r. Foi lá que d. Pedro assumiu seu<br />
curto <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> como regente e, antes dele, seu irmão d. Miguel<br />
foi aclama<strong>do</strong> <strong>rei</strong>. Mas o palácio não conseguiu ter muito<br />
esplen<strong>do</strong>r. D. Maria II, depois de assumir o trono, também<br />
não se entusiasmou muito em morar no Palácio da Ajuda<br />
preferin<strong>do</strong> <strong>rei</strong>nar no Palácio das Necessidades. Dizem que<br />
nosso d. Pedro tinha planos para transformar o palácio num<br />
majestoso centro de poder sob o <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> da filha. Não teve<br />
tempo, contu<strong>do</strong>. Mas, como a história <strong>do</strong>s palácios é tão rica<br />
quanto a própria vida <strong>do</strong>s <strong>rei</strong>s, o Palácio da Ajuda passaria por<br />
uma grande reabilitação, tornan<strong>do</strong>-se residência oficial da<br />
família real em 1861. Foi quan<strong>do</strong> o tifo matou vários<br />
membros da família real inclusive o <strong>rei</strong> d. Pedro V, como já<br />
contamos quan<strong>do</strong> falamos das tragédias <strong>do</strong>s Bragança. Eles<br />
moravam no Palácio das Necessidades e a ciência da época<br />
atribuiu a alta taxa de morbidade que abateu a família real às<br />
más condições de salubridade <strong>do</strong> palácio. O povo logo<br />
converteu a versão científica para a convicção de que o palácio<br />
estava mesmo era amaldiçoa<strong>do</strong>. Pelo sim pelo não, o novo <strong>rei</strong><br />
- d. Luis - resolveu mudar-se para o Palácio da Ajuda e ali<br />
37
permaneceu até o fim <strong>do</strong> seu <strong>rei</strong>na<strong>do</strong>, época em que palácio<br />
gozou de grande esplen<strong>do</strong>r.<br />
O terceiro palácio que os Bragança ergueram em<br />
Belém foi o já menciona<strong>do</strong> Palácio das Necessidades. Sua<br />
origem foi um mosteiro que d. João V <strong>do</strong>tou de melhorias<br />
assim que comprou a quinta. Mas foi d. Maria II que deu à<br />
construção condições de abrigar a família real com mais<br />
dignidade, segun<strong>do</strong> os cânones de seu mari<strong>do</strong> d. Fernan<strong>do</strong>,<br />
homem requinta<strong>do</strong> e exigente que encheu o palácio de obras<br />
de arte. Depois da morte da rainha, seu mari<strong>do</strong> e seu filho - o<br />
<strong>rei</strong> d. Pedro V - continuaram a residir lá até que se deu aquela<br />
tragédia já contada. Na época da proclamação da república o<br />
palácio já tinha readquiri<strong>do</strong> sua condição de residência oficial<br />
<strong>do</strong> <strong>rei</strong>, ten<strong>do</strong> por isso, recebi<strong>do</strong> alguns tiros de uma<br />
canhoneira estacionada no Tejo que conseguiram fazer alguns<br />
estragos, assustar o <strong>rei</strong> e entronizar a república.<br />
Dissemos que quan<strong>do</strong> d. João VI voltou <strong>do</strong> Brasil, em<br />
1821, até por imposição das Cortes que queriam tê-lo por<br />
perto, foi morar no velho Palácio da Bemposta. Este palácio<br />
foi incorpora<strong>do</strong> ao patrimônio <strong>do</strong>s Bragança por d. Catarina<br />
de Bragança, viúva <strong>do</strong> <strong>rei</strong> Carlos II da Inglaterra. Infelizmente,<br />
como sabemos, o consórcio lusobritânico não conseguiu dar<br />
herdeiros para o trono da Inglaterra e quan<strong>do</strong> o <strong>rei</strong> morreu, d.<br />
Catarina teve que voltar para Portugal. Foi então que adquiriu<br />
o palácio e o tomou para residência. Ao morrer deixou-o para<br />
seu irmão d. Pedro II. O filho deste, d. João V, incorporou o<br />
palácio ao patrimônio <strong>do</strong> infanta<strong>do</strong> passan<strong>do</strong> a ser residência<br />
<strong>do</strong>s infantes, entre eles d. Pedro III, o mesmo que iria<br />
construir o Palácio de Queluz e que seria o pai de d. João VI.<br />
O próprio d. João já tinha mora<strong>do</strong> na Bemposta antes da<br />
primeira invasão napoleônica, quan<strong>do</strong> o Palácio da Ajuda<br />
38
ainda estava em princípio de construção e era inabitável.<br />
Quan<strong>do</strong> voltou a morar nele, depois <strong>do</strong> retorno <strong>do</strong> Brasil, d.<br />
João fez algumas reformas no palácio e nele morreu em 1826,<br />
depois de ingerir um café da manhã contamina<strong>do</strong> com poções<br />
letais.<br />
A fuga ou estratégica escapada.<br />
Como vimos há pouco, d. João pernoitou no Palácio<br />
da Ajuda em sua última noite em Lisboa, antes de escapar para<br />
o Brasil. A fuga começou na manhã <strong>do</strong> inglório dia 27 de<br />
novembro de 1807. Inglório posto fosse um belo <strong>do</strong>mingo de<br />
sol. Foi então que se deu o embarque que precedeu a fuga ou,<br />
como preferem alguns, estratégica escapada da família real<br />
portuguesa para o Brasil. Fugiam <strong>do</strong>s exércitos de Napoleão<br />
Bonaparte, o corso, destrui<strong>do</strong>r implacável das dinastias<br />
europeias mas ávi<strong>do</strong> de cruzar com elas para azular o sangue<br />
rude da sua própria singela estirpe.<br />
Finalmente d. João tinha cedi<strong>do</strong> às pressões inglesas<br />
para zarpar para o Brasil. Também não tinha mais nenhuma<br />
alternativa depois que sir Sydney Smith havia bloquea<strong>do</strong> o<br />
Tejo e ameaça<strong>do</strong> por a pique a frota portuguesa ao menor<br />
indício de que ela pudesse vir a cair nas mãos <strong>do</strong>s franceses.<br />
Ninguém duvidava disso pois eles já tinha feito o mesmo em<br />
Copenhagen, chegan<strong>do</strong> a bombardear a cidade.<br />
É comum atribuir-se a demora na execução <strong>do</strong> plano<br />
da escapada para a América ao notório espírito irresoluto de d.<br />
João. Mas o fato é que ele não queria mesmo apelar para essa<br />
alternativa extremada a não ser em último caso e já com as<br />
forças invasoras ten<strong>do</strong> coloca<strong>do</strong> irremediavelmente a ponta da<br />
bota na soleira de Lisboa. Consta que ele, ainda em outubro<br />
de 1807, já toma<strong>do</strong> pelo desespero, tinha manda<strong>do</strong> o marques<br />
39
de Marialva a Paris com a mala cheia de diamantes para tentar<br />
comprar uma mudança nas disposições de Napoleão quanto<br />
ao <strong>rei</strong>no Português, remédio que, aliás, já tinha si<strong>do</strong> aplica<strong>do</strong><br />
antes, contu<strong>do</strong>, com efeito pouco dura<strong>do</strong>uro. Era a velha<br />
política <strong>do</strong> marquês de Pombal que teria dito um dia “Vale<br />
mais a pena e custa menos fazer guerra com dinheiro <strong>do</strong> que com<br />
exércitos”. Na verdade tu<strong>do</strong> aquilo era o<br />
coroamento frustra<strong>do</strong> da política de neutralidade que já vinha<br />
sen<strong>do</strong> seguida pelo regente há pelo menos seis anos. Convém<br />
recordar que, em feve<strong>rei</strong>ro de 1801, a França já havia<br />
declara<strong>do</strong> guerra a Portugal e foi aí que começou aquele<br />
sufoco diplomático que culminou com Napoleão decretan<strong>do</strong><br />
que a Casa de Bragança tinha deixa<strong>do</strong> de <strong>rei</strong>nar sobre<br />
Portugal. Naquele mesmo ano a Espanha havia também<br />
decreta<strong>do</strong> hostilidade ao <strong>rei</strong>no luso e invadi<strong>do</strong> o Alentejo, <strong>do</strong><br />
que resultou a perda irreparável de Olivença. Em setembro d.<br />
João foi compeli<strong>do</strong> a firmar um acor<strong>do</strong> com a França, por<br />
força <strong>do</strong> qual, se viu obriga<strong>do</strong> a fechar os portos portugueses<br />
aos navios ingleses. Seguiu-se uma pequena paz entre<br />
Inglaterra e França que nem deu para aliviar a gangorra onde<br />
d. João vinha tentan<strong>do</strong> se equilibrar. Já em 1803 França e<br />
Inglaterra voltavam a se estranhar e d. João se apressou a<br />
declarar a neutralidade <strong>do</strong> seu pequeno <strong>rei</strong>no. Mas era difícil<br />
Portugal ficar flanan<strong>do</strong> por sobre os interesses da França, da<br />
Inglaterra e da Espanha. Assim, logo o embaixa<strong>do</strong>r francês -<br />
general Leannes - pôs o de<strong>do</strong> na cara <strong>do</strong> regente e exigiu o<br />
fechamento <strong>do</strong>s portos às embarcações inglesas. D. João fez<br />
um acor<strong>do</strong> secreto com a Inglaterra e sua neutralidade acabou<br />
sen<strong>do</strong> admitida pelos britânicos. O mesmo conseguiu com a<br />
França que, no entanto, exigiu uma indenização para deixar<br />
Portugal fora <strong>do</strong> imbróglio. Nada menos <strong>do</strong> que 1 milhão de<br />
libras que d. João se dispôs a pagar em prestações mensais de<br />
40 mil libras. No ano seguinte Junot chutou o acor<strong>do</strong> na<br />
40
maior sem cerimônia e exigiu declaração de guerra à<br />
Inglaterra. Quer dizer, às vésperas da viagem para o Brasil d.<br />
João já estava mais <strong>do</strong> que escola<strong>do</strong> naquelas arengas francobritânicas<br />
e sabia que o único que tinha a fazer era mesmo<br />
jogar aquele jogo cheio de fintas que precedeu o embarque.<br />
De qualquer forma, embora a ideia da transmigração<br />
fosse antiga, nas condições em que d. João decidiu colocá-la<br />
em prática o tempo de preparação para a perigosa viagem<br />
acabou sen<strong>do</strong> exíguo, não mais <strong>do</strong> que três meses. Consta que<br />
em agosto Tomás Antônio Vila Nova Portugal apresentou ao<br />
príncipe regente o plano da fuga que logo foi aprova<strong>do</strong> e<br />
coloca<strong>do</strong> em andamento. O foco era a preparação da frota e o<br />
trasla<strong>do</strong> <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>. Mas quase to<strong>do</strong> fidalgote<br />
queria fazer-se ao mar e levar os seus baús cheios de trastes e<br />
lembrancinhas. Em conseqüência, no dia <strong>do</strong> embarque um<br />
inevitável tumulto não poderia estar ausente. O cais de Belém<br />
estava toma<strong>do</strong> pela lama devi<strong>do</strong> à chuva constante que caíra<br />
sobre Lisboa nos últimos dias. A cena deve ter si<strong>do</strong> mesmo<br />
patética, conferin<strong>do</strong> ao embarque uma conotação de ópera<br />
bufa.<br />
A decisão era certa, as ações eram lógicas mas,<br />
impossível escapar <strong>do</strong> ridículo naquelas circunstâncias.<br />
Centenas de nobres e burocratas portugueses tentan<strong>do</strong><br />
embarcar como desse, ganhan<strong>do</strong> a boca <strong>do</strong> Tejo afora rumo<br />
ao Atlântico das velhas conquistas. A própria família real<br />
acomo<strong>do</strong>u-se como foi possível, distribuída em três<br />
embarcações. Nem parece ter havi<strong>do</strong> preocupação de espalhar<br />
estrategicamente os infantes e infantas para que a sucessão<br />
não ficasse prejudicada no caso de um naufrágio. Foi sorte<br />
que Netuno também não quisesse fazer o que Napoleão não<br />
estava conseguin<strong>do</strong>, ou seja, liquidar com a continuidade<br />
dinástica <strong>do</strong>s Bragança. D. João chegou de madrugada, meio<br />
que escondi<strong>do</strong> para não assustar a população de Lisboa com a<br />
41
sua retirada e embarcou na nau Príncipe Real acompanha<strong>do</strong> da<br />
mãe, <strong>do</strong> príncipe d. Pedro e <strong>do</strong> infante d. Miguel. D. Carlota<br />
Joaquina e parte das infantas embarcaram na fragata Alfonso de<br />
Albuquerque. Outras infantas embarcaram no Rainha de Portugal.<br />
A frota real portuguesa, sem contar os navios mercantes,<br />
perfazia um total de dezesseis embarcações, soman<strong>do</strong> nada<br />
menos <strong>do</strong> que 780 bocas de fogo 9 . Ou seja, não era<br />
propriamente uma procissão de barquinhos lusos inofensivos.<br />
Tinha mais poder de fogo <strong>do</strong> que as próprias naus britânicas<br />
que acompanharam a comitiva a título de proteção e que era<br />
formada por quatro vazos de guerra, destaca<strong>do</strong>s de um total<br />
de nove embarcações que tinham participa<strong>do</strong> <strong>do</strong> bloqueio <strong>do</strong><br />
porto de Lisboa. Consta que Sydney Smith teria proposto a d.<br />
João fazer a travessia a bor<strong>do</strong> de um <strong>do</strong>s navios ingleses,<br />
proposta que ele polidamente recusou, naturalmente temen<strong>do</strong><br />
ser sequestra<strong>do</strong>. Na verdade uma das preocupações<br />
<strong>do</strong>minantes <strong>do</strong>s ingleses, no esforço frenético de induzir a<br />
família real a partir imediatamente para o Brasil, era mesmo<br />
evitar que a frota portuguesa pudesse ser capturada e<br />
incorporada à marinha francesa. Essa questão se revestia <strong>do</strong><br />
maior relevo militar pois podia representar um maior poder de<br />
confrontação de Naploleão no mar, coisa absolutamente<br />
indesejada pelos britânicos já que era aí que se apoiava sua<br />
força. Até pode ser que a iniciativa de comboiar os navios<br />
portugueses até o Brasil tenha ti<strong>do</strong> o propósito de garantir que<br />
d. João não mudasse de ideia no meio <strong>do</strong> oceano, passan<strong>do</strong><br />
9 Uma pequena escuna de nome “Curiosa” desertou, içou uma<br />
flâmula azul, branca e vermelha e bandeou para o la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />
franceses.<br />
42
para o la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s franceses. 10 To<strong>do</strong>s os navios disponíveis<br />
foram integra<strong>do</strong>s ao cortejo real, fican<strong>do</strong> fundea<strong>do</strong>s no Tejo<br />
apenas nove ambarcações, verdadeiras banheiras sem qualquer<br />
condição de se fazerem ao mar e que, certamente, não<br />
interessariam aos franceses.<br />
Mas a insistência <strong>do</strong>s ingleses com a fuga para a<br />
América também tinha um bela motivação comercial. É que<br />
eles ansiavam por estabelecer relações privilegiadas com o<br />
merca<strong>do</strong> da rica colonia americana, gozan<strong>do</strong>, não só de<br />
tarifário especial como também usufruin<strong>do</strong> da grande<br />
vantagem de ficar livre das restrições impostas pelo<br />
monopólio colonial metropolitano e seus tortuosos caminhos.<br />
Quer dizer, ganhavam por to<strong>do</strong>s os la<strong>do</strong>s.<br />
Mesmo antes da conquista de Lisboa, Napoleão já<br />
tinha pensa<strong>do</strong> em lotear Portugal crian<strong>do</strong> três pequenos <strong>rei</strong>nos<br />
a serem entregues a alia<strong>do</strong>s diletos. Estou falan<strong>do</strong> <strong>do</strong> trata<strong>do</strong><br />
secreto de Fontainebleau. Tratava-se de uma partilha de terras<br />
de natureza absolutamente medieval. Por ele uma parte de<br />
Portugal ficaria com Manuel de Go<strong>do</strong>y, o ministro to<strong>do</strong><br />
poderoso da Espanha, que assim sairia de cima da rainha e iria<br />
tratar de seu próprio negócio, deixan<strong>do</strong> o <strong>rei</strong> em paz debaixo<br />
da manumental galhada de seus cornos. O norte de Portugal<br />
seria barganha<strong>do</strong> com a rainha da Etrúria que cederia a<br />
Toscana para ser anexada ao <strong>rei</strong>no da Italia cujo <strong>rei</strong>, àquela<br />
altura, era o próprio Napoleão. A terceira parte das terras lusas<br />
10<br />
Lord Strangford tinha manda<strong>do</strong> um bilhete meio ameaça<strong>do</strong>r a d.<br />
João dizen<strong>do</strong> que se ele não se dispusesse a partir para o Brasil que<br />
pelo menos retirasse sua frota para a ilha da Madeira ou para Cádiz<br />
a fim de evitar que ela caísse nas mãos de Napoleão. Arrematava<br />
dizen<strong>do</strong> que se isso não fosse feito a Inglaterra poderia tomar<br />
“qualquer providência que julgasse apropriada”.<br />
43
a conquistar ficaria reservada para Bonaparte fazer algum<br />
arranjo futuro, quem sabe até com algum herdeiro <strong>do</strong>s<br />
próprios Bragança.<br />
Mas o mais interessante <strong>do</strong> infame trata<strong>do</strong> é seu artigo<br />
12º. Diz ele: “Sua Majestade o Impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s franceses e Rei da Itália<br />
obriga-se a reconhecer a Sua Majestade Católica o Rei da Espanha<br />
como Impera<strong>do</strong>r das Duas Américas quan<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> estiver<br />
pronto para assumir este título ao tempo da paz geral, ou o mais tardar<br />
três anos após aquela época”.<br />
Ou seja, pelo famigera<strong>do</strong> trata<strong>do</strong> Napoleão Bonaparte<br />
estava não só retalhan<strong>do</strong> o país luso mas também entregan<strong>do</strong><br />
o Brasil à Espanha! Claro que se tratava de mera esperteza<br />
diplomática ou delírio megalomaníaco <strong>do</strong> corso pois ele jamais<br />
teria condição de conquistar a América. Mesmo porque, não<br />
teria como furar o <strong>do</strong>mínio britânico sobre o Atlântico. Aliás<br />
ele não teve condição de conquistar sequer Portugal.<br />
De qualquer forma, para cumprir esse projeto imoral,<br />
em novembro de 1807 o general Junot entrava em Portugal à<br />
frente de vinte e sete mil solda<strong>do</strong>s. Ele já vinha aborrecen<strong>do</strong><br />
d. João desde o tempo em que era embaixa<strong>do</strong>r em Lisboa<br />
quan<strong>do</strong>, além de dizer que a família real portuguesa era a mais<br />
feia da Europa, ainda vivia baten<strong>do</strong> esporas e arrastan<strong>do</strong> sua<br />
espada egípcia arrogantemente nas antessalas <strong>do</strong> regente.<br />
Agora Junot voltava para aborrecê-lo outra vez e com a<br />
espada na mão e as esporas pican<strong>do</strong> a montaria, apressan<strong>do</strong> a<br />
marcha forçada sobre a capital <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no luso. Avançou sem<br />
grandes percalços pois a população ainda estava meio<br />
ator<strong>do</strong>ada com aquela notícia de que a família real e grande<br />
parte da nobresa tinham fugi<strong>do</strong> para o Brasil, <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Além disso, o próprio príncipe regente tinha<br />
pedi<strong>do</strong> que não houvesse resistência aos invasores,<br />
tardiamente fiel à sua política de neutralidade.<br />
44
Claro parece ficar, que não foi por pura lerdeza e<br />
indecisão que d. João retar<strong>do</strong>u a fuga o quanto pôde e só<br />
ordenou o embarque depois de saber que Junot já estava às<br />
portas de Lisboa a alguns passos de apeá-lo <strong>do</strong> trono.<br />
Acrescente-se ainda às razões retardatárias de d. João o fato de<br />
que ele não queria deixar Portugal antes de estar plenamente<br />
caracteriza<strong>do</strong> que Junot havia toma<strong>do</strong> Lisboa, justifican<strong>do</strong> a<br />
sua apertada escapada deixan<strong>do</strong> seu país em situação de<br />
orfandade. O general francês sabia disso e contava em<br />
alcançá-lo antes que ele se fizesse ao mar. Tanto que o<br />
primeiro ponto que mirou ao invadir a capital <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no<br />
portugues foi a torre de Belém de onde pensava barrar a<br />
passagem <strong>do</strong>s barcos em fuga. Quan<strong>do</strong> lá chegou, porém, as<br />
embarcações já tinham deixa<strong>do</strong> a barra. Por outro la<strong>do</strong>, sabese<br />
que o embaixa<strong>do</strong>r inglês - lord Strangford - exagerou um<br />
pouco no seu papel na indução da fuga pois ele não teve<br />
contato com o regente nos últimos dias que antecederam a<br />
fuga e quan<strong>do</strong> percebeu a frota lusa já se encontrava ao mar<br />
pronta para zarpar, apenas esperan<strong>do</strong> Junot chegar às portas<br />
de Lisboa. Strangford seguiu para Londres com parte da frota<br />
britânica e o almirante Smith escoltou d. João e sua comitiva<br />
ao Brasil. 11<br />
11 Strangford foi pego mais de uma vez mentin<strong>do</strong> sobre negócios<br />
portugueses. Além de exagerar sua influência no convencimento<br />
para que d. João partisse para o Brasil, ele foi autor de uma tradução<br />
fraudulenta <strong>do</strong>s Lusíadas. Descobriu-se que ele tinha copia<strong>do</strong><br />
estrofes inteiras da obra de um poeta inglês e inseri<strong>do</strong> no texto<br />
como se fossem de Camões. Anos mais tarde é que os ingleses iriam<br />
conhecer uma tradução autêntica da obra, desta vez traduzida pelo<br />
famoso Richard Francis Burton que conhecia muito bem a língua<br />
portuguesa e era admira<strong>do</strong>r de José de Alencar.<br />
45
No mar as coisas correram como era possível naquelas<br />
circunstâncias e a travessia <strong>do</strong> Atlântico evoluiu como era<br />
espera<strong>do</strong>, que dizer, no maior desconforto e alguns sustos. Há<br />
controvérsia quanto ao contingente de pessoas que arriscaram<br />
a travessia, varian<strong>do</strong> de quinhentas a dez mil criaturas, sen<strong>do</strong><br />
mais provavel que o grupo somasse umas cinco mil almas<br />
assustadas, espalhadas por cerca de cinquenta embarcações de<br />
tamanhos varia<strong>do</strong>s entre vasos de guerra e navios mercantes.<br />
Seja como for, a travessia não foi propriamente um cruzeiro<br />
tropical. A água <strong>do</strong>ce era escassa, a comida mal conservada, o<br />
mar excessivamente extenso e revolto. E, para completar, um<br />
surto de nojentos piolhos tinha infesta<strong>do</strong> as cabeças da<br />
princesa Carlota e das infantas obrigan<strong>do</strong>-as a raspá-las e<br />
envolvê-las em véus miseravelmente enrola<strong>do</strong>s para ocultar as<br />
calvas reais. Houve choro e ranger de dentes na tormentosa<br />
travessia, mas a tu<strong>do</strong> o príncipe regente amornou com sua<br />
paciência e serenidade, sossegan<strong>do</strong> a to<strong>do</strong>s com o seu sossego<br />
natural. Proibiu que se falasse em política e se clamasse<br />
conforto pois, naquele instante, o desafio era vencer o mar e<br />
era nele que to<strong>do</strong>s deviam prestar atenção.<br />
Dois meses durou a agonia até que no dia 22 de<br />
janeiro de 1808 parte das embarcações chegou à cidade <strong>do</strong><br />
Salva<strong>do</strong>r, debaixo de um inclemente verão. A capital da Bahia,<br />
já naquele tempo exalan<strong>do</strong> tropicalismos e cortesia, recebeu o<br />
cortejo exultante, pensan<strong>do</strong> mesmo em convencer o príncipe<br />
regente de fixar ali a capital, restauran<strong>do</strong> sua antiga condição<br />
de sede <strong>do</strong> governo, como era nos primeiros tempos da<br />
colônia. Ele não se deixou convencer disso, mas ficou <strong>do</strong>is<br />
meses na cidade curtin<strong>do</strong> a hospitalidade da boa terra. Outra<br />
parte da frota tinha se extravia<strong>do</strong> e segui<strong>do</strong> direto para o Rio<br />
de Janeiro.<br />
46
Finalmante, no dia 07 de março, aconteceu o<br />
desembarque <strong>do</strong> principe regente, d. Carlota Joaquina, a<br />
rainha, o príncipe herdeiro d. Pedro, os infantes e o resto da<br />
nobresa na cidade <strong>do</strong> Rio de Janeiro, completan<strong>do</strong> assim a<br />
bem sucedida fuga ou estratégica escapada.<br />
Seja como for o plano tinha da<strong>do</strong> certo e a Dinastia de<br />
Bragança tinha sobrevivi<strong>do</strong> àquela incursão arrasa<strong>do</strong>ra de<br />
Naploleão Bonaparte, sorte que não teve muitas outras<br />
dinastias europeias mais antigas e muito mais poderosas e<br />
arrogantes. Claro que a brava gente lusa não tinha gosta<strong>do</strong><br />
nada de ter fica<strong>do</strong> acéfala, assim de repente. Mas mesmo<br />
assim, com a ajuda <strong>do</strong>s ingleses, pegaram em armas e a duras<br />
penas acabariam botan<strong>do</strong> os franceses para fora, não muito<br />
tempo depois. A campanha da península ibérica, aliás, assim<br />
como a trágica campanha da Rússia, acabaria fazen<strong>do</strong> parte<br />
das causas princicipais <strong>do</strong> esgotamento de Napoleão,<br />
favorecen<strong>do</strong> a derrota final em Waterloo. Na Rússia a armada<br />
francesa enfrentaria fome e frio, em Portugal enfrentariam<br />
não só a fome mas também a ira desenfreada de guerrilheiros<br />
portugueses que, entre outras atrocidades, costumavam<br />
crucificar prisioneiros, devolven<strong>do</strong> eventuais barbaridades<br />
cometidas contra as portuguesas. 12<br />
O principe regente tinha deixa<strong>do</strong> para trás uma<br />
Europa tremendamente conturbada. Nunca se tinha visto<br />
nada igual. Nem no tempo das conquistas romanas, pois estas<br />
tinham si<strong>do</strong> graduais, dura<strong>do</strong>uras e espalha<strong>do</strong> uma<br />
maravilhosa cultura em torno <strong>do</strong> Mediterrâneo. Agora, porém,<br />
12<br />
A ferocidade <strong>do</strong>s portugueses sempre infundiu me<strong>do</strong> e dizem que<br />
na Ásia o que os povos conquista<strong>do</strong>s mais temiam era cair<br />
prisioneiros <strong>do</strong>s solda<strong>do</strong>s da pequena e aguerrida nação <strong>do</strong>s<br />
navega<strong>do</strong>res.<br />
47
Napoleão Bonaparte varria os <strong>rei</strong>nos europeus com suas<br />
estratégias militares inova<strong>do</strong>ras, baseadas na rapidez da<br />
movimentação <strong>do</strong>s exércitos revolucionários, cain<strong>do</strong> sobre o<br />
inimigo antes que eles tivessem tempo de apontar os fuzis ou<br />
posicionar as bocas <strong>do</strong>s canhões.<br />
Tu<strong>do</strong> tinha começa<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> os líderes da revolução<br />
francesa perceberam que tinham que guerrear com os <strong>rei</strong>nos<br />
europeus e exportar a revolução ou não teriam como<br />
sobreviver, estan<strong>do</strong> tão cerca<strong>do</strong>s de <strong>rei</strong>s acostuma<strong>do</strong>s a <strong>rei</strong>nar<br />
absolutos. Danton tinha dito em setembro de 1792: “A nação<br />
francesa gerou uma grande corrente de insur<strong>rei</strong>ção geral contra os <strong>rei</strong>s.”<br />
Então o exército austríaco, que estava acampa<strong>do</strong> nas<br />
proximidades de Lille no norte da França, resolveu recuar para<br />
a Bélgica e ficar um pouco mais longe <strong>do</strong> caldeirão fervente.<br />
Outros exércitos reais invasores fizeram o mesmo e to<strong>do</strong> o<br />
território frances ficou em poder <strong>do</strong>s revolucionários. Em<br />
seguida os exércitos franceses tomaram a Bélgica e expulsaram<br />
os austríacos. É declarada guerra à Boêmia e a Hungria. No<br />
ano seguinte é declarada guerra à Inglaterra, Holanda e<br />
Espanha e logo a França está em guerra com quase toda a<br />
Europa.<br />
Até 1796 a campanha francesa é cheia de altos e<br />
baixos, avanços e retrocessos. A Europa se agita moven<strong>do</strong><br />
peças num tabuleiro de xadrez sanguinolento. Em 12 de abril<br />
Napoleão Bonaparte invade e saqueia a Itália e é ai que<br />
começa de fato a grande aventura <strong>do</strong> corso. No campo<br />
político também consegue vitórias e passa a controlar o<br />
diretório revolucionário e a própria Franca, não poucas vezes<br />
passan<strong>do</strong> por cima da constituição que, aliás, ele já estava<br />
louco para retocar. Também obtém sucessos no campo<br />
diplomático celebran<strong>do</strong> com a Áustria uma paz ao velho<br />
estilo, quer dizer, distribuin<strong>do</strong> países à revelia da vontade <strong>do</strong>s<br />
seus povos.<br />
48
O retorno da dura campanha <strong>do</strong> Egito encontra Paris<br />
embevecida pela coragem e competência <strong>do</strong> general. Logo<br />
torna Napoleão Bonaparte o homem mais popular da França<br />
e joga definitivamente o país em suas mãos. (18 brumário /<br />
1799). A revolução tinha acaba<strong>do</strong> mas a república ainda<br />
sobreviveria em esta<strong>do</strong> terminal até 1804 quan<strong>do</strong> então o<br />
corso se tornaria impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s franceses. Em 1807, quan<strong>do</strong> a<br />
família real portuguesa teve que deixar a Europa, Napoleão já<br />
tinha venci<strong>do</strong> seus mais poderosos inimigos, quer dizer, a<br />
Áustria, a Prússia e a Rússia. <strong>Os</strong> demais países da Europa ou<br />
se subjugavam, ou se alinhavam humildemente como foi o<br />
caso da Espanha, ou tentavam conseguir um reconhecimento<br />
de neutralidade como era o caso de Portugal. Apenas a<br />
Inglaterra resistia. De sorte que, ou tinham que aderir ao<br />
bloqueio continental decretada por Napoleão contra a<br />
pequena ilha britância, ou tinham que aguentar a ira <strong>do</strong> corso.<br />
D. João era um <strong>do</strong>s poucos monarcas europeus que tinha um<br />
caminho alternativo.<br />
Esse era o quadro quan<strong>do</strong> a família real portuguesa<br />
embarcou para o Brasil. Mas qual era o quadro <strong>do</strong> Brasil<br />
quan<strong>do</strong> o Príncipe Regente, a Princesa, o Príncipe da Beira, os<br />
infantes e o resto da parentalha chegou? Exatamente o que<br />
tinha que ser: uma colônia rica, mas sufocada política,<br />
econômica e culturalmente por trezentos anos de colonialismo<br />
preda<strong>do</strong>r. De sorte que tu<strong>do</strong> teve que ser feito, desde a<br />
instalação <strong>do</strong> aparelho <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>, passan<strong>do</strong> pelo desarrocho<br />
<strong>do</strong>s controles coloniais sobre a produção e o comércio até o<br />
saneamento básico e a construção de uma magnificência de<br />
papel marché e uma majestade de arcos triunfais de papelão.<br />
Tão surpresos quanto tinham fica<strong>do</strong> os lisboetas com<br />
a saida inesperada <strong>do</strong> nobre contingente, ficaram os cariocas<br />
com a não menos inesperada chegada. Mas, logo que passou a<br />
49
euforia e o clima de festas e luminárias <strong>do</strong>s primeiros<br />
momentos, caiu sobre a população um duro decreto<br />
desaproprian<strong>do</strong> moradias para abrigar a nobresa portuguesa.<br />
Essa penada absolutista <strong>do</strong> monarca, no meio <strong>do</strong> regozijo<br />
carioca, causou irônicas reações da população e até pode ter<br />
nasci<strong>do</strong> daí parte da imagem negativa que d. João carrega na<br />
memória histórica nacional, passan<strong>do</strong> a figura de feio, baixo,<br />
gor<strong>do</strong>, bonachão, comilão, corno, porco, preguiçoso, meio<br />
bicha e indeciso.<br />
Contu<strong>do</strong>, há de se reconhecer a situação crítica que o<br />
então príncipe regente teve que enfrentar e a habilidade<br />
paciente com que contornou muitos problemas cuja<br />
confrontação pura e simples poderia ter leva<strong>do</strong> a um fim<br />
muito menos auspicioso <strong>do</strong> que aquele que a marcha da<br />
história revelou. Afinal, foi esse príncipe travesti<strong>do</strong> de tão<br />
grotesca figura que abriu os portos brasileiros logo ao chegar e<br />
revogou o alvará que sua mãe tinha baixa<strong>do</strong> em 1785,<br />
proibin<strong>do</strong> as atividades manufatu<strong>rei</strong>ras no Brasil. Estava<br />
decreta<strong>do</strong>, de fato, o fim <strong>do</strong> regime colonial na América<br />
Portuguesa.<br />
Mas, quan<strong>do</strong> a família real aportou no Rio de Janeiro,<br />
a cidade, apesar <strong>do</strong> caprichoso desenho <strong>do</strong> encontro da<br />
montanha, com a floresta e o mar que a natureza colocou de<br />
forma deslumbrante naquele canto <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, ainda não era<br />
uma cidade maravilhosa, digna de abrigar um governo<br />
metropolitano. Muito antes pelo contrário, urbanisticamente<br />
falan<strong>do</strong>, a cidade era uma verdadeira pocilga com esgoto e lixo<br />
<strong>do</strong>minan<strong>do</strong> as ruas apertadas e cheias de gente. Não estava<br />
minimamente preparada para ser sede de um <strong>rei</strong>no, mesmo de<br />
caráter tropical. A má salubridade da cidade pode até ter<br />
contribui<strong>do</strong> para o grande número de mortes que acabou<br />
ocorren<strong>do</strong> entre a nobreza em geral. Ali morreriam o infante<br />
50
d. Pedro Carlos, a Rainha d. Maria I e sua irmã d. Mariana, o<br />
marques e a marquesa de Angeja, o conde de Linhares, o<br />
marques de Belas, o marques de Pombal, o marques de<br />
Borba, o marques de Vagos, o conde das Galveas, o visconde<br />
de Condeixas, o marques de Aguiar, o conde da Barca, o<br />
conde de Bar<strong>rei</strong>ro, a condessa da Figueira, o conde da Ribeira<br />
Grande, entre outros. Mas, justiça seja feita, nem to<strong>do</strong>s<br />
morreram propriamente pela insalubridade <strong>do</strong> Rio de Janeiro<br />
daqueles tempos. D. Maria e d. Mariana já estavam muito<br />
velhas e d. Pedro Carlos nunca teve boa saúde. Já o caso <strong>do</strong><br />
conde de Linhares é absolutamente inusita<strong>do</strong>. Há quem diga<br />
que ele morreu de traumatismo craniano devi<strong>do</strong> a uma<br />
bengalada que d. João VI teria lhe da<strong>do</strong> num raro momento<br />
de fúria 13 . A natureza também fazia maldades e o jovem conde<br />
de Bar<strong>rei</strong>ro, mesmo em excelente saude e tosta<strong>do</strong> de sol,<br />
acabaria morren<strong>do</strong> afoga<strong>do</strong> nas águas agitadas <strong>do</strong> mar da<br />
Tijuca.<br />
<strong>Os</strong> trovões também incomodavam muito a delicada<br />
nobreza, ribomban<strong>do</strong> nas montanhas e florestas <strong>do</strong> entorno<br />
da maravilhosa cidade, estressan<strong>do</strong> os estressáveis. Contra a<br />
natureza não havia, claro, o que fazer, mas contra a sujeira e o<br />
atraso sim. De sorte que uma série de medidas, não só de<br />
saneamento, mas de caráter cultural tiveram que ser postas em<br />
marcha. Entre elas a vinda da missão cultural francesa e as<br />
sucessivas missões científicas de naturalistas de toda a Europa.<br />
Depois chegaria a maravilhosa biblioteca real formada pelos<br />
Bragança desde o tempo de d. João V. Tu<strong>do</strong> isso viria compor<br />
o processo de liberação <strong>do</strong> Brasil da antiga condição de<br />
quintal <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no portugues. Seria funda<strong>do</strong> o Banco <strong>do</strong> Brasil,<br />
13 Pedro Calmon in “O Rei <strong>do</strong> Brasil”.<br />
51
introduzi<strong>do</strong> o café na agricultura brasileira, cria<strong>do</strong> o<br />
observatório astronômico, um teatro 14 , a tipografia real, uma<br />
fábrica de pólvora, a Academia Militar, a Academia da<br />
Marinha e, muito especialmente, o Jardim Botânico. Aliás, o<br />
jardim real foi uma das mais notáveis obras que d. João VI<br />
deixou no Brasil. Representou a oportunidade de introdução e<br />
desenvolvimento de tantas novas espécies de plantas que hoje<br />
fazem parte da riqueza extraordinária da flora <strong>do</strong> país, entre<br />
elas a magnífica palmeira imperial, verdadeiro símbolo<br />
daquelas priscas eras encerradas em 15 de novembro de 1889.<br />
Na segunda metade <strong>do</strong> século XIX não havia barão <strong>do</strong><br />
café que deixasse de plantar uma alameda de palmeiras<br />
imperiais enobrecen<strong>do</strong> a entrada <strong>do</strong>s casarões senhoriais de<br />
suas fazendas escravagistas. Era uma justa e tardia homenagm<br />
ao avô <strong>do</strong> Impera<strong>do</strong>r Pedro II.<br />
Mas nada entre nações se faz de graça e enquanto a<br />
corte portuguesa tentava criar um arreme<strong>do</strong> de <strong>rei</strong>no europeu<br />
no trópico, a Inglaterra trabalhava seus interesses. O general<br />
Bradford já vinha controlan<strong>do</strong> militarmente Portugal desde<br />
que d. João e família se instalaram na América. Estava na hora<br />
de lord Strangford controlar comercialmente o Brasil. Em<br />
Londres lord Canning trabalhava cuida<strong>do</strong>samente num acor<strong>do</strong><br />
comercial destina<strong>do</strong> a ser uma espécie de cobrança pelos bons<br />
serviços presta<strong>do</strong>s na tutela bem sucedida da fuga da realeza<br />
de Bragança livran<strong>do</strong>-se das garras de Junot e seu patrão<br />
ganancioso. Em 1810 o tal acor<strong>do</strong> estava pronto e Strangford<br />
14 O príncipe de Wied-Neuwied, mencionan<strong>do</strong> os pontos<br />
interessantes <strong>do</strong> Rio de Janeiro <strong>do</strong> tempo de d. João, cita o teatro<br />
“suficientemente espaçoso”, o aqueduto “uma obra grandiosa” e o passeio<br />
púbico “uma grande praça plantada de árvores em aléias”. (Viagem ao<br />
Brasil de 1815 a 1817).<br />
52
foi encarrega<strong>do</strong> de apresentar a conta a d. João. Na verdade o<br />
<strong>do</strong>mínio comercial inglês já estava estabeleci<strong>do</strong>,<br />
independentemente <strong>do</strong> que se ia pôr no papel. O Rio de<br />
Janeiro se encontrava entupi<strong>do</strong> por produtos ingleses trazi<strong>do</strong>s<br />
pelas levas de embarcações que aportavam com as<br />
merca<strong>do</strong>rias que não estavam sen<strong>do</strong> vendidas na Europa,<br />
conturbada pela guerra. Tinha de tu<strong>do</strong> que não nos servia:<br />
desde espartilhos e teci<strong>do</strong>s de velu<strong>do</strong> até sapatos para<br />
patinação no gelo ou aquece<strong>do</strong>res para invernos rigorosos. O<br />
trata<strong>do</strong> comercial, no entanto, foi muito além de disciplinar as<br />
transações comercias. Além das tarifas privilegiadas para os<br />
produtos ingleses encalha<strong>do</strong>s no velho mun<strong>do</strong> chegava a<br />
determinar que os cidadãos ingleses no Brasil só podia ser<br />
julga<strong>do</strong>s por juízes ingleses, estabelecen<strong>do</strong> um verdadeiro<br />
enclave pretorial britânico na América Portuguesa. Liberava as<br />
costas brasileiras a livre navegação <strong>do</strong>s navios britânicos e<br />
ainda lhes dava o di<strong>rei</strong>to de usar madeiras brasileiras para<br />
construção e reparos navais, como lhes aprouvesse. Havia<br />
di<strong>rei</strong>tos de propriedade que igualavam os ingleses aos lusos e<br />
aos brasileiros. O pior de tu<strong>do</strong> é que o decreto não garantia<br />
nenhum tipo de vantagem para produtos ou cidadãos<br />
brasileiros ou portugueses na Inglaterra. D. João VI chegou a<br />
pensar em não asssinar o acor<strong>do</strong> tal o desequilíbrio que<br />
continha, mas recebeu ameaças veladas e teve que recuar. Por<br />
ter que engolir aquele sapo o paciente <strong>rei</strong> multiplicou seu ódio<br />
por Strangford e mais tarde até conseguiria que ele deixasse a<br />
representação britânica no Brasil 15 , mas pagou a conta libra<br />
15<br />
D. João não gostou nem um pouco de lord Strangford ter se<br />
dirigi<strong>do</strong> a ele de forma insolente pedin<strong>do</strong> satisfações por ele ter<br />
nomea<strong>do</strong> o conde da Barca para o seu ministério. Escreveu ao<br />
regente da Inglaterra se queixan<strong>do</strong> e foi essa a causa imediata <strong>do</strong><br />
afastamento <strong>do</strong> embaixa<strong>do</strong>r inglês.<br />
53
por libra. Aliás, quan<strong>do</strong> voltou para Portugal, passou também<br />
este papagaio para o filho d. Pedro.<br />
Dormin<strong>do</strong> com o inimigo<br />
A vida de d. João VI, assim com seria a de seu filho<br />
Pedro, é cheia de coisas inusitadas. Não tanto o casamento<br />
com uma infanta espanhola pois isso era extremamente<br />
comum, como vimos. Aliás, este hábito vinha desde os<br />
tempos <strong>do</strong>s mouros quan<strong>do</strong> os <strong>rei</strong>nos de Castela, Aragon,<br />
Leon e Portugal, de vez em quan<strong>do</strong>, tinham que se entender<br />
para garantir um pouco de descanso no meio daquelas<br />
batalhas constantes. Mas, no caso <strong>do</strong> infante d. João, a noiva<br />
escolhida para ele seria a última pessoa <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> que poderia<br />
fazê-lo minimamente feliz. Também pudera, além de muito<br />
feia, vivia conspiran<strong>do</strong> contra ele. Mas, enfim, coube-lhe a<br />
mão de Carlota Joaquina Teresa Caytana de Bourbon e<br />
Bourbon, filha <strong>do</strong> <strong>rei</strong> da Espanha e bisneta <strong>do</strong> <strong>rei</strong> da França.<br />
Não obstante toda essa realeza, não ostentava mais <strong>do</strong> que<br />
1,50 metros de altura para um corpo desajeita<strong>do</strong>, locomovi<strong>do</strong><br />
por uma claudicante perna manca. Dizem que na toalete da<br />
manhã tinha que raspar uma penugem preta que teimava em<br />
lhe nascer no rosto to<strong>do</strong> dia e que, se não fosse essa<br />
providência, agregariam uma barba ao seu queixo<br />
proeminente e um bigode entremea<strong>do</strong> entre seus lábios finos<br />
e seu nariz pontu<strong>do</strong>. Contu<strong>do</strong>, mesmo assim, o pobre d. João<br />
teve que desposá-la quan<strong>do</strong> ela tinha apenas dez anos de<br />
idade. Aos quinze o casamento se consumou e d. João não se<br />
fez de roga<strong>do</strong> foi em frente, engravidan<strong>do</strong> d. Carlota nada<br />
menos <strong>do</strong> que nove vezes. Do consórcio nasceram, entre<br />
outros, d. Pedro, d. Miguel e Maria Isabel, a futura trágica<br />
rainha da Espanha por casamento com seu tio Fernan<strong>do</strong> VII,<br />
54
conforme aquela história que contamos quan<strong>do</strong> tratamos <strong>do</strong>s<br />
infortúnios <strong>do</strong>s Bragança.<br />
Está certo que d. João - até para fazer juz ao seu<br />
codinome de O Magnânimo - cumpria com deno<strong>do</strong> e<br />
resignação seu dever conjugal, mas seria um exagero dizer que<br />
ele prezava a companhia da esposa. Aliás, a recíproca era<br />
verdadeira. De sorte que cada um procurava viver em um<br />
canto, longe <strong>do</strong> outro. Em Portugal ele preferia viver no<br />
Palácio de Mafra enquanto d. Carlota ficava no Palácio de<br />
Queluz, com os filhos e a sogra. Na chegada ao Rio de<br />
Janeiro, o príncipe regente foi morar em São Cristovão e sua<br />
mulher foi para Botafogo. Claro que o isolamento <strong>do</strong> mari<strong>do</strong><br />
em relação à mulher, e vice-versa, não implicava em<br />
comportada abstinência das delícias <strong>do</strong> sexo pelo<br />
descombina<strong>do</strong> casal. Mas, mesmo nesse particular, d. Carlota<br />
era muito mais ativa <strong>do</strong> que o mari<strong>do</strong>. Enquanto ela tinha<br />
fama de ser uma espanhola quente e inquieta, parece que d.<br />
João – fazen<strong>do</strong> juz a sua notória timidez - só teve uma única<br />
amante em toda a sua vida. Trata-se de uma brasileira filha de<br />
d. Rodrigo José de Menezes e que nasceu em Vila Rica<br />
quan<strong>do</strong> seu pai era governa<strong>do</strong>r da capitania de Minas Gerais.<br />
Não faltam aqueles que suspeitam que d. João tivesse<br />
certas tendências homossexuais e que o visconde de Vila<br />
Nova da Rainha fosse seu companheiro inseparável nessas<br />
horas hetero<strong>do</strong>xas. Está certo que eles trocavam cartas um<br />
tanto amorosas, mas pode haver um certo exagero na<br />
interpretação da extensão daquelas delicadezas.<br />
Mas o maior aborrecimento que d. Carlota causava ao<br />
mari<strong>do</strong> não era sua proximidade física e sim sua desmedida<br />
ambição política. É que ela tinha o hábito de conspirar contra<br />
ele. Pobre d. João, longe sua mulher podia causar ainda mais<br />
aborrecimentos. Parece que ela tinha ambições de reunir<br />
55
novamente Espanha e Portugal sob a mesma coroa, e mais,<br />
colocar essa coroa sobre sua própria cabeça.<br />
A primeira conspiração de Carlota Joaquina contra o<br />
mari<strong>do</strong> foi em 1805 quan<strong>do</strong> ela tinha apenas dezoito anos.<br />
Aquele não vinha sen<strong>do</strong> um bom ano para d. João. Ele estava<br />
meio deprimi<strong>do</strong>, choramingan<strong>do</strong> pelos cantos e buscan<strong>do</strong><br />
consolo na companhia <strong>do</strong>s padres. Privou-se das agitações da<br />
corte, das formalidades <strong>do</strong> trono, da tensão <strong>do</strong>s gabinetes, da<br />
algazarra das caçadas e foi viver recluso em Vila Viçosa, a sede<br />
<strong>do</strong> duca<strong>do</strong> de Bragança. Era a oportunidade que ela queria<br />
para declará-lo mentalmente incapaz e pleitear a regência.<br />
Formou um parti<strong>do</strong> e começou a urdir a deposição <strong>do</strong> mari<strong>do</strong><br />
nos recônditos <strong>do</strong> palácio. Alerta<strong>do</strong> para o golpe iminente o<br />
príncipe voltou apressa<strong>do</strong> a Lisboa, sufocou o golpe e<br />
reassumiu o governo. O conde de Vila Verde chegou a propor<br />
uma punição exemplar para d. Carlota, mas d. João, ven<strong>do</strong> aí<br />
uma boa chance de justificar sua intenção de se afastar<br />
definitivamente dela mas sem provocar um drama diplomático<br />
e familiar, man<strong>do</strong>u apenas que ela se mudasse de Queluz para<br />
a quinta <strong>do</strong> Ramalhão. Para ela acabou não sen<strong>do</strong> uma pena<br />
muito cruel pois ficou longe da obrigação de cuidar da sogra<br />
que, naquela altura, andava tresloucada pelos corre<strong>do</strong>res de<br />
Queluz com mania de estar sen<strong>do</strong> perseguida por demônios.<br />
Além disso d. Carlota gostou muito <strong>do</strong> jeitão <strong>do</strong> jardineiro <strong>do</strong><br />
Ramalhão e, dizem, acabou ten<strong>do</strong> uma filha com ele. D. João<br />
não engoliu essa muito bem e levou um ano para reconhecer a<br />
menina o que, certamente, só fez por conta de algum acor<strong>do</strong><br />
com sua perigosa mulher. Aliás, paira dúvida sobre a<br />
contribuição de d. João para que Carlota Joaquina pudesse dar<br />
à luz seus três últimos filhos, inclusive d. Miguel, de quem se<br />
suspeita ser filho <strong>do</strong> marques de Marialva. Fato é que a rainha<br />
tinha fama consolidada de não ser nem um pouco fiel, quer<br />
no trono, quer na cama. Dizem que suas diversões favoritas<br />
56
eram cavalos e homens. Ou seja, a<strong>do</strong>rava cavalgar e ser<br />
cavalgada. Também gostava de achacar os passantes com sua<br />
majestade burbônica. Sempre que ela saía a passear pelo Rio<br />
de Janeiro as pessoas que encontrava no caminho tinham que<br />
se ajoelhar e prestar humildes reverências, coisa desusada até<br />
nas cortes mais conserva<strong>do</strong>ras da Europa. Exigia essa absurda<br />
submissão até mesmo <strong>do</strong> corpo diplomático. Isso acabou<br />
geran<strong>do</strong> alguns incidentes. Foi o caso <strong>do</strong> embaixa<strong>do</strong>r<br />
americano que se recusou a prestar as tais reverências e ao ser<br />
ameaça<strong>do</strong> pelos guardas sacou cinematograficamente suas<br />
pistolas <strong>do</strong> coldre e ameçou atirar o que fez a rainha desistir<br />
da idéia de submetê-lo, ainda mais sen<strong>do</strong> ele um republicano<br />
de berço. Mas ela não deixou de se queixar ao <strong>rei</strong>. D. João,<br />
para não criar poblemas nem com a mulher nem com o corpo<br />
diplomático, baixou um decreto esperto determinan<strong>do</strong> que os<br />
estrangeiros estavam obriga<strong>do</strong>s a prestar no Brasil apenas as<br />
reverências a que estavam obriga<strong>do</strong>s em seu próprios países.<br />
Por conta <strong>do</strong> salomônico decreto não tinha mais como haver<br />
constrangimentos. A rainha, com certeza, não gostou, mas<br />
não tinha argumentos e desta vez deixou o mari<strong>do</strong> no seu<br />
sagra<strong>do</strong> sossego.<br />
A próxima tentativa de golpe da irriquieta princesa<br />
espanhola foi contra o irmão Fernan<strong>do</strong>. Aproveitou-se da<br />
deposição dele <strong>do</strong> trono espanhol por Napoleão Bonaparte e<br />
tentou ser aclamada princesa regente da Espanha, governan<strong>do</strong><br />
a partir das colonias espanholas na América, com capital em<br />
Buenos Aires. O plano era meio absur<strong>do</strong> e só conseguiu apoio<br />
de maior peso na pessoa <strong>do</strong> almirante inglês Sidney Smith.<br />
Ele, porém, não conseguiu sensibilizar o governo britânico<br />
para levar a emp<strong>rei</strong>tada adiante. É possível até que nem ele<br />
mesmo estivesse empenha<strong>do</strong> de fato no plano de d. Carlota. É<br />
que os encontros <strong>do</strong> almirante inglês com a rainha para tratar<br />
57
<strong>do</strong> assunto eram priva<strong>do</strong>s, nas horas e locais mais impróprios<br />
e cheios de risinhos maliciosos. Ninguém acreditava mesmo<br />
que eles estivessem conspiran<strong>do</strong>, a não ser, claro, contra a<br />
honra <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>.<br />
Outras tentativas de golpes contra d. João ocorreriam<br />
mas, a partir daí, ele ficou muito mais atento. Isso, contu<strong>do</strong>,<br />
não impediu que ele viesse a morrer provavelmente<br />
envenena<strong>do</strong>. Há quem diga que d. Carlota Joaquina estava por<br />
trás desse trágico desfecho. Mas essa não é a única suspeita de<br />
assassinato que paira sobre ela. Conta-se que d. Gertrude<br />
Angélica Pedra Carneiro Leão casada com José Fernan<strong>do</strong><br />
Carneiro Leão, diretor <strong>do</strong> Banco <strong>do</strong> Brasil e suposto amante<br />
de d. Carlota, foi assassinada no Rio de Janeiro a man<strong>do</strong> da<br />
rainha e que o inquérito tinha si<strong>do</strong> arquiva<strong>do</strong> a man<strong>do</strong> de d.<br />
João. Parece que ele preferiu que a mulher ficasse na posição<br />
de suspeita de assassinato <strong>do</strong> que ele na posição de corno<br />
comprova<strong>do</strong>. Era mais um <strong>do</strong>s tantos aborrecimentos que ela<br />
trazia ao mari<strong>do</strong>, inclusive instigan<strong>do</strong> o filho d. Miguel a<br />
também conspirar contra o pai, o que ele fez com absur<strong>do</strong><br />
entusiasmo e que, aliás, faria também contra o irmão d. Pedro.<br />
Mas d. Carlota morreu feliz pois, quan<strong>do</strong> deixou este<br />
mun<strong>do</strong> cruel, d. Miguel tinha usurpa<strong>do</strong> o trono portugues e<br />
<strong>rei</strong>nava absoluto, aterrorizan<strong>do</strong> os liberais, apoia<strong>do</strong> pelos<br />
padres, pelos camponeses e pelos nobres conserva<strong>do</strong>res<br />
portugueses em geral. Então o mari<strong>do</strong> tinha si<strong>do</strong> assassina<strong>do</strong>,<br />
o filho mais velho tinha si<strong>do</strong> traí<strong>do</strong>, as Cortes de Lisboa<br />
estavam desfeitas e a constituição liberal portuguesa tinha si<strong>do</strong><br />
jogada no lixo. D. Carlota, claro, finalmente, tinha consegui<strong>do</strong><br />
o que queria. Mas dizem que ela morreu meio maluca,<br />
vagan<strong>do</strong> em andrajos pelo Palácio de Queluz, debaixo de uma<br />
cabeleira branca vasta e desgrenhada. Logo ela que, no Brasil<br />
gostava de se vestir como uma verdadeira Carmem Miranda<br />
oitocentista coberta de plumas e de joias. É fato que essa<br />
58
espanhola corajosa e in<strong>do</strong>mável morreu pobre e meio<br />
aban<strong>do</strong>nada e certamente, não morreu feliz, mesmo com o<br />
filho preferi<strong>do</strong> finalmente assenta<strong>do</strong> no trono portugues que<br />
ela tantas vezes quis para si própria.<br />
Nasce o infante Pedro<br />
Foi mais no final <strong>do</strong> século XIX que as histórias das<br />
carochinhas começaram a transformar sapos em príncipes.<br />
Era relativamente fácil: bastava o beijo corajoso de uma<br />
legítima princesa. Na dinastia <strong>do</strong>s Bragança também não era<br />
muito dificil se virar príncipe. Claro, tinha-se que nascer<br />
infante, ou seja tinha-se que ser filho <strong>do</strong> <strong>rei</strong> ou <strong>do</strong> próprio<br />
príncipe herdeiro. Depois a natureza cuidava <strong>do</strong> resto, visto<br />
que, a mortalidade entre as famílias reais era bastante alta,<br />
como de resto na população como um to<strong>do</strong>, notadamente na<br />
população infantil. Mas entre as famílias nobres em geral ainda<br />
tinha o agravante <strong>do</strong>s casamentos consanguínios que podiam<br />
potenciar as fragilidades genéticas. Vai daí que relativamente<br />
poucos <strong>rei</strong>s portugueses entre os Bragança, tinham nasci<strong>do</strong><br />
príncipes. Dizem até que havia uma maldição por conta da<br />
praga que um frade rogou por ter si<strong>do</strong> maltrata<strong>do</strong> por d. João<br />
IV que se recusou a dar-lhe esmolas e, provavelmente, ainda<br />
fez um comentário grosseiro. Isso agastou muito o tal frade<br />
pois ele devia ser humilde mas não tinha sangue de barata.<br />
A praga comecou a fazer efeito já na primeira geração:<br />
o príncipe era d. Teodósio, primogênito de d. João IV. Ele<br />
morreu com dezenove anos e não chegou a assumir o trono.<br />
O título, como vimos, foi para seu irmão d. Afonso VI que<br />
subiu ao trono em 1662. Acabou deposto por seu irmão mais<br />
novo Pedro que, também não ten<strong>do</strong> nasci<strong>do</strong> príncípe assumiu<br />
como regente e depois virou <strong>rei</strong>, desvian<strong>do</strong> a linha original de<br />
59
sucessão. O primogênito de d. Pedro era João de Bragança,<br />
mas ele só foi príncipe por quinze dias, tempo que durou a sua<br />
efêmera vida. No ano seguinte nascia outro João, que pela<br />
morte prematura <strong>do</strong> seu irmão mais velho, já nasceu príncipe<br />
herdeiro <strong>do</strong> trono, caso raro mas também decorrente <strong>do</strong><br />
habitual infortúnio bragantino <strong>do</strong>s primogênitos. Este veio a<br />
ser o famoso D. João V. Ele próprio, em 1734, reformou a<br />
titulação <strong>do</strong>s herdeiros da família real da Dinastia de Bragança,<br />
determinan<strong>do</strong> que o título de príncipe ou princesa da Beira<br />
passasse a identifica o primogênito <strong>do</strong> herdeiro da coroa. O<br />
herdeiro, por sua vez, ficaria com o título de Príncipe <strong>do</strong><br />
Brasil. Aí, mais uma vez, a roda da fortuna girou tiran<strong>do</strong> o<br />
título <strong>do</strong> primogênito. O primeiro filho varão de d. João V<br />
chamou-se Pedro e, por primeiro, nasceu Príncipe <strong>do</strong> Brasil,<br />
quer dizer, herdeiro da coroa. Mas ele sobreviveu apenas <strong>do</strong>is<br />
anos e o título foi parar no colo de seu irmão d. José que<br />
assumiu e governou até 1777. Foi substitui<strong>do</strong> por sua filha d.<br />
Maria, essa sim, nascida princesa e que chegou a rainha, sem<br />
que para isso algum irmão seu tivesse que ficar pelo caminho.<br />
Mas o caso é único e a regra continuou depois dela e até com<br />
um certo exagero. O primogénito de d. Maria I era d. José,<br />
portanto, nasceu príncipe <strong>do</strong> Brasil, herdeiro <strong>do</strong> trono. O<br />
nosso futuro d. João VI era apenas o quarto na linha de<br />
sucessão, mas acabou viran<strong>do</strong> príncipe regente pela morte de<br />
seus três irmãos mais velhos. D. José, o príncipe original,<br />
morreu em 1788 aos vinte e oito anos, d. João de Bragança<br />
nasceu já sem vida e d. João Francisco viveu pouco mais de<br />
um mês. Na sequência chegamos ao caso <strong>do</strong> nosso Pedro de<br />
Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula<br />
60
Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano<br />
Serafim de Bragança e Bourbon 16 . Ele foi o quinto príncipe da<br />
Beira mas, seguin<strong>do</strong> a tradição, nasceu apenas infante e prior<br />
<strong>do</strong> Crato pois o título já pertencia a seu irmão mais velho d.<br />
Antônio que faleceu com seis anos de idade. De sorte que em<br />
1801 d. Pedro de Alcântara se tornava o príncipe da Beira.<br />
Não chegou a ser príncipe <strong>do</strong> Brasil pois o herdeiro era seu<br />
pai, já então príncipe regente. 17 Nasceu no Palácio de Queluz<br />
no dia 12 de outubro de 1798 e naquele tempo é possível que<br />
as relações entre seus pais já estivessem em adianta<strong>do</strong> esta<strong>do</strong><br />
de deterioração. Naquele palácio, que muitos rotulavam de<br />
uma imitação barata <strong>do</strong> Palácio de Versailles, passou os<br />
primeiros anos de vida curtin<strong>do</strong> as alamedas ajardinadas e as<br />
pinturas <strong>do</strong> teto da “sala D. Quixote” que talvez até viessem a<br />
influenciar sua venturosa vida futura. Tinha apenas sete anos<br />
quan<strong>do</strong> ocorreu aquela tentativa de golpe que separou de vez<br />
d. João e d. Carlota. Deve ter ti<strong>do</strong> uma infância nada fácil<br />
conviven<strong>do</strong> com uma mãe que gostava muito mais <strong>do</strong> irmão<br />
d. Miguel <strong>do</strong> que dele e com uma avó demente, vestida de luto<br />
eterno e com um terço indefectível enrola<strong>do</strong> nas mãos de<br />
16 Dizem que no nascimento de d. Pedro, d. Carlota teria sofri<strong>do</strong><br />
terríveis contrações durante quatro dias, mas enfrentou o<br />
sofrimento com notável coragem. Talvez por conta disso é que ele<br />
teria dito ““Sei que minha mãe é uma cadela, mas ela me trouxe a esse<br />
mun<strong>do</strong> sem me<strong>do</strong>”.<br />
17 Depois da vinda da família real para o Brasil, com a criação <strong>do</strong><br />
Reino Uni<strong>do</strong>, o título de Príncipe <strong>do</strong> Brasil foi extinto e assim d.<br />
Pedro de Alcântara passou a ser “Príncipe Herdeiro <strong>do</strong> Reino<br />
Uni<strong>do</strong> de Portugal, Brasil e Algarves”.<br />
61
cera. Além disso, d. Carlota não tinha mesmo muito tempo<br />
para os filhos, estan<strong>do</strong> sempre ocupada mergulhada numa<br />
atmosfera diuturna de fantasias musicais de mau gosto nos<br />
jardins de Queluz. Típico de uma Versailles pobretona. Talvez<br />
por isso ele se sentisse muito mais liga<strong>do</strong> ao pai <strong>do</strong> que<br />
àquelas mulheres, apesar dele estar quase sempre mais<br />
distante, em Mafra ou Vila Viçosa.<br />
<strong>Os</strong> historia<strong>do</strong>res, em geral, informam que nosso Pedro<br />
de Alcântara, teve uma educação descurada, especialmente por<br />
ela, na sua essência, ter aconteci<strong>do</strong> fora da Europa, num certo<br />
país tropical, distante e iletra<strong>do</strong>. Apontam como prova disso,<br />
sobretu<strong>do</strong>, a grafia claudicante <strong>do</strong>s seus escritos. Há um certo<br />
exagero nessa conclusão, primeiro porque as regras<br />
gramaticais e ortográficas naquele tempo não eram muito bem<br />
convencionadas e segun<strong>do</strong> porque d. Pedro escrevia com<br />
regular habitualidade, dispensan<strong>do</strong> a ajuda de terceiros na<br />
redação <strong>do</strong>s seus principais discursos. Seus textos, se não<br />
primam propriamente pelo refinamento literário, também não<br />
chegam a comprometer. Uma comparação cronológica <strong>do</strong>s<br />
<strong>do</strong>cumentos que deixou mostra a clara melhoria <strong>do</strong> seu texto<br />
ao longo <strong>do</strong>s anos. Era um missivista compulsivo que tinha o<br />
hábito de escrever cartas em série tratan<strong>do</strong> <strong>do</strong> mesmo assunto.<br />
Sempre que se sentia ofendi<strong>do</strong> publicava um artigo na<br />
imprensa se defenden<strong>do</strong> sob pseudônimo. Gostava de inserir<br />
expressões latinas nos seus textos e dizem que se distraiu na<br />
travessia <strong>do</strong> Atlântico rumo ao Brasil len<strong>do</strong> Virgílio no<br />
original. Isso aos nove anos de idade! 18 Além disso, <strong>do</strong>minava<br />
18<br />
Embora haja um pouco de exagero, essa história não é de to<strong>do</strong><br />
impossível pois junto <strong>do</strong> pequeno príncipe viajou F<strong>rei</strong> Antônio da<br />
Arrábida, franciscano que tinha si<strong>do</strong> bibliotecário da magnífica<br />
livraria <strong>do</strong> palácio de Mafra. Ele bem pode ter aproveita<strong>do</strong> a<br />
travessia para exercitar o futuro pupilo num pouco de latim.<br />
62
azoavelmente as técnicas musicais, tinha um certo talento<br />
para compor e não tinha dificuldades de se comunicar nas<br />
línguas cultas da época. Aliás, o talento musical era uma marca<br />
da Dinastia de Bragança e dizem que d. João IV – o funda<strong>do</strong>r<br />
da dinastia – tocava to<strong>do</strong>s os instrumentos existentes no seu<br />
tempo. De qualquer forma, quan<strong>do</strong> d. Pedro desembarcou no<br />
Brasil, em plena primeira infância, trazia muito pouco das<br />
luzes da cultura europeia e jamais teria como recuperar essa<br />
carência na sua pátria a<strong>do</strong>tiva. Não porque não tivesse bons<br />
mestres à sua disposição e sim porque não havia disciplina na<br />
corte tropical de d. João. Com certeza essa lacuna alimentou<br />
um certo preconceito contra ele e os escritos de viajantes<br />
estrangeiros e os relatórios diplomáticos da época mostram<br />
isso com clareza. Também não teria oportunidade de se<br />
ilustrar melhor quan<strong>do</strong> retornou à Europa. Sua curta vida no<br />
velho mun<strong>do</strong> não lhe ofereceu tempo senão para pegar em<br />
armas tentan<strong>do</strong> recuperar o trono da pequenina filha. Daí,<br />
para os portugueses, ele foi, sobretu<strong>do</strong> o “Rei Cavaleiro” ou o<br />
“Rei Solda<strong>do</strong>”. Mas não se esqueceram que acima de tu<strong>do</strong> ele<br />
tinha da<strong>do</strong> a Portugal uma constituição que, de qualquer<br />
forma, organizou o país num perío<strong>do</strong> particularmente difícil<br />
para a gente lusa. Por isso também o chamaram “O<br />
Liberta<strong>do</strong>r”.<br />
O fim <strong>do</strong> <strong>do</strong>ce <strong>rei</strong>no tropical<br />
Napoleão Bonaparte invadiu Portugal três vezes. A<br />
de desfecho mais rápi<strong>do</strong> foi exatamente aquela que espantou a<br />
família real. Embora tenha si<strong>do</strong> a única que resultou na<br />
ocupação efetiva de Lisboa, durou apenas nove meses e no dia<br />
30 de agosto de 1808, já era assinada a convenção de Sintra<br />
pela qual o general Junot se comprometia a deixar Portugal.<br />
63
Foi um acor<strong>do</strong> arranja<strong>do</strong> à conveniência de ingleses e<br />
franceses, de forma que o general invasor pôde deixar o país<br />
tranquilamente levan<strong>do</strong> o fruto das suas pilhagens, para<br />
indignação geral <strong>do</strong>s portugueses. <strong>Os</strong> solda<strong>do</strong>s franceses<br />
entraram em Lisboa como verdadeiros mendigos, sujos e<br />
esfomea<strong>do</strong>s e sairam cheios de ouro e pratarias, rouba<strong>do</strong>s às<br />
igrejas e palácios. Tomava outro destino, então, muito da<br />
riqueza que o aventu<strong>rei</strong>ro luso tinha acumula<strong>do</strong> em séculos de<br />
agressiva política colonial no ocidente e no oriente, inclusive<br />
no Brasil que agora acolhia a real família tentan<strong>do</strong> formar um<br />
ninho no meio de tantos destroços coloniais. Mas a política de<br />
ocupação <strong>do</strong>s franceses era assim desde os tempos <strong>do</strong><br />
diretório quan<strong>do</strong>, embala<strong>do</strong>s pelos calores da sua grande<br />
revolução, iam saquean<strong>do</strong> os <strong>rei</strong>nos que ameaçavam as<br />
conquistas <strong>do</strong>s novos cidadãos. Napoleão, então, levava essa<br />
política com ar<strong>do</strong>r e refinamento, enchen<strong>do</strong> a França também<br />
com preciosas obras de arte. <strong>Os</strong> italianos que o digam. No<br />
fun<strong>do</strong> a efêmera conquista não tinha si<strong>do</strong> mau negócio, até<br />
porque, os próprios ingleses se encarregaram de levar o fruto<br />
da pilhagem em seus navios entregan<strong>do</strong>-o em <strong>do</strong>micílio. Quer<br />
dizer, o primeiro encontro de ingleses e franceses nas terras<br />
lusas aban<strong>do</strong>nadas pelo <strong>rei</strong> tinha muito mais de<br />
confraternização <strong>do</strong> que de confronto.<br />
Com o acor<strong>do</strong> de Sintra formaliza<strong>do</strong>, talvez d. João até<br />
já pudesse voltar ao seu país mas, como era da sua ín<strong>do</strong>le,<br />
apelou para a marcha lenta mais uma vez e preferiu aguardar<br />
que Napoleão fosse efetivamente desarma<strong>do</strong> e não mais se<br />
constituísse numa ameaça para a Europa. Aliás, justiça seja<br />
feita, quan<strong>do</strong> partiu ele já tinha avisa<strong>do</strong> que só voltaria depois<br />
da paz geral. Portanto, sua preguiça tropical já tinha si<strong>do</strong><br />
previamente anunciada. E ele tinha razão pois as tentativas de<br />
<strong>do</strong>minação pelos franceses, continuariam ao longo <strong>do</strong>s<br />
próximos sete anos. Logo depois <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> de Sintra o<br />
64
príncipe regente concor<strong>do</strong>u que o general inglês William<br />
Beresford cuidasse da reorganização <strong>do</strong> exército português<br />
para fazer frente à ameaça <strong>do</strong> corso, inconforma<strong>do</strong> com o<br />
desfecho desfavorável <strong>do</strong> caso luso. Napoleão queria<br />
redesenhar o mapa monárquico da Europa e mudar os<br />
inquilinos <strong>do</strong>s tronos e Portugal não podia ficar de fora tão<br />
facilmente.<br />
O general Beresford fez bem mais <strong>do</strong> que o príncipe<br />
regente lhe pediu: transformou Portugal numa imensa caserna<br />
e se pôs à frente dela. Talvez não pudesse ter si<strong>do</strong> diferente<br />
naqueles tempos pois a libertação de Portugal não estava<br />
mesmo garantida e várias batalhas continuaram a ser travadas<br />
em vários pontos <strong>do</strong> país.<br />
Em 1810 Napoleão resolveu arriscar de novo uma<br />
invasão mais contundente. Botou à frente <strong>do</strong> exército o<br />
general Masséna, um <strong>do</strong>s seus oficiais mais brilhantes. À<br />
frente <strong>do</strong>s exércitos luso-britânicos postou-se outro general<br />
não menos brilhante: Arthur Wellesley - o futuro duque de<br />
Wellington. O avanço <strong>do</strong> exército francês acabou barra<strong>do</strong> na<br />
linha de Torres Vedras, garanti<strong>do</strong> a cidadela de Lisboa. As<br />
batalhas continuaram ainda por mais quatro anos com vitórias<br />
crescentes <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s, até que Napoleão acabou obriga<strong>do</strong> a<br />
abdicar. Tentou um retorno menos de um ano depois mas foi<br />
definitivamente abati<strong>do</strong> pelo duque de Wellington e<br />
destrona<strong>do</strong> em 22 de junho de 1815.<br />
Havia mais de oito anos que a família real estava no<br />
Brasil e desta vez d. João não tinha mais nenhum motivo para<br />
não voltar. Mas, ao contrário, o príncipe regente confirmou<br />
Beresford como uma espécie de governa<strong>do</strong>r militar de<br />
Portugal e continuou devoran<strong>do</strong> seus frangos e suas frutas<br />
tropicais e brincan<strong>do</strong> com as araras da Quinta de Boa Vista e<br />
<strong>do</strong> Sítio de Santa Cruz, tal qual um senhor rural tipicamente<br />
65
tupiniquim. Enquanto isso Beresford ia aborrecen<strong>do</strong> os<br />
portugueses, gente orgulhosa que não tolerava que, depois da<br />
aniquilação <strong>do</strong> poderio napoleônico, seu país estivesse sen<strong>do</strong><br />
governa<strong>do</strong> por um inglês, militar duro e arrogante de origem<br />
irlandesa. Mas d. João continuou sossega<strong>do</strong> e permaneceu<br />
assim até 1820. Desde 1815 já havia clima de revolta em<br />
Portugal, mas o <strong>rei</strong> preferia ficar longe, dan<strong>do</strong> tempo ao<br />
tempo, confian<strong>do</strong> na sua velha estratégia da acomodação<br />
histórica, procuran<strong>do</strong> não levar em conta que ela de fato existe<br />
mas nem sempre joga a favor de quem espera. Foi aí que<br />
estourou a revolução liberal <strong>do</strong> Porto e ele passou muito<br />
tempo sem ter um minuto de paz pois, quan<strong>do</strong> não estava<br />
enfrentan<strong>do</strong> os desafios das Cortes de Lisboa, estava sen<strong>do</strong><br />
aborreci<strong>do</strong> com as conspirações da mulher e <strong>do</strong> filho caçula.<br />
É que o povo português estava farto <strong>do</strong> autoritarismo da junta<br />
governativa portuguesa e <strong>do</strong> marechal Beresford. Na verdade<br />
por trás <strong>do</strong> movimento da cidade <strong>do</strong> Porto estava o sinal <strong>do</strong>s<br />
tempos, quer dizer, depois <strong>do</strong> iluminismo, da revolução<br />
francesa e das guerras napoleônicas, a Europa jamais poderia<br />
ser a mesma. De sorte que, embora se continuasse toleran<strong>do</strong><br />
os regimes monárquicos 19 , o absolutismo já começava a não<br />
ser mais admiti<strong>do</strong> e a moda passava a ser as monarquias<br />
constitucionais.<br />
O levante bem sucedi<strong>do</strong> na cidade <strong>do</strong> Porto abriu<br />
espaço para a instalação de uma junta provisória que, em<br />
nome <strong>do</strong> <strong>rei</strong> d. João VI, convocou as Cortes para elaboração<br />
de uma constituição liberal. Ato contínuo a revolta irrompe<br />
em Lisboa e o povo, devidamente escora<strong>do</strong> por apoio militar,<br />
19 Naquela altura o regime republicano, na acepção moderna, só<br />
existia nas Américas e os europeus, em geral, ainda o viam como<br />
uma coisa meio exótica.<br />
66
depõe a junta de governo oficial e forma uma outra que<br />
depois se funde com a junta <strong>do</strong> Porto. Nessa altura Beresford<br />
estava no Rio de Janeiro, confabulan<strong>do</strong> com d. João sobre o<br />
clima tenso que já vinha <strong>rei</strong>nan<strong>do</strong> em Portugal há alguns anos.<br />
Sua ausência até facilitou as coisas já que, o aspecto de<br />
guer<strong>rei</strong>ro mutila<strong>do</strong> que Beresford exibia, costumava meter<br />
me<strong>do</strong> em opositores pois, além de alto e corpulento, tinha um<br />
olho vaza<strong>do</strong>, fruto de um balaço que levou numa batalha 20 .<br />
Quan<strong>do</strong> o general retornou a Lisboa foi impedi<strong>do</strong> de<br />
desembarcar e rumou para a Inglaterra, encerran<strong>do</strong> sua<br />
car<strong>rei</strong>ra em terras lusas, para alívio da gente de lá. Estava<br />
vitoriosa a revolução liberal portuguesa. Mas como a história<br />
dá muitas voltas, tal qual aconteceu com a revolução francesa,<br />
os frutos imediatos <strong>do</strong> movimento português foram pífios,<br />
como veremos depois. Mas, de qualquer forma, no dia 26 de<br />
janeiro de 1821 as Cortes de Lisboa expediam um manifesto<br />
exigin<strong>do</strong> a presença de d. João VI em Portugal. Ele postergou<br />
o retorno até 26 de abril e só embarcou depois que a situação<br />
no Brasil estava caminhan<strong>do</strong> para se tornar pior <strong>do</strong> que a que<br />
o aguardava em Lisboa. Dá para imaginar o espírito de d. João<br />
na viagem de retorno, melancólico a lamentar ter que deixar as<br />
delícias bucólicas <strong>do</strong> Palácio da Quinta da Boa Vista e <strong>do</strong><br />
Jardim Botânico. Talvez nem em Mafra pudesse mais morar,<br />
ten<strong>do</strong> que ficar em Lisboa aturan<strong>do</strong> os desaforos <strong>do</strong>s<br />
deputa<strong>do</strong>s lusos, naquela altura cheios de arrogância, ansiosos<br />
por devolver os anos de humilhante submissão aos <strong>rei</strong>s que<br />
tiveram que suportar desde os tempos de d. Afonso<br />
Henriques.<br />
20<br />
Patrick Wilcken informa que a lesão tinha si<strong>do</strong> fruto de um<br />
acidente em uma caçada e não adquirida em batalha.<br />
67
D. Pedro ficava no Brasil como príncipe regente. A<br />
intenção inicial <strong>do</strong> <strong>rei</strong> era mandar o filho negociar com as<br />
Cortes uma constituição mais amena, mas acabou fican<strong>do</strong><br />
com me<strong>do</strong> <strong>do</strong> que d. Pedro pudesse fazer, sen<strong>do</strong> ele próprio<br />
um liberal constitucionalista. Assim, mu<strong>do</strong>u de ideia e resolver<br />
voltar ele mesmo. A última recomendação que d. João deixou<br />
ao filho foi que ficasse atento e que, se necessário, tomasse a<br />
frente da independência <strong>do</strong> Brasil, antes que algum<br />
aventu<strong>rei</strong>ro o fizesse. Eis o <strong>rei</strong> como de fato era: cauteloso e<br />
sagaz.<br />
A demora de d. João VI em retornar a Portugal não<br />
era, de fato, só questão de preguiça e fascínio tropical.<br />
Conduzi<strong>do</strong> por aquela arguta percepção de que era <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>,<br />
buscou aproveitar-se das circunstâncias de poder estar tão<br />
longe <strong>do</strong> caldeirão fervente da política europeia pós furacão<br />
napoleônico É que no Brasil d. João VI teria muito melhores<br />
condições de resistir às pressões britânicas, num mun<strong>do</strong><br />
recém saí<strong>do</strong> de uma guerra geral onde a pequena ilha<br />
confirmara sua posição de senhora <strong>do</strong>s mares e candidata a<br />
<strong>do</strong>na <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Para não se tornar definitivamente um mero<br />
quintal <strong>do</strong> império britânico, o <strong>rei</strong> tentava trazer para Portugal<br />
o apoio da Áustria e da França restaurada. Na América <strong>do</strong> Sul<br />
esmagaria Artigas e conquistaria o Uruguai. Desmancharia a<br />
estrutura colonial <strong>do</strong> Brasil e, tanto quanto possível, faria <strong>do</strong><br />
Rio de Janeiro uma cidade em condições de hospedar um<br />
<strong>rei</strong>no. Remodelaria a cidade, ampliaria o Palácio da Quinta da<br />
Boa Vista e tentaria cercar a corte de arte e fineza.<br />
De alguma forma a Europa tinha fica<strong>do</strong> mais perto.<br />
Portugal, contu<strong>do</strong>, ia ficar cada vez mais distante. Mas o <strong>do</strong>ce<br />
<strong>rei</strong>no tropical ficaria para sempre no coração de d. João VI.<br />
Ele devia a<strong>do</strong>rar o jeitinho brasileiro e em especial aquele<br />
68
sapientíssimo dita<strong>do</strong> nacional: “o balanço da carroça é que acomoda<br />
as melancias”.<br />
A era das revoluções<br />
No campo político o século de d. Pedro foi o século<br />
da prática revolucionária, assim como o século anterior tinha<br />
si<strong>do</strong> o século das ideias revolucionárias 21 . Tu<strong>do</strong> começou<br />
quan<strong>do</strong> os filósofos passaram a questionar certos valores até<br />
então inquestionáveis que vinham nortean<strong>do</strong> os rumos<br />
humanos desde a idade média. Surgiu o Iluminismo. Esse<br />
marco filosófico é o mais notável fruto <strong>do</strong> pensamento<br />
humano da era moderna. Está para a evolução da capacidade<br />
filosófica e política da humanidade assim como o<br />
Renascimento está para a evolução da arte. Varreu a Europa<br />
no século XVIII e trouxe mudanças substanciais, embora em<br />
grau diverso nos quatro la<strong>do</strong>s <strong>do</strong> continente. Também assim<br />
nas colônias subjugadas pelas grandes potências <strong>do</strong> velho<br />
mun<strong>do</strong>. Na França tomou uma conotação mais radical e fez<br />
rolar cabeças coroadas. Nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s gerou a primeira<br />
democracia da era moderna que, no seu bojo, deu lugar a<br />
maior potência mundial <strong>do</strong> século posterior. Em Portugal foi<br />
mais reformista e seu ponto culminante foi a reforma <strong>do</strong><br />
ensino perpetrada por Pombal e que fez nascer a nova<br />
Universidade de Coimbra. Ali as novas ideias impregnaram os<br />
estudantes brasileiros e portugueses de sonhos de liberdade,<br />
cujo projeto político teve na Inconfidência Mineira o seu<br />
ponto culminante no século XVIII no Brasil. Esta não vingou,<br />
21<br />
Embora a Revolução Francesa tenha eclodi<strong>do</strong> no final <strong>do</strong> século XVIII<br />
sua prática acabaria sen<strong>do</strong> um laboratório para o próprio amadurecimento<br />
das ideias revolucionárias subseqüentes.<br />
69
mas aqui como em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, nada seria mais como antes<br />
e os <strong>rei</strong>nos absolutistas principiaram a morrer e ideias como<br />
liberdade, democracia e república não puderam mais ser<br />
caladas nos cadafalsos e nas fogueiras tardias da inquisição. O<br />
homem assumiu a plena potencialidade da sua razão, nasceu a<br />
ciência moderna e começou a maravilhosa aventura <strong>do</strong><br />
conhecimento humano e da busca da felicidade. Esta, uma<br />
dádiva que Deus, enfim, não tinha reserva<strong>do</strong> apenas àqueles<br />
que nasceram com o sangue azul.<br />
Uma das coisas mais fantástica que o iluminismo criou<br />
foi o senti<strong>do</strong> de moral pública, essa coisa singela que nos<br />
ensina que é o di<strong>rei</strong>to <strong>do</strong>s outros que dá senti<strong>do</strong> ao meu<br />
di<strong>rei</strong>to e que a consciência disso é que garante a realização da<br />
dignidade das pessoas. Paralelamente se entendeu que essa<br />
moral estava lastreada em valores comuns a um grupo de<br />
pessoas que faziam com que elas se identificassem pela<br />
comunhão desses valores e, com base nisso, formassem uma<br />
nação. Empurra<strong>do</strong>s por essas novas formas de ver o mun<strong>do</strong><br />
uma gente deserdada, reprimida há século, partiu para encarar<br />
os <strong>rei</strong>s e exigir mais espaço no cenário das decisões que<br />
afetavam de forma crucial a sua vida.<br />
Grosso mo<strong>do</strong>, o moto da mudança política <strong>do</strong>s<br />
tempos modernos começou com a Revolução Francesa, no<br />
final <strong>do</strong> século XVIII. Mas o movimento batiza<strong>do</strong> no sangue<br />
derrama<strong>do</strong> no assalto às masmorras da Bastilha no<br />
inesquecível dia 14 de julho de 1789 produziu estron<strong>do</strong>s que<br />
ecoaram por to<strong>do</strong> o século XIX e fizeram dele a era das<br />
revoluções.<br />
Mas o modelo não foi o mesmo em to<strong>do</strong>s os lugares.<br />
Pelo menos no que diz respeito aos projetos políticos, aos<br />
anseios populares e à ação das novas lideranças que surgiam.<br />
Na revolução francesa faltaram projetos políticos consistentes<br />
e sobrou oportunismo demagógico das novas lideranças. Vai<br />
70
daí que no auge <strong>do</strong> seu perío<strong>do</strong> mais quente a revolução ia e<br />
vinha, ao sabor <strong>do</strong> convencimento <strong>do</strong>s ora<strong>do</strong>res mais hábeis e<br />
<strong>do</strong>s agita<strong>do</strong>res mais inescrupulosos. As leis nem tinham tempo<br />
de amadurecer e já morriam logo após o nascimento.<br />
No século XIX a coisa se inverteu um pouco e as<br />
cartas constitucionais passaram a nortear os rumos <strong>do</strong><br />
ativismo com um pouco mais de senti<strong>do</strong> e duração. Em<br />
ambos os perío<strong>do</strong>s, contu<strong>do</strong>, o povo não sabia muito bem o<br />
que queria e isso dificultava a estabilização de objetivos. Se na<br />
revolução francesa abundavam talentosos oportunistas, no<br />
século seguinte faltaram bons líderes para conduzir o processo<br />
através das inevitáveis águas turbulentas que toda revolução<br />
levanta. E assim continuou o desnorteio. Menos sangrento,<br />
mas de toda forma, repleto de volteios. É claro que no meio<br />
<strong>do</strong> pioneirismo <strong>do</strong> movimento francês, tu<strong>do</strong> era novo e não<br />
poderia mesmo haver projetos políticos claros. O que to<strong>do</strong>s<br />
sentiam é que havia uma força descomunal concentrada na<br />
indignação <strong>do</strong> povo, pronta para explodir. Era preciso<br />
primeiro fazer tal força extravasar, depois se veria o que fazer<br />
com tanta energia. Faz senti<strong>do</strong>. Eram inevitáveis tantos<br />
avanços e retrocessos, tanto descontrole, tantos imbecis<br />
esgrimin<strong>do</strong> o poder. Tanta coisa em tão pouco tempo.<br />
A própria tomada da Bastilha ilustra, em pequeno<br />
plano, a essência <strong>do</strong> modelo revolucionário incipiente daquele<br />
fim de século. E eis o obscuro cidadão Camille Desmoulins<br />
vociferan<strong>do</strong> mentiras pelas ruas de Paris, incitan<strong>do</strong> o povo a<br />
se armar e partir para a ofensiva. Resulta<strong>do</strong> trágico: a turba,<br />
completamente fora de controle, decapita o comandante da<br />
Bastilha, espeta sua cabeça numa lança e sai alucinada pelas<br />
ruas ostentan<strong>do</strong> o troféu macabro. Mas Desmoulins escolheu<br />
o alvo com incrível precisão. Uma masmorra abaixo, a<br />
liberdade corren<strong>do</strong> desvairada pelas ruas de Paris. Estava<br />
deflagra<strong>do</strong> um processo sanguinolento de mudança que<br />
71
levaria quase cem anos para se consolidar, cheio de avanços e<br />
retrocessos entremea<strong>do</strong>s de muita carnificina. A revolução<br />
propriamente dita durou até a promulgação da primeira<br />
constituição formal em 1791 22 . A partir daí o que se viu foi<br />
uma violenta dança das cadeiras com cada um queren<strong>do</strong> furar<br />
o olho <strong>do</strong> outro.<br />
Em 1792 começa a república e vai até 1804. Deixa os<br />
cadáveres de Marat, Danton e Robespierre no caminho;<br />
aquele apunhala<strong>do</strong> à traição e estes guilhotina<strong>do</strong>s em 1794, um<br />
após o outro. A França declara guerra a todas as grandes<br />
potências europeias. Tem início a exportação militar da<br />
revolução.<br />
Em 1799 instala-se o consula<strong>do</strong> militarista com<br />
Bonaparte à frente e as coisas ameaçam tomar novos rumos.<br />
De sorte que a república francesa começa a fenecer e não<br />
duraria, de fato, mais <strong>do</strong> que sete anos. Mas a declaração<br />
universal <strong>do</strong>s di<strong>rei</strong>tos <strong>do</strong> homem já tinha se torna<strong>do</strong> o<br />
breviário <strong>do</strong> liberalismo europeu e uma robusta baliza política<br />
estava estabelecida para nortear a humanidade a partir dali.<br />
A revolução da França contagiou o mun<strong>do</strong> que, aliás,<br />
estava mesmo pronto para ser contagia<strong>do</strong>, pois o lastro<br />
ideológico da mudança já estava consolida<strong>do</strong> e pronto.<br />
Ativistas e ideólogos de to<strong>do</strong> canto correram a Paris para<br />
22<br />
A maioria <strong>do</strong>s autores compartilha a opinião de que a Revolução<br />
Francesa tenha dura<strong>do</strong> até 1799 quan<strong>do</strong> se deu o golpe de 18<br />
brumário de Bonaparte. Eu, porém, prefiro entender que ela<br />
terminou com o arrefecimento da capacidade <strong>do</strong> povo de influir<br />
diretamente nas grandes decisões das assembleias revolucionárias, o<br />
que acabou em 1791. A partir daí o que se viu foi muito mais uma<br />
briga intestina de pessoas e parti<strong>do</strong>s, cada um queren<strong>do</strong> impor suas<br />
teorias sobre democracia, república e poder.<br />
72
assistir aos acontecimentos de perto. A imprensa mundial<br />
ainda engatinhava, mas não deixava de dar destaque à<br />
efervescência francesa. A agitação logo transborda as<br />
fronteiras e atinge os países vizinhos. Há agitações no Sacro<br />
Império, na Bélgica, na Holanda. Paralelamente vem o<br />
expansionismo militar da revolução, mesmo porque era<br />
preciso conter o reacionarismo <strong>do</strong>s <strong>rei</strong>s da Europa que<br />
achavam que aquela balbúrdia já estava in<strong>do</strong> longe demais.<br />
Juntou a fome <strong>do</strong>s deserda<strong>do</strong>s europeus com a vontade de<br />
comer <strong>do</strong>s revolucionários franceses. O país pode formar<br />
exércitos formidáveis já que tem vinte e sete milhões de<br />
habitantes e precisa arranjar ocupação para eles, pois a<br />
república tem que zelar pela dignidade de seus cidadãos. Nada<br />
mais digno <strong>do</strong> que a guerra <strong>do</strong> novo contra o velho regime.<br />
São os tentáculos da revolução abraçan<strong>do</strong> a Europa. A guerra<br />
começada em 1792 se amplia. Surgem grandes generais. Entre<br />
eles, Napoleão Bonaparte com espetaculares vitórias na Itália<br />
e no Egito. O general sanguinário é também um grande<br />
político. Tem um méto<strong>do</strong> esperto de alimentar a guerra: com<br />
o dinheiro <strong>do</strong>s saques de hoje equipa os exércitos das<br />
conquistas de amanhã. Forma um exército republicano cheio<br />
de novas e poderosas motivações pois cada um luta por si<br />
mesmo e não por um <strong>rei</strong> preguiçoso e distante. À frente da<br />
armada francesa iam generais competentes e ambiciosos,<br />
misto de patriotas e mercenários aos quais Napoleão per<strong>do</strong>ava<br />
pequenos saques silenciosos. Muitos deles, como prêmio por<br />
seu desempenho militar, viravam embaixa<strong>do</strong>res que, não raro,<br />
cultivavam o hábito de achacar os <strong>rei</strong>s das pequenas nações<br />
buscan<strong>do</strong> levar vantagens pessoais.<br />
Foi o caso de Leannes embaixa<strong>do</strong>r francês em Lisboa.<br />
Mais de uma vez ele se envolveu com contraban<strong>do</strong> em<br />
Portugal. Até tentou roubar d. João, exigin<strong>do</strong> indenização pelo<br />
suposto furto de uma baixela de prata que teria aconteci<strong>do</strong> em<br />
73
sua residência em Lisboa. Para dramatizar ainda mais o<br />
significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> obscuro furto, Leannes alegou que a tal baixela<br />
tinha si<strong>do</strong> presente <strong>do</strong> próprio Napoleão. E, assim,<br />
misturan<strong>do</strong> competência militar, arrogância diplomática e<br />
simples malandragem, o corso e seus generais vão levan<strong>do</strong> a<br />
Europa de roldão e vão salpican<strong>do</strong> pequenas repúblicas no<br />
continente <strong>do</strong>s <strong>rei</strong>s. A constituição francesa, claro, é o<br />
breviário a ser segui<strong>do</strong>.<br />
Em 1802, no tempo <strong>do</strong> consula<strong>do</strong>, os regimes<br />
republicanos centra<strong>do</strong>s na França já abraçam um terço <strong>do</strong>s<br />
europeus. Têm em comum constituições que valorizam os<br />
di<strong>rei</strong>tos civis, entre os quais a universalização <strong>do</strong> voto e a<br />
liberdade de imprensa e de culto. Mas há fortes resquícios <strong>do</strong><br />
passa<strong>do</strong>, de tal forma que um contato com os projetos de<br />
reforma de alguns soberanos assusta<strong>do</strong>s não é de to<strong>do</strong><br />
impensável. Contu<strong>do</strong>, mesmo nos cantos mais liberais ainda<br />
há um perío<strong>do</strong> de aprendiza<strong>do</strong> a ser cumpri<strong>do</strong>. De sorte que a<br />
censura não é de to<strong>do</strong> esquecida. Assembleias são dissolvidas<br />
para resolver dificuldades de convencimento. O próprio<br />
Napoleão faz isso na Itália. Há retrocessos postos em marcha.<br />
Bonaparte está cansa<strong>do</strong> de ser cônsul de uma república sem<br />
perspectivas e, assim, o século XIX acordaria <strong>do</strong> pesadelo <strong>do</strong><br />
final <strong>do</strong> século anterior com o corso sonhan<strong>do</strong> em se assentar<br />
no trono de Luiz XVI e, o que é pior, conduzi<strong>do</strong> pelo voto <strong>do</strong><br />
povo. O mesmo povo que quinze anos antes havia pega<strong>do</strong> em<br />
armas para derrubar o <strong>rei</strong>, agora votava pela volta da<br />
monarquia. Liberdade e república ficariam para mais tarde<br />
outra vez. O grande general não tinha ti<strong>do</strong> a menor<br />
dificuldade de iludir o povo de novo. Mas quis mais, quis ser<br />
impera<strong>do</strong>r, unin<strong>do</strong> a Europa numa monumental monarquia<br />
bastarda. É o povo em armas mais uma vez, se engajan<strong>do</strong> em<br />
batalhas que não eram mais suas. Mas aí entraria em cena o<br />
que sempre está em cena, quer dizer, a mão forte das grandes<br />
74
potencias militares a intervir nos destinos <strong>do</strong>s povos daqui e<br />
dacolá. Naquela altura os <strong>rei</strong>s ainda estavam fortes e o povo<br />
voltou a se lembrar disso com humildade e respeito.<br />
Com o corso venci<strong>do</strong>, exila<strong>do</strong> e morto, era tempo de<br />
restaurar as casas reais da Europa começan<strong>do</strong>, claro, pela<br />
própria França. <strong>Os</strong> Bourbon voltaram ao trono pela mão de<br />
Luis XVIII, irmão <strong>do</strong> <strong>rei</strong> decapita<strong>do</strong>. Mas então, gato pra lá de<br />
escalda<strong>do</strong>, sabia que tinha que resgatar um pouco da história<br />
tragicamente interrompida e tratou de tirar <strong>do</strong> bolso <strong>do</strong> colete<br />
o que to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> já sabia que estava lá: uma constituição que<br />
limitava seus próprios poderes e estabelecia os di<strong>rei</strong>tos civis<br />
<strong>do</strong> cidadão. Afinal a luta <strong>do</strong> povo não tinha si<strong>do</strong> em vão pois<br />
a História dá voltas mas não restaura o passa<strong>do</strong>. Foi assim que<br />
o <strong>rei</strong> se tornou liberal e continuou tentan<strong>do</strong> ser enquanto<br />
pôde.<br />
Mas, como dito, a história dá voltas. E numa dessas<br />
trouxe Carlos X ao aconchego <strong>do</strong> trono que tinha si<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
irmão. Nova recaída absolutista, novo rugi<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>rei</strong>. Mas logo<br />
o povo se irritou outra vez, já que, vivia na era das revoluções<br />
e a humanidade tinha que seguir em frente, enfrentan<strong>do</strong> os<br />
tropeços e acomodan<strong>do</strong> as novas ideias políticas, pois elas não<br />
tinham surgi<strong>do</strong> à toa. De sorte que em 1830 a turba de Paris<br />
amotinada pega nos velhos trabucos novamente, levanta<br />
barricadas, vence a guarda e afugenta o <strong>rei</strong>. Desta vez<br />
comerciantes e banqueiros, cansa<strong>do</strong>s da velha ordem que<br />
obstava o progresso, marcharam ao la<strong>do</strong> da plebe. E eis Luis<br />
Felipe alça<strong>do</strong> ao trono cheio de liberalismos e apoio popular<br />
para avançar nos novos tempos. Era o fim da dinastia <strong>do</strong>s<br />
Bourbon e início <strong>do</strong> <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> de um Orleans: um <strong>rei</strong><br />
constitucional e cidadão, burguês e financista, numa<br />
complicada mistura.<br />
Finalmente iria a França marchar inexorável rumo à<br />
democracia e a república? Sim e não, pois a História não é<br />
75
assim tão simples. Luis Felipe teve dezoito anos para dizer a<br />
que veio. Em 1848 o prazo se esgota, quero dizer, se esgota<br />
novamente a paciência <strong>do</strong>s franceses e eles proclamam a<br />
república novamente, achan<strong>do</strong> que um <strong>rei</strong> constitucional e<br />
bonzinho já não era suficiente pois o poder emana <strong>do</strong> povo,<br />
não era uma dádiva de Deus. E quem é o primeiro presidente<br />
eleito? Um descendente de Danton, um neto de Marat? Não, é<br />
um sobrinho de Napoleão Bonaparte, justamente o cônsul<br />
republicano que tinha coloca<strong>do</strong> a coroa <strong>do</strong>s Bourbon em sua<br />
própria cabeça. Encantou o povo prometen<strong>do</strong> restaurar a<br />
antiga glória <strong>do</strong> tio. Foi eleito com espantosos 73% <strong>do</strong>s votos.<br />
Ato contínuo, fechou a assembleia e assumiu como dita<strong>do</strong>r. O<br />
povo pegou em armas novamente? Desta vez não, preferiu<br />
votar. Ratificou o golpe de esta<strong>do</strong> com grande entusiasmo.<br />
Luis Napoleão seguiu fielmente os passos políticos <strong>do</strong> tio:<br />
virou cônsul e em 1852 virava impera<strong>do</strong>r. Pasmem, tu<strong>do</strong> isso<br />
escora<strong>do</strong> no voto popular!<br />
Mas em 1870 as coisas voltavam aos seus devi<strong>do</strong>s<br />
lugares, com quase um século de atraso: era proclamada<br />
definitivamente a república francesa. Napoleão III, o sobrinho<br />
<strong>do</strong> I, tinha si<strong>do</strong> ao mesmo tempo o primeiro presidente e o<br />
último <strong>rei</strong> <strong>do</strong>s franceses, nessa ordem absolutamente<br />
esdrúxula.<br />
Retrocessos e avanços, avanços e retrocessos haveria<br />
não só na França mas na Europa em geral. <strong>Os</strong> <strong>rei</strong>s voltaram a<br />
engolir as pequenas repúblicas e limpar as bocas com as<br />
constituições mais atrevidas.<br />
E no Brasil? Como o espírito <strong>do</strong> século das revoluções<br />
afetou nosso país? Começou de forma bastante agitada,<br />
partin<strong>do</strong> logo para uma revolução republicana. Falo da<br />
revolução pernambucana de 1817. Aliás, ela é muito ilustrativa<br />
<strong>do</strong> potencial revolucionário <strong>do</strong>s brasileiros naquela época de<br />
grandes mudanças políticas. Desde a Inconfidência Mineira,<br />
76
abortada vinte e oito anos antes, não se ousava falar em<br />
república. A transmigração da família real em 1808 tinha<br />
reforça<strong>do</strong> ainda mais o espírito monarquista. Mas,<br />
paralelamente, tinha também reforça<strong>do</strong> a convicção de que o<br />
Brasil jamais poderia voltar a ser uma colônia portuguesa. O<br />
país tinha ganha<strong>do</strong> um presente: habilitara-se a se tornar um<br />
<strong>rei</strong>no, assim sem mais nem menos. Presente tardio, todavia,<br />
pois o espírito <strong>do</strong> século anunciava passos adiante. Juntan<strong>do</strong><br />
as coisas, em cada canto <strong>do</strong> Brasil se começou a pensar<br />
modelos a serem a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s para consolidar uma separação<br />
definitiva com o velho <strong>rei</strong>no luso; alguns mais avança<strong>do</strong>s<br />
outros menos, mas to<strong>do</strong>s muito patrióticos.<br />
Em 1810 as colônias espanholas da América se<br />
rebelavam e corriam para os modelos republicanos, imitan<strong>do</strong><br />
o que a América Inglesa já tinha feito há mais de trinta anos.<br />
De sorte que muitos estavam convenci<strong>do</strong>s e tentavam<br />
convencer que o regime republicano era o que convinha aos<br />
povos das Américas, quase uma vocação natural. Assim<br />
também se pensava em Pernambuco em 1817. Além <strong>do</strong><br />
impulso natural provoca<strong>do</strong> pelas ideias liberais, também<br />
pesaram os interesses comerciais de produtores de algodão e<br />
senhores de engenho escravagistas que temiam as pressões<br />
que a Inglaterra vinha fazen<strong>do</strong> sobre Portugal para abolir o<br />
tráfigo vil da mão-de-obra africana, dócil e competente. Assim<br />
o movimento que então se deflagrou teve em juristas, padres e<br />
fazendeiros, os seus quadros ativistas.<br />
A suposta tomada <strong>do</strong> poder é clássica, monótona e<br />
efêmera: um levante militar bem sucedi<strong>do</strong> afugenta os<br />
governantes legais, instala-se um governo provisório,<br />
proclama-se a república, convoca-se uma constituinte,<br />
glorifica-se a nacionalidade. <strong>Os</strong> patriotas pernambucanos<br />
pensam à frente, mas Pernambuco é pequeno demais frente<br />
ao tamanho da nacionalidade que irrompia em to<strong>do</strong>s os<br />
77
quadrantes da pátria brasileira. Assim, era preciso exportar a<br />
revolução e é aí que ela é engolida pela sua própria pequenez.<br />
O Brasil não pensa ainda como os pernambucanos pois estava<br />
enamora<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu jovem <strong>rei</strong>no. É o que basta para que, logo<br />
na primeira incursão militar das forças legalistas, o movimento<br />
seja desfeito.<br />
A sonhada e sonha<strong>do</strong>ra república pernambucana tinha<br />
dura<strong>do</strong> apenas três meses. De qualquer forma, era uma bela<br />
ousadia que tinha produzi<strong>do</strong> muito mais <strong>do</strong> que haviam<br />
consegui<strong>do</strong> os patriotas mineiros de Vila Rica. Mas, como<br />
dito, o Brasil não estava pronto para ser uma república, nem<br />
para perder qualquer das suas partes. Anos depois a,<br />
igualmente efêmera Confederação <strong>do</strong> Equa<strong>do</strong>r, ratificaria isso<br />
com a mesma facilidade. Pobre f<strong>rei</strong> Caneca, finalmente pagaria<br />
com a vida sua patriótica teimosia.<br />
O país permaneceria uma monarquia por muitos anos<br />
mais, figura estranha num ninho de pequenas repúblicas<br />
espalhadas ao logo das fronteiras. Mas, como produto maior<br />
das grandes e das pequenas revoluções, somente os regimes<br />
constitucionais seriam mais tolera<strong>do</strong>s e, salvo infelizes<br />
percalços pontuais, nunca mais o Brasil seria guia<strong>do</strong> pela<br />
vontade <strong>do</strong>s tiranos.<br />
No <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> de d. Pedro I haveria uma competente<br />
coluna liberal para garantir os avanços políticos conquista<strong>do</strong>s,<br />
pugnan<strong>do</strong> no parlamento e na imprensa e frean<strong>do</strong> os excessos<br />
que as vezes zumbiam nos ouvi<strong>do</strong>s inquietos <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r e<br />
que também tinham que ouvir, um tanto contraria<strong>do</strong>, o povo<br />
gritan<strong>do</strong> nas ruas: “viva o impera<strong>do</strong>r, enquanto constitucional!”<br />
Manguinhas de fora<br />
78
Logo os reflexos da revolução liberal portuguesa<br />
ecoaram no Brasil, ou seja, se d. João VI não quis ir atrás dela,<br />
ela veio atrás de d. João. Assim que chegaram as primeiras<br />
notícias da situação lusa a província <strong>do</strong> Pará declarou apoio à<br />
causa constitucionalista portuguesa e formou uma junta<br />
provisória de governo. A Bahia seguiu-lhe o exemplo. O clima<br />
é o mesmo no país inteiro. Sopram os ventos <strong>do</strong><br />
constitucionalismo peninsular inicia<strong>do</strong> em Cádiz e<br />
consolida<strong>do</strong> no Porto. D. João oscila entre ouvir os conselhos<br />
liberais <strong>do</strong> conde de Palmela e os conselhos conserva<strong>do</strong>res de<br />
Tomaz Antônio Vila Nova Portugal. Breve o fluxo<br />
constitucionalista chega também ao Rio de Janeiro, baten<strong>do</strong> às<br />
portas <strong>do</strong> <strong>rei</strong> que ainda guardava esperanças de ficar longe<br />
dele e, por isso mesmo, retardava sua volta a Lisboa. Naquele<br />
momento Sua Majestade só tinha ouvi<strong>do</strong>s para seu ministro<br />
conserva<strong>do</strong>r e a política era distribuir balinhas para enganar a<br />
velha fome constitucional que grassava voraz no meio <strong>do</strong><br />
povo. Se necessário seriam feitas mais concessões, mas só se<br />
estritamente necessário. Jogo perigoso, pois é difícil <strong>do</strong>sar<br />
remédios nesses casos.<br />
No dia 23 de feve<strong>rei</strong>ro de 1821 d. João havia manda<strong>do</strong><br />
publicar <strong>do</strong>is decretos convocan<strong>do</strong> os procura<strong>do</strong>res das vilas<br />
para tratar da questão constitucional à luz <strong>do</strong>s trabalhos das<br />
Cortes de Lisboa. Também criava uma comissão de onze<br />
membros para produzir um <strong>do</strong>cumento que servisse de base<br />
para as discussões <strong>do</strong>s procura<strong>do</strong>res. Essa meia medida urdida<br />
por Tomaz Antônio causou grande insatisfação na tropa e na<br />
população, dada sua notória inspiração absolutista e<br />
indisfarçável carga de embromação. A tal comissão se reuniu<br />
pela primeira e ultima vez no dia 25 de maio, meio que<br />
timidamente, nas dependências da residência <strong>do</strong> conde de<br />
Palmela, quer dizer, justamente na casa de quem era<br />
inteiramente contra aquelas meias medidas. Não deve ter<br />
79
servi<strong>do</strong> nem cafezinho, minan<strong>do</strong> o entusiasmo <strong>do</strong>s debates.<br />
Na mesma data uma comissão de liberais se reunia na casa <strong>do</strong><br />
padre Marcelino Macamboa, aliás amigo de d. Pedro e um <strong>do</strong>s<br />
seus prováveis mentores da causa liberal. No dia seguinte<br />
rebentava um motim debaixo das suíças de sua majestade e é<br />
aí que se dá o nascimento político de sua alteza real o príncipe<br />
herdeiro de Portugal, Brasil e Algarves. Muitos historia<strong>do</strong>res,<br />
entre eles o português João Ameal 23 , acreditam que o próprio<br />
d. Pedro tenha si<strong>do</strong> o instiga<strong>do</strong>r das agitações. É muito<br />
possível, mesmo porque, diferentemente <strong>do</strong> pai, ele não deve<br />
ter fica<strong>do</strong> nem um pouquinho desconfortável com aquelas<br />
marolas que começaram a se formar depois da chegada das<br />
notícias das agitações de Portugal. Muito antes pelo contrário,<br />
singrou as águas <strong>do</strong>s acontecimentos com a maior<br />
desenvoltura e não deixou passar a oportunidade de<br />
estabelecer aí sua grande est<strong>rei</strong>a nos negócios de esta<strong>do</strong>, pela<br />
veia liberal que iria pautar a sua curta mas marcante trajetória.<br />
De fato d. Pedro teria motivos de sobra para acreditar que o<br />
pai, somente sob pressão, assumiria um compromisso mais<br />
sério com uma constituição. Vai daí...<br />
Desde a madrugada daquele marcante 26 de feve<strong>rei</strong>ro<br />
que o brigadeiro Carreti vinha concentran<strong>do</strong> tropas na praça<br />
<strong>do</strong> Rossio, ten<strong>do</strong> ao la<strong>do</strong> os competentes padre Francisco<br />
Romão de Góis e padre Macamboa que, logo após aquela<br />
reunião em sua casa, já saiu instigan<strong>do</strong> os militares sobre<br />
possíveis manobras de d. João para arrefecer o impacto das<br />
notícias que vinham de Portugal. Assim que soube <strong>do</strong><br />
ajuntamento na praça o príncipe não perdeu tempo. Nem<br />
23 História de Portugal. (Vide bibliografia)<br />
80
precisou, pois parece que já tinha tu<strong>do</strong> prepara<strong>do</strong> e pode ser<br />
até que seu cavalo já estivesse sela<strong>do</strong> à sua espera,<br />
resfolegan<strong>do</strong> e baten<strong>do</strong> os cascos na laje. Não gastou mais <strong>do</strong><br />
que alguns quartos de hora para estar bem no meio <strong>do</strong><br />
tumulto levan<strong>do</strong> um decreto <strong>do</strong> pai. O <strong>do</strong>cumento já estava<br />
pronto de véspera pois, independentemente das artimanhas,<br />
tu<strong>do</strong> já era mais ou menos espera<strong>do</strong> para o caso da<br />
convocação anterior não dar certo. Nele o <strong>rei</strong> abria o leque <strong>do</strong><br />
debate constitucional e ratificava a necessidade de ser<br />
constituída uma comissão para examinar as propostas que<br />
estavam sen<strong>do</strong> elaboradas em Lisboa, visan<strong>do</strong> adaptá-las às<br />
necessidades <strong>do</strong> Brasil. Era um singelo atenuante <strong>do</strong>s decretos<br />
divulga<strong>do</strong>s no dia 23, produzi<strong>do</strong> ao estilo <strong>do</strong>s remédios <strong>do</strong> <strong>rei</strong>,<br />
ou seja, uma gota de cada vez. Mas o povo, que conhecia bem<br />
a fama de enrola<strong>do</strong>r <strong>do</strong> <strong>rei</strong>, no meio da leitura <strong>do</strong> decreto,<br />
interrompeu o príncipe herdeiro e exigiu mais. Exigiu que d.<br />
João VI jurasse a constituição portuguesa sem qualquer<br />
condicionante e que, além disto, destituísse o ministério. E<br />
mais ainda, apresentou a d. Pedro a lista pronta <strong>do</strong>s novos<br />
ministros que deviam ser nomea<strong>do</strong>s. Anos mais tarde, uma<br />
exigência semelhante a essa é que faria com que ele abdicasse<br />
<strong>do</strong> trono <strong>do</strong> Brasil mas, naquele instante, ele ficou calmo,<br />
ouviu atentamente o pleito <strong>do</strong> povo e da tropa, anotou tu<strong>do</strong><br />
di<strong>rei</strong>tinho e correu para São Cristóvão deixan<strong>do</strong> a assembleia<br />
suspensa. Contou ao pai o que tinha visto e o que era pedi<strong>do</strong> e<br />
recomen<strong>do</strong>u um retorno imediato. Claro que Sua Majestade<br />
preferia deixar a resposta para depois, mas foi alerta<strong>do</strong> que se<br />
ela não fosse dada imediatamente, certamente a multidão viria<br />
buscá-la. D. João, muito assusta<strong>do</strong>, induzi<strong>do</strong> pelo filho e<br />
escora<strong>do</strong> agora nos bons conselhos de Palmela, concor<strong>do</strong>u em<br />
atender as <strong>rei</strong>vindicações: juraria as bases da constituição<br />
portuguesa ainda em gestação e trocaria o ministério. Deve ter<br />
81
si<strong>do</strong> a decisão mais rápida que o cauteloso <strong>rei</strong> tomou em toda<br />
a sua vida, não obstante a delicadeza da situação.<br />
Assim que d. Pedro obteve a aprovação <strong>do</strong> pai,<br />
montou em seu cavalo, voltou para o meio <strong>do</strong> povo, bra<strong>do</strong>u a<br />
boa nova e foi delirantemente ovaciona<strong>do</strong>. Era a primeira vez<br />
que o príncipe e seus súditos se olhavam de tão perto e a<br />
simpatia mútua foi imediata. Mas, o povo, sentin<strong>do</strong> que o<br />
momento era muito oportuno e que o príncipe mostrava<br />
muita disposição, achou por bem exigir um pouco mais. Quis<br />
que d. João VI, em pessoa viesse confirmar sua disposição de<br />
atender aqueles anseios populares que nem eram tão absur<strong>do</strong>s<br />
assim. D. Pedro não se fez de roga<strong>do</strong>, montou novamente e<br />
foi buscar o pai. Este ficou tão ator<strong>do</strong>a<strong>do</strong> que nem teve<br />
tempo de pensar em nada. Entrou no coche real meio zonzo<br />
e, com d. Pedro marchan<strong>do</strong> à frente, se dirigiu para a praça <strong>do</strong><br />
Rossio, onde a multidão o aguardava, vibrante de entusiasmo.<br />
A medida que o cortejo seguia o entusiasmo ia aumentan<strong>do</strong>.<br />
No largo de São Francisco o povo deteve a carruagem e<br />
desatrelou os cavalos. Sua Majestade entrou em pânico<br />
imaginan<strong>do</strong> que seria leva<strong>do</strong> direto para o cadafalso. Mas,<br />
nada disso, é só um susto. A multidão começa a dar vivas ao<br />
apavora<strong>do</strong> <strong>rei</strong>, conduzin<strong>do</strong> a carruagem sobre os próprios<br />
costa<strong>do</strong>s. D. João VI fica literalmente mu<strong>do</strong>. É coloca<strong>do</strong> num<br />
balcão para falar ao povo. Não consegue, a voz se esconde. D.<br />
Pedro interfere salva<strong>do</strong>r, desvia a atenção, toma-a sobre si e se<br />
dirige para o recinto da assembléia dan<strong>do</strong> ao pai a chance de<br />
escapar daquela situação desvairada. O <strong>rei</strong> pôde voltar para<br />
casa são e salvo, apenas lamentan<strong>do</strong> o fato de que, no meio da<br />
confusão, alguém lhe tinha furta<strong>do</strong> a bengala.<br />
No tumulto da assembléia d. Pedro toma a palavra e,<br />
em nome <strong>do</strong> <strong>rei</strong>, jura a constituição que se ia formar em<br />
Lisboa. Também anuncia que o ministério seria troca<strong>do</strong><br />
conforme estava sen<strong>do</strong> pedi<strong>do</strong>. A massa delirante aceita a<br />
82
autoridade <strong>do</strong> príncipe real e se dá por satisfeita irrompen<strong>do</strong><br />
em vivas. Em seguida é anuncia<strong>do</strong> o novo ministério e cada<br />
um <strong>do</strong>s novos ministros presentes também jurou a<br />
constituição inexistente e que nunca seria a<strong>do</strong>tada no Brasil.<br />
Por para<strong>do</strong>xal que possa parecer, naquele instante o Brasil<br />
começava a se separar de Portugal.<br />
Mas a iniciação <strong>do</strong> príncipe não estava completa. A<br />
força inercial <strong>do</strong> momento político continuava atuan<strong>do</strong>. O<br />
povo se sentia forte e os militares se sentiam livres. A ressaca<br />
arrebentou no dia 21 de abril de 1821, ou seja, cerca de <strong>do</strong>is<br />
meses depois. É que, naquele dia, o ouvi<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Rio de Janeiro<br />
tinha convoca<strong>do</strong> os eleitores paroquiais fluminenses para o<br />
processo de eleição <strong>do</strong>s seus representantes brasileiros às<br />
Cortes de Lisboa. O propósito era meramente burocrático,<br />
mas o clima se agitou e descambou para a bagunça. É que d.<br />
João tinha ti<strong>do</strong> a má ideia de aproveitar a reunião para<br />
apresentar a lista de ministros nomeada para assistir d. Pedro<br />
na regência <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no <strong>do</strong> Brasil. A leitura <strong>do</strong>s nomes foi<br />
acompanhada de apupos e gritos de que aqueles ministros não<br />
tinham a aprovação <strong>do</strong> povo. A partir daí, instigada por alguns<br />
hábeis ora<strong>do</strong>res, entre eles de novo o agita<strong>do</strong> padre<br />
Macamboa, a reunião virou assembléia revolucionária e a<br />
turba reunida resolveu, sem mais nem menos, impor uma série<br />
de exigências ao <strong>rei</strong>, tentan<strong>do</strong> perpetrar um verdadeiro golpe<br />
de esta<strong>do</strong>, costura<strong>do</strong> de improviso e em um clima de feira.<br />
Decidiram que o Brasil deveria a<strong>do</strong>tar a constituição<br />
espanhola e que o <strong>rei</strong> estava proibi<strong>do</strong> de ir para Portugal.<br />
Decidiram ainda formar um novo ministério e uma junta de<br />
governo. No auge <strong>do</strong> delírio chegaram a expedir ordens<br />
militares contra a família real. Desta vez d. Pedro não se fazia<br />
presente e a assembleia decide ir atrás <strong>do</strong> <strong>rei</strong> na maior semcerimônia.<br />
Uma deputação é enviada ao Paço. D. João VI é<br />
83
pego de surpresa. Sem apoio e sem ter como reagir submetese<br />
facilmente. Assina um decreto juran<strong>do</strong> a dita constituição<br />
espanhola, perjuran<strong>do</strong> a constituição portuguesa que, aliás,<br />
nem existia. A comissão volta triunfante à assembleia,<br />
re<strong>do</strong>bran<strong>do</strong> o entusiasmo <strong>do</strong>s mais exalta<strong>do</strong>s. O clima vai<br />
esquentan<strong>do</strong> e o tom <strong>do</strong>s discursos vai se tornan<strong>do</strong><br />
demasiadamente atrevi<strong>do</strong> para o momento e a conjuntura,<br />
quan<strong>do</strong> os excessos se tornam perigosos.<br />
Assim que fica saben<strong>do</strong> daquele achaque ao pai e <strong>do</strong><br />
descontrole que o processo <strong>do</strong>s debates vai toman<strong>do</strong>, d.<br />
Pedro tem uma reação enérgica, completamente diversa da<br />
que tivera no episódio anterior pois, desta vez, não esperava<br />
nada daquilo. Determina à tropa que dissolva a assembleia<br />
tresloucada o que é feito com violência, produzin<strong>do</strong> um sal<strong>do</strong><br />
de mortos e feri<strong>do</strong>s.<br />
No rastro da indignação pela dissolução violenta da<br />
assembleia, o edifício da praça <strong>do</strong> comércio, onde tinha<br />
havi<strong>do</strong> a infeliz repressão, passou a ser conheci<strong>do</strong> como “O<br />
Açougue <strong>do</strong>s Bragança”. No dia seguinte o <strong>rei</strong> baixava novo<br />
decreto anulan<strong>do</strong> o anterior. Aproveitou e marcou sua volta<br />
imediata para Portugal onde iria suportar situação muito pior e<br />
continuaria driblan<strong>do</strong> as pressões que o seu emprego lhe<br />
impunha. D. Pedro ficaria no Brasil por enquanto,<br />
administran<strong>do</strong> a imagem dúbia que a sua personalidade passou<br />
à história: um coração autoritário numa mente liberal.<br />
Alternaria momentos de gloriosa popularidade com surtos de<br />
radical intolerância, tanto aquém como além mar. <strong>Os</strong><br />
brasileiros não confiaram nele porque o achavam demasia<strong>do</strong><br />
português e os portugueses não confiaram nele por achá-lo<br />
demasia<strong>do</strong> brasileiro. Interessante observar que as primeiras<br />
medidas de governo que o novo príncipe regente <strong>do</strong> Brasil<br />
tomou foram de grande impacto popular. Mal seu pai tinha<br />
deixa<strong>do</strong> de avistar as costas brasileiras e ele já abolia o<br />
84
acachapante imposto <strong>do</strong> sal que tanto perturbava a pecuária<br />
brasileira. Reduziu alíquotas, estimulou o comércio de<br />
alimentos. Sobretu<strong>do</strong> avançou sobre os preceitos<br />
constitucionais liberais abolin<strong>do</strong> as prisões sem formação de<br />
culpa e o uso de instrumentos humilhantes para a dignidade<br />
<strong>do</strong>s presos como correntes, grilhões e instrumentos de<br />
tortura. Eis o constitucionalista liberal em seus primeiros<br />
passos.<br />
Facciosas, horrorosas e pestíferas<br />
No dia 19 de março de 1812, Vicente Pascoal,<br />
presidente <strong>do</strong> congresso revolucionário reuni<strong>do</strong> em Cádiz,<br />
apresentava ao plenário os trezentos e oitenta e quatro artigos<br />
da nova constituição espanhola. No seu artigo 171 a carta<br />
garantia ao <strong>rei</strong> sancionar e promulgar as leis que, no entanto,<br />
de acor<strong>do</strong> com o artigo 131, seriam propostas, decretadas,<br />
interpretadas e derrogadas pelas Cortes. O Artigo 154 dizia<br />
que publicada a lei pelas Cortes, dar-se-ia aviso ao <strong>rei</strong> para que<br />
ele cuidasse da sua promulgação solene. Ou seja, em matéria<br />
legislativa o monarca espanhol tinha vira<strong>do</strong> um mero<br />
chancela<strong>do</strong>r emproa<strong>do</strong> <strong>do</strong>uran<strong>do</strong> os acertos parlamentares.<br />
Desde então os liberais portugueses se puseram a<br />
trabalhar com afinco para aplicar esse mesmo princípio ao<br />
regime monárquico português. Em 1817 o tenente-general<br />
Gomes F<strong>rei</strong>re de Andrade foi acusa<strong>do</strong> de chefiar uma<br />
conspiração liberal em Portugal. Por conta disso foi preso e<br />
executa<strong>do</strong> com mais <strong>do</strong>ze companheiros, sem di<strong>rei</strong>to a um<br />
julgamento decente É que o marechal Beresford, imiscuí<strong>do</strong> na<br />
junta de governo portuguesa nomeada por d. João, excedia<br />
suas atribuições e estava louco para intimidar os<br />
revolucionários da nação lusa, em cujos negócios, ele se metia<br />
85
com desenvoltura legitima<strong>do</strong> de forma imoral pelo fato de ser<br />
representante <strong>do</strong> governo de Sua Majestade Britânica. Ainda<br />
mais em se tratan<strong>do</strong> de alguém como F<strong>rei</strong>re de Andrade que<br />
tinha ti<strong>do</strong> a infeliz ideia de lutar ao la<strong>do</strong> de Napoleão o que,<br />
certamente não seria facilmente esqueci<strong>do</strong> pelo general inglês.<br />
Assim, Beresford achou por bem acusar F<strong>rei</strong>re de Andrade de<br />
ter conspira<strong>do</strong> contra a sua preciosa vida. O resulta<strong>do</strong>, porém,<br />
ao contrário <strong>do</strong> que o truculento sargentão inglês esperava,<br />
revoltou ainda mais os liberais portugueses aninha<strong>do</strong>s na<br />
magistratura e nas forças armadas, pois as sementeiras <strong>do</strong><br />
liberalismo já estavam prontas em Portugal. Em 24 de agosto<br />
de 1820 vinha o refluxo na cidade <strong>do</strong> Porto, berço e acalanto<br />
<strong>do</strong> liberalismo em Portugal. Primeiro foram discursos<br />
inflama<strong>do</strong>s dizen<strong>do</strong> o que o povo ansiava ouvir, depois<br />
proclamações <strong>do</strong>s comandantes militares garantin<strong>do</strong> as<br />
ousadias <strong>do</strong>s ora<strong>do</strong>res e os aplausos <strong>do</strong> povo e, finalmente, a<br />
destituição <strong>do</strong> governo e eleição de uma junta provisória.<br />
Estava lançada a famosa revolução liberal <strong>do</strong> Porto. Era um<br />
modelo que seria amplamente a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> no Brasil no ano<br />
seguinte para formação de juntas provisórias de governo,<br />
permitin<strong>do</strong> o eclodir de um crucial perío<strong>do</strong> de transição com<br />
pouco derramamento de sangue, pois já era tempo de<br />
mudança e não havia porque teimar e brigar. Logo depois o<br />
movimento <strong>do</strong> Porto se estenderia até Lisboa com a<br />
convocação das Cortes Gerais.<br />
Como d. João VI e d. Carlota receberam a notícia da<br />
revolução em Portugal? Não é difícil imaginar. Ela deve ter<br />
vocifera<strong>do</strong> alguns dias, recorren<strong>do</strong> a sonoros palavrões em<br />
Espanhol. Deve ter jura<strong>do</strong> acabar com aquela indecência<br />
liberal, promessa que, aliás, cumpriria de certa forma através<br />
de seu filho d. Miguel. D. João, fiel aos seus impulsos, deve ter<br />
corri<strong>do</strong> à Capela Real e solfeja<strong>do</strong> alguns cânticos pedin<strong>do</strong><br />
86
inspiração, pré-avisan<strong>do</strong>, porém, aos santos de que não tinha<br />
pressa. Era uma péssima notícia chegada logo agora que ele<br />
tinha fica<strong>do</strong> mais livre da pressão inglesa e que Napoleão<br />
continuava quieto, encerra<strong>do</strong> com a máxima segurança na Ilha<br />
de Santa Helena. O embaixa<strong>do</strong>r inglês tinha avisa<strong>do</strong> que os<br />
britânicos não interfeririam em nenhuma hipótese na<br />
Península Ibérica. Também o paciente monarca não acreditava<br />
que podia recorrer à Santa Aliança pois a própria Inglaterra<br />
não via com bons olhos aquela associação ultraconserva<strong>do</strong>ra e<br />
nunca convinha a Portugal contrariar os britânicos. De sorte<br />
que d. João se viu desta vez inteiramente sozinho para<br />
resolver outra ameaça à sua coroa. Desta vez o perigo tinha<br />
brota<strong>do</strong> no próprio ventre <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no e o único caminho era<br />
recorrer à sua própria autoridade. Apelan<strong>do</strong> para aquela<br />
cautela que lhe era compulsivamente peculiar, a primeira coisa<br />
que d. João VI fez foi rodar uma pesquisa entre seus<br />
conselheiros. Estes recomendaram que d. Pedro fosse<br />
manda<strong>do</strong> a Portugal para, com sua delegada autoridade,<br />
arrefecer os ânimos menos realistas. Isso gerou um decreto<br />
ardiloso <strong>do</strong> <strong>rei</strong> determina<strong>do</strong> a volta de seu filho. Mero<br />
subterfúgio pois, no fun<strong>do</strong>, Sua Majestade não queria o<br />
príncipe herdeiro solto em Portugal, louco para promover sua<br />
est<strong>rei</strong>a política. Nós bem sabemos que o tal decreto nunca se<br />
cumpriu e que o <strong>rei</strong> se submeteu às Cortes e o fez até que um<br />
levante militar as dissolvessem, em maio de 1823 e lhe<br />
restituísse o poder absoluto. Mas parece que d. João queria<br />
subjugar as Cortes, mesmo antes de voltar a Portugal.<br />
Segun<strong>do</strong> Melo Morais em março de 1821 ele teria manda<strong>do</strong><br />
João Severiano Maciel da Costa 24 para Roma de onde,<br />
24<br />
Era ele um <strong>do</strong>s suspeitos de ter escrito um folheto apócrifo que<br />
circulou no Rio e na Europa pedin<strong>do</strong> a permanência de d. João VI<br />
87
disfarça<strong>do</strong> de diplomata, deveria sondar as possibilidades de<br />
um movimento contra as Cortes. Mas o envia<strong>do</strong> nem chegou<br />
a assumir o encargo e o próprio <strong>rei</strong> abortou a simplória missão<br />
assim que desembarcou em Lisboa.<br />
No dia 24 de janeiro de 1821 as Cortes se investiam de<br />
papel constituinte e se instalavam no Convento das<br />
Necessidades em Lisboa com o nome de Cortes<br />
Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa. Seis dias<br />
depois tomavam a deliberação de destituir o governo<br />
nomea<strong>do</strong> por d. João VI e instituíam uma regência constituída<br />
de cinco membros. Estava inaugurada a fase <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio<br />
absoluto das Cortes de Lisboa que tanto humilharia d. João e<br />
tumultuaria a vida de d. Pedro.<br />
Mas quan<strong>do</strong> o <strong>rei</strong> chegou a Lisboa de volta <strong>do</strong> Brasil<br />
foi recebi<strong>do</strong> por uma simpática deputação comandada pelo<br />
Arcebispo da Bahia, presidente e representante brasileiro nas<br />
Cortes, embora estivesse residin<strong>do</strong> em Lisboa e fosse de<br />
inteira confiança da bancada portuguesa. Muitos integrantes<br />
da comitiva <strong>do</strong> <strong>rei</strong> foram simplesmente impedi<strong>do</strong>s de<br />
desembarcar, entre eles o conde de Palmela, ti<strong>do</strong> como<br />
simpático à causa brasileira. Mas o arcebispo, mui<br />
respeitosamente, foi logo falan<strong>do</strong> em amor e veneração o que<br />
deixou o <strong>rei</strong> meio desconfia<strong>do</strong>. Mais desconfia<strong>do</strong> ainda ficaria<br />
quan<strong>do</strong> o ora<strong>do</strong>r o chamou de dócil e pacífico e pediu sua<br />
cooperação “na majestosa obra da regeneração política”. Ao final d.<br />
João agradeceu e, como não podia deixar de ser, jurou<br />
cooperação. Em seguida man<strong>do</strong>u uma mensagem à<br />
assembléia, mensagem essa escrita com o maior cuida<strong>do</strong> para<br />
não ofender as susceptibilidades liberais. Mas não adiantou o<br />
no Brasil.<br />
88
zelo e foi aí que já começaram os incidentes mais<br />
constrange<strong>do</strong>res. Alguns deputa<strong>do</strong>s identificaram que, em<br />
algumas passagens da mensagem, o <strong>rei</strong> mostrava não ter<br />
entendi<strong>do</strong> bem o seu novo papel como monarca de Portugal,<br />
especialmente no que dizia respeito a divisão de poderes.<br />
Assim, enviaram uma carta a ele, mais desaforada <strong>do</strong> que<br />
pedagógica, ensinan<strong>do</strong> que:“se atribui somente às cortes a<br />
representação nacional e o poder legislativo, com a exclusão da iniciativa<br />
direta <strong>do</strong> <strong>rei</strong>, e só com a dependência subseqüente da sua sanção e de um<br />
veto que não será absoluto.”<br />
Coita<strong>do</strong> de d. João VI, apesar da boa vontade não<br />
seria fácil para ele aprender a ser um <strong>rei</strong> constitucional.<br />
O poder absoluto das Cortes duraria até 31 de maio de<br />
1823 quan<strong>do</strong> teria um fim melancólico, deixan<strong>do</strong> destroços<br />
irresgatáveis e sen<strong>do</strong> substituída pelo velho absolutismo que<br />
ela tentou extirpar. D. João com sua <strong>do</strong>ce paciência, glutão e<br />
sossega<strong>do</strong>, vencia mais uma vez. Mas, até então, os<br />
parlamentares portugueses aborreceram muito o <strong>rei</strong> e o<br />
regente que ele tinha deixa<strong>do</strong> no Brasil.<br />
Em 19 de junho de 1822, d. Pedro escrevia uma carta<br />
a seu pai informan<strong>do</strong> que tinha convoca<strong>do</strong> uma assembleia<br />
brasileira para discutir a questão constitucional, ou seja, já<br />
tinha dada uma banana para a “Soberana Assembleia”. Pedia<br />
ao <strong>rei</strong> que desse conhecimento <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> da carta às Cortes<br />
as quais chamava de “facciosas, horrorosa e pestíferas, constituídas de<br />
infames déspotas”. Era mais um grande passo em direção à<br />
ruptura.<br />
A assembleia lusa atuou durante cerca de <strong>do</strong>is anos e<br />
oito meses e, ao final, produziu resulta<strong>do</strong>s desastrosos.<br />
Antecipou a independência da sua mais importante colônia e<br />
foi miseravelmente dissolvida por um golpe que restaurou o<br />
89
absolutismo. No rastro da sua atuação sobrou entusiasmo<br />
casuístico e faltou realismo histórico. Deputa<strong>do</strong>s havia da<br />
facção<br />
portuguesa que pregavam que se o Brasil quisesse se separar<br />
que o fizesse pois, se ficassem juntos, Portugal havia de estar<br />
no coman<strong>do</strong>. Era a política <strong>do</strong> “juntos mas não iguais”.<br />
Tratava-se de uma notável inabilidade de alguns parlamentares<br />
lusos, inabilidade essa cimentada na velha empáfia portuguesa<br />
no trato com os brasileiros, trazida anacronicamente para<br />
dentro <strong>do</strong> recinto de debates <strong>do</strong> Convento das Necessidades,<br />
onde se davam as reuniões das Cortes.<br />
Muitos deputa<strong>do</strong>s portugueses pregavam o uso puro e<br />
simples da força militar para submeter as ousadias de alémmar.<br />
Esqueciam-se eles de que o <strong>rei</strong>no português se<br />
encontrava numa situação miserável, incapaz de ofender a<br />
mais frágil das nações. A radicalização da bancada portuguesa<br />
se mostrava ainda mais estúpida se lembramos que, mesmo<br />
entre os brasileiros, pre<strong>do</strong>minava uma política <strong>do</strong> “juntos mas<br />
iguais” que, afinal, com um mínimo de bom senso e<br />
sensibilidade política não era tão difícil de acomodar, mesmo<br />
porque, era a única alternativa capaz de adiar a ruptura um<br />
pouco mais.<br />
Assim que os deputa<strong>do</strong>s brasileiros se assentaram em<br />
maior numero na assembleia lisboeta, os representantes de<br />
Portugal já começaram a mostrar sua tênue tolerância para<br />
com seus colegas <strong>do</strong> ultramar. Não faltaram ameaças e<br />
vociferações espetaculosas que não obstante insensatas, e<br />
talvez até por isso mesmo, arrancavam delírios das galerias <strong>do</strong><br />
plenário da assembleia. Um <strong>do</strong>s deputa<strong>do</strong>s – usan<strong>do</strong> uma<br />
imagem no mínimo simplória - ameaçou soltar um cão<br />
português para obrigar os facciosos brasileiros a se<br />
submeterem às Cortes. Ao que um deputa<strong>do</strong> brasileiro<br />
90
etrucou dizen<strong>do</strong> que contra os cães portugueses havia as<br />
onças brasileiras. Outros falavam em mandar um general de<br />
confiança, com carta branca para subjugar o <strong>rei</strong>no rebelde.<br />
Em 05 de julho de 1822, ou seja, na época acalorada<br />
<strong>do</strong>s debates - Felisberto Caldeira Brant - então representante<br />
da corte brasileira em Londres, escrevia a José Bonifácio uma<br />
carta cautelosa. Informava que os jornais franceses haviam<br />
publica<strong>do</strong> que estaria em curso a formação de uma aliança<br />
militar entre Espanha e Portugal que planejava a formação de<br />
um exército de 20.000 homens a ser envia<strong>do</strong> contra o Brasil e<br />
as ex-colônias hispânicas. O diplomata mineiro recomen<strong>do</strong>u<br />
atenção ao boato, muito embora observa-se: “não sei qual das<br />
duas nações (Portugal e Espanha) está mais pobre e mais fraca”. Como<br />
militar, alias, Caldeira Brant – futuro marques de Barbacena –<br />
achava que o Brasil deveria fortalecer o seu exército, não só<br />
para enfrentar as ameaças das Cortes, externas e internas,<br />
como também para fazer frente às questões de fronteira <strong>do</strong><br />
império para, se não expandir pelo menos não encolher. Foi<br />
dele a ideia de contratação <strong>do</strong> almirante Cochrane,<br />
inicialmente para bloquear o Porto da Bahia e sufocar a<br />
rebelião <strong>do</strong> general português Madeira de Melo, logo após a<br />
independência.<br />
De qualquer forma, com ou sem arrogância e<br />
irrealismo <strong>do</strong>s deputa<strong>do</strong>s portugueses instala<strong>do</strong>s nas Cortes, a<br />
questão militar corria a par com a questão política. De fato,<br />
uma das questões mais críticas <strong>do</strong> processo da independência<br />
foi a questão da nomeação <strong>do</strong>s governa<strong>do</strong>res de armas. Aqui,<br />
de forma mais realista, as Cortes de Lisboa viram que a<br />
disposição da lealdade <strong>do</strong>s ocupantes dessa função era vital<br />
para subjugar as pretensões brasileiras à separação.<br />
Em 23 de agosto de 1821, sob pretexto de atender a<br />
um alerta da junta da Bahia, as Cortes aprovavam o envio de<br />
91
tropas para a capital baiana. Também aprovaram o envio de<br />
tropas para o Rio de Janeiro. Essa decisão, até pela modéstia<br />
<strong>do</strong> efetivo aprova<strong>do</strong> era um simplório delírio de uma<br />
assembleia de deputa<strong>do</strong>s entusiasma<strong>do</strong>s com o som das<br />
próprias vozes. No fun<strong>do</strong> as Cortes deviam estar rezan<strong>do</strong> para<br />
que a questão brasileira não pedisse uma solução bélica.<br />
Assim, teriam que apelar mais para indisfarçadas bravatas <strong>do</strong><br />
que para intimidação militar.<br />
Mas sobre d. Pedro – <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de grande coragem<br />
pessoal e cheio de sonhos aventu<strong>rei</strong>ros – essas coisas<br />
dificilmente funcionariam. Ao contrário. No ano seguinte,<br />
entusiasma<strong>do</strong> pelos acontecimentos <strong>do</strong> “Fico”, ele é que iria<br />
punir os militares portugueses que lhe eram hostis, obrigan<strong>do</strong><br />
a Divisão Auxilia<strong>do</strong>ra a retornar a Portugal (feve<strong>rei</strong>ro de 1822)<br />
e impedin<strong>do</strong> que um contingente de 1.200 expedicionários,<br />
envia<strong>do</strong> para substituí-la, desembarcasse no Rio de Janeiro.<br />
Este batalhão chegaria ao Rio de Janeiro a 09 de março de<br />
1822, sob o coman<strong>do</strong> de Francisco Maximiliano de Souza.<br />
Integrava a esquadra encarregada de levar d. Pedro para<br />
Lisboa, por bem ou por mal. Naquela altura a Divisão<br />
Auxilia<strong>do</strong>ra já tinha zarpa<strong>do</strong>. A modesta força portuguesa<br />
encontrou a cidade em posição de defesa, com as baterias das<br />
fortalezas carregadas e a infantaria reforçada com mais 1.200<br />
milicianos desci<strong>do</strong>s de São Paulo e Minas Gerais. Desistin<strong>do</strong><br />
de desembarcar, a força portuguesa retornou no dia 23<br />
esvaziada de 900 solda<strong>do</strong>s que, a convite de d. Pedro,<br />
aceitaram ser incorpora<strong>do</strong>s ao exército <strong>do</strong> Brasil. O general<br />
Maximiliano voltou para casa comandan<strong>do</strong> um restolho de<br />
300 homens, derrota<strong>do</strong>s sem ter sequer entra<strong>do</strong> em batalha.<br />
Por conta disso seria severamente repreendi<strong>do</strong> pelas Cortes, o<br />
que também aconteceu com o general Avilez, comandante da<br />
Divisão Auxilia<strong>do</strong>ra. Eram as primeiras vitórias militares de d.<br />
Pedro à frente de tropas, em prontidão de combate. Mais<br />
92
tarde, em Portugal, mostraria seus talentos de general com<br />
muito mais dramaticidade, se meten<strong>do</strong> no meio de batalhas<br />
verdadeiramente sangrentas. Mas o importante para ele<br />
naquele momento era o fato de que o Brasil começava a se<br />
mostrar verdadeiramente capaz de se impor pelas armas.<br />
Claro que, tanto nas Cortes quanto no Brasil, havia<br />
brasileiros mais lusófonos, assim como portugueses mais<br />
brasilianistas. Mas logo as diferenças foram se fazen<strong>do</strong> claras<br />
pois os horizontes eram notavelmente distintos. As províncias<br />
que haviam retarda<strong>do</strong> o envio de suas delegações a Lisboa<br />
para integrar as Cortes, acabaram desistin<strong>do</strong> de fazê-lo. Foi o<br />
caso <strong>do</strong> Mato Grosso, Rio Grande <strong>do</strong> Sul e Minas Gerais,<br />
sen<strong>do</strong> que as duas primeiras nem chegaram a realizar as<br />
eleições. De sorte que pouco mais de metade <strong>do</strong>s deputa<strong>do</strong>s<br />
brasileiros, eleitos ou previstos, se fez presente no plenário <strong>do</strong><br />
Convento das Necessidades. Assim, embora naquela época o<br />
número de habitantes de Portugal e <strong>do</strong> Brasil fosse mais ou<br />
menos o mesmo, havia cerca de três deputa<strong>do</strong>s lusos para<br />
cada parlamentar brasileiro. Desta forma, a despeito <strong>do</strong><br />
brilhantismo da atuação de alguns deputa<strong>do</strong>s brasileiros, os<br />
portugueses ficaram à vontade para decidir os destinos <strong>do</strong><br />
Brasil. Acabaram resolven<strong>do</strong> enfraquecer a unidade nacional e<br />
tirá-la de debaixo da regência de d. Pedro. Nessa linha em 29<br />
de setembro de 1821 determinaram que as juntas provisórias<br />
de todas as províncias ficassem submetidas diretamente às<br />
Cortes em Lisboa. <strong>Os</strong> governa<strong>do</strong>res de armas, comandantes<br />
das tropas espalhadas pelas províncias, passaram a se reportar<br />
também diretamente às Cortes. Na mesma data determinaram<br />
que o príncipe herdeiro retornasse a Portugal. Ou seja, a sede<br />
<strong>do</strong> governo brasileiro saía <strong>do</strong> Rio de Janeiro e voltava para<br />
Lisboa. Era a gota d água que faltava.<br />
93
A partir de janeiro de 1822, d. Pedro resolve afrontar<br />
os deputa<strong>do</strong>s portugueses com toda a clareza e empenho. Em<br />
16 de feve<strong>rei</strong>ro começa a trabalhar, de fato, contra as<br />
represálias das Cortes. Convoca os procura<strong>do</strong>res das<br />
províncias brasileiras para tratar da questão constitucional e<br />
em 03 de junho convoca a própria corte constitucional. Em<br />
23 de julho os deputa<strong>do</strong>s portugueses reagem e produzem<br />
uma enxurrada legislativa para deter o ímpeto libertário <strong>do</strong><br />
príncipe regente. Publicam três decretos. O primeiro suspende<br />
a determinação de que ele volte a Portugal, mas, em<br />
compensação, tira-lhe todas as prerrogativas de governo,<br />
transforman<strong>do</strong>-o num privilegia<strong>do</strong> turista em férias, curtin<strong>do</strong> a<br />
cidade maravilhosa. Suas decisões teriam que ser ratificadas<br />
pelas Cortes e os secretários <strong>do</strong> governo seriam mandatos<br />
diretamente de Portugal. Outro decreto manda processar os<br />
membros da junta de São Paulo julga<strong>do</strong>s desleais aos<br />
interesses de Portugal. Um terceiro decreto anula a<br />
convocação <strong>do</strong> conselho de procura<strong>do</strong>res. Era a completa<br />
decretação da volta <strong>do</strong> Brasil à condição de colônia.<br />
Em 23 de setembro de 1822 era jurada em Lisboa a<br />
nova constituição portuguesa com apoio <strong>do</strong>s deputa<strong>do</strong>s<br />
brasileiros presentes. A maioria deles tinha resolvi<strong>do</strong><br />
aban<strong>do</strong>nar os trabalhos antes <strong>do</strong> juramento, mas não<br />
receberam permissão <strong>do</strong>s colegas portugueses para regressar<br />
ao Brasil. O padre Feijó, deputa<strong>do</strong> por São Paulo, por<br />
exemplo, tinha pedi<strong>do</strong> permissão para voltar ao Brasil<br />
alegan<strong>do</strong> uma moléstia na vista (02 de setembro). A corte<br />
despachou o seu pedi<strong>do</strong> meio que tachan<strong>do</strong>-o de mentiroso.<br />
Concluíram que “o impedimento <strong>do</strong> mesmo deputa<strong>do</strong>, para assistir os<br />
trabalhos das cortes nestes últimos tempos, tem si<strong>do</strong> mais imaginário e<br />
voluntário <strong>do</strong> que físico e real”. Mesmo depois <strong>do</strong> juramento,<br />
muitos deputa<strong>do</strong>s resolveram deixar Lisboa clandestinamente.<br />
94
Na sessão de 12 de outubro era lida uma nota <strong>do</strong> intendente<br />
de polícia de Lisboa informan<strong>do</strong> que sete deputa<strong>do</strong>s<br />
brasileiros tinham se evadi<strong>do</strong>, embarcan<strong>do</strong> sem passaportes<br />
em navios ingleses. Foi uma epopeia inglória. Talvez tivessem<br />
feito bem os deputa<strong>do</strong>s mineiros que preferiram ficar em casa<br />
a se submeter àquele vexame.<br />
No seu artigo 20 a constituição aprovada pelas Cortes<br />
dizia que o território da nação portuguesa formava o Reino<br />
Uni<strong>do</strong> de Portugal, Brasil e Algarve. <strong>Os</strong> habitantes <strong>do</strong> Brasil<br />
eram considera<strong>do</strong>s cidadãos portugueses. O Brasil seria<br />
governa<strong>do</strong> por uma regência composta de cinco membros.<br />
Tarde demais, dezesseis dias antes d. Pedro já havia lança<strong>do</strong><br />
sua proclamação às margens <strong>do</strong> Ipiranga.<br />
Assim que a notícia da proclamação chegou a Portugal<br />
o presidente da Câmara da cidade <strong>do</strong> Porto fez publicar na<br />
imprensa de Lisboa um violento manifesto contra as Cortes<br />
onde dizia em uma passagem: “Que infâmia, que tirania. Enfim,<br />
por cúmulo de desgraça fizeram perder o nosso rico Brasil, pretenden<strong>do</strong><br />
soprar-lhes a guerra civil; sim, foram só elas e mais ninguém; vos os<br />
sabeis portugueses, assim como sabeis também – que já estamos perdi<strong>do</strong>s<br />
com a perda <strong>do</strong> Brasil, <strong>do</strong>nde nos vinha tantos socorros e onde<br />
empregávamos tantos homens”.<br />
O desastra<strong>do</strong> esforço parlamentar português tinha<br />
si<strong>do</strong> contraproducente assim como, logo depois, seria inútil o<br />
pífio esforço militar para manter o Brasil subjuga<strong>do</strong>.<br />
Mudança <strong>do</strong>s ventos<br />
Como vimos, os trabalhos constitucionais das Cortes<br />
começaram no dia 24 de janeiro de 1821. No princípio eles<br />
não sabiam muito bem que reação os brasileiros teriam diante<br />
95
da regeneração política que se anunciava com enorme<br />
entusiasmo. Como inserir o Brasil nesse novo contexto? Havia<br />
uma incógnita pedin<strong>do</strong> cautela aos parlamentares reuni<strong>do</strong>s em<br />
Lisboa. Desde que d. João instalara a Corte no Rio de Janeiro,<br />
há mais de treze anos, que os brasileiros se mostravam<br />
deslumbra<strong>do</strong>s com o fato <strong>do</strong> seu país ter deixa<strong>do</strong> de ser uma<br />
colônia passan<strong>do</strong> a centro <strong>do</strong> império português. Além disso,<br />
as Cortes sabiam da enorme simpatia que a bonomia natural<br />
<strong>do</strong> <strong>rei</strong> costumava despertar nos seus súditos. Não tinha si<strong>do</strong><br />
diferente no <strong>rei</strong>no americano. Com relação às restrições ao<br />
poder <strong>do</strong> <strong>rei</strong> os parlamentares lusos não tinham dúvidas, mas<br />
em relação ao status político <strong>do</strong> Brasil era necessária toda a<br />
delicadeza <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. O problema maior é que poucos<br />
deputa<strong>do</strong>s lusos estavam prepara<strong>do</strong>s para serem delica<strong>do</strong>s.<br />
Mas, felizmente para eles, naquela altura <strong>do</strong> debate eles não<br />
tinham nada o que temer. Mesmo porque, passada a euforia<br />
<strong>do</strong> Brasil ter vira<strong>do</strong> um <strong>rei</strong>no, os brasileiros já estavam<br />
pensan<strong>do</strong> em outra coisa, pois as ideias revolucionárias já<br />
vinham cativan<strong>do</strong> o país desde o século passa<strong>do</strong>. Agora havia<br />
ideias até muito mais palatáveis que admitiam que era possível<br />
garantir os interesses <strong>do</strong>s deserda<strong>do</strong>s sem ter que matar os<br />
<strong>rei</strong>s. De sorte que, no princípio, o povo esqueceu um pouco<br />
da alegria despreocupada que d. João tinha trazi<strong>do</strong> e passou a<br />
desacreditar um pouco nele. Pois ninguém duvidava que ele<br />
era muito bonzinho mas um tanto malandro, fingin<strong>do</strong> de<br />
bobo. Aliás, essa desconfiança, salvo em alguns intervalos<br />
relativamente curtos, seria legada a seu filho e só estancaria em<br />
seu neto, afinal um impera<strong>do</strong>r genuinamente brasileiro e que<br />
só tinha um <strong>rei</strong>no com que se preocupar.<br />
Assim, o raiar <strong>do</strong> ano de 1821, com todas aquelas<br />
maravilhosas novidades chegadas de Lisboa, viu a confiança<br />
<strong>do</strong>s brasileiros, que até então vinha sen<strong>do</strong> reservada para o <strong>rei</strong>,<br />
desviada para as Cortes. Muita gente se mostrou eufórica<br />
96
disposta a jurar antecipadamente uma constituição que<br />
ninguém ainda sabia di<strong>rei</strong>to como seria. Desta forma, logo no<br />
primeiro dia <strong>do</strong> ano de 1821, ou seja, antes mesmo das Cortes<br />
terem inicia<strong>do</strong> os trabalhos da construção constitucional e<br />
destituí<strong>do</strong> a junta <strong>do</strong> governo de Portugal nomeada pelo <strong>rei</strong>, o<br />
povo <strong>do</strong> Pará já tinha instala<strong>do</strong> uma junta de governo<br />
provisional <strong>do</strong> seu agra<strong>do</strong> e jura<strong>do</strong> a constituição que ainda<br />
iria ser feita. Em feve<strong>rei</strong>ro os paraenses nomearam uma<br />
comissão para ir até Lisboa participar o ocorri<strong>do</strong>. À frente ia o<br />
jovem Felipe Alberto Patroni - bacharel gradua<strong>do</strong> em<br />
Coimbra - que gostava de discursar à moda <strong>do</strong>s<br />
revolucionários franceses, exageran<strong>do</strong> na forma e no<br />
conteú<strong>do</strong>. Mas a visita causou sensação no recinto <strong>do</strong> Palácio<br />
das Necessidades e assim os parlamentares lusos respiraram<br />
alivia<strong>do</strong>s, certos de que os brasileiros estavam a seu la<strong>do</strong> e que<br />
podiam seguir em frente com a questão brasílica sem temer<br />
hostilidades. <strong>Os</strong> deputa<strong>do</strong>s portugueses ficaram tão<br />
entusiasma<strong>do</strong>s com o entusiasmo <strong>do</strong> povo paraense que até<br />
cogitaram de transformar o Pará numa província portuguesa<br />
ligada diretamente a Lisboa.<br />
De fato, no princípio foi só alegria. No dia 10 de<br />
feve<strong>rei</strong>ro foi a vez da Bahia mostrar o seu amor. Ali a revolta<br />
para instalação da junta de governo leal às Cortes já não foi<br />
tão tranqüila e o conde da Palma – governa<strong>do</strong>r da confiança<br />
de d. João VI – teve que entregar o governo aos revoltosos<br />
depois de algumas trocas de tiros. É que ele dependia da<br />
capacidade militar <strong>do</strong> marechal Felisberto Caldeira Brant – o<br />
futuro marques de Barbacena – que então já mostrou toda a<br />
sua notória incompetência no coman<strong>do</strong> de armas, a mesma<br />
que mostraria mais tarde novamente à frente <strong>do</strong> exército<br />
brasileiro na campanha da província Cisplatina.<br />
Instalada a junta baiana, jurou-se fidelidade ao <strong>rei</strong> e à<br />
futura constituição. O próprio conde da Palma foi convida<strong>do</strong><br />
97
a presidir a nova junta de governo, mas não aceitou. Quer<br />
dizer, naquela altura ninguém queria uma mudança<br />
verdadeiramente radical. O <strong>rei</strong> deveria governar, mas deveria<br />
ampliar os di<strong>rei</strong>tos <strong>do</strong> povo e governar baliza<strong>do</strong> pelas regras<br />
de uma constituição a ser feita em Portugal. Nada além.<br />
República ficava para outra ocasião. Também, no meio<br />
daquele entusiasmo, poucos estavam preocupa<strong>do</strong>s com o fato<br />
de que um novo modelo teria que ser cria<strong>do</strong> para regular as<br />
relações lusobrasileiras. Assim, muitas vezes, o moto que<br />
levava a formação das juntas provisórias de governo nas<br />
províncias era a simples necessidade de acomodação de<br />
vaidades locais. Também contribuía a ambição de militares de<br />
alta e média patente que viam então uma oportunidade de<br />
ascensão na car<strong>rei</strong>ra, por força de meras aclamações ou<br />
decretos das juntas. Assim aconteceu na Bahia onde o<br />
tenente-coronel Manuel Pedro de F<strong>rei</strong>tas Guimarães, por<br />
graça da junta provisória, virou brigadeiro e assumiu o<br />
governo das armas. O mesmo acontecen<strong>do</strong> em Minas com<br />
José Maria Pinto Peixoto que chefiou a rebelião para<br />
instalação da junta de governo e passou de sargento-mor a<br />
brigadeiro, numa ascensão espetacular.<br />
A notícia <strong>do</strong> movimento baiano chegou a Lisboa em<br />
15 de abril de 1821 e causou ainda mais sensação <strong>do</strong> que a<br />
notícia da adesão <strong>do</strong> Pará pois a Bahia era uma das mais<br />
importantes províncias <strong>do</strong> Brasil. De sorte que as Cortes<br />
entenderam que agora sim, estava definitivamente assentada<br />
sua cabeça de praia para impor seu constitucionalismo ao<br />
Brasil. Assim, tratou de despachar tropas para lá, garantin<strong>do</strong><br />
competitividade num eventual confronto com a corte <strong>do</strong> Rio<br />
de Janeiro pois, àquela altura, a volta de d. João VI para a<br />
pátria mãe ainda era uma incógnita.<br />
98
Em Pernambuco o próprio governa<strong>do</strong>r Luiz <strong>do</strong> Rego<br />
tratou de formar sua junta provisória o que se deu em 31 de<br />
março. Mais tarde houve uma dissidência e a questão foi<br />
remetida ao campo de batalha. É que Mena Cala<strong>do</strong>,<br />
discordan<strong>do</strong> da iniciativa de Luiz <strong>do</strong> Rego, resolveu formar<br />
outra junta de governo na vila de Goiás. Depois de muito<br />
sangue derrama<strong>do</strong>, em 29 de agosto de 1821 revolveram<br />
entrar num acor<strong>do</strong> e em 26 de outubro conseguiram eleger<br />
um governo de conciliação.<br />
Em São Paulo a movimentação para a formação da<br />
junta provisória de governo se deu no dia 23 de março de<br />
1821. O clima era propício, principalmente porque a tropa<br />
estava descontente com o governo por conta de questões<br />
ligadas ao aumento de seus sol<strong>do</strong>s. Sob a presidência <strong>do</strong><br />
conselheiro José Bonifácio de Andrada, convida<strong>do</strong> pela tropa<br />
e pelo povo, deu-se a eleição <strong>do</strong> governo provisório sem<br />
nenhum incidente ou fato de maior nota.<br />
Em Minas a coisa correu um pouco mais devagar. A<br />
instalação da junta de governo se deu pela iniciativa <strong>do</strong>, à<br />
pouco cita<strong>do</strong> - sargento-mor de nacionalidade portuguesa -<br />
José Maria Pinto Peixoto. No dia 16 de setembro de 1821 ele<br />
reuniu a tropa na Praça <strong>do</strong> Palácio, convocou as autoridades e<br />
o povo e determinou a eleição da junta. Embora o próprio<br />
governa<strong>do</strong>r Manuel de Portugal e Castro tenha si<strong>do</strong> eleito<br />
presidente da comissão de governo, não ficou tu<strong>do</strong> mais ou<br />
menos na mesma pois, além de jurar lealdade às Cortes, a<br />
junta mineira ainda teve o exagero de estabelecer que todas as<br />
determinações de d. Pedro teriam que ser ratificadas por ela<br />
para passar a fazer efeito sobre os mineiros. O sargento-mor<br />
rebelde, claro, reservou para si o posto de governa<strong>do</strong>r de<br />
armas.<br />
99
Em 09 de março as Cortes aprovavam as bases da<br />
constituição portuguesa. Quan<strong>do</strong> a notícia chegou ao Brasil<br />
todas as juntas provisionais que já tinham jura<strong>do</strong> a futura<br />
constituição que ainda se ia fazer, tiveram que jurar as bases<br />
também. Ou seja, quem já tinha jura<strong>do</strong> o geral, agora jurava o<br />
particular. Não tinha muito senti<strong>do</strong>, mas era uma boa<br />
oportunidade política para as Cortes re<strong>do</strong>brarem os<br />
compromissos de fidelidade <strong>do</strong>s brasileiros. E eles o fizeram<br />
cheios de civismo. O próprio príncipe regente teve que fazêlo,<br />
pressiona<strong>do</strong> pelos militares portugueses, o que se deu no<br />
dia 05 de junho de 1821.<br />
Em 24 de abril, ou seja, uma semana depois da<br />
chegada das novidades da Bahia, as Cortes baixavam<br />
resolução reconhecen<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os governos provisórios<br />
cria<strong>do</strong>s no Brasil. Anima<strong>do</strong>s, enfim, com os acontecimentos<br />
que estavam ocorren<strong>do</strong> nos diversos cantos <strong>do</strong> Brasil, os<br />
deputa<strong>do</strong>s lusos começaram a acreditar que podiam reverter a<br />
obra tropical de d. João VI e submeter o país novamente à<br />
antiga condição de quintal de Portugal. Mas, já a partir de<br />
setembro de 1821, a simpatia <strong>do</strong>s brasileiros pelo trabalho<br />
constitucional que estava sen<strong>do</strong> elabora<strong>do</strong> em Portugal<br />
começava a arrefecer. Foi quan<strong>do</strong> os deputa<strong>do</strong>s brasileiros<br />
começaram a chegar a Lisboa. E foi aí que começou a<br />
mudança <strong>do</strong>s ventos.<br />
Ao longo <strong>do</strong> ano de 1821, a quase totalidade das<br />
províncias eram governadas por juntas provisórias, a maioria<br />
delas leais às Cortes de Lisboa e algumas claramente hostis ao<br />
príncipe regente. No ano seguinte d. Pedro partiria para<br />
submetê-las ao seu coman<strong>do</strong>, condição indispensável pra<br />
evitar uma recolonização <strong>do</strong> Brasil.<br />
100
A decisão de d. Pedro, de não mais retornar a Portugal<br />
atenden<strong>do</strong> a intimação das Cortes, se deu no dia 09 de janeiro<br />
de 1822, dia da proclamação <strong>do</strong> “fico”. Aí a lealdade <strong>do</strong>s<br />
brasileiros tomaria um rumo completamente diferente,<br />
confrontan<strong>do</strong> claramente os interesses de Portugal,<br />
representa<strong>do</strong>s pelos militares e comerciantes portugueses,<br />
sentinelas avança<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s interesses das Cortes de Lisboa.<br />
Titília e Demonão<br />
Até nos nossos dias, tão plenos de releituras, os<br />
brasileiros ainda a<strong>do</strong>ram caricaturar a família real portuguesa,<br />
repetin<strong>do</strong> imagens preservadas ao longo <strong>do</strong> tempo pela<br />
historiografia de gosto mais popular. Muitos há que não<br />
duvidam que d. João VI era um glutão meio panaca, Carlota<br />
Joaquina era uma megera sanguinária e d. Pedro era um<br />
moleque farrista, desvaira<strong>do</strong> por um rabo de saia. Tu<strong>do</strong> isso,<br />
claro, tem um pouco de verdade. Mas é injusto que eles<br />
passem à história carregan<strong>do</strong> alegorias tão rasteiras, diante de<br />
tu<strong>do</strong> que fizeram. 25<br />
As histórias picantes de d. Pedro sempre despertaram<br />
grande interesse, até porque, mostravam à plebe que os <strong>rei</strong>s<br />
também eram chega<strong>do</strong>s a uma sem-vergonhice o que, afinal,<br />
os tornava mais iguais. Claro que muito exagero foi<br />
perpetra<strong>do</strong> pelos inimigos <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r, sempre atentos a<br />
detalhes que pudessem comprometer a imagem dele que, aliás,<br />
25 Muitas das imagens <strong>do</strong>s soberanos portugueses, passaram à História a<br />
partir de relatos de viajantes e diplomatas ingleses e franceses cheios de<br />
preconceito e arrogância ou até, cheios de mentiras mesmo.<br />
101
não era nada cauteloso com as intimidades pouco modelares<br />
da sua vida <strong>do</strong>méstica.<br />
No caso da marquesa de Santos, os deslizes amorosos<br />
<strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r até assumiram uma dimensão mais grave. Não<br />
pelas delícias da luxuria, mas pelas agruras <strong>do</strong> preço político<br />
que ele teve que pagar. Sem falar no intenso sofrimento que<br />
infligiu à imperatriz Leopoldina de forma grosseira e<br />
desnecessária.<br />
Pelo la<strong>do</strong> mundano da questão, há de se começar<br />
lembran<strong>do</strong> das cartas amorosas que d. Pedro gostava de enviar<br />
à amante favorita. Elas têm um interessante valor sociológico<br />
pois mostram que, em pleno começo <strong>do</strong> século XIX, os<br />
amantes não eram assim tão recata<strong>do</strong>s. As missivas de d.<br />
Pedro à Domitila de Castro exibem uma intimidade que beira<br />
à escatologia. Uma das correspondências preservadas mostra<br />
que ele não tinha nenhum constrangimento de contar a ela um<br />
ou outro simplório caso de disfunção intestinal ou<br />
indisposição genital. Há uma carta em que ele faz um registro<br />
que sugere que pudesse estar acometi<strong>do</strong> de alguma <strong>do</strong>ença<br />
venérea.<br />
D. Pedro chegou a pedir a Domitila que destruísse a<br />
correspondência 26 entre eles, mas ela não o fez e muita coisa<br />
ficou preservada nos escaninhos da História. Assim pudemos<br />
ficar saben<strong>do</strong> que eles se tratavam na intimidade pelos<br />
apeli<strong>do</strong>s de “Titília” e “Demonão”.<br />
Há indícios de que eles praticavam um sexo não muito<br />
orto<strong>do</strong>xo e numa carta ele chama seu prestativo pênis de<br />
26 Carta datada de 03 de novembro de 1827 (Referência de Otávio<br />
Tarquínio de Sousa).<br />
102
“máquina triforme” o que sugere que o dito cujo tinha<br />
múltiplas funções, multiplican<strong>do</strong> as delícias da alcova infiel.<br />
Quanto ao comportamento sexual propriamente dito, Sua<br />
Majestade sempre mostrava um desempenho notável pela<br />
variação e quantidade. Justiça seja feita, seu apetite nesse<br />
particular não dava para passar em branco. E verdadeiramente<br />
não passou, mesmo na pena <strong>do</strong>s escritores mais austeros e<br />
recata<strong>do</strong>s. Mas a hiperatividade da sua vida sexual pode ter<br />
si<strong>do</strong> muita curta. Há registro de que logo depois <strong>do</strong> seu<br />
segun<strong>do</strong> casamento (1829), d. Pedro pudesse estar sofren<strong>do</strong><br />
de certa impotência ou, como se diz hoje com muito mais<br />
educação, “disfunção erétil”. De fato, ele só conseguiu ter<br />
uma filha com a segunda esposa, apesar da fama de grande<br />
beleza que ela carregava, plena nos seus dezenove anos de<br />
idade. A revelação desse inespera<strong>do</strong> desacoroço está numa<br />
carta enviada por d. Pedro ao marques de Resende. Tinha<br />
apenas trinta anos na época. Mas até lá esbanjou vitalidade.<br />
Além das duas esposas e da amante favorita, d. Pedro teve<br />
pelo menos mais <strong>do</strong>ze outras concubinas. Primava pelo<br />
multinacionalismo na escolha das parceiras: cinco francesas,<br />
quatro brasileiras, duas portuguesas e uma uruguaia. Tinha até<br />
uma f<strong>rei</strong>ra, preferência que lembrava as célebres taras <strong>do</strong> seu<br />
trisavô - d. João V.<br />
Mas vamos ao surti<strong>do</strong> rol <strong>do</strong>s rabos de saia <strong>do</strong><br />
impera<strong>do</strong>r: Noémi Thierry, uma dançarina francesa; Maria<br />
Benedita Bonfim, irmã da marquesa de Santos; Maria del<br />
Carmen Garcia, uma uruguaia obscura; Clémence Saisset,<br />
francesa, esposa de um comerciante <strong>do</strong> Rio; Adéle de<br />
Bonpland, mulher <strong>do</strong> naturalista Aimé Bonpland 27 ; Madame<br />
27<br />
Bonpland tinha si<strong>do</strong> companheiro de Humboldt na sua famosa<br />
expedição à América. Viveu uns tempos na Argentina com a família,<br />
103
Saturville e Heloise Henri, francesas de que pouco se sabe;<br />
Luisa Clara de Menezes, mineira de Paracatu; Gertrude<br />
Meireles, mineira de Ouro Preto; Lu<strong>do</strong>vina Soares, atriz;<br />
Joaquina de Lencastre Barros, mulher <strong>do</strong> general Avilez e Ana<br />
Augusta, monja portuguesa <strong>do</strong>s Açores, seu último caso<br />
conheci<strong>do</strong>.<br />
Mas, a grande paixão <strong>do</strong> nosso primeiro impera<strong>do</strong>r, foi<br />
sem dúvida, Domitila de Castro Canto e Melo. Ele a conheceu<br />
em 29 de agosto de 1822 e manteve um caso com ela que<br />
durou sete anos, debaixo de pouca discrição. Durou até que<br />
ele se deu conta de que, se não suspendesse aquela mancebia,<br />
ficaria viúvo para sempre, pois as cortes europeias não tinham<br />
gosta<strong>do</strong> nem um pouco <strong>do</strong> que o impera<strong>do</strong>r tinha feito com<br />
<strong>do</strong>na Leopoldina, levan<strong>do</strong> a amante para perto de si e levan<strong>do</strong><br />
seus filhos bastar<strong>do</strong>s para dentro <strong>do</strong> palácio. Domitila era<br />
casada e parece que, além de trair o mari<strong>do</strong>, an<strong>do</strong>u train<strong>do</strong><br />
também o impera<strong>do</strong>r. Mas, com exceção de d. Pedro claro,<br />
to<strong>do</strong>s eram mansos e sabiam explorar aquela rica relação,<br />
inclusive pais e irmãos, coniventes e conforta<strong>do</strong>s pelos muitos<br />
mimos recebi<strong>do</strong>s de Sua Majestade. Ao to<strong>do</strong> o impera<strong>do</strong>r<br />
freqüentou a alcova legítima ou adulterina de treze mulheres<br />
com as quais teve nada menos <strong>do</strong> que dezoito filhos, sen<strong>do</strong><br />
treze assumi<strong>do</strong>s.<br />
Mas tinha fama de ser um pai amoroso: a <strong>do</strong>is deles<br />
legaria uma coroa real. <strong>Os</strong> bastar<strong>do</strong>s também tiveram a sua<br />
parte. À sua filha primogênita com a amante favorita faria<br />
depois desentendeu-se com a mulher o foi viver no Paraguai onde<br />
montou uma grande fazenda de produção de mate. O governo local<br />
achou que sua atividade contrariava uma lei e o prendeu, manten<strong>do</strong>o<br />
encarcera<strong>do</strong> durante nove anos. Foi nesse perío<strong>do</strong> que madame<br />
Bonpland an<strong>do</strong>u pelo Rio de Janeiro trocan<strong>do</strong> favores com d.<br />
Pedro a favor da soltura <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>.<br />
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duquesa, lhe daria uma educação esmerada e um bom<br />
casamento. A nenhum deles deixou de legar alguma coisa. De<br />
acor<strong>do</strong>, claro, com a paixão que a respectiva mãe conseguiu<br />
despertar.<br />
Domitila de Castro devia ser mesmo muito boa de<br />
cama, mas, sem dúvida, foi um <strong>do</strong>s maiores estorvos na vida<br />
de d. Pedro. Por mais que ele apreciasse as habilidades sexuais<br />
daquela mulher, seu relacionamento com ela agregou um<br />
enorme la<strong>do</strong> escuro na sua biografia e não deixou de lhe dar a<br />
imagem de ter feito certo papel de trouxa. Gerou desgaste<br />
político, escárnio <strong>do</strong> corpo diplomático e o deboche <strong>do</strong> povo.<br />
Por conta da influência da amante, d. Pedro se enre<strong>do</strong>u numa<br />
meritocracia de alcova da pior espécie, toleran<strong>do</strong> e, não raro,<br />
compartilhan<strong>do</strong> de um esquema de favores imoral e corrupto,<br />
toca<strong>do</strong> pela favorita.<br />
Dizem que o impera<strong>do</strong>r aquiescia e até estimulava um<br />
esquema de cobrança de propinas de que Domitila se<br />
beneficiava para desembaraçar tramitações de governo junto a<br />
ele próprio. Não tinha erro: cem por cento de eficácia. Era<br />
fácil como matar peixes à tiros num barril. Enquanto d. Pedro<br />
sonegava a mesada a que d. Leopoldina tinha di<strong>rei</strong>to, impon<strong>do</strong><br />
a ela uma austeridade incompatível com sua dignidade de<br />
imperatriz; a amante enriquecia a olhos vistos. Quan<strong>do</strong> se<br />
mu<strong>do</strong>u para o Rio, Domitila de Castro foi viver<br />
modestamente no bairro <strong>do</strong> Mata Porcos, onde se contentava<br />
em prestar discretamente seus competentes serviços ao<br />
impera<strong>do</strong>r, cativan<strong>do</strong>-o cada vez mais com seus truques<br />
delirantes. Nessa altura ela já tinha si<strong>do</strong> esfaqueada pelo<br />
mari<strong>do</strong>, por conta de um notório adultério em tempos<br />
passa<strong>do</strong>s. À medida que o delírio foi crescen<strong>do</strong> o Impera<strong>do</strong>r<br />
foi trazen<strong>do</strong> a amante para mais perto de si. Transformou-a<br />
em primeira dama da Imperatriz e a colocou ao la<strong>do</strong> de d.<br />
105
Leopoldina, em posição de destaque. Enquanto crescia a<br />
glória da concubina desvairada, ia crescen<strong>do</strong> também a<br />
humilhação da recatada esposa, o que acabaria por matá-la<br />
literalmente de desgosto.<br />
Por conta de sua ren<strong>do</strong>sa ocupação, a futura<br />
marquesa de Santos se mudaria para um palácio, ricamente<br />
mobilia<strong>do</strong>, rica prataria e farta criadagem vestida com vistosos<br />
librés. Dava festas suntuosas, despenden<strong>do</strong> somas na casa <strong>do</strong>s<br />
contos de <strong>rei</strong>s e distribuía preciosos presentes aos amigos. De<br />
noite o palácio era uma festa iluminada, de dia uma próspera<br />
agencia de negócios. Dizem que ela recebia as propinas<br />
pessoalmente e, claro, sem passar recibo, que também nem era<br />
exigi<strong>do</strong>, para conveniência das partes.<br />
As imperatrizes<br />
D. Carolina Josefa Leopoldina Francisca Fernanda<br />
de Habsburgo-Lorena era filha <strong>do</strong> Impera<strong>do</strong>r da Áustria<br />
Francisco I. Quan<strong>do</strong> casou com d. Pedro, a 13 de maio de<br />
1817, tinha vinte anos, enquanto ele tinha dezoito. O<br />
casamento tinha custa<strong>do</strong> uma fortuna a d. João VI pois a<br />
arquiduquesa da Áustria estava sen<strong>do</strong> muito requisitada pelas<br />
casas reais da Europa. Para convencer de que o melhor<br />
consorte era um príncipe de um longínquo <strong>rei</strong>no tropical, foi<br />
necessário convencer antes de que a Corte Portuguesa nadava<br />
opulenta nas riquezas <strong>do</strong> Brasil. Pelo menos foi o que tentou<br />
mostrar o marques de Marialva em Viena, enquanto negociava<br />
o matrimônio. Festas nababescas e presentes generosos<br />
fizeram a alegria da nobreza austríaca naqueles dias<br />
esplen<strong>do</strong>rosos de caça à mão da recatada princesa. Mas<br />
106
acabou dan<strong>do</strong> certo, mesmo porque, também pesou a opinião<br />
da própria noiva pois ela estava morren<strong>do</strong> de curiosidade para<br />
conhecer a natureza exuberante da América <strong>do</strong> Sul, sen<strong>do</strong> ela<br />
entusiasta ama<strong>do</strong>ra de botânica e mineralogia.<br />
D. Leopoldina não era bonita e parece que ostentava<br />
alguns quilos a mais <strong>do</strong> que o recomenda<strong>do</strong>. Também tinha<br />
fama de ser desleixada no vestir, o que, na verdade, era apenas<br />
conseqüência da sua austera simplicidade. Também vivia<br />
pejada, agregan<strong>do</strong> ainda mais robustez ao seu biótipo já<br />
disposto para tal. Quan<strong>do</strong> ela morreu, seu pai teria dito que<br />
ela era tímida e negligente e que a próxima esposa de d. Pedro<br />
tinha que ser linda e espirituosa. De fato, quan<strong>do</strong> os<br />
casamenteiros reais partiram para a Europa em busca da<br />
segunda esposa para o impera<strong>do</strong>r viúvo, levavam severas<br />
instruções de que a nova imperatriz tinha que ser bela e<br />
virtuosa, requisitos que a primeira esposa só preenchia pela<br />
metade. Alberto Rangel 28 , apelan<strong>do</strong> para uma notável<br />
disposição depreciativa a descreveu como: “de estatura meã,<br />
grosso pescoço das vienenses, um que de corcunda, beiços polposos <strong>do</strong>s<br />
Habsburgos no rosto vultuoso carrega<strong>do</strong> de pigmentação vermelha, de<br />
mo<strong>do</strong> a parecer sujeito a um exatema, o nariz desgraciosíssimo, cabelos<br />
espicha<strong>do</strong>s, olhos azuis com expressão de assusta<strong>do</strong>s, a organização<br />
robusta e inelegante”.<br />
Não resta dúvida que a primeira vez que d. Pedro viu a<br />
esposa ele teve que disfarçar uma certa decepção. Com certeza<br />
o marquês de Marialva tinha manda<strong>do</strong> para o Brasil um<br />
retrato muito generoso quanto aos atributos físicos da<br />
arquiduquesa. Mas d. Leopoldina era muito culta e inteligente<br />
e foi ela que estimulou a ideia de aportar ao Brasil<br />
28 Cita<strong>do</strong> por Otávio Tarquínio de Souza.<br />
107
acompanhada de notáveis naturalistas como Emmanuel Pohl<br />
e Spix e Martius 29 . Era atenta aos negócios de esta<strong>do</strong> e tinha<br />
plena noção <strong>do</strong> momento histórico que estava viven<strong>do</strong>.<br />
Talvez até fosse inteligente demais para o gosto de d. Pedro.<br />
Também era virtuosa e fazia o la<strong>do</strong> social da sua investidura<br />
com muita competência. <strong>Os</strong> negros tinham esperança que ela<br />
pudesse influir no fim da escravidão, o que acabou sen<strong>do</strong><br />
sacramenta<strong>do</strong> por sua neta, algum tempo depois. A figura de<br />
d. Leopoldina sempre despertou menos interesse histórico <strong>do</strong><br />
que seria justo pois sempre tendeu a ser notada muito mais<br />
como a mulher que foi facilmente vencida pela Marquesa de<br />
Santos no jogo das preferências amorosas de d. Pedro. Mas é<br />
justo reconhecer que ela tinha predica<strong>do</strong>s incomuns e longe<br />
estava da mediocridade da própria rival. Pelos <strong>do</strong>tes físicos e<br />
pelos truques de Alcova ela certamente foi derrotada, mas isso<br />
é muito pouco para condená-la ao segun<strong>do</strong> plano. Para Luis<br />
Norton 30 ela: “era uma mulher de espírito, calma, culta, dedicada às<br />
boas-letras e belas-artes; interessara-se vivamente pelas ciências naturais,<br />
tinha curiosidades científicas, lia Sismondi, colecionava animais e plantas,<br />
conhecia perfeitamente a mineralogia, a zoologia e a geometria descritiva”.<br />
Sabia jogar o jogo político com habilidade: na<br />
correspondência interna mostrava apoiar plenamente as<br />
decisões <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> e na correspondência para os parentes<br />
austríacos mostrava-se uma fiel filha da Santa Aliança,<br />
recriminan<strong>do</strong> o liberalismo de d. Pedro. Afinava-se muito bem<br />
29 A bem da verdade, a expedição de naturalistas que acompanhou<br />
d. Leopoldina ao Brasil já havia si<strong>do</strong> planejada pelo <strong>rei</strong> da Baviera<br />
algum tempo antes, mas o casamento abriu a oportunidade para<br />
concretização da ideia, já que Metternich também passou a apoiá-la.<br />
30 “A Corte de Portugal no Brasil”.<br />
108
com José Bonifácio e aju<strong>do</strong>u-o muito em certos<br />
convencimentos.<br />
Foi uma princesa feliz e uma imperatriz desgraçada. É<br />
que quan<strong>do</strong> d. Pedro foi a São Paulo, em agosto de 1822,<br />
acabou trazen<strong>do</strong> de lá a independência e Domitila de Castro.<br />
A primeira faria de d. Leopoldina a Imperatriz <strong>do</strong> Brasil e a<br />
segunda faria dela a infeliz esposa traída. É inegável que o<br />
impera<strong>do</strong>r submeteu sua mulher a grandes humilhações e isso<br />
pode ter si<strong>do</strong> a causa da sua morte prematura, aos vinte e<br />
nove anos de idade, deixan<strong>do</strong> quatro filhos órfãos. Ao to<strong>do</strong><br />
tinha da<strong>do</strong> à luz a sete filhos de d. Pedro, três <strong>do</strong>s quais já<br />
disputan<strong>do</strong> preferências com Domitila que, no mesmo<br />
perío<strong>do</strong>, também daria três filhos ao irrequieto fauno 31 . A<br />
imperatriz teve que suportar <strong>do</strong>loroso escárnio público pois, a<br />
partir de 1826, o impera<strong>do</strong>r passou a não fazer nenhuma<br />
questão de poupá-la das suas aventuras extraconjugais. O<br />
ponto alto da degradação foi a viagem que d. Pedro fez à<br />
Bahia em feve<strong>rei</strong>ro. Foi aí que ele desfilou publicamente com<br />
a amante, colocan<strong>do</strong>-a ao la<strong>do</strong> de d. Leopoldina e não, raro,<br />
mostran<strong>do</strong>-se muito mais atencioso com ela <strong>do</strong> que com a<br />
esposa. Naquele ano sua primeira filha com Domitila fazia<br />
<strong>do</strong>is anos e ele resolveu assumi-la publicamente na condição<br />
de Duquesa de Goiás. Mas o que mais parece ter magoa<strong>do</strong> d.<br />
Leopoldina não foi tanto o reconhecimento da paternidade<br />
mas sim a permissão para que a filha de Domitila convivesse<br />
31 D. Pedro e d. Leopoldina geraram uma bela prole. Fotos e<br />
pinturas de d. Maria da Gloria, d. Francisca e d. Pedro II confirmam<br />
isso, mesmo pela ótica estética <strong>do</strong>s nossos dias. D. Francisca, que<br />
viveu na corte francesa, era chamada de “La Belle Francoise”.<br />
Casou-se com Francisco Fernan<strong>do</strong> filho <strong>do</strong> <strong>rei</strong> da França Luis<br />
Felipe I que de passagem casual pelo Brasil a conheceu e,<br />
deslumbra<strong>do</strong> pela sua beleza, se apaixonou por ela.<br />
109
com seus filhos legítimos o que inseria a bastarda no nível de<br />
nobreza <strong>do</strong>s demais. Teria ela escrito “Tu<strong>do</strong> posso sofrer e tenho<br />
sofri<strong>do</strong>, menos ver essa menina a par de meus filhos.” Como bem<br />
anotou Otávio Tarquínio “eram os netos <strong>do</strong> Impera<strong>do</strong>r da Áustria<br />
conviven<strong>do</strong> com a neta de um loca<strong>do</strong>r de bestas da capitania de São<br />
Paulo”.<br />
A primeira imperatriz <strong>do</strong> Brasil morreu em dezembro<br />
de 1826 quan<strong>do</strong> d. Pedro se encontrava no Sul,<br />
acompanhan<strong>do</strong> os insucessos da Guerra Cisplatina, tentan<strong>do</strong><br />
infundir mais ânimos à soldadesca brasileira. Desde abril que<br />
ela não se encontrava bem, queixan<strong>do</strong>-se de <strong>do</strong>res reumáticas.<br />
Seguiu-se um aborto, provoca<strong>do</strong>, certamente, pela evolução<br />
da sua própria <strong>do</strong>ença. O impera<strong>do</strong>r chegou a pensar em adiar<br />
a viagem, mas a enfermidade não parecia particularmente<br />
grave e ele seguiu em frente. Estava longe, portanto, quan<strong>do</strong>,<br />
no dia 11, o médico da imperatriz anunciava: “Foi Deus servi<strong>do</strong><br />
chamá-la a Si pelas dez horas e um quarto”. Na sua última carta<br />
endereçada à irmã e ditada <strong>do</strong>is dias antes de morrer, escreveu:<br />
“Por amor a um monstro sedutor me vejo reduzida ao esta<strong>do</strong> da maior<br />
escravidão e totalmente esquecida pelo meu a<strong>do</strong>ra<strong>do</strong> Pedro”. Não há<br />
dúvida: morreu de paixão pelo mari<strong>do</strong> infiel.<br />
Chegou a circular uma versão de que a causa da morte<br />
teria si<strong>do</strong> uma agressão física sofrida de d. Pedro, poucos dias<br />
antes dele viajar. A semente da versão seria a carta derradeira<br />
da imperatriz onde ela menciona ter sofri<strong>do</strong> um “horroroso<br />
atenta<strong>do</strong>” <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> e que este seria a causa da sua morte.<br />
Hoje, prevalece a crença de que a Imperatriz, morreu mesmo<br />
foi de melancolia e que o menciona<strong>do</strong> atenta<strong>do</strong> teria si<strong>do</strong> o<br />
próprio desprezo <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>. Segun<strong>do</strong> ela, d. Pedro chegou a<br />
destratá-la diante da amante, suprema humilhação para uma<br />
imperatriz mãe de um impera<strong>do</strong>r, uma rainha e uma princesa<br />
da França.<br />
110
Parece que d. Leopoldina tinha grande fervor cristão e<br />
até teria escrito um código de conduta religiosa para si<br />
própria, onde o sofrimento era visto como um caminho de<br />
elevação a Deus. É possível que a humilhação que d. Pedro<br />
infligiu a ela possa tê-la mergulha<strong>do</strong> num ritual de<br />
autoflagelação espiritual que acabou precipitan<strong>do</strong> sua morte.<br />
Com certeza, d. Leopoldina tinha uma personalidade meio<br />
neurótica, pautada pela submissão resignada ao sofrimento.<br />
Tinha nasci<strong>do</strong> para morrer de amor por Deus e o mari<strong>do</strong>... e<br />
morreu. Mas, justiça seja feita, nutriu como pôde o feto da<br />
nação independente <strong>do</strong> Brasil. Não há dúvida que d.<br />
Leopoldina amava profundamente o mari<strong>do</strong>. Sua<br />
correspondência mostra isso, desde o princípio <strong>do</strong> enlace. E d.<br />
Pedro, gostava da mulher? É possível que sim, embora a<br />
morte da imperatriz tenha lhe arranca<strong>do</strong> muito mais provas de<br />
remorso <strong>do</strong> que de paixão. 32 Pobre dela, era mãe amorosa mas<br />
esposa distraída, enquanto d. Pedro parecia estar mais<br />
interessa<strong>do</strong> numa mãe distraída mas amante fogosa, como era<br />
Domitila. Descontrola<strong>do</strong> era o amor que, naquela época, ele<br />
devotava à aventu<strong>rei</strong>ra paulista. Mas, a médio prazo, foi a<br />
morte da mulher que acabou provocan<strong>do</strong> a queda da amante<br />
pois, quanto d. Pedro quis se casar de novo, nenhuma<br />
princesa europeia de primeira linha, estava disposta a ter o<br />
mesmo destino da filha <strong>do</strong> Impera<strong>do</strong>r da Áustria. Sua fama de<br />
canalha mulherengo já estava firmada na Europa.<br />
No dia 19 de agosto de 1827, ou seja, nove meses<br />
corri<strong>do</strong>s de viuvez, o visconde de Barbacena partia para a<br />
32 Dizem que, parte <strong>do</strong>s dias de nojo e reclusão decreta<strong>do</strong>s pelo luto<br />
da Imperatriz, d. Pedro passou gostosamente nos braços de<br />
Domitila.<br />
111
Europa atrás de uma nova noiva para d. Pedro. Para aplainar a<br />
missão de seu envia<strong>do</strong>, o próprio impera<strong>do</strong>r escreveu ao seu<br />
ex-sogro prometen<strong>do</strong> tomar juízo. E de fato o impera<strong>do</strong>r da<br />
Áustria, à revelia de seu ministro Metternich, tentou ajudar um<br />
pouco pois queria uma boa madrasta para os netos brasileiros.<br />
O primeiro alvo seria a princesa Lu<strong>do</strong>vica Guilhermina ou<br />
então sua irmã Maria Ana, ambas irmãs <strong>do</strong> <strong>rei</strong> da Baviera.<br />
Nenhum das duas quis a grande honra. A má notícia foi dada<br />
pelo ex-sogro de d. Pedro em 27 de novembro de 1827. A<br />
próxima meta passou a ser a princesa Mariana Ricarda da<br />
Sardenha. No eventual desinteresse desta, a princesa de<br />
Nápoles também servia. Ambas, devidamente alertadas da má<br />
fama <strong>do</strong> moço casa<strong>do</strong>iro, recusaram a proposta. Duas<br />
princesas suecas também declinaram <strong>do</strong> convite. Diante de<br />
tanta dificuldade o impera<strong>do</strong>r resolveu montar uma verdadeira<br />
equipe multinacional de caças-noivas composta <strong>do</strong> visconde<br />
de Pedra Branca, <strong>do</strong> coronel de Brack e <strong>do</strong> sr. Dumoulin. O<br />
sucesso não veio de imediato, mas eles trabalharam com<br />
empenho, envian<strong>do</strong> cartas e pedin<strong>do</strong> ajuda <strong>do</strong>s alcoviteiros da<br />
Europa. A próxima recusa foi <strong>do</strong> pai da moça Luisa, princesa<br />
de Baden, filha de Estefânia de Beauharnais e <strong>do</strong> Grão duque<br />
de Baden. A mãe da pretendida, porém, não quis desperdiçar a<br />
chance. Lembrou-se de que seu irmão estava precisan<strong>do</strong> casar<br />
uma filha e sugeriu que ela fosse procurada pelos caças-noivas.<br />
A tal sobrinha era neta da ex-mulher da Napoleão - Josefina<br />
de Beauharnais - e filha de Eugênio de Beauharnais e de d.<br />
Augusta Amélia, esta filha <strong>do</strong> <strong>rei</strong> da Baviera e se chamava<br />
Amélia. Essa sim, era a mulher de verdade que d. Pedro estava<br />
procuran<strong>do</strong>. Amélia Augusta Eugênia Napoleona de<br />
Beauharnais - princesa de Leuchtemberg, consultada, aceitou a<br />
112
proposta e pôs fim ao vexame que d. Pedro vinha passan<strong>do</strong><br />
nas cortes europeias, sen<strong>do</strong> sistematicamente recusa<strong>do</strong> como<br />
um mau parti<strong>do</strong>. 33 Celebra<strong>do</strong> o casamento por procuração, a<br />
princesa chegou ao Rio de Janeiro em outubro de 1829. Era<br />
belíssima, plena de atrativos no viço <strong>do</strong>s seus dezoito anos.<br />
De Domitila de Castro, aos trinta e <strong>do</strong>is anos, depois<br />
de sucessivas gravidezes, já não se podia dizer o mesmo. Na<br />
verdade, ela sempre aparentou mais idade <strong>do</strong> que tinha, e mais<br />
experiência também. De sorte que d. Pedro finalmente<br />
tomava juízo e despachava a amante para São Paulo, para<br />
nunca mais voltar. Com a nova imperatriz teria apenas uma<br />
filha pois, naquele tempo, como já demos notícia, ele já não<br />
era tão fogoso. Também an<strong>do</strong>u muito tempo longe da esposa,<br />
guerrean<strong>do</strong> contra o irmão em terras portuguesas. Domitila<br />
ainda manteria o costume e, enquanto teve condições, foi<br />
procrian<strong>do</strong> por aí.<br />
Mas, justiça seja feita, d. Pedro conseguiu dar ao Brasil<br />
duas imperatrizes oriundas das melhores casas da nobreza<br />
europeia, tornan<strong>do</strong>-se contraparente de figuras <strong>do</strong> mais puro<br />
sangue azul que a Europa produzia. 34 Pouca gente se dá conta<br />
33 D. Amélia teria aceito o convite por influência de seu tio, então<br />
<strong>rei</strong> da Baviera, que como constitucionalista, tinha boa imagem<br />
política de d. Pedro. Só assim foi possível vencer o boicote de<br />
Metternich que vinha trabalhan<strong>do</strong> contra o casório pois não gostava<br />
nem um pouco de d. Pedro, seja pelas suas idéias liberais seja pelo<br />
sofrimento que infringira a d. Leopoldina.<br />
34 No caso da segunda esposa nem tanto, pois o incremento da<br />
nobreza <strong>do</strong>s Beauharnais vinha <strong>do</strong> fato de Napoleão ter se casa<strong>do</strong><br />
com Josefina de Beauharnais - avó de d. Amélia - e ele nem era tão<br />
nobre assim.<br />
113
de que nosso impera<strong>do</strong>r foi concunha<strong>do</strong> de Napoleão<br />
Bonaparte - o impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s franceses. Sim, pois em 1810<br />
Napoleão tinha se casa<strong>do</strong> com d. Maria Luisa, irmã de d.<br />
Leopoldina. Também foi concunha<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>rei</strong> Orcar da Suécia<br />
já que ele era casa<strong>do</strong> com uma das irmãs de d. Amélia, a<br />
segunda esposa.<br />
Curiosas e intrincadas eram as relações de parentesco<br />
entre os nobres europeus naquela época. É que os casamentos<br />
entre as casas nobres era um delica<strong>do</strong> jogo político teci<strong>do</strong><br />
como uma teia de aranha de conveniências políticas e<br />
inconveniências genéticas 35 . Metternich o to<strong>do</strong> poderoso<br />
ministro austríaco, gerente-geral da Santa Aliança, por<br />
exemplo, costumava influir diretamente nos arranjos<br />
matrimoniais das cortes europeias, usan<strong>do</strong> isso para costurar<br />
alianças e garantir a restauração absoluta das casas reais que<br />
tinham si<strong>do</strong> fragmentadas por Bonaparte. Atuava como uma<br />
espécie de grande agente matrimonial que, se não podia<br />
facilitar um casamento, podia muito bem, dificultá-lo. Ele teve<br />
influência direta nos <strong>do</strong>is casamentos de d. Pedro, embora não<br />
tenha consegui<strong>do</strong>, com nenhum desses casamentos frear a<br />
veia liberal <strong>do</strong> nosso impera<strong>do</strong>r. Também com Napoleão,<br />
Metternich não teve melhor sorte pois o casamento com a<br />
filha de Francisco I não impediu que o impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s<br />
franceses continuasse a hostilizar a Áustria. Na verdade os<br />
casamentos costura<strong>do</strong>s ao longo <strong>do</strong> século XIX não<br />
conseguiram vida longa para os <strong>rei</strong>nos da Europa. É que o<br />
povo já estava fican<strong>do</strong> cansa<strong>do</strong> das cabeças coroadas e a<br />
alvorada constitucionalista já raiava rutilante.<br />
35 Coisa de que já falamos um poço quan<strong>do</strong> tratamos da genealogia<br />
<strong>do</strong>s Bragança.<br />
114
O pomo está maduro.<br />
Em primeiro de agosto de 1822 d. Pedro emitiu um<br />
decreto contundente e, na mesma data, fez uma proclamação<br />
ao povo brasileiro. Formam um conjunto que vale como uma<br />
autêntica antecipação da aclamação de independência. O<br />
decreto, nas palavras de Tarquínio Barbosa, se constitui numa<br />
“verdadeira declaração de guerra à antiga metrópole”. Nele o príncipe<br />
regente declarava inimigas todas as tropas que as Cortes<br />
viessem a despachar para o Brasil bem como as tripulações<br />
<strong>do</strong>s navios que as transportassem. Determinava que, caso<br />
tentassem desembarcar, deveriam ser rechaçadas pelas forças<br />
militares de primeira e segunda linhas e até pelo povo em<br />
armas. Em determina<strong>do</strong> ponto da proclamação que completa<br />
o decreto diz ele:<br />
“Acordemos pois, generosos habitantes deste vasto e poderoso<br />
Império; pois está da<strong>do</strong> o grande passo da vossa independência e<br />
felicidade, há muito tempo preconiza<strong>do</strong> pelos grandes políticos da Europa.<br />
Já sois um povo soberano; já entrastes na grande sociedade das nações<br />
independentes a que tínheis to<strong>do</strong> o di<strong>rei</strong>to”.<br />
Embora o processo da independência já estivesse<br />
claramente em curso desde janeiro de 1822, para muitos o<br />
rompimento político lusobrasileiro ainda é aquela coisa meio<br />
tresloucada que teve lugar intempestivamente numa bela tarde<br />
<strong>do</strong> dia sete de setembro <strong>do</strong> ano de 1822, no decorrer de uma<br />
viagem que, afinal, nem tinha muita relevância política. As<br />
dissidências da junta de São Paulo eram muito mais uma<br />
questão pessoal <strong>do</strong>s Andradas <strong>do</strong> que uma ameaça à<br />
autoridade <strong>do</strong> regente. Desta forma, a viagem às plagas<br />
paulista não era uma questão particularmente crítica. Que<br />
acontecesse o gesto final <strong>do</strong> rompimento às margens <strong>do</strong><br />
Ipiranga foi, pois, mais uma questão de hora <strong>do</strong> que de lugar.<br />
115
Está claro que d. Pedro foi digerin<strong>do</strong> o processo de<br />
separação com um certo comedimento, mas os fatores<br />
desencadea<strong>do</strong>res se movimentavam com rapidez e ele soube<br />
acompanhar o ritmo para não ser atropela<strong>do</strong>.<br />
No meio <strong>do</strong>s vários folclores que distorcem nossa<br />
História, não poderia faltar, é claro, o da proclamação<br />
setembrina. A cena nos foi passada carregada de teatralidade<br />
épica, coisa que sempre nos parece um tanto cômica. Sen<strong>do</strong><br />
assim, não poderia deixar de inspirar algum deboche, mesmo<br />
porque, pelo vício da comparação simplista, muita gente segue<br />
não conseguin<strong>do</strong> entender a forma como nossa independência<br />
se deu, embora ela tenha segui<strong>do</strong> a mais formal e comportada<br />
lógica histórica.<br />
Pela pior tradição folclórica, a separação de Portugal<br />
teria si<strong>do</strong> simples fruto casual <strong>do</strong> mau jeito de d. Pedro por<br />
conta de uma indisposição estomacal que vinha lhe<br />
incomodan<strong>do</strong> desde Santos e que se agravou desajeitadamente<br />
às vistas <strong>do</strong> Ipiranga, obrigan<strong>do</strong>-o a dar a umas cartas, que<br />
tinha acaba<strong>do</strong> de receber, uma destinação inusitada, o que o<br />
impediu de lê-las. Adverti<strong>do</strong> da leviandade <strong>do</strong> que tinha feito,<br />
ele teria si<strong>do</strong> assalta<strong>do</strong> por um violento mau-humor e apela<strong>do</strong><br />
para aquele gesto cinematográfico sem sequer ter podi<strong>do</strong><br />
avaliar o conteú<strong>do</strong> das cartas. Mas, ao contrário <strong>do</strong> que quis<br />
insinuar a piada de mau gosto, as tais cartas – lidas ou não -<br />
tiveram influência desprezível na decisão pois, como dito, a<br />
situação vinha se agravan<strong>do</strong> e o ambiente político às vésperas<br />
<strong>do</strong> rompimento era extremamente agita<strong>do</strong>, tanto no Brasil<br />
quanto em Portugal. Em Lisboa, como vimos, os deputa<strong>do</strong>s<br />
brasileiros eram hostiliza<strong>do</strong>s pelas Cortes que queriam o puro<br />
e simples retorno <strong>do</strong> Brasil à condição de colônia. Havia<br />
excesso de arrogância colonialista e falta de bom senso<br />
constitucionalista. D. Pedro era trata<strong>do</strong> como um moleque e<br />
116
intima<strong>do</strong> a voltar à Europa para completar a deficiente<br />
formação escolar que tinha adquiri<strong>do</strong> na América. Deveria<br />
ficar passean<strong>do</strong> pela Europa uns tempos, toman<strong>do</strong> banhos de<br />
cultura nas principais capitais, longe da política. Afinal ele<br />
tinha sai<strong>do</strong> de Portugal com nove anos de idade e agora, aos<br />
vinte e três anos, não passava de um matuto iletra<strong>do</strong> que tinha<br />
vivi<strong>do</strong> em excessiva promiscuidade com raças inferiores sob o<br />
calor in<strong>do</strong>lente <strong>do</strong> trópico.<br />
As cartas que d. Pedro recebeu às margens <strong>do</strong> Ipiranga<br />
tratavam, genericamente falan<strong>do</strong>, <strong>do</strong>s desman<strong>do</strong>s das Cortes e<br />
de ameaças militares, mas nada disso era novidade e já vinha<br />
num crescen<strong>do</strong> desde setembro de 1821. A hostilidade já<br />
estava posta, tanto que alguns deputa<strong>do</strong>s brasileiros se<br />
recusaram a embarcar para Portugal para participar das<br />
discussões constitucionais, sabe<strong>do</strong>res de que pouca influência<br />
poderiam exercer numa assembleia onde, além de serem<br />
minoria, ainda tinham as galerias a apupá-los. A agravar ainda<br />
mais, lembremos o fato de que muitos <strong>do</strong>s deputa<strong>do</strong>s<br />
brasileiros não o eram de fato pois, embora nasci<strong>do</strong>s no<br />
Brasil, eram residentes em Portugal onde exerciam disputa<strong>do</strong>s<br />
cargos na administração <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no e da igreja. A lembrar,<br />
também, que o próprio presidente da assembleia de Lisboa era<br />
nada menos <strong>do</strong> que o arcebispo da Bahia. Uma das suas<br />
principais preocupações era garantir tropas portuguesas que<br />
pudessem afrontar os patriotas baianos. O chamamento da<br />
representação brasileira nos debates, de fato, era puro jogo de<br />
cena liberal pois raríssimos parlamentares lusos estavam<br />
dispostos a manter as concessões que d. João VI tinha feito ao<br />
seu <strong>rei</strong>no tropical. No final, a maioria <strong>do</strong>s nossos deputa<strong>do</strong>s<br />
acabou aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong> Lisboa, protestan<strong>do</strong> quanto ao exíguo<br />
espaço que lhes era faculta<strong>do</strong>.<br />
117
No Brasil, pouco antes da independência, <strong>do</strong>is<br />
parti<strong>do</strong>s se estranhavam. Um era o parti<strong>do</strong> brasileiro, ten<strong>do</strong><br />
como braços a maçonaria, a oficialidade nativa e a imprensa.<br />
O outro era o parti<strong>do</strong> português, forma<strong>do</strong> pela Divisão<br />
Auxilia<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> exército luso, pelos antigos funcionários da<br />
corte e por comerciantes. Enquanto d. João VI ainda estava<br />
no Brasil matutan<strong>do</strong> se devia voltar ou não, não havia muitas<br />
diferenças e os brasileiros tinham por bandeira principal<br />
apoiar o constitucionalismo português que lhes parecia um<br />
avanço notável para reger o novo status de <strong>rei</strong>no que d. João<br />
VI concedera ao Brasil. Com a volta <strong>do</strong> <strong>rei</strong> para Portugal<br />
deixan<strong>do</strong> d. Pedro como regente, isso foi mudan<strong>do</strong><br />
rapidamente e os brasileiros passaram a sentir que tinha si<strong>do</strong><br />
criada a grande chance de ruptura com Portugal e de<br />
implantação de uma monarquia constitucional brasileira, com<br />
d. Pedro I à frente. A partir daí os <strong>do</strong>is parti<strong>do</strong>s passaram a<br />
atuar pelas suas respectivas bandeiras e não deixou de correr<br />
sangue nos momentos mais quentes.<br />
O primeiro incidente político que d. Pedro teve que<br />
enfrentar sozinho, nem tinha posto ainda os parti<strong>do</strong>s em<br />
verdadeiro confronto. O inimigo comum de portugueses e<br />
brasileiros era o absolutismo, ou seja, o excesso de poder<br />
concentra<strong>do</strong> nas mãos da Casa de Bragança e que as Cortes<br />
queriam podar ao máximo. O incidente aconteceu quan<strong>do</strong> o<br />
regente relutou em jurar as bases da constituição elaborada em<br />
Lisboa. Alegou que os deputa<strong>do</strong>s brasileiros não tinham<br />
participa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s debates pois ainda não tinham ti<strong>do</strong> tempo de<br />
se incorporar à assembleia de Lisboa. Também achava que<br />
não precisava jurar o que já tinha jura<strong>do</strong>. Mas pressiona<strong>do</strong><br />
tanto por brasileiros quan<strong>do</strong> pela tropa, d. Pedro teve que<br />
voltar atrás. Era o dia 05 de junho de 1821. Viveria o primeiro<br />
<strong>do</strong>s muitos dias de agitação militar e popular que teve que<br />
118
enfrentar em seu curto perío<strong>do</strong> de regência. As bases da nova<br />
constituição tinham chega<strong>do</strong> ao Brasil poucos dias antes. O<br />
<strong>do</strong>cumento, como o próprio príncipe regente tinha alega<strong>do</strong>,<br />
determinava que as condições constitucionais estendidas ao<br />
Brasil só seriam estabelecidas depois que os deputa<strong>do</strong>s<br />
brasileiros tivessem condições de participar <strong>do</strong>s debates.<br />
Portanto, nada tinha que ser feito por enquanto. Não<br />
obstante, firmou-se aquele movimento para obrigar d. Pedro a<br />
jurar obediência às tais bases. A exigência era essencialmente<br />
política, já que a própria constituição já tinha si<strong>do</strong> jurada<br />
extemporaneamente em 26 de feve<strong>rei</strong>ro, quan<strong>do</strong> os trabalhos<br />
constitucionais ainda estavam em esta<strong>do</strong> de gestação. Mas o<br />
fato é que esse detalhe lógico não tinha a menor importância<br />
pois o que se queria mesmo era aporrinhar o príncipe regente<br />
e desgastá-lo politicamente, minan<strong>do</strong> sua autoridade como<br />
quereriam as Cortes cada vez mais.<br />
Melo Morais sugere que por trás <strong>do</strong> movimento da<br />
tropa se postava o conde de Louzã que estava louco para<br />
derrubar o conde <strong>do</strong>s Arcos, amigo e principal conselheiro de<br />
d. Pedro. Na véspera o príncipe tinha parti<strong>do</strong> para Santa Cruz<br />
para cuidar de seu mistér fazendeiro. À noite foi avisa<strong>do</strong> de<br />
que o batalhão de caça<strong>do</strong>res de São Cristóvão estava<br />
amotina<strong>do</strong>, o que o fez voltar a acelera<strong>do</strong> galope como era de<br />
seu feitio. Foi direto tirar satisfação com os rebeldes, mas eles<br />
desconversaram. Tomaram uma descompostura, contu<strong>do</strong> não<br />
se intimidaram. Na manhã seguinte a tropa amotinada,<br />
engrossada por mais três batalhões, ia se postar<br />
desafia<strong>do</strong>ramente na praça <strong>do</strong> Rossio. Informa<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
ajuntamento d. Pedro, mais uma vez, partiu a galope para o<br />
meio <strong>do</strong> tumulto. Interroga<strong>do</strong>s os rebela<strong>do</strong>s pediram o<br />
juramento das bases da constituição, o afastamento <strong>do</strong> conde<br />
<strong>do</strong>s Arcos e a formação de uma junta de governo à qual o<br />
ministério da regência teria que prestar contas. Pela primeira<br />
119
eivindicação o príncipe já esperava, a segunda o pegou de<br />
surpresa e o encheu de indignação. Quis ganhar tempo,<br />
chaman<strong>do</strong> ao ajuntamento os eleitores fluminenses, para<br />
opinarem em nome <strong>do</strong> povo. Não deu certo pois os eleitores<br />
consulta<strong>do</strong>s acabaram ratifican<strong>do</strong> o pleito <strong>do</strong>s militares sem<br />
nenhuma dificuldade. Mas o comandante militar <strong>do</strong> Rio de<br />
Janeiro – general Jorge de Avilez - com apoio da tropa,<br />
acabaria ganhan<strong>do</strong> papel de destaque e aí é que estaria a pedra<br />
no sapato de d. Pedro, onde permaneceria por mais de um<br />
ano. A junta então formada, por falta de uma maior definição<br />
<strong>do</strong> que devia fazer, acabou dissolvida. Contu<strong>do</strong>, começava aí<br />
uma série de confrontos entre o príncipe regente e o<br />
comandante de armas, chefe da divisão portuguesa.<br />
Mas a maior vítima <strong>do</strong> episódio seria o conde <strong>do</strong>s<br />
Arcos. Ele foi preso ao cair da noite <strong>do</strong> dia 10 de junho e<br />
embarca<strong>do</strong> para Portugal com a roupa <strong>do</strong> corpo. D. Pedro<br />
nada pôde fazer e talvez nem quisesse pois, afinal, era a<br />
chance que surgia dele ficar livre <strong>do</strong>s boatos de que ele não<br />
passava de um joguete nas mãos <strong>do</strong> conde <strong>do</strong>s Arcos. D.<br />
Marcos de Noronha e Brito – o conde <strong>do</strong>s Arcos – cumpriria<br />
pena na Torre de Belém, em Lisboa, acusa<strong>do</strong> injustamente de<br />
conspirar contra o constitucionalismo das Cortes. Logo ele<br />
que tinha si<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s principais mentores liberais <strong>do</strong><br />
príncipe. Morreria em 1828 com cinqüenta e cinco anos, mas<br />
não sem antes ter ti<strong>do</strong> a chance de ver a constituição de seu<br />
pupilo d. Pedro outorgada a Portugal.<br />
O Conde de Louzã, por sua vez, continuaria seguin<strong>do</strong><br />
car<strong>rei</strong>ra pelo la<strong>do</strong> aposto, se tornan<strong>do</strong> ministro <strong>do</strong> governo<br />
absolutista de d. Miguel. Ele teria atribuí<strong>do</strong> ao próprio d.<br />
Miguel a culpa pela perda da coroa “pela sua exaltação, vaidade e<br />
ignorância”.<br />
120
Na carta que d. Pedro man<strong>do</strong>u a d. João VI, contan<strong>do</strong><br />
as ocorrências de 05 de junho, ele diminuiu ao máximo o<br />
episódio. Lavou as mãos como pôde e explicou singelamente<br />
ao pai: “ju<strong>rei</strong> as bases por mim já juradas, quan<strong>do</strong> ju<strong>rei</strong> a constituição<br />
in totum. To<strong>do</strong>s os demais juraram e eu fui jantar à chácara às cinco e<br />
meia da tarde”<br />
Com a tropa, porém, o príncipe regente foi mais direto<br />
e man<strong>do</strong>u um reca<strong>do</strong> de que se fosse constrangi<strong>do</strong> a tomar<br />
mais qualquer decisão sob pressão, deixaria o Brasil no dia<br />
seguinte. Mas, no geral, teve que contemporizar e administrar<br />
a realidade de que a tropa portuguesa tinha se arvora<strong>do</strong> da<br />
condição de zela<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s interesses das Cortes de Lisboa e ele<br />
estava sozinho para enfrentar essa situação pois, nessa altura,<br />
ainda não tinham começa<strong>do</strong> os ardis das Cortes para reverter<br />
a grande autonomia que d. João VI tinha concedi<strong>do</strong> ao Brasil.<br />
Então to<strong>do</strong>s estavam completamente felizes com a união <strong>do</strong>s<br />
<strong>rei</strong>nos de Portugal e Brasil e apenas ansiavam que ela fosse<br />
colocada debaixo de uma constituição liberal que garantisse ao<br />
Brasil um certo espaço para gerir seu próprio destino.<br />
Em vinte e quatro de abril de 1821 – mesmo dia em<br />
que d. João VI embarcava de volta para Portugal - as Cortes<br />
tentaram criar um problema cabelu<strong>do</strong> para d. Pedro,<br />
reconhecen<strong>do</strong> a legitimidade de todas as juntas provisórias<br />
criadas no Brasil e que se mostravam comprometidas com a<br />
“sagrada causa da regeneração política da nação portuguesa”. Quer<br />
dizer, seriam legítimas todas as juntas obedientes às Cortes,<br />
independentemente da autoridade <strong>do</strong> príncipe. Assim,<br />
começava ce<strong>do</strong> a manobra de esvaziamento da regência<br />
americana. As juntas <strong>do</strong> Pará, Bahia e Maranhão, que tinham<br />
si<strong>do</strong> inspira<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> decreto, foram as primeiras a gostar da<br />
honra e se declararam desligadas da autoridade de d. Pedro.<br />
121
As de São Paulo e Minas, ameaçaram seguir-lhes o exemplo e<br />
outras o fizeram de verdade.<br />
A autoridade d. Pedro, delegada pelo pai, recebia um<br />
duro golpe. Em lugar de ser regente <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no <strong>do</strong> Brasil ele<br />
estava ameaça<strong>do</strong> de ter sua autoridade restrita ao governo da<br />
província <strong>do</strong> Rio de Janeiro, como se fosse um mero<br />
governa<strong>do</strong>r. Em 17 de julho escrevia a d. João VI, se<br />
queixan<strong>do</strong> dessa infame ameaça:<br />
“Hoje sou capitão-general porque governo só a província (<strong>do</strong> Rio<br />
de Janeiro) e assim assento o que qualquer junta poderá fazer, para que<br />
a Vossa Majestade não se degrade a si, sen<strong>do</strong> o seu herdeiro, como<br />
governa<strong>do</strong>r de uma província só”.<br />
Foi o pior perío<strong>do</strong> da regência. Parecia que o <strong>rei</strong>no <strong>do</strong><br />
Brasil se desmanchava sob os pés <strong>do</strong> príncipe, apenas três<br />
meses depois dele assumir o encargo real. Teve que ser<br />
paciente contu<strong>do</strong> pois não tinha forças para reverter aquela<br />
situação. Então o fascínio pelas cortes lisboetas estava no<br />
auge. Mas d. Pedro soube ser paciente, contrarian<strong>do</strong> sua<br />
inquieta natureza. Abriu um parêntese no seu projeto político<br />
imediato, secun<strong>do</strong>u os negócios <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>, relaxou e passou a<br />
cultivar laços de festiva amizade com a tropa portuguesa. Nem<br />
seu pai faria melhor. Foi um perío<strong>do</strong> descontraí<strong>do</strong> que duraria<br />
até final de setembro de 1821. D. Pedro e a princesa se<br />
tornaram freqüenta<strong>do</strong>res assíduos de bailes e festas militares.<br />
Passaram até a frequentar a casa de Jorge Avilez, onde, às<br />
vezes, o regente ia desacompanha<strong>do</strong> de d. Leopoldina pois<br />
também gostava de cortejar a mulher <strong>do</strong> general, a bela d.<br />
Joaquina. Entregou-se a esses <strong>do</strong>ces misteres de alcova e de<br />
caserna e até se esqueceu um pouco <strong>do</strong>s aborrecimentos<br />
castrenses. Suas cartas ao pai nesse perío<strong>do</strong> se tornaram mais<br />
amenas. Chegaria mesmo a esquecer sua habitual sovinice,<br />
122
liberan<strong>do</strong> nada menos <strong>do</strong> que 53 contos de <strong>rei</strong>s para a<br />
realização de um monumental baile para mil e trezentas<br />
pessoas, incluso nas palavras dele mesmo, incorrigível<br />
cronista: “Camarotes to<strong>do</strong>s arma<strong>do</strong>s com galão de prata, festões de<br />
flores das mais finas, muitas luzes, uma ótima ceia.”<br />
Mas, a partir de setembro de 1821, a intenção das<br />
Cortes de recolonizar o Brasil, começou a se tornar mais clara<br />
aos olhos <strong>do</strong> povo brasileiro e a causa emancipa<strong>do</strong>ra foi<br />
crescen<strong>do</strong> e se aceleran<strong>do</strong> Em mea<strong>do</strong>s daquele mês já<br />
circulavam boatos de que no dia 12 de outubro – dia <strong>do</strong><br />
aniversário de d. Pedro - os brasileiros iriam proclamá-lo<br />
impera<strong>do</strong>r. Mesmo desconhecen<strong>do</strong> o que ia aquela altura no<br />
Brasil, foi já nesse clima que as Cortes tomaram a decisão mais<br />
indicativa das suas intenções regressivas. Pelos tais decretos,<br />
produzi<strong>do</strong>s em 29 de setembro de 1821, d. Pedro foi insta<strong>do</strong> a<br />
regressar e foi decidi<strong>do</strong> que as tropas portuguesas<br />
estacionadas no Brasil deveriam ser reforçadas. Foi aí que se<br />
estabeleceu uma linha divisória definitiva, brasileiros e<br />
portugueses passaram a pugnar mais claramente em campos<br />
opostos e d. Pedro sentiu que podia contar com algum<br />
respal<strong>do</strong> para ir adiante à sua ambição em relação ao Brasil<br />
onde queria ser <strong>rei</strong>, mais ce<strong>do</strong> ou mais tarde. Mas isso não o<br />
seduziu de imediato como uma simples paixão, mesmo<br />
porque, como veremos mais adiante, naquela altura, nem ele<br />
nem nenhum político de mais destaque pensava em desligar-se<br />
<strong>do</strong> <strong>rei</strong>no uni<strong>do</strong>.<br />
Havia menos de seis meses que d. João tinha entregue<br />
a ele a regência <strong>do</strong> Brasil. Por mais que tivesse pressa, ainda<br />
sentia a presença <strong>do</strong> pai. A ele enviaria uma carta cheia de<br />
fidelidade onde dizia:<br />
123
“A independência que se tem queri<strong>do</strong> cobrir comigo e com a<br />
tropa; com nenhum conseguiu, nem conseguirá, porque a minha honra e a<br />
dela são maiores <strong>do</strong> que to<strong>do</strong> o Brasil; queriam-me, e dizem que me<br />
querem aclamar impera<strong>do</strong>r, protesto a Vossa Majestade que nunca se<strong>rei</strong><br />
perjuro, que nunca lhe se<strong>rei</strong> falso, e que eles farão essa loucura, mas será<br />
depois de eu e to<strong>do</strong>s os portugueses estarem feitos em postas.”<br />
Enquanto isso, a maçonaria ganhava corpo e o moto<br />
<strong>do</strong> seu crescimento era o alinhamento <strong>do</strong>s patriotas brasileiros<br />
que sentiam que uma grande chance de mudança estava em<br />
gestação, longe de Portugal.<br />
Enfim, agora estavam forma<strong>do</strong>s os parti<strong>do</strong>s brasileiro<br />
e português, posta<strong>do</strong>s em la<strong>do</strong>s diversos e que já marchavam<br />
celeremente para se tornarem la<strong>do</strong>s contrários. A bem da<br />
verdade, o parti<strong>do</strong> brasileiro contava também com ilustres<br />
figurantes nasci<strong>do</strong>s em Portugal. Vários portugueses natos<br />
tiveram papel preponderante na emancipação, tanto no<br />
exército, quanto na política e até nas ruas. Portanto, o local de<br />
nascimento não era o fator principal a discriminar os parti<strong>do</strong>s,<br />
embora fosse lembra<strong>do</strong> primeiro quan<strong>do</strong> se queria discriminar<br />
as pessoas.<br />
Em janeiro de 1822 os Andradas se incorporaram ao<br />
ministério da regência. D. Pedro tinha escolhi<strong>do</strong> o seu la<strong>do</strong>. A<br />
independência estava em marcha e ele começou a mexer as<br />
peças <strong>do</strong> jogo, às vezes comedi<strong>do</strong>, às vezes afoito, às veze<br />
sozinho, às vezes leva<strong>do</strong> por outros.<br />
A primeira medida de caráter militar tomada por d.<br />
Pedro foi a determinação de que a Divisão Auxilia<strong>do</strong>ra<br />
retornasse a Portugal, o que ocorreu em 15 de feve<strong>rei</strong>ro de<br />
1822. No mês seguinte, a divisão que vinha para reforçar a<br />
primeira foi impedida de desembarcar e teve que retornar. D.<br />
Pedro então é proclama<strong>do</strong> “defensor perpétuo <strong>do</strong> Brasil”. Portugal<br />
124
tinha deixa<strong>do</strong> de ser a pátria-mãe e os seus exércitos passavam<br />
a ser trata<strong>do</strong>s como invasores.<br />
A esperta proposta de fazer <strong>do</strong> príncipe regente<br />
defensor perpétuo surgiu <strong>do</strong> brigadeiro Domingos Alves<br />
Branco Moniz Barreto e foi lançada numa reunião da<br />
maçonaria. Atingiu em cheio a vaidade de d. Pedro e influiu<br />
intensamente na sua disposição pela separação. Foi proposto<br />
o dia 13 de maio para a proclamação e assim foi feito.<br />
Coincidia com a data <strong>do</strong> aniversário de d. João VI e aquele<br />
presente certamente não o agradaria. A proclamação foi<br />
seguida de um desfile militar com 4.000 participantes. A<br />
guarda de honra desfilou em uniformes novos de inspiração<br />
austríaca, em homenagem a d. Leopoldina. Em 21 de maio<br />
escrevia ao pai “Defende<strong>rei</strong> o Brasil que tanto me honrou (...) tal é o<br />
meu dever como brasileiro. D. João deve ter suspira<strong>do</strong> e se<br />
conforma<strong>do</strong> com certa amargura, acreditan<strong>do</strong>, contu<strong>do</strong>, que<br />
quan<strong>do</strong> o filho herdasse o trono português, aquela ameaça de<br />
perda <strong>do</strong> Brasil se corrigisse.<br />
Em junho era convocada uma assembleia geral<br />
constituinte e legislativa brasileira. Em agosto d. Pedro vai a<br />
São Paulo tentar acomodar as dissidências da junta provisória<br />
paulista. É ai que recebe as cartas de d. Leopoldina e <strong>do</strong>s<br />
irmãos Andradas, informan<strong>do</strong>-o de que as Cortes ameaçavam<br />
radicalizar ainda mais e que o clima no Brasil era propício à<br />
separação. Fica saben<strong>do</strong> que um corpo de sete mil<br />
expedicionários portugueses estava sen<strong>do</strong> prepara<strong>do</strong> para vir<br />
ao Brasil e que os deputa<strong>do</strong>s de Lisboa passaram a tratá-lo<br />
como se fosse um moleque. Um deles disse em plenário: “Se<br />
examinarmos atentamente o caráter e o procedimento <strong>do</strong> príncipe<br />
encontramos um mancebo vazio de experiência, arrebata<strong>do</strong> pelo amor da<br />
novidade e por um insaciável desejo de figurar, vacilante em princípios,<br />
incoerente em ação, contraditório em palavras.”<br />
125
Numa das cartas enviadas a d. Pedro sua mulher teria<br />
dito “o pomo está maduro, colhe-o já, senão apodrece.” 36 E ele<br />
resolveu fazê-lo. Não pelas cartas, claro, mas pela soma de<br />
tanta circunstância instiga<strong>do</strong>ra. Infelizmente para a futura<br />
indigitada imperatriz, naquela viagem ele iria colher um outro<br />
fruto muito apetitoso. É que poucos dias antes ele tinha<br />
conheci<strong>do</strong> Domitila de Castro Canto e Melo. Para a princesa<br />
iriam começar problemas novos, para seu mari<strong>do</strong> os<br />
problemas velhos não iriam acabar. Aliás, os piores só viriam<br />
alguns anos depois.<br />
Doze dias depois da proclamação, sem saber ainda <strong>do</strong><br />
fato da independência, as Cortes anulavam to<strong>do</strong>s os atos de d.<br />
Pedro. Um <strong>do</strong>s deputa<strong>do</strong>s o chamou de “desgraça<strong>do</strong> e miserável<br />
rapaz.” Foi intima<strong>do</strong> a regressar à Portugal sob pena de ser<br />
incurso em crime de traição. Tinha colhi<strong>do</strong> o pomo na hora<br />
certa, mas a fruta não estava ainda no ponto. O passo seguinte<br />
requeria capricho nos rituais monárquicos pois um império<br />
pede grandeza e seu impera<strong>do</strong>r pede majestade. O Brasil seria<br />
um império e seu impera<strong>do</strong>r seria coroa<strong>do</strong> no dia primeiro de<br />
dezembro de 1822 com toda a pompa que fosse possível, tão<br />
36 Essa referência de Otávio Tarquínio de Sousa não é confirmada<br />
pela maioria <strong>do</strong>s historia<strong>do</strong>res que informam que na carta que d.<br />
Leopoldina man<strong>do</strong>u ao mari<strong>do</strong> em São Paulo ela o exortava a voltar<br />
o mais rápi<strong>do</strong> possível pois que o clima não estava bom,<br />
principalmente na Bahia. Mas não falava de oportunidades a serem<br />
aproveitadas. Neil Macaulay afirma que a carta citada por Tarquínio<br />
não existe.<br />
126
longe da Europa. Mas não faltou nem coroa e nem cetro para<br />
entronar o primeiro e único <strong>rei</strong>no da América 37 .<br />
Mas a separação de Portugal não foi feita só de<br />
oportunidades e entusiasmos. Havia focos de resistência<br />
lusófona na Bahia, no Maranhão, no Piauí, no Pará e em<br />
Montevidéu. D. Pedro correu a fortalecer o exército brasileiro<br />
para enfrentar o perigo, corren<strong>do</strong> contra o fato de que nossa<br />
armada levou algum tempo para absorver um mínimo de jeito<br />
militar. Isso não seria consegui<strong>do</strong> senão depois de incorporar<br />
oficiais e solda<strong>do</strong>s estrangeiros, conforme uma política<br />
colocada em prática por d. Pedro logo após a independência.<br />
Dela fazia parte a absorção de portugueses que quisessem<br />
servir ao Brasil, colonos e mercenários alemães e irlandeses,<br />
imigra<strong>do</strong>s sob promessas um tanto desonestas de agentes<br />
inescrupulosos.<br />
A respeito da qualidade da vocação militar no Brasil, o<br />
príncipe Wied-Neuwied anotava em 1817: “A diferença entre os<br />
solda<strong>do</strong>s vin<strong>do</strong>s da Europa, depois de terem servi<strong>do</strong>s na Espanha sob as<br />
ordens de Wellington, e aqueles que não saíram <strong>do</strong> Brasil impõe-se à<br />
primeira vista. Aqueles têm o aspecto to<strong>do</strong> militar, estes são vagarosos e<br />
amolenta<strong>do</strong>s pelo calor <strong>do</strong> clima. Acaba<strong>do</strong> o exercício mandam os negros<br />
levar suas armas para casa.”<br />
<strong>Os</strong> primeiros meses <strong>do</strong> ano de 1823 gastou-os d.<br />
Pedro concentra<strong>do</strong> na questão militar que provinha<br />
inexoravelmente <strong>do</strong> fato de que o Brasil era um império com<br />
extensas fronteiras, escoradas em dezenas de pequenos<br />
esta<strong>do</strong>s republicanos, lutan<strong>do</strong> para se consolidar. Além <strong>do</strong><br />
mais, a antiga metrópole acabava de ter de engolir a perda de<br />
37<br />
Desconsideran<strong>do</strong>, a trágica experiência <strong>do</strong> grãoduque<br />
Maximiliano da Áustria, no efêmero trono mexicano.<br />
127
sua mais rica colônia e não tinha como reverter isso a não ser<br />
pela força o que, até então, não tinha tenta<strong>do</strong> com verdadeiro<br />
empenho. O impera<strong>do</strong>r sabia que tinha que montar uma<br />
armada capitaneada por uma marinha de guerra de primeira<br />
linha. O mun<strong>do</strong> estava cheio de mercenários prontos para isso<br />
e também havia corretores em to<strong>do</strong>s os principais portos,<br />
apregoan<strong>do</strong> barcos mercantes à venda, facilmente adaptáveis<br />
para fins militares. Portanto, a hora era essa, quer pela<br />
necessidade, quer pela oportunidade.<br />
Quan<strong>do</strong> lord Cochrane chegou <strong>do</strong> Chile para<br />
comandar a esquadra que d. Pedro tinha forma<strong>do</strong>, encontrou<br />
um ban<strong>do</strong> de banheiras velhas reformadas mas com razoável<br />
condição de batalha, mesmo porque, o inimigo estava mais ou<br />
menos na mesma condição.<br />
Maria Graham, como mulher de capitão, tinha mania<br />
de contar navios. De sorte que ela anotou no seu diário os<br />
nomes de algumas embarcações que faziam parte desta<br />
nascente armada brasileira: Liberal, Niterói, Pedro I, Carolina,<br />
União, Maria da Glória, Real e Nightingale, soman<strong>do</strong> um total<br />
de 300 bocas de fogo. Registra, ainda, as embarcações da frota<br />
portuguesa: d. João VI, Constituição, Pérola, Princesa Real,<br />
Dez de Feve<strong>rei</strong>ro, Ativa, Calípso, Regeneração, Audaz,<br />
Prontidão, Emília, Conceição e os navios mercantes arma<strong>do</strong>s,<br />
São Domingos, Restauração, São Gualter e Bizarra,<br />
perfazen<strong>do</strong> um total de 398 canhões.<br />
Entre os comandantes da frota brasileira, Maria<br />
Graham registra nomes de gente competente como o capitão<br />
americano David Jeweet, o francês Teo<strong>do</strong>r Beaurepaire, os<br />
ingleses capitão John Taylor e capitão Crosbie.<br />
Em março de 1823, grande parte da nascente força da<br />
marinha <strong>do</strong> Brasil levantou âncoras <strong>do</strong> Rio de Janeiro e<br />
128
enfunou as velas em direção à Bahia. Era lá que estava<br />
estabelecida a maior resistência contra a separação<br />
lusobrasileira. Tu<strong>do</strong> começou em 09 de dezembro de 1821,<br />
quan<strong>do</strong> uma carta régia, nomeou o brigadeiro português<br />
Inácio Luis Madeira de Melo governa<strong>do</strong>r de armas da<br />
província da Bahia. Acontece que o brigadeiro brasileiro<br />
Manuel Pedro da Silva Guimarães já ocupava esse cargo e,<br />
naquela altura, os parti<strong>do</strong>s brasileiro e português já tinham<br />
assumi<strong>do</strong> suas diferenças com toda a nitidez. Madeira acabou<br />
forçan<strong>do</strong> a barra e, escora<strong>do</strong> numa carta de nomeação <strong>do</strong><br />
próprio d. João VI, ocupou o posto com a aquiescência da<br />
junta de governo. Mas estabeleceu-se um conflito que deitou<br />
uma inflamada linha divisória entre os militares portugueses e<br />
os brasileiros. As diferenças se acentuaram após a<br />
proclamação da independência. Pretendia Madeira centrar em<br />
Salva<strong>do</strong>r um foco de resistência militar para tentar<br />
heroicamente reverter a situação. Contu<strong>do</strong>, contava apenas<br />
com os parcos recursos que as Cortes tinham condições de<br />
desviar para o Brasil.<br />
A resistência durou mais de um ano e as Cortes se<br />
limitaram a despachar um modesto reforço de 3.700 solda<strong>do</strong>s<br />
portugueses para fincar o tal foco de resistência. Era o<br />
derradeiro e patético esforço militar vota<strong>do</strong> para tentar<br />
reconquistar o Brasil às vésperas das próprias Cortes serem<br />
dissolvidas.<br />
Depois de várias batalhas o exército brasileiro, ten<strong>do</strong><br />
Rodrigo Delamare à frente da força naval ajuda<strong>do</strong> pelo<br />
brigadeiro francês Pierre Labatut e ten<strong>do</strong> José Joaquim de<br />
Lima e Silva à frente das forças terrestres, conseguiu a<br />
rendição e expulsão de Madeira para Portugal. <strong>Os</strong> solda<strong>do</strong>s<br />
portugueses voltaram para casa humilha<strong>do</strong>s e entraram na<br />
boca <strong>do</strong> Tejo um tanto espavori<strong>do</strong>s ten<strong>do</strong> o capitão John<br />
129
Taylor nos calcanhares. Essa foi a principal guerra da<br />
independência e fez um monte de vítimas e heróis.<br />
Desde o fim das guerras com Napoleão a Europa<br />
estava cheia de veteranos mercenários, valentes e capazes. 38<br />
Cochrane era um deles. Depois de duras negociações<br />
comerciais a ele foi entregue o coman<strong>do</strong> da marinha e a<br />
missão de sufocar as revoltas na Bahia e no Maranhão.<br />
Cochrane tinha combati<strong>do</strong> Napoleão servin<strong>do</strong> brilhantemente<br />
a marinha britânica e desde 1817 andava pela América <strong>do</strong> Sul,<br />
prestan<strong>do</strong> serviços aos rebeldes das colônias espanholas,<br />
combaten<strong>do</strong> ao la<strong>do</strong> de Bolívar, O’Higgns e San Martin. Era,<br />
portanto, um veterano em guerras de independência<br />
latinoamericanas. Não teve dificuldades de completar sua<br />
missão com êxito. Em reconhecimento d. Pedro lhe concedeu<br />
o título de marques <strong>do</strong> Maranhão. Foi o primeiro almirante da<br />
marinha <strong>do</strong> Brasil.<br />
Outro importante militar que se pôs a serviço de d.<br />
Pedro foi o general Carlos Frederico Lecor. Ele era português<br />
mas aceitou o convite para integrar o exército brasileiro,<br />
receben<strong>do</strong> a missão de combater seus ex-comanda<strong>do</strong>s que<br />
resistiam em Montevidéu em nome de Portugal. Venceu-os a<br />
<strong>do</strong>is de agosto de 1824. Foi a última resistência portuguesa.<br />
Ainda haveria a experiência da Confederação <strong>do</strong> Equa<strong>do</strong>r que<br />
tentaria transformar algumas províncias brasileiras num leque<br />
de pequenas repúblicas a partir de Pernambuco, sem sucesso.<br />
(Julho de 1824). A independência e o império estavam<br />
definitivamente consolida<strong>do</strong>s e, com exceção de Montevidéu,<br />
38<br />
Mais tarde d. Pedro iria empregar muitos outros deles na guerra<br />
de restauração <strong>do</strong> trono de d. Maria II em Portugal.<br />
130
as províncias estavam asseguradas para integrar, mais tarde, a<br />
federação <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s da República <strong>do</strong> Brasil, suceden<strong>do</strong> o<br />
império que d. Pedro tinha cria<strong>do</strong> setenta e sete anos antes.<br />
Foi esse o país que os Bragança nos legaram.<br />
Mas, voltemos à questão <strong>do</strong> caldeirão de razões que<br />
aquecia a disposição de d. Pedro para a proclamação da<br />
independência. E aqui há de se acentuar que, muito mais<br />
eloqüente <strong>do</strong> que as tais cartas que ele recebeu às margens <strong>do</strong><br />
Ipiranga na tarde <strong>do</strong> dia sete de setembro de 1822, resulta ser<br />
a carta que ele enviou ao pai, datada de dezenove de junho de<br />
1822. Nelas, mais de uma vez, ele se identifica como “nós, os<br />
brasileiros”. Começa por chamar as Cortes de “facciosas,<br />
horrorosas e pestíferas” Mais adiante completa: “o Brasil (...) não só<br />
abomina e detesta essas (as cortes), mas não lhes obedece, nem lhes<br />
obedecerá mais”.<br />
É nesta carta que o, então príncipe regente <strong>do</strong> Brasil,<br />
lembra ao pai a recomendação que este lhe fizera as vésperas<br />
de partir: “Pedro se o Brasil se separar antes seja para ti, que me hás de<br />
respeitar <strong>do</strong> que para alguns desses aventu<strong>rei</strong>ros”.<br />
Na carta, informa ainda, que os brasileiros queriam<br />
fazer dele <strong>rei</strong> <strong>do</strong> Brasil e fazer de d João VI impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />
<strong>rei</strong>no uni<strong>do</strong>, e adverte:<br />
“se isso acontecer, recebe<strong>rei</strong> as aclamações, porque não hei de me opor à<br />
vontade <strong>do</strong> povo a ponto de retroceder; mas sempre, se me deixarem, hei<br />
de pedir licença a V. M. para aceitar porque eu sou bom filho e fiel<br />
súdito”.<br />
Nesta carta ao pai, d. Pedro também anexava<br />
representações <strong>do</strong> sena<strong>do</strong> da câmara <strong>do</strong> Rio de Janeiro<br />
exortan<strong>do</strong>-o a tomar decisões não tão veladamente a favor <strong>do</strong><br />
rompimento com Portugal, ao que ele respondeu:<br />
131
“Fico ciente da vontade <strong>do</strong> povo <strong>do</strong> Rio e tão depressa saiba a das mais<br />
províncias (...) me conforma<strong>rei</strong> com o voto <strong>do</strong>s povos deste grande, fértil e<br />
riquíssimo <strong>rei</strong>no”.<br />
Na mesma carta, anexa ainda, uma cópia <strong>do</strong> decreto de<br />
três de junho de 1822 convocan<strong>do</strong> a assembleia geral<br />
constituinte e legislativa <strong>do</strong> Brasil. Ainda em junho – dia 22 –<br />
o príncipe regente, ao tomar posse como membro de uma<br />
entidade maçônica, jurava defender a independência <strong>do</strong> Brasil.<br />
De tu<strong>do</strong> isso, é lícito entender que, pelo menos quatro<br />
meses antes da proclamação <strong>do</strong> Ipiranga, as condições<br />
deflagra<strong>do</strong>ras da separação já estavam inteiramente postas,<br />
faltan<strong>do</strong> apenas um ou outro alinhavo. Vale dizer, de um la<strong>do</strong>,<br />
a situação <strong>do</strong> ano anterior estava inteiramente mudada e o<br />
povo já estava inteiramente desencanta<strong>do</strong> com o<br />
constitucionalismo das Cortes de Lisboa, certos de que o que<br />
os deputa<strong>do</strong>s portugueses queriam de fato era <strong>rei</strong>mplantar o<br />
regime colonial. Portanto, o Brasil devia buscar sua própria<br />
fórmula constitucional. Do outro la<strong>do</strong>, estava d. Pedro cheio<br />
de vaidade com sua popularidade, entusiasman<strong>do</strong> com o seu<br />
papel de defensor perpétuo <strong>do</strong> Brasil e preocupa<strong>do</strong> com a<br />
possibilidade <strong>do</strong>s brasileiros resolverem fazer <strong>do</strong> império uma<br />
federação de repúblicas. Também, sentimental como era,<br />
temia ofender o pai, toman<strong>do</strong>-lhe o pedaço mais rico <strong>do</strong>s seus<br />
<strong>do</strong>mínios. Mas tentava atenuar esse caroço justifican<strong>do</strong><br />
previamente o que, talvez, já estivesse convenci<strong>do</strong> <strong>do</strong> que teria<br />
que fazer. Aliás, outra não era a intenção da carta de dezenove<br />
de junho. No meio desses precedentes, não se falava<br />
oficialmente em separação mais sim em buscar uma saída<br />
132
satisfatória para fortalecer as relações entre Brasil e Portugal 39 .<br />
De qualquer forma, quan<strong>do</strong> d. Pedro recebeu as cartas de d.<br />
Leopoldina e <strong>do</strong>s Andradas às margens <strong>do</strong> riacho <strong>do</strong> Ipiranga,<br />
tu<strong>do</strong> já estava costura<strong>do</strong> e talvez ele só estivesse mesmo era<br />
esperan<strong>do</strong> um retrós para bordar uma alegoria histórica. As<br />
Cortes lhe ofereceram o retrós e ele só teve que laçar o<br />
arremate.<br />
Em 24 de setembro as Cortes, ainda sem saber <strong>do</strong><br />
bra<strong>do</strong> <strong>do</strong> Ipiranga, promulgaram um decreto declaran<strong>do</strong> nulos<br />
to<strong>do</strong>s os atos de d. Pedro, mandan<strong>do</strong> apurar a<br />
responsabilidades <strong>do</strong>s atos <strong>do</strong>s ministros sobre as decisões <strong>do</strong><br />
regente e intiman<strong>do</strong>-o a retornar a Portugal em um mês, sob<br />
pena de perder os di<strong>rei</strong>tos de herança. Tarde demais: a<br />
separação tinha si<strong>do</strong> proclamada na hora certa.<br />
Patriarcas e musas<br />
José Bonifácio de Andrada e Silva foi mesmo o<br />
patriarca da independência? Etimologicamente, com certeza,<br />
apenas parcialmente. Historicamente cabem polêmicas.<br />
Patriarca, quem sabe pela idade, pois o líder da notável trinca<br />
de políticos paulistas da família Andrada tinha já quase<br />
sessenta anos quan<strong>do</strong> assumiu o coman<strong>do</strong> <strong>do</strong> ministério de d.<br />
Pedro I, pouco antes <strong>do</strong> Grito <strong>do</strong> Ipiranga. Mas, para que o<br />
epíteto lhe caísse com correta propriedade, seria necessário<br />
39<br />
Como veremos a seguir, a ruptura <strong>do</strong>s laços lusobrasileiros não<br />
era o primordial objetivo até mea<strong>do</strong>s de 1822. O que d. Pedro e<br />
seus principais apoia<strong>do</strong>res queriam, até então, era estabelecer um<br />
<strong>rei</strong>no brasileiro, autônomo, mas uni<strong>do</strong> à Portugal.<br />
133
que ele fosse um separatista histórico, detalhe que passa longe<br />
da biografia <strong>do</strong> ilustre santista. Suas ligações com Portugal<br />
eram muito fortes. Ele até tinha si<strong>do</strong> herói de guerra,<br />
comandan<strong>do</strong> o batalhão <strong>do</strong>s acadêmicos de Coimbra contra as<br />
forças de Napoleão. Viveu em Portugal durante trinta e seis<br />
anos, debaixo de muito prestígio junto ao mun<strong>do</strong> científico,<br />
político e acadêmico luso. An<strong>do</strong>u por toda a Europa por<br />
conta de bolsas de estu<strong>do</strong> e pesquisa concedidas pelo governo<br />
português. Pertenceu à Academia de Ciências de Lisboa, deu<br />
aulas em Coimbra, ocupou cargos importantes como agente<br />
da Coroa Portuguesa, especialmente na área mineralógica.<br />
Quer dizer, tinha um funda dívida de gratidão para com a mãe<br />
pátria pois ela tinha si<strong>do</strong> muito gentil com ele. Voltou ao<br />
Brasil só depois de aposenta<strong>do</strong> e com uma pensão <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>.<br />
Então d. João já tinha cria<strong>do</strong> o Reino Uni<strong>do</strong>, os laços entre<br />
Brasil e Portugal estavam fortes e amenos como nunca e ele já<br />
podia viver na sua própria terra, em pé de igualdade cívica<br />
com os irmãos portugueses. Aliás, até melhor <strong>do</strong> que isso,<br />
pois o centro <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no era então o Rio de Janeiro e não Lisboa<br />
e era ali que se podia viver próximo ao poder. Voltou<br />
aposenta<strong>do</strong>, ou jubila<strong>do</strong>, como também se dizia então. Mas<br />
ficar para<strong>do</strong> não era mesmo com José Bonifácio. Assim,<br />
retomou as pesquisas científicas nas cercanias da cidade de<br />
São Paulo e, ativo como era, logo se meteu na política paulista,<br />
exercen<strong>do</strong> papel de combativa liderança, como era <strong>do</strong> seu<br />
feitio. Uniu, com habilidade e autoridade, os paulistas em<br />
torno <strong>do</strong> príncipe regente e lhe deu o respal<strong>do</strong> político que o<br />
Rio de Janeiro e Minas vieram completar, seguran<strong>do</strong> a<br />
regência <strong>do</strong> príncipe que as Cortes queriam cassar. À frente <strong>do</strong><br />
ministério mostrou esperteza, visão e energia. Foi muito, mas<br />
não foi tu<strong>do</strong>.<br />
134
Na verdade, o processo de desate das amarras entre o<br />
Brasil e Portugal não teve patriarcas, nem mentores, nem<br />
patronos, nem musas. Foi um processo histórico de evolução<br />
autopropelida, onde várias pessoas assumiram, com<br />
competência, papéis que as próprias circunstâncias lhes<br />
ofereciam assumir. Maçons, estadistas, o príncipe e a<br />
arquiduquesa Leopoldina se uniram e, impulsiona<strong>do</strong>s pelos<br />
anseios <strong>do</strong> povo e pela obtusidade política das cortes<br />
portuguesas, acabaram atingin<strong>do</strong> um objetivo comum e nobre.<br />
É claro<br />
que José Bonifácio e Gonçalves Le<strong>do</strong>, na sua condição de<br />
líderes naturais das suas respectivas facções, tiveram papel de<br />
destaque. Mas há de se lembrar também <strong>do</strong>s demais irmãos<br />
Andrada, de Joaquim José da Rocha, de José Clemente Pe<strong>rei</strong>ra<br />
e tantos outros patriotas. Mas nenhum deles foi<br />
verdadeiramente um precursor ou tutor e não há dúvida que,<br />
até mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ano de 1822, ninguém queria a separação de<br />
Brasil e Portugal. Bastava-lhes que as Cortes produzissem uma<br />
constituição em que os <strong>do</strong>is <strong>rei</strong>nos tivessem situação política<br />
equivalente, dentro de uma mesma nação e debaixo <strong>do</strong> cetro<br />
magnânimo de d. João VI e de seus herdeiros. Então, bastaria<br />
a nós um príncipe regente com autonomia para tratar das<br />
coisas <strong>do</strong> Brasil ao mo<strong>do</strong> brasileiro. Até seria bom se d. João<br />
VI voltasse, mas isso não era fundamental.<br />
A análise mais detida <strong>do</strong> papel de José Bonifácio no<br />
processo da independência requer o indispensável exame de<br />
<strong>do</strong>is <strong>do</strong>cumentos de sua autoria, marcantes como indicativos<br />
da sua posição nos meses críticos de gestação da<br />
independência. O primeiro deles contém as instruções para<br />
atuação da deputação paulista às Cortes de Lisboa. O<br />
<strong>do</strong>cumento está data<strong>do</strong> de 09 de outubro de 1821. Portanto,<br />
foi produzi<strong>do</strong> apenas onze meses antes da proclamação<br />
135
separatista e naquele instante, o dito patriarca, com certeza,<br />
ainda não cultivava ideias de ser infiel à pátria mãe. Àquela<br />
altura estava claro que a preocupação <strong>do</strong>s Andradas e, aliás, da<br />
maioria <strong>do</strong>s políticos brasileiros, era apenas conquistar a tal<br />
posição igualitária para o Brasil no concerto <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no uni<strong>do</strong>.<br />
Essa era a suprema missão <strong>do</strong>s deputa<strong>do</strong>s paulistas envia<strong>do</strong>s a<br />
Lisboa. O próprio d. Pedro, indubitavelmente, partilhava<br />
dessa visão concilia<strong>do</strong>ra. Tanto que ele ficou<br />
entusiasmadíssimo com o conteú<strong>do</strong> das instruções, quan<strong>do</strong><br />
Antônio Carlos, chefe da deputação paulista, as apresentou a<br />
ele no dia 09 de novembro de 1821, às vésperas de embarcar<br />
para Lisboa.<br />
O primeiro mandamento das instruções de<br />
José Bonifácio pregava: “integridade e indivisibilidade <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no<br />
uni<strong>do</strong>”. Outro mandamento propunha que a sede <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no<br />
uni<strong>do</strong> fosse no Brasil ou, quem sabe, no Rio e em Lisboa<br />
alternadamente. Um outro ponto propunha a criação de leis<br />
orgânicas para regular a união. Ao mesmo tempo, o<br />
<strong>do</strong>cumento continha uma série de propostas legais e de<br />
governo buscan<strong>do</strong> pragmaticamente lançar bases sólidas para<br />
viabilizar a união lusobrasileira. Não tenho nenhuma dúvida<br />
de que, se as instruções inspiradas por José Bonifácio tivessem<br />
si<strong>do</strong> absorvidas pela Cortes de Lisboa, a independência teria<br />
si<strong>do</strong> retardada em algumas décadas. O segun<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong>cumento interessante a que nos referimos é a carta que José<br />
Bonifácio enviou a d. Pedro, datada de 24 de dezembro de<br />
1821. <strong>Os</strong> <strong>do</strong>is <strong>do</strong>cumentos nos permite notar uma certa<br />
mudança de humor mas, mesmo então, o Andrada ainda não<br />
pensava em independência, nem em seus sonhos mais<br />
agita<strong>do</strong>s. A correspondência enviada ao, então príncipe<br />
regente <strong>do</strong> Brasil, em nome da junta paulista de governo,<br />
protestava contra os decretos das Cortes de 29 de setembro de<br />
1821 . Em essência exortava d. Pedro a permanecer no Brasil,<br />
136
evitan<strong>do</strong>: “deixar-nos em mísera orfandade, arrancan<strong>do</strong> <strong>do</strong> seio da<br />
grande família brasileira o único pai comum que nos restava depois de<br />
terem esbulha<strong>do</strong> o Brasil <strong>do</strong> benéfico funda<strong>do</strong>r desde <strong>rei</strong>no o augusto pai<br />
de V. A. Real. E mais adiante: “Como ousam roubar a V.A. Real o<br />
lugar-tenente que seu augusto pai, nosso <strong>rei</strong>, concedera-lhe.<br />
A preocupação de José Bonifácio então, como dito,<br />
não era a independência e sim a ameaça de recolonização. O<br />
Brasil inteira fazia coro com a mesma indignação <strong>do</strong> paulista,<br />
repudian<strong>do</strong> a grosseira e inábil manobra das cortes lisboetas.<br />
Rio de Janeiro e Minas, também se manifestaram oficialmente<br />
solidárias à permanência de d. Pedro no Brasil. Daí que, em 09<br />
de janeiro de 1822, acontecia o “Fico”, primeiro passo efetivo<br />
para a independência. A partir de então os acontecimentos se<br />
precipitariam vertiginosamente. José Bonifácio iria assumir a<br />
testa <strong>do</strong> ministério poucos dias depois mas, naquele<br />
memorável dia, os irmãos Andrada estavam longe e, quem<br />
organizou a representação simbólica <strong>do</strong> eloquente gesto com<br />
notável maestria, foram os fluminenses, com o mineiro<br />
Joaquim José da Rocha e o português José Clemente Pe<strong>rei</strong>ra à<br />
frente.<br />
Parece que de início o próprio d. Pedro quis atenuar o<br />
caráter rebelde <strong>do</strong> ato <strong>do</strong> “Fico”. Tanto que sua verdadeira<br />
declaração aos representantes <strong>do</strong> sena<strong>do</strong> da câmara na ocasião<br />
foi:<br />
“Convenci<strong>do</strong> de que a presença da minha pessoa no Brasil interessa ao<br />
bem de toda a nação portuguesa e, conheci<strong>do</strong> que a vontade de algumas<br />
províncias assim o requer, demo<strong>rei</strong> a minha saída até que as Cortes e<br />
meu augusto pai e Senhor deliberem a este respeito com perfeito<br />
conhecimento <strong>do</strong> que tem ocorri<strong>do</strong>”.<br />
137
<strong>Os</strong> organiza<strong>do</strong>res <strong>do</strong> ato acharam a declaração muito<br />
timorata e desproporcional ao entusiasmo <strong>do</strong> povo. Assim,<br />
propuseram fazer um arranjo na ata e mudar a declaração para<br />
o:<br />
“Como é para o bem de to<strong>do</strong>s e felicidade geral da nação, estou pronto,<br />
diga ao povo que fico”.<br />
D. Pedro acabou concordan<strong>do</strong> com o ajuste e assim<br />
foi feito para júbilo geral.<br />
Muitos acham realmente exagera<strong>do</strong> o peso da<br />
participação que se atribui a José Bonifácio de Andrada e Silva<br />
no processo da independência. Cito, a seguir, o que teriam<br />
dito dele alguns notáveis conspira<strong>do</strong>res e políticos da época 40 .<br />
José Joaquim da Rocha dizia que ele “não era partidário da nossa<br />
causa”: “Esse homem não fez a independência”, dizia o cônego<br />
Januário da Cunha Barbosa. “Aderiu quan<strong>do</strong> a revolução já se<br />
podia considerar triunfante”, protestou o brigadeiro Luis Pe<strong>rei</strong>ra<br />
da Nóbrega. O marquês de Sapucaí declarou: “Cooperou muito<br />
menos <strong>do</strong> que se pensa. Obedeceu às circunstâncias porque não lhe era<br />
possível resistir.”<br />
Mello Morais conta ter ouvi<strong>do</strong> <strong>do</strong> marquês de Olinda<br />
que José Bonifácio era contra a independência porque, com<br />
ela iria perder as vantagens que recebia <strong>do</strong> Erário Real.<br />
Enfim, para muitos, durante seu perío<strong>do</strong> a frente <strong>do</strong><br />
ministério, às vésperas da emancipação; o principal empenho<br />
<strong>do</strong> velho Andrada era combater o radicalismo da turma de<br />
40 Cita<strong>do</strong> por Heytor Lira in “História de D. Pedro II”.<br />
138
Joaquim Gonçalves Le<strong>do</strong>, neutralizan<strong>do</strong> o empenho <strong>do</strong> grupo<br />
em obter uma independência completa e rápida.<br />
Há um certo exagero nas críticas que elenquei acima e<br />
não há de se esquecer que elas vieram basicamente <strong>do</strong>s<br />
inimigos de José Bonifácio, agrupa<strong>do</strong>s na facção que lhe era<br />
hostil dentro da maçonaria carioca. Tu<strong>do</strong> não passava de mera<br />
disputa de espaço junto ao ouvi<strong>do</strong> precioso de d. Pedro pois,<br />
no fun<strong>do</strong>, to<strong>do</strong>s queriam a mesma coisa e to<strong>do</strong>s abominavam<br />
os movimentos republicanos que pipocavam nas províncias<br />
mais distantes.<br />
Não é correto imaginar-se que Gonçalves Le<strong>do</strong><br />
pensava diferente de José Bonifácio e quisesse uma<br />
independência imediata e radical. Isso está evidencia<strong>do</strong> numa<br />
proclamação feita por ele a d. Pedro em junho de 1822: “O<br />
Brasil quer ter o mesmo <strong>rei</strong>, mas não quer (ter) senhores nos Deputa<strong>do</strong>s<br />
<strong>do</strong> congresso de Lisboa. O Brasil quer independência, mas firmada sobre<br />
a união bem entendida com Portugal; quer, enfim, apresentar duas<br />
grandes famílias regidas pelas suas leis, presas pelos seus interesses,<br />
obedientes ao mesmo chefe.”<br />
Até pode ser que José Bonifácio tenha ti<strong>do</strong> algum<br />
melindre em desfechar o golpe final <strong>do</strong> processo da<br />
independência, mas é inegável que foi ele quem efetivamente<br />
o fez. Sabe-se, com toda a certeza, que ele e a princesa<br />
Leopoldina coordenaram uma reunião <strong>do</strong> ministério onde foi<br />
aprovada a proclamação da independência. Foi logo depois<br />
dela que Emílio Bregaro partiu com as cartas que encontraram<br />
d. Pedro nas cercanias <strong>do</strong> Ipiranga e o instigaram a proclamar,<br />
finalmente, a separação. Ninguém sabe o conteú<strong>do</strong> exato das<br />
ditas cartas mas nelas, muito provavelmente, o ministro dava<br />
ciência ao regente <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong>s decretos das Cortes de 23<br />
139
de julho de 1822 e procurava convencê-lo de que era chegada<br />
a fatídica hora, não havia mais o que esperar.<br />
Esses decretos determinavam que:<br />
- D. Pedro podia permanecer no Brasil “governan<strong>do</strong>, entretanto,<br />
com sujeição de El-<strong>rei</strong> e das Cortes, (somente) as províncias que<br />
atualmente governa, e lhe obedecem”;<br />
- Tornava nula a convocação da constituinte brasileira;<br />
- Mandava processar o ministério de d. Pedro, responsável<br />
pela convocação (quer dizer, José Bonifácio incluso);<br />
- Mandava processar os membros da Junta de São Paulo<br />
(incluso José Bonifácio, mais uma vez).<br />
Está certo que havia fortes interesses pessoais de José<br />
Bonifácio embuti<strong>do</strong>s nos decretos, mas ele não seria tão<br />
medíocre a ponto de deixar passar a oportunidade que, afinal,<br />
continha a contundência necessária a provocar a carga de<br />
indignação pública que o desfecho final requeria. Arrasta<strong>do</strong> ou<br />
não, ele fez o que tinha que fazer como ministro e brasileiro.<br />
Ademais, ele não era homem de desperdiçar os<br />
espaços que lhe davam ou que conquistava com fina<br />
habilidade. Era cativante pelas maneiras e pela inteligência e<br />
tinha histórias interessantes para contar sobre os quatro<br />
cantos da Europa. É inegável que d. Pedro e d. Leopoldina<br />
eram fascina<strong>do</strong>s pelo Andrada. Principalmente a princesa que,<br />
encontrava nele, toda aquela fineza de caráter que faltava no<br />
círculo das amizades mais íntimas <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>. Confiava nele e<br />
viu no velho um meio seguro de conduzir d. Pedro para o<br />
la<strong>do</strong> que desejava. Daí, ele deve ter se senti<strong>do</strong> à vontade para<br />
140
manobrar naquele campo delica<strong>do</strong> onde a política e a emoção<br />
se chocavam com frequência, inclusive as suas próprias.<br />
Heytor Lira defende a ideia de que nem José<br />
Bonifácio, nem d. Pedro queriam, de fato, a separação <strong>do</strong><br />
Brasil de Portugal. Tanto que, mesmo depois <strong>do</strong> grito de sete<br />
de setembro, nos <strong>do</strong>cumentos assina<strong>do</strong>s por d. Pedro ele se<br />
intitulava ainda “príncipe regente”, assinan<strong>do</strong> em nome de d.<br />
João VI, <strong>rei</strong> de Portugal. Lyra especula que, na época, a<br />
palavra “independência” admitia também a conotação de<br />
“autonomia” e não necessariamente de “separação” ou<br />
“ruptura”. Assim, o que José Bonifácio incentivava era a<br />
autonomia <strong>do</strong> Brasil em relação às Cortes de Lisboa e não<br />
propriamente em relação à coroa de d. João VI. Há um grande<br />
exagero na interpretação proposta pelo principal biógrafo de<br />
d. Pedro II. Ninguém tinha dúvida, não só quanto ao<br />
significa<strong>do</strong> correto da palavra independência, como também<br />
em relação a forma capaz de concretizá-la. Tanto que, que em<br />
outubro de 1821, diante <strong>do</strong>s boatos de que estava em curso<br />
um movimento marginal para proclamá-lo impera<strong>do</strong>r; ele se<br />
apressava a escrever ao pai aquela carta, já citada, em que<br />
dizia:<br />
“A independência, tem-se queri<strong>do</strong> cobrir comigo e com a tropa; com<br />
nenhum conseguiu ou conseguirá, porque – minha honra e a dela é maior<br />
que to<strong>do</strong> o Brasil. Queriam me dizer que querem me aclamar impera<strong>do</strong>r.<br />
Protesto a Vossa Majestade que nunca se<strong>rei</strong> perjuro.”<br />
Apesar das juras, deu no que deu e em 12 de outubro<br />
<strong>do</strong> ano seguinte d. Pedro era aclama<strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r o que,<br />
inequivocamente, selava e carimbava a independência. É<br />
provável que, nesse precípuo episódio, a turma de Gonçalves<br />
Le<strong>do</strong> tenha da<strong>do</strong> um ligeiro empurrão em José Bonifácio e<br />
141
apressa<strong>do</strong> a formalização <strong>do</strong> processo de separação. Apelaram<br />
para a vaidade de d. Pedro mais uma vez e o lembraram de<br />
que o Brasil era um grande império, livre e soberano. Assim,<br />
ele tinha que parar já com aquele hábito de ser prínciperegente<br />
governan<strong>do</strong> em nome <strong>do</strong> pai e assumir seu próprio<br />
trono, como um verdadeiro impera<strong>do</strong>r. Teria si<strong>do</strong>, então, o<br />
ato de sagração definitiva de um Brasil independente, até<br />
porque, o povo não admitiria qualquer atenuante de bolso de<br />
colete. Era, enfim, o ato indispensável para entusiasmar o<br />
povo e a tropa para enfrentar a reação mais radical que viria<br />
de Portugal e das províncias mais lusófilas.<br />
Mas foi aí, quer dizer, depois da consolidação <strong>do</strong><br />
processo, que José Bonifácio despiu a simpatia e passou a<br />
mostrar a face mais crua da sua personalidade: a falta de<br />
escrúpulos e a perseguição tenaz de seus desafetos políticos.<br />
É difícil atribuir juízos de valor para tais características, em se<br />
tratan<strong>do</strong> de um político da estatura de José Bonifácio, às<br />
voltas com a tarefa, nada singela, de ajudar a construir uma<br />
nação. Mas fato é que, assim que se viu fortaleci<strong>do</strong> à sombra<br />
<strong>do</strong> novo poder imperial, ele passou a infernizar a vida de seus<br />
opositores. Man<strong>do</strong>u prender Gonçalves Le<strong>do</strong> que, no<br />
entanto, conseguiu escapar e se refugiar na Argentina. A<br />
pendenga entre os Andradas e os maçons <strong>do</strong> Grande Oriente,<br />
contu<strong>do</strong>, continuaria cheia de intrigas e maldades. Até que em<br />
julho de 1823 d. Pedro acabou perden<strong>do</strong> a confiança nos<br />
Andradas e os afastou definitivamente <strong>do</strong> ministério 41 . Eles,<br />
41 Como se recorda, em 28 de outubro de 1822 os Andradas<br />
pediram demissão <strong>do</strong> ministério, mas foram reconduzi<strong>do</strong>s logo<br />
depois nos braços <strong>do</strong> povo. Segun<strong>do</strong> alguns autores esse episódio<br />
foi uma farsa perpetrada pelos partidários <strong>do</strong>s Andradas com a<br />
concordância <strong>do</strong> próprio d. Pedro. Foi então que José Bonifácio se<br />
142
claro, não ficaram amua<strong>do</strong>s, choramingan<strong>do</strong> pelos cantos. Ao<br />
contrário, passaram para a oposição, fundaram o jornal “O<br />
Tamoio” e passaram a atazanar d. Pedro como nunca<br />
ninguém tinha feito, tanto na imprensa quanto no parlamento.<br />
Acabou que d. Pedro encheu-se novamente, fechou a<br />
assembléia e exilou José Bonifácio e sua turma na Europa.<br />
Mas o<br />
impera<strong>do</strong>r gostava muito <strong>do</strong> seu velho amigo. Tanto que foi<br />
dele que se lembrou para tutor <strong>do</strong> pequeno Pedro, quan<strong>do</strong><br />
abdicou nele o império <strong>do</strong> Brasil e voltou para Portugal. Foi<br />
então que José Bonifácio mostrou que, aos sessenta e oito<br />
anos, ainda estava cheio de energia e preservava aquela mesma<br />
tenacidade e amor ao poder <strong>do</strong>s velhos tempos. Continuou<br />
intrigan<strong>do</strong>, conspiran<strong>do</strong> e atazanan<strong>do</strong> seus adversários sempre<br />
que surgia uma chance. Até diziam que ele planejava<br />
seqüestrar o menino impera<strong>do</strong>r e dar um golpe de esta<strong>do</strong>.<br />
Pode ser exagero mas, naquele tempo, d. Pedro II não passava<br />
de uma criança assustada e os supostos inimigos <strong>do</strong> velho<br />
tutor eram muito mais fortes <strong>do</strong> que ele. Assim, acabou<br />
exonera<strong>do</strong> da tutoria e exila<strong>do</strong> mais uma vez. 42 Desta vez em<br />
Niteroi onde veio a morrer em 1838 com setenta e cinco<br />
anos, relativamente pobre e ainda dan<strong>do</strong> conselhos sobre os<br />
segre<strong>do</strong>s de Maquiavel.<br />
Contrato de compra e venda<br />
tornou um verdadeiro primeiro-ministro, temi<strong>do</strong> por seus<br />
adversários e com toda a razão.<br />
42 Contam que ele teve que ser retira<strong>do</strong> à força <strong>do</strong> palácio pois,<br />
apesar da avançada idade, pegou um porrete a ameaçou resistir à sua<br />
exoneração.<br />
143
Dentre as várias desconfianças que d. Pedro<br />
despertou nos brasileiros uma das mais contundentes foi a<br />
suspeita, ou melhor, a desagradável sensação de que o trata<strong>do</strong><br />
de reconhecimento da independência, celebra<strong>do</strong> entre Brasil e<br />
Portugal, não passava de um contrato de compra e venda,<br />
onde o Brasil fez um mau negócio econômico e político,<br />
pagan<strong>do</strong> um preço absur<strong>do</strong> por algo que já tinha si<strong>do</strong><br />
legitimamente conquista<strong>do</strong> e não precisava custar tanto.<br />
Negócio de filho para pai, enfim. E as suspeitas tinham razão<br />
de ser, mesmo porque, o impera<strong>do</strong>r sempre mostrou<br />
inequívoco respeito pelo pai e se esforçava por não arranharlhe<br />
a claudicante majestade, tarefa delicada para quem lhe<br />
subtraia a maior e mais preciosa parte da Coroa.<br />
O processo começou em março de 1825 quan<strong>do</strong>,<br />
como não poderia deixar de ser, a Inglaterra - onipresente<br />
fada madrinha - se ofereceu para intermediar a transação.<br />
Destacou sir Charles Stuart, um de seus mais ilustres<br />
diplomatas, para chefiar a missão. Na parte mais reservada da<br />
maleta levava ele instruções para negociar acor<strong>do</strong>s comerciais<br />
com o Brasil, celebra<strong>do</strong>s no tempo de d. João e que estavam<br />
para expirar jogan<strong>do</strong> no incerto os negócios <strong>do</strong>s súditos de<br />
Sua Majestade britânica no <strong>rei</strong>no brasileiro. <strong>Os</strong> termos iniciais,<br />
exigi<strong>do</strong>s por Portugal para reconhecer o Império <strong>do</strong> Brasil,<br />
chegavam a ser hilários pelo la<strong>do</strong> político e imorais pelo la<strong>do</strong><br />
econômico. D João, vai<strong>do</strong>so e simplório, solicitava para si o<br />
título de impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil, o que não agregava nada ao seu<br />
poder mas, quem sabe, pudesse florear sua biografia, agora<br />
grandemente ameaçada pela perda da sua colônia mais rica,<br />
depois de mais de trezentos anos de <strong>do</strong>mínio, pauta<strong>do</strong> pelo<br />
bom e leal comportamento <strong>do</strong>s súditos da América. Pelo la<strong>do</strong><br />
sonante, a coroa lusa pedia que o Brasil assumisse metade da<br />
dívida pública de Portugal acumulada até 1817, mais<br />
indenizações correspondentes a to<strong>do</strong>s os bens deixa<strong>do</strong>s no<br />
144
Brasil e mais reembolso de algumas despesas com serviços<br />
burocráticos <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no. Foi apresentada uma conta<br />
discriminan<strong>do</strong> os itens que estavam sen<strong>do</strong> cobra<strong>do</strong>s e que<br />
perfaziam o total de 18 145:424$542, ou seja, 18.145,42<br />
contos de <strong>rei</strong>s que converti<strong>do</strong>s em libras daria 1,8 milhões. 43<br />
Mas essa era apenas a conta <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>, ou seja, relativa<br />
aos bens e despesas da Coroa. Havia os bens pessoais de d.<br />
João, entre os quais, seus imóveis em Santa Cruz e São<br />
Cristóvão. Nada de <strong>do</strong>á-los ao filho, ou antecipar o di<strong>rei</strong>to de<br />
herança. A situação era outra: o Brasil que os comprasse e<br />
<strong>do</strong>asse ao seu impera<strong>do</strong>r e defensor perpétuo.<br />
De posse das contas e diretrizes, Stuart partiu para o<br />
Brasil onde, depois de marchas e contra marchas e sempre<br />
olhan<strong>do</strong> também os interesses britânicos, acertou com d.<br />
Pedro uma contra proposta recheada de amor filial. O Brasil<br />
assumiria uma dívida que Portugal tinha com a Inglaterra no<br />
valor de 1,4 milhões de libras e repassaria 600 mil libras a<br />
Portugal, sen<strong>do</strong> 250 mil direto para o bolso de d. João, a título<br />
de indenização pessoal. Ou seja, o trata<strong>do</strong> de reconhecimento<br />
da independência por parte de Portugal custaria 2 milhões de<br />
libras esterlinas ou cerca de 19.800 contos de <strong>rei</strong>s 44 . Assim,<br />
43 D. Pedro, numa carta em que conta detalhes da auditoria que fez<br />
nas contas <strong>do</strong> marquês de Barbacena, menciona que uma libra<br />
correspondia a 9$900 <strong>rei</strong>s. Foi esse o câmbio que usamos.<br />
44 É uma quantia significativa. Com base nos valores <strong>do</strong> ouro no<br />
século XVIII, daria para comprar 3.223 arrobas de ouro. Para se ter<br />
uma ideia da magnitude desse valor, basta lembrar que de 1725 a<br />
1751 a capitania de Minas Gerais remeteu 3.402 arrobas de ouro<br />
para Portugal a título <strong>do</strong> imposto <strong>do</strong> quinto. (Devo salientar aqui<br />
minhas restrições a conversão de valores históricos de moedas e<br />
145
para o Brasil, a proposta britânica era pior <strong>do</strong> que a conta<br />
inicialmente apresentada. Quer dizer, de certa forma, pagavase<br />
aquela conta desrespeitosa apresentada logo no início da<br />
negociação e mais alguma coisa. Mesmo assim d. Pedro topou.<br />
É que, além de não querer melindrar o pai, estava ansioso para<br />
que a independência <strong>do</strong> Brasil e a sua condição de impera<strong>do</strong>r<br />
ganhassem o mun<strong>do</strong> o mais rápi<strong>do</strong> possível. De sorte que as<br />
negociações duraram cerca de quatro meses apenas e em 15<br />
de novembro de 1825 d. João punha seu aceite à generosa<br />
proposta de seu ama<strong>do</strong> filho Pedro.<br />
Como dito, pelo la<strong>do</strong> político há no trata<strong>do</strong> um<br />
excesso de zelo em não deixar d. João mal perante os<br />
portugueses e a história. No artigo I esta dito que: “Sua<br />
Majestade Fidelíssima reconhece o Brasil na categoria de império<br />
independente e separa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s <strong>rei</strong>nos de Portugal e Algarves: e o seu sobre<br />
to<strong>do</strong>s muito ama<strong>do</strong> e preza<strong>do</strong> filho d. Pedro por impera<strong>do</strong>r, ceden<strong>do</strong> e<br />
transferin<strong>do</strong> de sua livre vontade a soberania <strong>do</strong> dito império ao mesmo<br />
seu filho e seus legítimos sucessores. Sua majestade penas toma e reserva<br />
para sua pessoa o mesmo título”.<br />
Isso equivalia a dizer, enfim, que o Brasil não havia<br />
conquista<strong>do</strong> a independência. Ao contrário, ela teria si<strong>do</strong> uma<br />
generosa <strong>do</strong>ação de d. João VI, aliás, justamente “O<br />
Magnânimo”. E notem que a <strong>do</strong>ação não era aos brasileiros e<br />
sim ao seu ama<strong>do</strong> e preza<strong>do</strong> filho. Não se tratava da libertação<br />
de uma nação, mas apenas da transferência de um patrimônio<br />
entre pai e filho e ninguém mais tinha nada a ver com isso.<br />
Por isso mesmo d. João ainda quis compartilhar com o filho o<br />
metais, pois dificilmente há convergência quan<strong>do</strong> se usa fontes<br />
diferentes. Trato dessa questão com mais detalhe no livro “Vilas<br />
Ricas, Vilas Pobres”.)<br />
146
pomposo título de Impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil, glorioso inda que<br />
meramente honorário. Doces preciosidades absolutistas às<br />
quais d. Pedro respeitosamente aquiesceu.<br />
As suspeitas <strong>do</strong>s brasileiros, enfim, estavam lastreadas<br />
em pesa<strong>do</strong>s fundamentos. Tanto que o acor<strong>do</strong> de<br />
reconhecimento da independência, por parte de Portugal, foi<br />
manti<strong>do</strong> em segre<strong>do</strong>, dan<strong>do</strong>-se notícia ao povo, apenas da<br />
parte boa <strong>do</strong> trato, ou seja, que a separação tinha si<strong>do</strong><br />
oficialmente reconhecida pela coroa lusitana. Em Portugal a<br />
imprensa divulgou a parte política <strong>do</strong> acor<strong>do</strong>. A parte das<br />
indenizações, porém, ficou selada na discrição <strong>do</strong>s<br />
negocia<strong>do</strong>res e nas gavetas de d. João e d. Pedro, devidamente<br />
fechadas a sete chaves. 45 Mas, de qualquer forma, foi a partir<br />
daí que, realmente, o Império <strong>do</strong> Brasil se tornou uma<br />
realidade mundial. Áustria, França, Inglaterra, Alemanha,<br />
Itália, reconheceram a nova realidade, nesta ordem. <strong>Os</strong><br />
Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s já tinha reconheci<strong>do</strong> a emancipação desde o<br />
ano anterior pois, em matéria de independência, eles já eram<br />
escola<strong>do</strong>s desde 1776. Além disso havia a <strong>do</strong>utrina Monroe<br />
facilitan<strong>do</strong> essa política.<br />
Na ratificação política internacional da independência<br />
<strong>do</strong> Brasil muitos podem considerar que d. Pedro não tenha<br />
ti<strong>do</strong> a necessária isenção para zelar apropriadamente pelo<br />
patrimônio <strong>do</strong>s brasileiros, compran<strong>do</strong> o que já tinha si<strong>do</strong><br />
conquista<strong>do</strong>. Se lembrarmos, contu<strong>do</strong>, que grande parte <strong>do</strong>s<br />
Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s da América <strong>do</strong> Norte foi agregada à<br />
federação America por simples acor<strong>do</strong>s comerciais de compra<br />
de terras (Luisiana, Florida, Alasca), o expediente usa<strong>do</strong> pelo<br />
45<br />
D. João VI morreria quatro meses depois e nem teve muito<br />
tempo de curtir sua esdrúxula condição de impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil.<br />
147
impera<strong>do</strong>r não parece tão absur<strong>do</strong> assim. Mesmo porque,<br />
indenizações entre nações sempre fez parte da história: de<br />
venci<strong>do</strong>s para vence<strong>do</strong>res, de ofensores para ofendi<strong>do</strong>s e... ,<br />
por que não, de filho para pai. Além disso, como já tinha<br />
anota<strong>do</strong> o marquês de Pombal, às vezes custa mais barato<br />
evitar guerras <strong>do</strong> que fazê-las. Mas o que mais pesou mesmo<br />
foi a pressa que d. Pedro tinha de que o mun<strong>do</strong> reconhecesse<br />
o Brasil como nação independente. Afinal não há impera<strong>do</strong>r<br />
se o império não existe. Mas que, <strong>do</strong> ponto de vista financeiro,<br />
o acor<strong>do</strong> custou caro, não há como negar.<br />
Cartas na manga<br />
Como d. Pedro se tornou um liberal, viven<strong>do</strong> numa<br />
corte tradicionalista tão longe da Europa? Seu irmão d. Miguel<br />
pensava exatamente o oposto que ele e, certamente, muito das<br />
ideias absolutistas ouviu da mãe em suas cantigas de ninar,<br />
cheias de arengas e <strong>do</strong>utrinações. Nesse aspecto o afastamento<br />
de d. Pedro da convivência com d. Carlota Joaquina deve ter<br />
contribuí<strong>do</strong> muito para que ele se tornasse um liberal<br />
convicto. Porém, nesse ponto, se a mãe não atrapalhou o pai<br />
também não aju<strong>do</strong>u, pois d. João VI não se acomodava muito<br />
bem nos meios constitucionalistas. <strong>Os</strong> preceptores de d.<br />
Pedro, pelos menos os das primeiras letras, também não<br />
primavam propriamente pelas ideias liberais. Como então a<br />
semente foi plantada?<br />
Com certeza, seu liberalismo foi fermenta<strong>do</strong> muito<br />
com base em suas leituras e conversas com os amigos e, nesse<br />
aspecto, os condes de Palmela, da Barca e <strong>do</strong>s Arcos devem<br />
ter ajuda<strong>do</strong> com suas manhas e alguns conselhos<br />
bibliográficos. Bons livros não faltavam ao jovem príncipe,<br />
mesmo porque, da maravilhosa biblioteca que d. João havia<br />
148
trazi<strong>do</strong> de Portugal, parte tinha si<strong>do</strong> destinada exatamente à<br />
livraria <strong>do</strong> infanta<strong>do</strong>. Assim, desde menino ele sempre teve<br />
farta coleção de boas obras à sua disposição. De qualquer<br />
forma, só um pouco mais tarde é que teria apareci<strong>do</strong> gente lhe<br />
ditan<strong>do</strong> as leituras mais interessantes. Mas não teria si<strong>do</strong> só<br />
isso. Segun<strong>do</strong> Melo Morais, d. Pedro tinha uma espécie de sala<br />
secreta abaixo da Sala <strong>do</strong>s Pássaros - no Palácio de São<br />
Cristovão - onde gostava de se reunir informalmente com o<br />
conde <strong>do</strong>s Arcos e o padre Macamboa - constitucionalistas<br />
entusiasma<strong>do</strong>s - para discutir as ideias políticas <strong>do</strong> tempo.<br />
Mais tarde o conde de Palmela se juntou a eles e, embora<br />
tivesse pouco tempo para influenciar d. Pedro, tinha o<br />
predica<strong>do</strong> de ter visto de perto o impacto que as ideias liberais<br />
provocavam sobre a Europa pós Napoleão, ainda mais sen<strong>do</strong><br />
ele freqüenta<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s salões e da alcova de madame de Stael.<br />
Pode ser até que Francisco Gomes da Silva – o<br />
Chalaça – tenha participa<strong>do</strong> das reuniões políticas <strong>do</strong> príncipe<br />
e também se sentisse atraí<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> menos, para ficar <strong>do</strong><br />
mesmo la<strong>do</strong> <strong>do</strong> precioso amigo. De mais a mais, com certeza,<br />
com sua vivacidade intelectual e tirocínio político inegáveis, d.<br />
Pedro já devia ter percebi<strong>do</strong> que os <strong>rei</strong>s absolutos já não<br />
tinham mais meios de governar, num tempo tão efervescente<br />
de ideias sobre di<strong>rei</strong>tos <strong>do</strong> cidadão. Assim, aderiu gostoso às<br />
inovações <strong>do</strong> seu século.<br />
Sabemos que ele gostava de buscar nos livros<br />
ilustração para entender e cumprir melhor suas necessidades<br />
pragmáticas. Assim foi no exílio em Paris, quan<strong>do</strong> an<strong>do</strong>u<br />
len<strong>do</strong> muito trata<strong>do</strong> militar enquanto se preparava para a<br />
expedição restaura<strong>do</strong>ra que lançaria sobre o irmão d. Miguel<br />
para recuperar o <strong>rei</strong>no da filha.<br />
149
Qualquer que fosse o grau <strong>do</strong> preparo<br />
constitucionalista de d. Pedro, ele não se furtou a assumir a<br />
direção da tarefa de elaborar a carta brasileira de 1824 46 . É<br />
certo que ele, ajuda<strong>do</strong> pelo secretário Chalaça, tenha<br />
elabora<strong>do</strong> uma sólida minuta, consultan<strong>do</strong> a carta da França<br />
de 1814, a própria carta elaborada pelas cortes portuguesas de<br />
1822 e a obra de Benjamin Constant. Há quem diga que uma<br />
minuta de constituição da autoria de Antônio Carlos, que d.<br />
Pedro havia confisca<strong>do</strong> aos Andradas, aju<strong>do</strong>u muito no<br />
trabalho. O impera<strong>do</strong>r teria se guia<strong>do</strong>, também, pela sua<br />
promessa de que daria ao Brasil uma carta muito mais liberal<br />
<strong>do</strong> que a que vinha sen<strong>do</strong> elaborada pela assembleia<br />
constituinte que tinha dissolvi<strong>do</strong> meses antes. De fato, ela era<br />
mais liberal no que diz respeito aos di<strong>rei</strong>tos <strong>do</strong> cidadão,<br />
embora mais conserva<strong>do</strong>ra no que diz respeito aos poderes <strong>do</strong><br />
governo.<br />
Depois de elaborar a minuta da constituição, d. Pedro<br />
a passou para uma <strong>do</strong>uta comissão de dez membros instituída<br />
em novembro de 1823 para, oficialmente, dar à luz a<br />
constituição a ser outorgada. Também, com toda a certeza, ele<br />
an<strong>do</strong>u xeretan<strong>do</strong> os rascunhos das discussões da comissão<br />
para manter os trabalhos sob controle pois era essa uma das<br />
suas manias: supervisionar miudamente os serviços que<br />
encomendava. Era assim no ministério, nas repartições, na<br />
fazenda de Santa Cruz e até nas barricadas das cidades <strong>do</strong><br />
Porto e de Lisboa, sitiada pelas forças de d. Miguel em 1833.<br />
Deve ter aceito uma ou outra sugestão <strong>do</strong>s membros da<br />
46 O que não seria novidade pois Napoleão redigiu, ele próprio, a<br />
constituição que outorgou à república Cisalpina em 1796.<br />
150
comissão constitucional, mas a obra tinha que ser dele. De<br />
toda forma, sabe-se que José Joaquim Carneiro de Campos,<br />
futuro marques de Caravelas, veio a ser o mais influente<br />
membro da comissão e é lembra<strong>do</strong> como autor coadjuvante<br />
da carta. Era ele um liberal baiano que em 1823 tinha si<strong>do</strong><br />
constituinte pelo Rio de Janeiro e que foi ministro de d. Pedro<br />
várias vezes. Também foi membro da regência trina, quan<strong>do</strong><br />
d. Pedro abdicou.<br />
Quan<strong>do</strong> nossa comissão constitucional começou a<br />
trabalhar, a restauração absolutista pós-revolucionária já tinha<br />
varri<strong>do</strong> a Europa. Com exceção da Áustria e da Rússia, to<strong>do</strong>s<br />
os principais <strong>rei</strong>nos tinham prometi<strong>do</strong> obedecer a<br />
constituições, mas a maioria não cumpriu. França e Noruega 47<br />
juraram suas constituições em 1814, Bélgica e Holanda no ano<br />
seguinte. Assim, tanto o impera<strong>do</strong>r quanto Carneiro de<br />
Campos e sua equipe, tinham vasta matéria constitucional a<br />
examinar, inclusive alguns ensaios de constituições<br />
republicanas latino americanas.<br />
No resulta<strong>do</strong> final, com maior ou menor influência da<br />
comissão, prevaleceu a vontade de d. Pedro e, no geral,<br />
pre<strong>do</strong>minou o velho princípio de que o esta<strong>do</strong> começa e<br />
termina no <strong>rei</strong>. A rigor o parlamento era apenas um grande<br />
grupo de conselheiros <strong>do</strong> <strong>rei</strong>. Na prática acabou não sen<strong>do</strong><br />
assim, pois o congresso nacional daquele tempo era forma<strong>do</strong><br />
de brilhantes e combativos parlamentares liberais, muito<br />
atuantes, escora<strong>do</strong>s por uma imprensa agressiva e exigente.<br />
Aliás, o parlamento e a imprensa se confundiam muitas vezes<br />
47<br />
A constituição norueguesa, inspirada na constituição francesa<br />
revolucionária era considerada a constituição mais liberal da Europa<br />
na época.<br />
151
e não poucos jornalistas acabaram viran<strong>do</strong> deputa<strong>do</strong>s como<br />
Evaristo da Veiga, Luiz Augusto May, Antônio Borges da<br />
Fonseca e muitos outros.<br />
Nossa primeira constituição teria si<strong>do</strong> baseada mais<br />
especificamente na carta constitucional de Luis XVIII de 1814<br />
e vigorou até o advento da república, ou seja, durante sessenta<br />
e cinco anos. Inspirava-se num liberalismo constitucional mais<br />
modera<strong>do</strong> <strong>do</strong> que o da carta de Cádiz de 1812 e o da carta<br />
portuguesa oriunda <strong>do</strong> movimento de 1820. Da carta francesa<br />
her<strong>do</strong>u aquele velho princípio de que a autoridade máxima<br />
repousa na pessoa <strong>do</strong> <strong>rei</strong> e dela depende a ordem social.<br />
Instituía um governo monárquico hereditário, constitucional e<br />
representativo. A religião católica era o cre<strong>do</strong> oficial.<br />
Estabelecia que os portugueses residentes no Brasil à época da<br />
independência, também eram brasileiros. Instituía os poderes<br />
executivo, legislativo, judiciário e modera<strong>do</strong>r. A ideia da<br />
existência <strong>do</strong> poder modera<strong>do</strong>r veio diretamente de Benjamin<br />
Constant, trazida por Carneiro de Campos ou, mais<br />
provavelmente, pelo próprio impera<strong>do</strong>r. A carta de d. Pedro<br />
estabelecia ainda uma assembleia geral formada da câmara <strong>do</strong><br />
sena<strong>do</strong> e da câmara <strong>do</strong>s deputa<strong>do</strong>s. O mandato de deputa<strong>do</strong><br />
era de quatro anos e os sena<strong>do</strong>res eram vitalícios, sen<strong>do</strong> um<br />
terço <strong>do</strong> grupo escolhi<strong>do</strong> pelo impera<strong>do</strong>r ao qual se somavam<br />
os príncipes imperiais, sena<strong>do</strong>res natos. Como toda carta<br />
liberal <strong>do</strong> século XIX, a carta de d. Pedro tentava conciliar a<br />
<strong>do</strong>utrina da soberania da nação e <strong>do</strong>s di<strong>rei</strong>tos <strong>do</strong> cidadão, com<br />
a preservação <strong>do</strong> poder <strong>do</strong> <strong>rei</strong>. Quer dizer, tentava segurar as<br />
monarquias num tempo em que elas já começavam a não<br />
fazer mais senti<strong>do</strong> e as sementes republicanas já rompiam o<br />
solo comprimi<strong>do</strong> pelo peso excessivo e longevo <strong>do</strong>s tronos.<br />
152
A outra carta que d. Pedro tirou da manga, quer dizer<br />
aquela outorgada aos portugueses, era baseada na carta<br />
brasileira e foi escrita de uma assentada com a ajuda <strong>do</strong><br />
Chalaça em competente trabalho de secretaria<strong>do</strong>.<br />
D. João VI morreu no dia 10 de março de 1826.<br />
Quarenta e cinco dias depois uma delegação portuguesa<br />
chegava ao Rio de Janeiro trazen<strong>do</strong> a infausta notícia. A morte<br />
<strong>do</strong> pai causou grande <strong>do</strong>r ao impera<strong>do</strong>r. Ele ficou cinco dias<br />
recluso, sem falar com ninguém, cumprin<strong>do</strong> o luto oficial que<br />
tinha decreta<strong>do</strong>. Mas dizem que foi nesse perío<strong>do</strong> de reclusão<br />
que ele, muito mais <strong>do</strong> que lamentan<strong>do</strong> a morte <strong>do</strong> pai, se<br />
aplicou com afinco a redigir a constituição que queria dar a<br />
Portugal, o quanto antes. Pronta a carta, encarregou sir<br />
Charles Stendard de levá-la a Portugal. Era uma missão<br />
delicada pois, justo então, surgia a oportunidade de ouro que<br />
os absolutistas portugueses estavam esperan<strong>do</strong>, com d.<br />
Carlota Joaquina à frente, tenaz e combativa, partidária de que<br />
o país luso voltasse a ser uma monarquia absolutista como nos<br />
velhos tempos, com d. Miguel no trono. Por isso mesmo é<br />
que d. Pedro tinha pensa<strong>do</strong> em casar o irmão com d. Maria II,<br />
tentan<strong>do</strong> acomodar as diferenças uterinas. A constituição era<br />
peça chave nesse arranjo e era fundamental que d. Miguel a<br />
jurasse. Isso não foi problema e ele o fez sem nenhum<br />
condicionante, mas perjuran<strong>do</strong> logo depois na maior cara de<br />
pau. Para o Impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil era preciso que a nação<br />
portuguesa aceitasse a carta pois ela era a base da difícil<br />
aliança. E essa não foi uma questão simples. Ainda mais que<br />
d. Pedro queria lhes dar uma constituição mas não queria<br />
colocar a coroa de Portugal na própria cabeça, transferin<strong>do</strong>-a<br />
à filha que, para complicar um pouco mais, era brasileira.<br />
Imaginem se d. Carlota Joaquina iria engolir isso? Assim, os<br />
planos de d. Pedro para Portugal, logo de princípio, já<br />
153
prenunciavam um conflito difícil. Ele só viria explodir de fato<br />
mais tarde. Naquela ocasião uma intervenção providencial <strong>do</strong><br />
general João Carlos Saldanha acomo<strong>do</strong>u as coisas<br />
provisoriamente. É que ele, <strong>do</strong> alto da sua condição de<br />
governa<strong>do</strong>r militar da cidade <strong>do</strong> Porto, proclamou que a<br />
constituição, a partir daquele momento, era a lei maior da<br />
gente lusa. Saldanha tinha afinidades com d. Pedro e com o<br />
Brasil, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> governa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul em 1821.<br />
Mais tarde seria um <strong>do</strong>s principais generais da campanha de d.<br />
Pedro para derrubar o irmão. De sorte que o impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />
Brasil e novo <strong>rei</strong> de Portugal, pôde contar com esse<br />
substancial apoio para outorgar sua carta aos portugueses.<br />
Mas, no episódio, não bastou o bra<strong>do</strong> de Saldanha e correu<br />
algum sangue. Já estavam assentadas as sementes da guerra<br />
civil portuguesa que tantas vidas custaria, alguns anos mais<br />
tarde.<br />
No meio de to<strong>do</strong> aquele clima delica<strong>do</strong> a constituição<br />
portuguesa de d. Pedro só conseguiu vigorar de julho de 1826<br />
a maio de 1828. Foi então que d. Miguel abjurou das juras que<br />
tinha feito e resolveu governar absoluto como tantos<br />
portugueses queriam, especialmente o clero e os rudes<br />
camponeses que eles fanatizavam nos cantões. Como não<br />
poderia deixar de ser, o palco principal da contenda foi, mais<br />
uma vez, a cidade <strong>do</strong> Porto. Embora a cidade fosse e<br />
continuasse sen<strong>do</strong> alguns anos depois uma cidadela liberal, os<br />
portuenses receberam o general Pólvora e o exército<br />
miguelista com o mesmo entusiasmo com que tinham<br />
recebi<strong>do</strong> a alta cúpula liberal poucas semanas antes. Isso, no<br />
entanto, não evitou que um verdadeiro festival de horrores<br />
caísse sobre os liberais que não puderam fugir ou que não o<br />
fizeram porque acreditaram na justiça <strong>do</strong>s vence<strong>do</strong>res.<br />
154
<strong>Os</strong> historia<strong>do</strong>res lusos mais sarcásticos gostam de<br />
dizer que, naqueles tempos confusos, os portugueses não<br />
sabiam se queriam ser liberais ou absolutistas. A mesma<br />
reversão se veria quan<strong>do</strong> d. Pedro anos, mais tarde, entraria<br />
no Porto e em Lisboa. Essa indefinição decorre, sem dúvida,<br />
das manobras <strong>do</strong>s atores mais importantes que atuavam<br />
naquele jogo cheio de lances imprevistos. Falo principalmente<br />
da nobreza e <strong>do</strong> exército, ambos cheios de gente assustada,<br />
ávida por conquistar ou não perder títulos, cargos e riquezas.<br />
Por outro la<strong>do</strong>, o povo queria tu<strong>do</strong>, menos passar de novo<br />
pelas misérias que as guerras napoleônicas espalharam nas<br />
cidades, nas vilas e nos campos. Por outro la<strong>do</strong>, ninguém<br />
queria ficar novamente órfão de seus <strong>rei</strong>s. Enfim, é possível<br />
que as guerras peninsulares tenham desnortean<strong>do</strong> a<br />
nacionalidade portuguesa por uns tempos.<br />
Com a fuga <strong>do</strong>s principais líderes liberais, Palmela,<br />
Saldanha e Vila Flor - que aban<strong>do</strong>naram a cidade <strong>do</strong> Porto em<br />
02 de julho de 1828 - a carta que d. Pedro tinha da<strong>do</strong> aos<br />
portugueses estava morta e restaurava-se o absolutismo em<br />
Portugal. Depois da perda <strong>do</strong> Brasil era mais um efeito<br />
colateral da desastrada experiência liberal, começada com a<br />
revolução de 1820. A constituição de d. Pedro foi reabilitada<br />
em agosto de 1834, após sua espetacular vitória militar sobre<br />
d. Miguel. Mas aqueles eram tempos turbulentos e ela só<br />
vigorou até setembro de 1836. Foi quan<strong>do</strong> os liberais<br />
portugueses resolveram radicalizar e voltar à constituição de<br />
1822, depois suavizada por uma nova constituição. Mas como<br />
a turbulência continuava acesa, em janeiro de 1848 Costa<br />
Cabral voltou a reabilitar a velha carta de d. Pedro. Está certo<br />
que ela passaria por várias reformas mas, em sua essência, iria<br />
vigorar até 1910; tornan<strong>do</strong>-se letra morta e sepultada apenas<br />
com o advento da república.<br />
155
Pode-se dizer que as constituições <strong>do</strong>adas por d.<br />
Pedro ao Brasil e a Portugal, juntas, vigoraram por cento e<br />
trinta e um anos e foram substituídas por constituições<br />
republicanas, tanto no Brasil quanto em Portugal. Há de se<br />
reconhecer que elas contribuíram para dar uma sobrevida à<br />
monarquia brasileira e portuguesa e à Dinastia de Bragança.<br />
No primeiro caso ajudada pela independência da velha colônia<br />
que, se não fosse pelo gesto de d. Pedro, teria se transforma<strong>do</strong><br />
numa federação de republiquetas antes mesmo da morte de d.<br />
João VI, tal qual pretendiam os revolucionários<br />
pernambucanos de 1824.<br />
Certa canalha<br />
Quan<strong>do</strong> o visconde de Barbacena chegou ao Rio de<br />
Janeiro em 16 de outubro de 1829 trazen<strong>do</strong> d. Maria Amélia<br />
pelo braço e d. Maria II pela mão, o impera<strong>do</strong>r o abraçou<br />
efusivamente, juran<strong>do</strong> eterna gratidão e dura<strong>do</strong>ura amizade.<br />
Afinal, depois de <strong>do</strong>is anos de penosa busca de uma noiva<br />
para o fogoso viúvo, a missão tinha si<strong>do</strong> cumprida com êxito.<br />
Ainda mais ten<strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> na descoberta de uma princesa<br />
graciosa, fresca e belíssima que estava ali pronta para cumprir<br />
a parte mais saborosa <strong>do</strong> minucioso contrato de casamento.<br />
Além disso, Barbacena tinha toma<strong>do</strong> prudente resolução<br />
colocan<strong>do</strong> d. Maria II – então uma tenra criança - à salvo das<br />
garras de d. Miguel e/ou de Metternich que tinham planos<br />
não muito gloriosos para ela. A dupla missão tinha si<strong>do</strong><br />
extraordinariamente dispendiosa mas d. Pedro, naquela altura<br />
deslumbra<strong>do</strong> com o resulta<strong>do</strong>, não tinha contesta<strong>do</strong> nenhum<br />
<strong>do</strong>s centavos gastos. De sorte que abria-se para o visconde um<br />
<strong>do</strong>ce horizonte, propício a gloriosos feitos, respalda<strong>do</strong>s na<br />
amizade <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r, agora jurada em granito. Menos de<br />
156
<strong>do</strong>is meses depois Barbacena assumia a testa <strong>do</strong> ministério<br />
imperial como ministro da fazenda. Embora militar de<br />
formação, ele não tinha se da<strong>do</strong> bem nessa car<strong>rei</strong>ra,<br />
mostran<strong>do</strong>-se muito melhor diplomata <strong>do</strong> que marechal.<br />
Também tinha credenciais para ser ministro da fazenda pois<br />
era um empresário muito bem sucedi<strong>do</strong>, com negócios na<br />
Bahia e trânsito junto aos banqueiros ingleses. Uma das<br />
primeiras coisas que Barbacena fez à frente <strong>do</strong> ministério não<br />
tinha nada a ver com as combalidas finanças <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no, mas<br />
afetava a governabilidade <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no como um to<strong>do</strong>. É que ele,<br />
como a opinião pública em geral, achava que d. Pedro era<br />
muito susceptível aos palpites <strong>do</strong>s vali<strong>do</strong>s que o cercavam,<br />
chefia<strong>do</strong>s pelo ardiloso Chalaça. Assim, foi pedir a d. Pedro<br />
para afastar da intimidade da corte aquele ciclo de amigos de<br />
má fama que tanto prejudicavam sua autoridade e que<br />
escandalizariam a jovem nova imperatriz, assim como tinha<br />
escandaliza<strong>do</strong> a defunta d. Leopoldina que detestava aquela<br />
corja achan<strong>do</strong>, não sem razão, que tinha muito cafetão em<br />
torno de d. Pedro. O impera<strong>do</strong>r, maravilha<strong>do</strong> com a nova<br />
esposa e queren<strong>do</strong> se reabilitar diante <strong>do</strong>s seus súditos<br />
brasileiros e das cortes europeias, concor<strong>do</strong>u e man<strong>do</strong>u o<br />
Chalaça passear na Europa por tempo indetermina<strong>do</strong>. Nasceu<br />
aí uma briga de foice no escuro.<br />
Felisberto Caldeira Brant Pontes de Oliveira Horta – o<br />
marquês de Barbacena – embora tenha fica<strong>do</strong> rico negocian<strong>do</strong><br />
na Bahia, tinha nasci<strong>do</strong> em Mariana em 1772. Francisco<br />
Gomes da Silva – o Chalaça - nasceu em Lisboa em 1791. Na<br />
visão da maioria <strong>do</strong>s historia<strong>do</strong>res não havia, entre as pessoas<br />
mais próximas de d. Pedro, duas que fossem tão diferentes.<br />
Caldeira Brant, oriun<strong>do</strong> das mais tradicionais e ricas famílias<br />
mineiras, depois de to<strong>do</strong>s aqueles relevantes serviços<br />
presta<strong>do</strong>s, agora tentava servir d. Pedro como ministro, num<br />
157
momento particularmente delica<strong>do</strong>. Gomes da Silva - filho<br />
bastar<strong>do</strong> <strong>do</strong> visconde de Vila Nova da Rainha – era um<br />
aventu<strong>rei</strong>ro esperto e sedutor, especialista na espionagem e na<br />
intriga palaciana. Então fazia o que sempre fez desde os<br />
tempos de d. João VI, ou seja, serviços de alcova, espionagem<br />
e puxa-saquismo. Quan<strong>do</strong> d. Pedro foi buscá-lo, ele já tinha<br />
si<strong>do</strong> expulso <strong>do</strong> palácio por d. João, havia tenta<strong>do</strong> ganhar a<br />
vida como barbeiro, dentista e sangra<strong>do</strong>r e estava pelejan<strong>do</strong><br />
para manter um botequim de má fama no centro <strong>do</strong> Rio de<br />
Janeiro. Era boêmio e grosseiro, intrigante e dissimula<strong>do</strong>. Mas<br />
tinha pelo menos um mérito: não tinha ambições pecuniárias e<br />
era de fato um colabora<strong>do</strong>r <strong>do</strong> seu imperial amigo, servin<strong>do</strong>-o<br />
como um dedica<strong>do</strong> e aplica<strong>do</strong> lacaio, pau para toda obra. Seria<br />
incapaz de prejudicar deliberadamente o amigo, o que incluía<br />
não roubá-lo. Além disso era inteligente e consciencioso <strong>do</strong><br />
projeto político liberal. Quer dizer era o secretário particular<br />
ideal.<br />
Barbacena era chefe <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> “ministério<br />
Barbacena” e o Chalaça era chefe <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> “ministério<br />
secreto”. É provável que haja um certo exagero na<br />
caracterização “ministerial” da influência <strong>do</strong> “gabinete”<br />
Chalaça, mesmo porque, os demais componentes <strong>do</strong> círculo<br />
palaciano não tinham capacidade para nenhuma incumbência<br />
de maior responsabilidade e seria temerário confiar-lhes<br />
qualquer missão mais complexa <strong>do</strong> que a entrega de um<br />
reca<strong>do</strong> ou uma pequena espionagem pelo buraco da<br />
fechadura. De sorte que muitos deles eram meros<br />
companheiros de folgue<strong>do</strong>s e de conferências picantes.<br />
Outros eram simples serviçais <strong>do</strong>mésticos espirituosos como<br />
João Carlota. Outros tinham como principal talento intimidar<br />
jornalistas e falastrões. Havia ainda aqueles que se dedicavam<br />
com afinco a roubar d. Pedro. É o caso de Pláci<strong>do</strong> Pe<strong>rei</strong>ra de<br />
Abreu. Tinha ele si<strong>do</strong> barbeiro de d. João VI e acabou sen<strong>do</strong><br />
158
nomea<strong>do</strong> por ele para o cargo de chefe da Uchuaria, que vem<br />
a ser a despensa real. Cultivava o hábito de requisitar<br />
mantimentos muito acima <strong>do</strong> que era realmente consumi<strong>do</strong>,<br />
montan<strong>do</strong> seu próprio armazém com o excesso amealha<strong>do</strong>.<br />
Quan<strong>do</strong> d. Pedro assumiu a regência, deu nele um acesso de<br />
economia e ele acabou com a Uchuaria. Mas, em lugar de<br />
mandar o ex-barbeiro para o olho da rua, fez pior <strong>do</strong> que o<br />
pai dan<strong>do</strong>-lhe o último cargo para o qual ele poderia ter<br />
alguma qualificação, vale dizer, tesou<strong>rei</strong>ro da casa real. Nesse<br />
cargo criou o hábito de dar recibo aos fornece<strong>do</strong>res da casa<br />
real em valores sempre superiores ao montante realmente<br />
entregue ao cre<strong>do</strong>r que assim tinha que pagar uma taxa de<br />
administração ao esperto ex-barbeiro.<br />
A despeito da mediocridade geral da corja palaciana, é<br />
inegável que a opinião de Francisco Gomes da Silva tinha<br />
influência sobre o impera<strong>do</strong>r. Mas também é muito provável<br />
que ele não costumava confrontar o mo<strong>do</strong> de pensar de d.<br />
Pedro. Talvez o mais comum fosse que ele se antecipasse<br />
espertamente, dan<strong>do</strong> sugestões que sabia que agradariam ao<br />
poderoso amigo. Além disso tinham gostos em comum,<br />
apesar de que o impera<strong>do</strong>r fosse um abstêmio convicto e<br />
Gomes da Silva fosse um notório beberrão.<br />
Na verdade, o tal ministério secreto não foi um pedra<br />
apenas no sapato de Barbacena pois ele começou a ser cria<strong>do</strong><br />
logo que d. João retornou a Portugal. O pai era a pessoa de<br />
quem d. Pedro desconfiava menos. Nem mesmo para a<br />
esposa ele abria inteiramente o flanco, sempre temeroso da<br />
influência de Metternich sobre ela. Assim, quan<strong>do</strong> a família<br />
voltou para Portugal, o príncipe regente há de ter se senti<strong>do</strong><br />
um tanto aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>. É compreensível, portanto, que ele<br />
logo se fizesse cercar de um grupo de supostos amigos fieis.<br />
159
Como ele tinha uma verdadeira neurose de desconfiança,<br />
qualquer pessoa que o convencesse minimamente que lhe<br />
dedicava amizade e lealdade, passava a merecer atenções<br />
especiais. Desta forma formou aquele grupo um tanto<br />
incômo<strong>do</strong> às austeridades de uma corte e foi assim que se<br />
cercou daquela gente tirada <strong>do</strong>s mais desqualifica<strong>do</strong>s lugares, a<br />
quem d. Leopoldina chamava de “certa canalha”.<br />
Mas, com o tempo, to<strong>do</strong>s os oportunistas que<br />
cercavam d. Pedro foram sen<strong>do</strong> descarta<strong>do</strong>s. <strong>Os</strong> motivos<br />
foram vários e até Domitila de Castro, num determinan<strong>do</strong><br />
ponto, se tornou uma figura incômoda. Sem contar alguns<br />
fiéis serviçais menores, só o fiel Chalaça permaneceu até o<br />
fim. Aliás, depois da morte <strong>do</strong> Impera<strong>do</strong>r, ele se manteve ao<br />
la<strong>do</strong> de. d Maria Amélia, prestan<strong>do</strong> leais serviços à viúva e o<br />
fez até o fim da vida.<br />
Cessa<strong>do</strong>s os incômo<strong>do</strong>s <strong>do</strong> suposto ministério secreto<br />
sobre os ministros, o parlamento, a imprensa e o povo;<br />
Barbacena buscou governabilidade, est<strong>rei</strong>tan<strong>do</strong> relações com a<br />
assembleia e a imprensa, tentan<strong>do</strong> costurar delicadas alianças e<br />
tocar a combalida fazenda imperial. Mas, <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
oceano, Gomes da Silva vasculhava os rastros <strong>do</strong> visconde em<br />
Londres, procuran<strong>do</strong> peca<strong>do</strong>s naquela missão em que ele<br />
afinal tinha si<strong>do</strong> tão bem sucedi<strong>do</strong>. Mas a missão tinha si<strong>do</strong><br />
demasiadamente dispendiosa e valia a pena descobrir porquê.<br />
Mestre nesse tipo de coisa, acabou achan<strong>do</strong> o que queria, ou<br />
seja, coisas para botar minhocas na cabeça de d. Pedro. A<br />
briga estava fican<strong>do</strong> interessante e Barbacena acabaria levan<strong>do</strong><br />
a pior. O fim prematuro <strong>do</strong> ministério Barbacena pode ter<br />
si<strong>do</strong> uma das causas da ruína de d. Pedro à frente <strong>do</strong> Império<br />
<strong>do</strong> Brasil, precipitan<strong>do</strong> o fim de uma era que estava apenas<br />
começan<strong>do</strong>. Chalaça conseguiu convencer o impera<strong>do</strong>r de que<br />
160
o marquês tinha falsea<strong>do</strong> a prestação de conta das suas<br />
despesas na Europa, naquela missão de conseguir uma<br />
segunda imperatriz para o Brasil. As contas já tinham si<strong>do</strong><br />
aprovadas sem ressalvas mas, com a instigação <strong>do</strong> Chalaça, d.<br />
Pedro resolveu perseguir seu ministro como se fosse ele um<br />
reles ladrão a fraudar contas públicas. Repetia-se assim, oitenta<br />
anos depois, a mesma provável história de injustiça que já<br />
tinha vitima<strong>do</strong> o avô <strong>do</strong> visconde de Barbacena. Estou me<br />
referin<strong>do</strong> a Felisberto Caldeira Brant, o contrata<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s<br />
diamantes <strong>do</strong> Tijuco que, por intriga <strong>do</strong> ouvi<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Serro <strong>do</strong><br />
Frio e <strong>do</strong> Intendente <strong>do</strong>s Diamantes, acabou preso e priva<strong>do</strong><br />
de to<strong>do</strong>s os seus bens. Mais tarde o contrata<strong>do</strong>r injustiça<strong>do</strong><br />
seria reabilita<strong>do</strong> pelo marquês de Pombal que man<strong>do</strong>u soltálo.<br />
Mas reparou só metade da injustiça pois Caldeira Brant – o<br />
avô - teve de volta a liberdade mas não teve de volta seus<br />
bens. Acabou morren<strong>do</strong> em 1756 em Caldas da Rainha, onde<br />
tentava recuperar a saúde, abalada pelas injustiças que sofreu.<br />
Estabelecida a maledicência contra Barbacena, d.<br />
Pedro man<strong>do</strong>u reabrir a prestação de contas <strong>do</strong> marquês e se<br />
pôs a esmiuçar, ele mesmo, os recibos. O império estava<br />
ruin<strong>do</strong> e d. Pedro se ocupan<strong>do</strong> daquilo, como se não tivesse<br />
mais nada o que fazer. Pedia esclarecimentos constrange<strong>do</strong>res,<br />
achacan<strong>do</strong> seu mais importante colabora<strong>do</strong>r. Eis um la<strong>do</strong><br />
menor da personalidade complexa <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r: tinha<br />
dificuldades de colocar o <strong>rei</strong> à frente <strong>do</strong> homem, mostran<strong>do</strong>se<br />
excessivamente vulnerável às influências das pessoas por<br />
quem se afeiçoava. E assim, chalaças e <strong>do</strong>mitilas foram<br />
fazen<strong>do</strong> os seus estragos no glorioso trono <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />
Brasil. D. Pedro não teve a menor dificuldade de esquecer a<br />
gratidão pétrea que tinha jura<strong>do</strong> a Barbacena. As lágrimas que<br />
d. Pedro verteu ao beijar a filha são e salva e os efusivos<br />
abraços que tinha da<strong>do</strong> a Caldeira Brant ainda a bor<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
161
navio que tinha trazi<strong>do</strong> ela e d. Amélia ao Brasil, já tinham<br />
fica<strong>do</strong> sob a laje <strong>do</strong> esquecimento. E o impera<strong>do</strong>r partiu para<br />
a Europa, em abril de 1831, chaman<strong>do</strong> Barbacena de ladrão<br />
para quem quisesse ouvir.<br />
O ministério Barbacena foi o último ministério efetivo<br />
que d. Pedro formou. A partir daí, se sucederam nomeações e<br />
demissões sem senti<strong>do</strong>, numa série frenética, tangida pela<br />
agitação da assembleia, das ruas e da inquietude <strong>do</strong>s militares.<br />
Ao sair, Barbacena enviou uma carta ao impera<strong>do</strong>r,<br />
seu antigo amo e amigo, onde se pode ler estas palavras<br />
proféticas:“Ainda há tempo, senhor, de manter-se V.M.I no trono<br />
como o deseja a maioria <strong>do</strong>s brasileiros, mas se V.M., indeciso, continuar<br />
com as palavras de Constituição e brasileirismo na boca, a ser português e<br />
absoluto de coração, neste caso a sua desgraça será inevitável, e a<br />
catástrofe que praza a Deus não seja geral, parecerá em poucos meses,<br />
talvez não chegue a seis”. 48<br />
Em sua carta, Barbacena evitou mencionar as<br />
perseguições pessoais que estava sofren<strong>do</strong> da parte <strong>do</strong><br />
impera<strong>do</strong>r, embora não hesitasse em chamá-lo de louco.<br />
Procurava mostrar-se sóbrio e sincero, ilustre herdeiro da<br />
tradição mineira <strong>do</strong>s Caldeira Brant. Era 15 de dezembro de<br />
1830. Poucos mais de três meses depois, d. Pedro era<br />
obriga<strong>do</strong> a abdicar em favor de seu filho d. Pedro II, então<br />
48 Neil Macaulay afirma que não há evidência de que a carta<br />
de Barbacena tenha si<strong>do</strong> de fato enviada a d. Pedro. O que existiria,<br />
na verdade, seria um rascunho da mesma, descoberto entre os<br />
<strong>do</strong>cumentos <strong>do</strong> marquês, depois da sua morte. Isso sugere que a tal<br />
profecia possa ser uma miserável fraude. Se isso é verdade, afinal<br />
Barbacena e Chalaça não eram tão diferentes assim.<br />
162
com cinco anos de idade. Mas tinha deixa<strong>do</strong> seu velho e leal<br />
companheiro-José Bonifácio - como tutor <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>rmenino.<br />
A assembleia, por sua vez, fez sua parte nomean<strong>do</strong><br />
uma junta governativa com o sena<strong>do</strong>r Vergueiro à frente. A<br />
Dinastia de Bragança ainda sobreviveria no Brasil por mais<br />
cinqüenta e sete anos, tempo em que durou o <strong>rei</strong>nan<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
impera<strong>do</strong>r brasileiro d. Pedro II, um <strong>do</strong>s mais longevos da<br />
história <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />
Coração e mente<br />
Um império ocupan<strong>do</strong> um quarto de to<strong>do</strong> o<br />
território da América era uma aberração. Aliás, Portugal<br />
ocupan<strong>do</strong> um quarto da Península Ibérica, resistin<strong>do</strong> à<br />
indefectível união de Castela, Leon e Aragon, também era. E é<br />
até hoje. Belo enclave a honrar a nossa origem. Mas no<br />
primeiro quarto <strong>do</strong> século XIX, à milhares de léguas oceano à<br />
fora, na América, pululavam repúblicas, oportunas mas<br />
claudicantes. O Brasil era único, mais ainda o era seu<br />
impera<strong>do</strong>r, nasci<strong>do</strong> no Palácio de Queluz, a meio caminho<br />
entre Lisboa e Sintra e que se dizia brasileiro por amor e<br />
opção. E tinha di<strong>rei</strong>to de pensar assim. Educa<strong>do</strong> longe da<br />
Europa, sem parâmetros de referência, d. Pedro era um<br />
autêntico <strong>rei</strong> tropical, único e espelha<strong>do</strong> em si mesmo.<br />
Embora seu pai tivesse cria<strong>do</strong> esse inusita<strong>do</strong> <strong>rei</strong>no, como bom<br />
bonachão que era, nele foi tu<strong>do</strong> menos <strong>rei</strong>. De sorte que d.<br />
Pedro, embora receben<strong>do</strong> um império de herança, não her<strong>do</strong>u<br />
regras de majestade. Construiu a própria dignidade,<br />
respalda<strong>do</strong> nas sementes da sua própria digníssima origem e<br />
no seu próprio senso inato de honradez. Felizmente foi assim,<br />
pois foi isso que fez dele um notável constitucionalista num<br />
ninho de ferrenhos absolutistas: pai, mãe e irmão. Teve que<br />
163
vencer a força das sementes genéticas e o fez da melhor<br />
maneira que pôde, com altos e baixos, pois sua mente liberal<br />
brigava continuamente com seu coração autoritário sem que<br />
ele pudesse moderar essas divergências. Às vezes a mente<br />
ganhava, às vezes perdia, pois o coração sempre soprou muito<br />
forte nas velas da nau <strong>do</strong> destino de d. Pedro. O caso é que<br />
ele, embora se preocupasse com os di<strong>rei</strong>tos civis e a<br />
representatividade <strong>do</strong> povo, não admitia intervenções no seu<br />
di<strong>rei</strong>to de governar. Tinha ojeriza de qualquer tipo de<br />
intervenção no seu di<strong>rei</strong>to constitucional de nomear seu<br />
ministério e, se observarmos bem, esse fator esteve presente<br />
em todas as grandes crises políticas que enfrentou no Brasil,<br />
direta ou indiretamente.<br />
Num registro pessoal, escreveu a respeito da abdicação<br />
<strong>do</strong> trono <strong>do</strong> Brasil:<br />
“Naquela ocasião não havia remédio senão ou ceder aos rogos<br />
das forças armadas e de uma população em anarquia que queria o<br />
ministério que eu tinha demiti<strong>do</strong> por incapaz e por desconfiança que fosse<br />
trai<strong>do</strong>r, ou então abdicar para salvar a honra e não ferir a constituição<br />
naquela parte em que me era concedi<strong>do</strong> nomear e demitir livremente os<br />
ministros de esta<strong>do</strong>. Tomei o expediente de abdicar e deste mo<strong>do</strong>, pon<strong>do</strong><br />
de parte todas as considerações, salvei a minha honra que prezo mais que<br />
tu<strong>do</strong>”.<br />
Embora nunca abrisse mão da sua dignidade imperial,<br />
era relativamente simples em seus hábitos. Um <strong>rei</strong> no meio de<br />
colonos rudes e iletra<strong>do</strong>s que estavam apenas, e tragicamente,<br />
aprenden<strong>do</strong> a exercer a liberdade que seu próprio impera<strong>do</strong>r<br />
havia propicia<strong>do</strong>. Aprendera sem dificuldades a ser brasileiro e<br />
não se furtava a pequenas tarefas braçais impeli<strong>do</strong>, sem saber,<br />
pela realidade de que, no fun<strong>do</strong>, os brasileiros nunca tiveram<br />
vocação para serem <strong>rei</strong>s. Impaciente às vezes com a lerdeza<br />
164
<strong>do</strong>s serviçais, tomava-lhes o lugar com a maior sem-cerimônia.<br />
As vezes escandalizava os diplomatas estrangeiros com seus<br />
hábitos pois eles, alheios às fundas diferenças entre a velha<br />
Europa e a nova América, julgavam que ele se preocupava<br />
demais com coisas miúdas indignas de um <strong>rei</strong>. 49 Sua<br />
sinceridade também assustava. E ele até se divertia com isso<br />
pois gostava de ironizar os taciturnos e trágicos e quase<br />
sempre estava de bom humor. Gostava de mandar bilhetes<br />
atrevi<strong>do</strong>s carrega<strong>do</strong>s de fina ironia. Como daquela fez em que<br />
o ministro Caula alegou <strong>do</strong>ença para não participar de uma<br />
reunião ministerial delicada, onde o Regente queria discutir<br />
quem deveria ou não permanecer no ministério depois que ele<br />
decidira desobedecer às Cortes e não voltar para Portugal.<br />
“Caula, mande me dizer como está de saúde e se está disposto a<br />
melhorar e se, depois, também o está para seguir no seu emprego deste<br />
novo mo<strong>do</strong> em que se vai isto arranjan<strong>do</strong>. Responda já porque a não lhe<br />
fazer conta será demiti<strong>do</strong>”.<br />
Na mesma linha da ironia, para demonstrar sua<br />
contrariedade com os resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s trabalhos da primeira<br />
legislatura brasileira, no discurso de encerramento <strong>do</strong> perío<strong>do</strong><br />
legislativo d. Pedro disse simplesmente: “Augustos e Digníssimos<br />
Senhores Representantes da Nação Brasileira – Está fechada a sessão”.<br />
É o mais breve discurso de que se tem notícia,<br />
proferi<strong>do</strong> por um chefe de esta<strong>do</strong>, numa situação tão solene.<br />
Essa ironia, aliás, lhe custaria ácidas críticas da imprensa que<br />
julgava que o próprio ministério não havia colabora<strong>do</strong> para<br />
49<br />
Apos a abdicação, d. Pedro se exilou numa fragata inglesa<br />
fundeada na baia <strong>do</strong> Rio de Janeiro. Ao embarcar ele fez questão de<br />
carregar sua própria bagagem o que escandalizou a marinhagem<br />
britânica. O memorialista de bor<strong>do</strong> acabou registran<strong>do</strong> notas<br />
desairosas sobre o ex-impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil, achan<strong>do</strong>-o<br />
excessivamente cidadão para quem até então tinha si<strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r.<br />
165
que os trabalhos legislativos fossem mais produtivos. Isso<br />
levou o deputa<strong>do</strong> Bernar<strong>do</strong> Pe<strong>rei</strong>ra de Vasconcelos a dizer:<br />
“cortam-nos as pernas e acusam-nos perante o Brasil por que não<br />
corrermos”.<br />
Talvez o coração autoritário de d. Pedro fosse<br />
empurra<strong>do</strong> também por sua ansiedade mórbida. Ele<br />
simplesmente não tinha paciência com a demora com que<br />
coisas, tipicamente de governo, eram resolvidas nas<br />
assembleias. Quer dizer, os rituais próprios <strong>do</strong> processo<br />
democrático o irritavam e os debates demora<strong>do</strong>s das questões<br />
cruciais lhe pareciam insuportável perda de tempo.<br />
D. Pedro foi a exata antítese de seu pai na vida e na<br />
historiografia. Naquela a diferença é flagrante, nesta nem<br />
tanto, pois sempre que algum autor ameaça falar mal de d.<br />
Pedro, no fim acaba elogian<strong>do</strong>-o e quan<strong>do</strong> alguém promete<br />
reconhecer os méritos de d. João acaba execran<strong>do</strong>-o.<br />
Mas dividir d Pedro através <strong>do</strong> que ia no seu coração e<br />
sua mente é um tanto simplório pois ninguém sabe muito bem<br />
onde termina a razão e onde começa a emoção, qual empurra<br />
qual e quan<strong>do</strong>. Tinha uma personalidade complexa. Aliás<br />
como to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> tem. Mas em sen<strong>do</strong> ele um <strong>rei</strong>, as facetas<br />
dessa complexidade se tornam mais acentuadas, já que os <strong>rei</strong>s<br />
sempre podiam mais <strong>do</strong> que os outros, para o bem e para o<br />
mal e seus humores e razões podiam causar enorme<br />
repercussão. Tinha um sóli<strong>do</strong> caráter e estava sempre<br />
preocupa<strong>do</strong> com seu senso de honra e de lealdade, o que pode<br />
ser atesta<strong>do</strong> em várias de suas cartas. Seu temperamento se<br />
caracterizava pelo notório desassossego que, no moto da sua<br />
grande energia e emotividade, compelia e mudava<br />
continuamente o vórtice das suas disposições, até de forma<br />
166
contraditória. Amou desesperadamente a marquesa de Santos<br />
a ponto de humilhar a legitima esposa de quem não deixava de<br />
gostar, mas pranteou na hora errada. Não obstante o visgo da<br />
paixão, despachou a amante com energia e frieza quan<strong>do</strong> as<br />
razões de esta<strong>do</strong> o exigiram. Odiou o irmão e prometeu<br />
vingança, mas no cerco da cidade <strong>do</strong> Porto impediu que um<br />
artilheiro disparasse um tiro de canhão que podia atingir o<br />
lugar onde d. Miguel estava. Contu<strong>do</strong>, a despeito dessa prova<br />
de compaixão, d. Pedro tinha convicção de que seu irmão<br />
Miguel havia manda<strong>do</strong> matar d. João VI.<br />
A esse propósito escreveu em 1830:<br />
“Para se ver o que é o infame a abominável d. Miguel basta dizer que é<br />
mau tio, pior irmão e péssimo filho que por vezes tentou contra a vida de<br />
seu pai até que, por último, o matou de desgosto e, segun<strong>do</strong> dizem, com<br />
veneno como disse o Cirurgião Aguiar aqui nessa corte e que em Lisboa<br />
pagou com a vida em <strong>do</strong>ze horas, o ter conta<strong>do</strong> esse horroroso feito”.<br />
D. Pedro não hesitava em fustigar o inimigo mas,<br />
quan<strong>do</strong> o vencia, sabia ser magnânimo. Tanto que, mais de<br />
uma vez, suscitou críticas em seus próprios colabora<strong>do</strong>res por<br />
ter si<strong>do</strong> generoso demais em suas anistias. Era hiperativo e<br />
<strong>do</strong>mina<strong>do</strong>r. Não tinha paciência para esperar que algo ficasse<br />
bom. Assim, quan<strong>do</strong> achava que algo não estava sen<strong>do</strong> bem<br />
feito, ia ele mesmo fazer. Foi assim que ferrou cavalos e<br />
carregou pacotes. Foi assim com a constituição e foi assim<br />
com as trincheiras da cidade <strong>do</strong> Porto e de Lisboa. Era bem<br />
humora<strong>do</strong> e às vezes excedia nas brincadeiras. Mas quan<strong>do</strong><br />
percebia que alguém se sentia humilha<strong>do</strong> com elas, não tinha<br />
pejo de se desculpar. Muitas vezes pedia para ser trata<strong>do</strong><br />
como homem e não como <strong>rei</strong> e dizia que seu sangue era da<br />
mesma cor <strong>do</strong> sangue <strong>do</strong>s negros. Não abria, contu<strong>do</strong>, mão da<br />
167
sua autoridade. Capaz de caprichos mórbi<strong>do</strong>s. Dizem que,<br />
quan<strong>do</strong> se soube que Noémi Thierry estava grávida de d.<br />
Pedro, a família se apressou a fazer um acor<strong>do</strong> para que a<br />
namorada descuidada se afastasse <strong>do</strong> Rio de Janeiro. Mesmo<br />
porque d. Leopoldina já estava atravessan<strong>do</strong> o Atlântico para<br />
se juntar ao mari<strong>do</strong>, depois <strong>do</strong> casório por procuração. O<br />
arranjo <strong>do</strong> casamento tinha custa<strong>do</strong> uma fortuna a d. João e,<br />
alguns milhares de cruza<strong>do</strong>s a mais para fazê-lo dar certo, não<br />
tinha a menor importância. Foi forma<strong>do</strong> um pacote<br />
persuasivo no qual, além de uma dezena de contos de <strong>rei</strong>s e<br />
joias, a ofendida teria um bom casamento e uma boa vida em<br />
Pernambuco, sob a proteção direta <strong>do</strong> governa<strong>do</strong>r. Assim foi<br />
feito e a futura mãe se instalou magnificamente no Recife,<br />
amparada e com um belo de um mari<strong>do</strong> <strong>do</strong> la<strong>do</strong>. Acontece,<br />
porém, que a criança – <strong>do</strong> sexo feminino - nasceu morta.<br />
Alguém, talvez temen<strong>do</strong> algum distrato no lucrativo negócio,<br />
teve a ideia de embalsamar o corpo da criança. Ao saber disso<br />
o príncipe herdeiro pediu que o corpo lhe fosse envia<strong>do</strong>,<br />
tarefa de que se encarregou o próprio governa<strong>do</strong>r Luiz <strong>do</strong><br />
Rego, pessoalmente. D. Pedro teria manti<strong>do</strong> o cadáver da<br />
própria filha guarda<strong>do</strong> em seu gabinete da Boa Vista por mais<br />
de dez anos. Até que, depois da abdicação e partida para a<br />
Europa, o macabro relicário foi encontra<strong>do</strong> e recebeu o<br />
enterro cristão que merecia 50 . Ninguém conseguiu entender<br />
muito bem a motivação <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r, mesmo se saben<strong>do</strong> ser<br />
ele um pai extremadamente amoroso. Maria Graham, garante<br />
que Noemi Thierry foi a primeira grande paixão de d. Pedro e<br />
aquela seria sua primeira filha, bastarda mas, enfim,<br />
primogênita.<br />
50 Pedro Calmon afirma que essa história não tem o menor<br />
fundamento.<br />
168
D. Pedro era mentiroso e enganava ao pai? Ou seja,<br />
era mesmo o tal herói sem nenhum caráter que alguns<br />
apregoam? É o que pode levar a crer o conteú<strong>do</strong> das cartas<br />
que enviou a d. João no mês de dezembro de 1821, logo após<br />
o impacto produzi<strong>do</strong> pelos decretos de 29 de setembro que<br />
tratavam o príncipe regente como se ele fosse um moleque.<br />
No dia 10 escrevia ele:<br />
“No mesmo dia em que a junta for eleita tomará entrega <strong>do</strong> governo,<br />
porque acaba imediatamente aquela autoridade dantes constituída e<br />
assim, logo que seja eleita, vou dar sem demora pronta execução <strong>do</strong><br />
decreto que me manda partir o quanto antes.”<br />
E mais adiante:<br />
“Enquanto eu tiver forças conte Vossa Majestade e a nação com a<br />
minha pessoa (***). Isto é o que minha alma sente e diz sem lisonja nem<br />
interesse.”<br />
Quatro dias depois voltava ao assunto:<br />
“Dou parte a Vossa Majestade que a publicação <strong>do</strong>s decretos fez um<br />
choque muito grande nos brasileiros e em muitos europeus aqui<br />
estabeleci<strong>do</strong>s, a ponto de se dizerem pelas ruas: se a constituição é fazernos<br />
mal, leve o diabo tal coisa: havemos fazer um termo para o príncipe<br />
não sair sob pena de ficar responsável pela perda <strong>do</strong> Brasil para<br />
Portugal.”<br />
E arrematava:<br />
“Sem embargo de todas essas vozes eu vou me aprontan<strong>do</strong> com toda a<br />
pressa e sossego, a fim de ver se posso, como devo, cumprir tão sagradas<br />
169
ordens, porque a minha obrigação é obedecer cegamente e assim o pede a<br />
minha honra, ainda que perca a vida.”<br />
No dia 15 repetia os rumores de que os brasileiros<br />
imputariam, ao retorno dele para Portugal, a causa de uma<br />
provável ruptura entre os <strong>do</strong>is <strong>rei</strong>nos e finalizava:<br />
“Torno a protestar às Cortes e a Vossa Majestade que só a força será<br />
capaz de me fazer faltar ao meu dever, o que será o mais sensível nesse<br />
mun<strong>do</strong>. Concluo dizen<strong>do</strong>: sou fiel e honra<strong>do</strong>.”<br />
Menos de um mês depois d. Pedro proclamava aos<br />
brasileiros que ficava no Brasil<br />
Como já tentamos convencer em capítulos passa<strong>do</strong>s,<br />
d. Pedro, nem de longe, tinha intenção de ser insincero com o<br />
pai e até mesmo em ser ardiloso com as Cortes. Apenas foi<br />
colhi<strong>do</strong> pelo vendaval e preferiu navegar na direção que lhe<br />
era favorável. Era um filho amoroso e um constitucionalista<br />
assumi<strong>do</strong>. Mas também não seria ingênuo de não perceber o<br />
peso político das coisas, nem teria sangue de barata para voltar<br />
para Portugal como um moleque, escorraça<strong>do</strong> da regência <strong>do</strong><br />
Brasil. Na verdade, a seqüência das declarações contidas nas<br />
cartas ilustra com muita propriedade, a forma como ele foi se<br />
ajustan<strong>do</strong> rapidamente a sucessão vertiginosa <strong>do</strong>s<br />
acontecimentos na virada <strong>do</strong>s anos 1821/1822 e que o foram<br />
empurran<strong>do</strong> na direção de setembro. Certamente os decretos<br />
de 29 de setembro de 1821 causaram nele enorme irritação e<br />
ele logo deve ter pensan<strong>do</strong> em confrontá-los, se tivesse forças<br />
para tal. E o fez, assim que sentiu que tinha o apoio das<br />
províncias de Minas, Rio e São Paulo. É essa a história <strong>do</strong><br />
fico. D. Pedro estava sen<strong>do</strong> muito mais o príncipe<br />
desassossega<strong>do</strong> <strong>do</strong> que o filho amoroso. Também estava<br />
170
sen<strong>do</strong> muito mais o regente humilha<strong>do</strong> <strong>do</strong> que o vassalo fiel<br />
de um <strong>rei</strong>no distante onde, aliás, um ban<strong>do</strong> de deputa<strong>do</strong>s<br />
exalta<strong>do</strong>s achacava continuamente a ele e ao pai. Eis um<br />
pouco <strong>do</strong>s meandros <strong>do</strong> seu caráter.<br />
O <strong>rei</strong> solda<strong>do</strong><br />
<strong>Os</strong> portugueses conhecem seu <strong>rei</strong> d. Pedro IV<br />
também como “O Rei Cavaleiro ou Rei Solda<strong>do</strong>”. De fato, no<br />
curto tempo que durou seu retorno à terra natal, não fez<br />
muito mais <strong>do</strong> que guerrear contra seu irmão d. Miguel, à<br />
frente <strong>do</strong>s exércitos liberais portugueses, apoia<strong>do</strong>s<br />
discretamente por franceses e ingleses. Também nem teve<br />
tempo.<br />
Ao morrer d. João VI tinha deixa<strong>do</strong> a questão sucessória<br />
no ar, limitan<strong>do</strong>-se a nomear sua filha Isabel Maria como<br />
regente provisória, até que a questão da herança ao trono<br />
fosse resolvida. Até em seu último ato sobre a terra, ele não<br />
deixaria de ser ardiloso e indireto. Não deixou claro o nome<br />
de seu herdeiro. Talvez preferisse que fosse seu dileto filho d.<br />
Pedro, mas sabia que o di<strong>rei</strong>to dele à Coroa Portuguesa<br />
poderia ser amplamente contesta<strong>do</strong>, ameaçan<strong>do</strong> a<br />
continuidade da dinastia. Seria um lega<strong>do</strong> execrável para quem<br />
já tinha perdi<strong>do</strong> o Brasil. Também não teria deixa<strong>do</strong> de<br />
considerar que sob d. Miguel a monarquia portuguesa teria um<br />
perfil absolutista, regime que lhe parecia muito mais natural,<br />
pois os <strong>rei</strong>s não tinham nasci<strong>do</strong> para serem achaca<strong>do</strong>s pelo<br />
povo como vinha sen<strong>do</strong> ultimamente. Dessa derradeira<br />
indefinição <strong>do</strong> monarca resultaram <strong>do</strong>is penosos anos de<br />
guerra civil nos diversos cantos de Portugal. A princesa<br />
regente, nomeada por d. João no leito de morte, logo pareceu<br />
171
tender a favor <strong>do</strong> irmão mais velho. De sorte que, em 30 de<br />
março, expediu uma portaria que determinava que todas as<br />
decisões de governo passassem a ser feitas em nome de d.<br />
Pedro IV, incomodamente também Impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil. A 24<br />
de abril de 1826, o impera<strong>do</strong>r recebeu uma delegação<br />
anuncian<strong>do</strong> que fora reconheci<strong>do</strong> como legítimo <strong>rei</strong> também<br />
de Portugal. Tinha enormes problemas pela frente, saben<strong>do</strong><br />
que a mãe e o irmão tramariam contra ele. E para resolver<br />
essas terríveis pendengas familiares que afetavam três milhões<br />
de portugueses passou a dedicar cada vez mais tempo aos<br />
interesses <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no luso e menos ao Império <strong>do</strong> Brasil. Foi aí<br />
que os brasileiros passaram a desconfiar dele e se lembrar<br />
daqueles velhos episódios, indignos de um liberal, em que ele<br />
an<strong>do</strong>u meti<strong>do</strong>. Lembraram <strong>do</strong> juramento condicional que ele<br />
tinha feito no momento de maior euforia da nação pela<br />
conquista da independência:<br />
“juro defender a constituição que está para ser feita, se for digna <strong>do</strong><br />
Brasil e de mim”.<br />
Sobretu<strong>do</strong>, relembraram que ele tinha considera<strong>do</strong> que ela<br />
não era digna <strong>do</strong> Brasil e dele, dissolven<strong>do</strong>, “mano militare”, a<br />
primeira assembleia constituinte brasileira, justo aquela que ele<br />
tanto prometera.<br />
Mas d. Pedro tinha razão quanto às suas preocupações com<br />
o que ia em Portugal depois da morte <strong>do</strong> pai. Havia mesmo<br />
muito espaço para contestação quanto a sua herança. Para os<br />
partidários de seu irmão d. Miguel, d. Pedro teria traí<strong>do</strong><br />
Portugal e opta<strong>do</strong> pela cidadania brasileira. Invocavam as Leis<br />
Fundamentais da Monarquia Portuguesa, ditadas pelas Cortes<br />
de Lamego em 1641, que proibiam que a Coroa fosse<br />
entregue a um estrangeiro. Portanto d. Pedro, como brasileiro,<br />
172
não podia ser <strong>rei</strong> de Portugal. Na verdade a questão principal<br />
não estava na simples definição de qual <strong>do</strong>s varões de d. João<br />
VI deveria herdar a Coroa e sim na disputa <strong>do</strong> regime sob o<br />
qual Portugal deveria ser governa<strong>do</strong>: sob um soberano<br />
absoluto ou sob um <strong>rei</strong> que tivesse que se submeter às balizas<br />
de uma constituição. Essa discussão até já estava prestes a<br />
perder o sentin<strong>do</strong> mas a Santa Aliança <strong>do</strong>s <strong>rei</strong>nos<br />
conserva<strong>do</strong>res da Europa ainda tentaria dar a ela uma<br />
sobrevida. Aqueles que pugnavam por uma monarquia<br />
constitucional se aliaram com d. Pedro e os que defendiam<br />
uma monarquia absoluta se aliaram com d. Miguel. Mas d.<br />
Pedro não era como o pai e assim não perdeu tempo a esperar<br />
definições pelo acomodar das melancias através <strong>do</strong> sacolejar<br />
da carroça da história. Há muito já estava convenci<strong>do</strong> de que<br />
Brasil e Portugal jamais poderiam ser novamente reuni<strong>do</strong>s sob<br />
um mesmo <strong>rei</strong>. Assim, <strong>do</strong>is dias depois de saber da sua nova<br />
condição de <strong>rei</strong> <strong>do</strong>s lusitanos, já começava a colocar em<br />
marcha um plano que já tinha guarda<strong>do</strong> na gaveta: Portugal<br />
seria uma monarquia constitucional sob o cetro de sua filha<br />
com nome de d. Maria II. Ele preferia permanecer como<br />
impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil. Em 26 de abril confirmou a regência de<br />
sua irmã e a 29 outorgou a carta constitucional que já estava<br />
pronta, aguardan<strong>do</strong> aquela chance. A <strong>do</strong>is de maio já abdicava<br />
em favor da filha. Eis o <strong>rei</strong>na<strong>do</strong> de d. Pedro IV de Portugal:<br />
durou pouco mais de uma semana. Mas a implementação <strong>do</strong><br />
plano não terminaria aí. D. Pedro sabia que teria pela frente<br />
uma dura oposição <strong>do</strong>s conserva<strong>do</strong>res portugueses e que seu<br />
irmão era a cabeça natural desse movimento. Planeja oferecer<br />
a regência a d. Miguel, desde que ele se case com d. Maria e<br />
jure a constituição que ele outorgara. Enquanto isso, a regente<br />
Isabel Maria, mesmo juran<strong>do</strong> fidelidade a d. Pedro, vai<br />
deixan<strong>do</strong> se envolver pelos conserva<strong>do</strong>res e vai adian<strong>do</strong> o<br />
juramento da carta outorgada pelo impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil. E é aí<br />
173
que entra em cena um liberal histórico que seria muito útil na<br />
causa constitucional. Falo novamente <strong>do</strong>, então governa<strong>do</strong>r de<br />
armas da cidade <strong>do</strong> Porto, o general João Carlos de Saldanha.<br />
Acostuma<strong>do</strong> a reforçar suas convicções botan<strong>do</strong> a mão no<br />
punho da espada ele o faz novamente e exige o juramento da<br />
carta constitucional outorgada, o que acaba sen<strong>do</strong> feito em 31<br />
de julho de 1826. O próprio d. Miguel faz o mesmo em Viena<br />
no dia 04 de outubro, selan<strong>do</strong> seu acor<strong>do</strong> com o irmão. Na<br />
seqüência, a 03 de julho <strong>do</strong> ano seguinte, d. Pedro confirma o<br />
irmão como regente e, em 22 de feve<strong>rei</strong>ro de 1827, depois de<br />
um tour pela Europa, d. Miguel desembarca em Lisboa para<br />
assumir a regência em nome da sobrinha e esposa. Tu<strong>do</strong><br />
parece muito bem encaminha<strong>do</strong> mas, mal assume o governo,<br />
d. Miguel desencadeia um conjunto de atos certeiros de<br />
traição ao irmão e que o fariam <strong>rei</strong> pelo perío<strong>do</strong> de oito anos.<br />
Em 13 de março, quinze dias depois de confirmar o<br />
juramento à constituição, dá um golpe de esta<strong>do</strong> dissolven<strong>do</strong><br />
as Cortes e, obedecen<strong>do</strong> a um costume antigo para resolver<br />
pendências sucessórias, convoca os Três Esta<strong>do</strong>s. Estes,<br />
forma<strong>do</strong>s basicamente por nobres <strong>do</strong>s cantões e pelo clero,<br />
acabariam por aclamá-lo <strong>rei</strong> (30 de junho). Instala-se um<br />
conflito mortal entre os <strong>do</strong>is filhos de d. João VI. Enquanto<br />
isso, mergulha<strong>do</strong> em seus problemas brasileiros e ignorante de<br />
tu<strong>do</strong> que estava acontecen<strong>do</strong> em Portugal, d. Pedro já tinha<br />
despacha<strong>do</strong> a filha para a Europa, cumprin<strong>do</strong> sua parte no<br />
trato de dá-la em casamento a d. Miguel. Na altura de<br />
Gibraltar o marques de Barbacena, responsável pela segurança<br />
da pequena noiva, fica saben<strong>do</strong> casualmente, <strong>do</strong>s graves<br />
acontecimentos em Portugal.Então, resolve desviar a rota,<br />
conduzin<strong>do</strong> d. Maria II para a Inglaterra e retornan<strong>do</strong> depois<br />
ao Brasil.<br />
À traição de um pacto político celebra<strong>do</strong> com o irmão<br />
soma-se a humilhação imposta à filha, coisa que d. Pedro,<br />
174
decididamente, não deve ter engoli<strong>do</strong>. Ao contrário, a desfeita<br />
deve ter ouriça<strong>do</strong> de verdade seus brios de solda<strong>do</strong>. Ainda<br />
mais estan<strong>do</strong> ele convenci<strong>do</strong> que o pai tinha si<strong>do</strong> assassina<strong>do</strong><br />
e que d. Miguel podia estar por trás desse hedion<strong>do</strong> parricídio.<br />
De sorte que ele mastigou o caroço, engoliu, mas guar<strong>do</strong>u a<br />
digestão para depois. Tinha que esperar momento propício.<br />
Não podia invadir Portugal simplesmente como impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />
Brasil e restaurar o trono da filha. Arrebatada loucura. Teria a<br />
ira de todas as cortes da Europa sobre si. Logo, compreendeu<br />
que tinha que fortalecer os liberais portugueses de alguma<br />
forma. Aglutinar e prover gente com grande traquejo político<br />
e diplomático como Palmela ou grande competência militar<br />
como Saldanha e especialmente como Vila Flor.<br />
A história <strong>do</strong> visconde de Vila Flor, futuro duque da<br />
Terceira, é a própria história <strong>do</strong> triunfo militar <strong>do</strong> liberalismo<br />
em Portugal. Com certeza, ele foi um <strong>do</strong>s maiores generais<br />
europeus <strong>do</strong> século XIX e conseguiu uma proeza semelhante<br />
a <strong>do</strong> general soviético Georgi Zukov que barrou as tropas de<br />
Hitler nas portas de Moscou e as empurrou até Berlim,<br />
toman<strong>do</strong> a capital <strong>do</strong> III Reich.<br />
António José de Sousa Manuel de Meneses Severim de<br />
Noronha, 7.º conde, 1.º marquês de Vila Flor e 1.º duque da<br />
Terceira, serviu a cinco gerações de monarcas da Dinastia de<br />
Bragança. Começou como fidalgo de d. Maria I. Serviu a d.<br />
João VI, d. Pedro IV, d. Maria II e d. Pedro V. Apesar de<br />
herdeiro <strong>do</strong>s mais ricos e tradicionais ramos da nobreza<br />
portuguesa, o traço mais marcante da sua biografia é o seu<br />
engajamento nas campanhas liberais, ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> conde de<br />
Saldanha e <strong>do</strong> marquês de Palmela. Ingressou na car<strong>rei</strong>ra<br />
militar com dez anos de idade e sempre se destacou pela<br />
bravura e pela astúcia nos campos de batalha. Aos vinte e <strong>do</strong>is<br />
de idade, depois de se destacar nas campanhas napoleônicas,<br />
175
já era promovi<strong>do</strong> a coronel. Em 1817 foi despacha<strong>do</strong> para o<br />
Brasil com a missão de sufocar a rebelião de Pernambuco. Em<br />
seguida d. João VI, desejoso de mantê-lo no norte disponível<br />
para eventuais necessidades contra os focos rebeldes que<br />
pululavam por lá, o nomeou governa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Pará. Poderia ter<br />
segui<strong>do</strong> brilhante car<strong>rei</strong>ra política no Brasil mas em 1821,<br />
interessa<strong>do</strong> em conhecer de perto o projeto liberal dispara<strong>do</strong> a<br />
partir da revolução <strong>do</strong> Porto, preferiu voltar a Portugal,<br />
acompanhan<strong>do</strong> d. João. Quan<strong>do</strong> d. Miguel, sem nenhum<br />
traquejo militar, foi nomea<strong>do</strong> pelo pai como chefe <strong>do</strong> exército<br />
português, Vila Flor foi coloca<strong>do</strong> ao seu la<strong>do</strong> como ajudante<br />
de ordens. Mas como tinham projetos políticos opostos, d.<br />
Miguel logo prescindiu <strong>do</strong>s serviços <strong>do</strong> futuro duque da<br />
Terceira. Com a morte de d. João VI e a proclamação de d.<br />
Pedro como <strong>rei</strong> de Portugal, Vila Flor foi reabilita<strong>do</strong> e<br />
nomea<strong>do</strong> governa<strong>do</strong>r de armas <strong>do</strong> Alentejo onde, com a ajuda<br />
<strong>do</strong> general Saldanha então ministro da Guerra, an<strong>do</strong>u<br />
reprimin<strong>do</strong> movimentos a favor de d. Miguel e <strong>do</strong><br />
absolutismo quan<strong>do</strong> ele ainda estava no exílio. Pelos seus<br />
novos feitos recebeu o titulo de marques e foi nomea<strong>do</strong><br />
governa<strong>do</strong>r de armas <strong>do</strong> Porto. Foi nessa função que d.<br />
Miguel surpreendeu-o conseguin<strong>do</strong> restabelecer o absolutismo<br />
em Portugal. Ven<strong>do</strong> que a causa liberal estava perdida o,<br />
então marques de Vila Flor, resolveu emigrar para a Inglaterra.<br />
Lá já estavam Palmela e Saldanha. Poucos meses depois<br />
rebentou, mais uma vez, um movimento constitucionalista no<br />
Porto e os liberais emigra<strong>do</strong>s, entre eles naturalmente a<br />
indefectível trinca, resolveu voltar e tentar a derrubada de d.<br />
Miguel a partir desse movimento. Mas o movimento não tinha<br />
consistência. A tropa de d. Miguel atacou duramente o reduto<br />
liberal. Vila Flor e Saldanha não se entenderam pois cada um<br />
queria ser o comandante. A tentativa frustrou-se rapidamente<br />
e os liberais tiveram que regressar à Inglaterra de forma um<br />
176
tanto humilhante. Desistiram de retomar Portugal, pelo<br />
menos por enquanto, e resolveram começar uma campanha<br />
constitucionalista nos Açores, a partir da Ilha Terceira onde<br />
um batalhão rebelde tinha jura<strong>do</strong> fidelidade a rainha d. Maria<br />
II, repudian<strong>do</strong> d. Miguel como usurpa<strong>do</strong>r. Esta foi a base que<br />
viabilizou o retorno de d. Pedro.<br />
O primeiro que tentou desembarcar uma expedição<br />
nos Açores foi Saldanha. Foi intercepta<strong>do</strong> no mar pois os<br />
Ingleses, sob a influência conserva<strong>do</strong>ra de Wellington, tinham<br />
revolvi<strong>do</strong> impedir uma progressão liberal no arquipélago. Vila<br />
Flor, porém, logo depois conseguiria furar o bloqueio e<br />
estabelecer uma boa base militar, assumin<strong>do</strong> a condição de<br />
governa<strong>do</strong>r da ilha Terceira. Assim, fortifica<strong>do</strong> o batalhão,<br />
Vila Flor conseguiu rechaçar uma tentativa miguelista de<br />
retomada da Ilha. Frustrada a tentativa os exila<strong>do</strong>s puderam<br />
passar <strong>do</strong>is anos mais tranqüilos, pensan<strong>do</strong> num plano para<br />
libertar o continente. Entenderam que primeiro tinham que<br />
expandir seu <strong>do</strong>mínio sobre o arquipélago. O marques de Vila<br />
Flor mais uma vez coman<strong>do</strong>u a campanha e conseguiu anexar<br />
quase todas as ilhas <strong>do</strong>s Açores. Era a chance que d. Pedro<br />
queria para estabelecer a cabeça de ponte de onde pudesse<br />
confrontar Portugal, política e militarmente. Tratou de<br />
legitimar a situação nomean<strong>do</strong> Palmela regente <strong>do</strong>s Açores,<br />
em nome da rainha de Portugal, d. Maria II. Estavam<br />
assentadas as bases para a queda de d. Miguel quatro anos<br />
depois quan<strong>do</strong> o próprio Vila Flor tomaria Lisboa e, em<br />
seguida, bateria a última resistência <strong>do</strong>s absolutistas nas<br />
proximidades de Santarém. Mas naquela ocasião, quase<br />
ninguém no mun<strong>do</strong> acreditava nisso.<br />
D. Pedro continuava impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil e a situação<br />
nos Açores se acomo<strong>do</strong>u por cerca de três anos sem muitas<br />
novidades, até que a causa liberal tomou um grande impulso<br />
177
com a subida de Luis Felipe ao trono da França. O mesmo<br />
ocorreu na Inglaterra onde Lord Grey assumiu o gabinete e<br />
passou a apoiar os movimentos liberais no continente. No dia<br />
07 de abril <strong>do</strong> ano seguinte (1831), pressiona<strong>do</strong> pela crescente<br />
desconfiança <strong>do</strong>s brasileiros em relação aos seus brios liberais,<br />
d. Pedro abdicaria <strong>do</strong> Império <strong>do</strong> Brasil em nome de seu filho<br />
e, aí sim, ficaria libera<strong>do</strong> para passar à Europa e se por a frente<br />
<strong>do</strong>s constitucionalistas portugueses. Aliás, essa chance foi um<br />
<strong>do</strong>s motivos da abdicação.<br />
Não poderia haver melhor líder <strong>do</strong> que d. Pedro, quer<br />
pelo simbolismo dinástico, quer pela capacidade de coman<strong>do</strong>,<br />
quer pela coragem e exemplo. O tirano rejeita<strong>do</strong> pelos<br />
brasileiros tinha vira<strong>do</strong> a esperança constitucional <strong>do</strong>s<br />
portugueses e ainda contan<strong>do</strong> com a admiração e aplauso <strong>do</strong>s<br />
liberais europeus. D. Pedro anda pela França e Inglaterra<br />
carrean<strong>do</strong> apoio para sua disposição de colocar d. Maria II no<br />
trono. O <strong>rei</strong> francês começa a se mexer discretamente: manda<br />
uma esquadra à boca <strong>do</strong> Tejo e navios portugueses são<br />
apreendi<strong>do</strong>s. Em Lisboa é tentada uma sublevação popular,<br />
sem sucesso. A operação naval francesa teve outros motivos<br />
alega<strong>do</strong>s mas seria de grande valor para a campanha liberal no<br />
futuro pois enfraqueceu a frota portuguesa permitin<strong>do</strong> que o<br />
almirante Napier, a serviço de d. Pedro, <strong>do</strong>minasse a costa<br />
Portuguesa e pudesse apoiar a tomada de Lisboa <strong>do</strong>is anos<br />
depois. Enquanto isso d. Pedro recebe autorização para<br />
montar uma esquadra em território Francês. Assim que se<br />
considera pronto navega para os Açores onde assume o<br />
coman<strong>do</strong> <strong>do</strong>s liberais lá acantona<strong>do</strong>s e agrega novos reforços<br />
ao seu pequeno exército. Seu contumaz desassossego já estava<br />
exacerba<strong>do</strong> e o próximo objetivo já seria Portugal. A força<br />
que consegue montar beira ao ridículo: oito mil homens<br />
contra oitenta mil <strong>do</strong> irmão. Palmela chamou a expedição de<br />
178
“a coisa mais romanesca que a história de qualquer país já pode<br />
apresentar”.<br />
Mas d. Pedro não entrava só com sua compulsiva<br />
coragem. Confiava na adesão <strong>do</strong>s constitucionalistas<br />
subjuga<strong>do</strong>s em Portugal. Assim se lança à louca emp<strong>rei</strong>tada.<br />
Também não tinha outro remédio: não era de seu feitio ficar<br />
exila<strong>do</strong> em algum país da Europa, curtin<strong>do</strong> uma vida de ócio.<br />
O marques de Fronteira, que fez parte da expedição,<br />
conta que no princípio não havia um plano muito preciso<br />
sobre em que ponto de Portugal deveria acontecer o ataque.<br />
Alguns sugeriam que a campanha começasse por Cascais,<br />
visan<strong>do</strong> um assalto relâmpago direto sobre Lisboa. Acabaram<br />
optan<strong>do</strong> pela região da cidade <strong>do</strong> Porto, velho reduto liberal,<br />
berço da revolução de 1820 e das revoltas mais entusiásticas<br />
contra o avanço absolutista. A oito de julho de 1832 o<br />
exército <strong>do</strong> ex-impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil e agora duque de<br />
Bragança, desembarca na enseada de Pampeli<strong>do</strong>, próximo à<br />
cidade. Aí, a primeira surpresa de tantas outras que se<br />
seguiriam boas e ruins. A cidade acabou sen<strong>do</strong> entregue de<br />
bandeja às forças liberais pois o comandante miguelista,<br />
visconde de Santa Marta, superestimou a força de ataque e<br />
depois de chamar d. Pedro de “chefe de uma quadrilha de<br />
saltea<strong>do</strong>res”, preferiu deixar a cidade sem oferecer resistência,<br />
embora tivesse 13 mil homens prontos para resistir. Foi o<br />
primeiro grande erro da campanha desastrosa das forças de d.<br />
Miguel, cheia de estratégias equivocadas. D. Pedro aceitou o<br />
presente de muito bom gra<strong>do</strong> e tratou de estabelecer ali o seu<br />
quartel-general e se preparar para as grandes batalhas que<br />
viriam. Aquela não seria uma guerra para se vencer sem tiros.<br />
Logo as forças de d. Miguel formam um anel de ferro em<br />
torno da cidade <strong>do</strong> Porto. Às forças de Santa Maria se juntam<br />
as <strong>do</strong> general Póvoa e aí o sangue começaria a correr para<br />
valer. D. Pedro resiste, sem cavalaria mas contan<strong>do</strong> com<br />
179
oficiais corajosos e gente sonha<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> seu la<strong>do</strong>. 51 Além, é<br />
claro, de centenas de mercenários competentes e sanguinários.<br />
Como d. Pedro botava música em tu<strong>do</strong> que fazia, não faltou<br />
uma banda escocesa de gaitas de fole para excitar o<br />
patriotismo luso. O fa<strong>do</strong> ficaria para a hora de contar os<br />
mortos. Em 29 de setembro de 1832, os miguelistas lançaram<br />
um assalto formidável sobre a cidade sitiada, tentan<strong>do</strong> uma<br />
vitória definitiva. <strong>Os</strong> combates se travaram às baionetas pelas<br />
ruas. Chegaram a tomar parte da cidade, mas foram<br />
rechaça<strong>do</strong>s. Na conta de Hugh Owen 52 , testemunha ocular<br />
<strong>do</strong>s combates, as forças absolutistas perderam cinco mil<br />
homens, contra apenas seiscentos e cinqüenta <strong>do</strong>s liberais. Foi<br />
uma bela resistência mas o duque de Bragança compreendeu<br />
que para romper o cerco sobre o Porto, teria que partir para a<br />
ofensiva, espalhan<strong>do</strong> a revolta por Portugal em direção a<br />
Lisboa. Depois de alguns insucessos e vitórias parciais,<br />
resolveu fazer mudanças. O grande general Saldanha tinha<br />
fica<strong>do</strong> na Europa. É que d. Pedro tinha certas restrições<br />
políticas contra ele. Além disso, ele an<strong>do</strong>u conspiran<strong>do</strong> contra<br />
Fernan<strong>do</strong> VII - o <strong>rei</strong> da Espanha - e d. Pedro tinha receio de<br />
que o dito cujo mandasse forças para o cerco <strong>do</strong> Porto se<br />
soubesse que Saldanha estava lá. Também havia o veto de<br />
Palmela e o ciúme de Vila Flor. Mas era hora de jogar todas as<br />
cartas na mesa. D. Pedro consegue superar sua própria<br />
repugnância e contornar as desavenças em nome da causa<br />
comum e manda chamar Saldanha. Entrega-lhe o coman<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
exército e a missão de defender a cidade. No coman<strong>do</strong> da<br />
frota naval substitui Sartorius pelo almirante inglês Napier,<br />
51 Entre eles Alexandre Herculano, Almeida Garret e o Batalhão<br />
Acadêmico de Coimbra.<br />
52 “O Cerco <strong>do</strong> Porto”.<br />
180
com a tarefa de partir para o sul e acossar a frota realista. Uma<br />
outra parte da força terrestre é entregue a Vila Flor – então já<br />
feito duque da Terceira - com a missão de invadir o Algarve.<br />
<strong>Os</strong> três assumem suas missões buscan<strong>do</strong>, num primeiro<br />
momento, desafogar a pressão sobre o Porto, onde d. Pedro<br />
ficou cavan<strong>do</strong> trincheiras e comandan<strong>do</strong> a defesa ao la<strong>do</strong> de<br />
Saldanha. A estratégia dá certo e é aí que a vitória começa a<br />
ser construída. A 24 de junho de 1833 as forças de d. Pedro<br />
desembarcam no Algarve e um mês depois conseguem entrar<br />
em Lisboa. Esta talvez tenha si<strong>do</strong> a mais espetacular vitória da<br />
campanha. Foi quan<strong>do</strong> o duque da Terceira, com 1.500<br />
homens apenas, conseguiu bater o exército de 15.000 homens<br />
que guarnecia Lisboa. No dia 28 d. Pedro dá entrada na<br />
capital, assumin<strong>do</strong> o governo como regente. Seu primeiro ato<br />
é restabelecer a constituição que tinha outorga<strong>do</strong> em abril de<br />
1826. Com a guerra em curso a constituição se mostra<br />
inexeqüível e d. Pedro governa como um general, através de<br />
decretos, para repugnância <strong>do</strong>s liberais mais radicais e<br />
românticos. A política externa funciona bem junto a ingleses e<br />
franceses pois eles estão cheios de boa vontade com aquela<br />
aventura constitucionalista numa Europa em transição. O<br />
general Bourmont, francês a serviço de d. Miguel, é bati<strong>do</strong> por<br />
Saldanha no cerco <strong>do</strong> Porto.<br />
O coronel Hugh Owen, no seu livro sobre o cerco, cita um<br />
conjunto de causas que teriam leva<strong>do</strong> d. Pedro a ganhar aquela<br />
guerra impossível. Entre elas inclui: “a energia inaudita e sem<br />
paralelo <strong>do</strong>s habitantes <strong>do</strong> Porto, resistin<strong>do</strong> à peste, à fome e a guerra de<br />
extermínio; bombardea<strong>do</strong>s durante o sítio de um ano e cercada a cidade<br />
por 40.000 homens de tropa e outros tantos paisanos que trabalhavam<br />
nas fortificações inimigas.”<br />
Rechaça<strong>do</strong> no Porto, o general Bourmont recua para o<br />
sul. Tenta retomar Lisboa, sem sucesso. Nessa altura d. Miguel<br />
está refugia<strong>do</strong> em Coimbra, com poucos cartuchos para<br />
181
queimar. Seus generais primam pela incompetência, perden<strong>do</strong><br />
sucessivas batalhas mesmo contan<strong>do</strong> com efetivos dez vezes<br />
maiores <strong>do</strong> que os <strong>do</strong> inimigo. A 09 de agosto a Inglaterra<br />
reconhece a coroa de d. Maria II e a 10 de outubro a França<br />
faz o mesmo. A 22 de setembro d. Maria II chega a Lisboa e<br />
se põe diretamente sobre a proteção <strong>do</strong> pai. O sucesso da<br />
armada de d. Pedro continua e d. Miguel é obriga<strong>do</strong> a se<br />
deslocar para Santarém, seu último reduto. Suas derrotas vão<br />
se acumulan<strong>do</strong> e a guerra caminha para o fim. A 18 de maio d.<br />
Pedro dá entrada em Santarém, obrigan<strong>do</strong> o irmão a se<br />
refugiar em Évora. A vitória se consuma com mais uma<br />
espetacular campanha <strong>do</strong> duque da Terceira. A 26 é assinada a<br />
rendição incondicional <strong>do</strong>s exércitos de d. Miguel. D. Pedro<br />
IV - o Rei Solda<strong>do</strong> – tinha restabeleci<strong>do</strong> o trono que havia<br />
lega<strong>do</strong> à filha. Poucos dias depois de ser aclama<strong>do</strong><br />
triunfalmente pelo povo nas ruas, seria vaia<strong>do</strong> no teatro.<br />
Manteve o mesmo sangue frio que tinha demonstra<strong>do</strong> nos<br />
descontentamentos <strong>do</strong> Rio de Janeiro e nas vicissitudes das<br />
batalhas <strong>do</strong> Porto e de Lisboa. Morreria poucos meses depois<br />
de múltipla falência física, deixan<strong>do</strong> em vigor a constituição<br />
que tinha outorga<strong>do</strong> a Portugal, oito anos antes. Mesmo<br />
sucesso teria no Brasil, país que tinha escolhi<strong>do</strong> para <strong>rei</strong>nar e<br />
que tinha deixa<strong>do</strong> de confiar nele e nas suas regras. Mas,<br />
mesmo morto não teria sossego. Muitos <strong>do</strong>s liberais que o<br />
tinham apoia<strong>do</strong> acabaram estranhan<strong>do</strong> as práticas<br />
constitucionalistas que tinham defendi<strong>do</strong>, mesmo antes delas<br />
se tornarem plenas. <strong>Os</strong> solda<strong>do</strong>s que tinham batalha<strong>do</strong> sob<br />
suas ordens queriam mais vantagens e os generais queriam<br />
mais poder, assim como os políticos. O corpo de d. Pedro<br />
nem tinha esfria<strong>do</strong> e ele já passava a ser visto pelos<br />
portugueses como um dita<strong>do</strong>r, excessivamente generoso com<br />
o irmão venci<strong>do</strong> e sovina com os vence<strong>do</strong>res. Também pelos<br />
portugueses não seria ama<strong>do</strong>. Eles jamais o per<strong>do</strong>ariam por<br />
182
ter si<strong>do</strong> tão brasileiro e não ter entendi<strong>do</strong> os anseios <strong>do</strong>s<br />
liberais portugueses que, mesmo tardiamente, apoiaram a<br />
guerra contra d. Miguel, especialmente nos quesitos da<br />
pilhagem e da vingança.<br />
D. Pedro tinha razão em preferir ser brasileiro. O <strong>rei</strong>na<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> seu filho impera<strong>do</strong>r foi muito mais longo e feliz <strong>do</strong> que o de<br />
sua filha, rainha de Portugal. Para começar, para ser rainha a<br />
pequena d. Maria II teve que se casar com seu tio d. Miguel.<br />
Quanto ao parentesco não havia problema pois os papas estavam<br />
acostuma<strong>do</strong>s a anular essas inconveniências sanguíneas, ainda que<br />
elas fossem muito mais físicas <strong>do</strong> que morais e não evitassem<br />
degenerações, quan<strong>do</strong> fosse o caso. Mas assim foi feito pelo papa<br />
Leão XII como era de costume e o casamento se realizou, pelo<br />
menos em contrato. Não se consumou, é claro, pois d. Miguel não<br />
esperou muito para rasgar seus juramentos. Politicamente o<br />
arranjo tinha que ser complica<strong>do</strong> pois, nada mais difícil <strong>do</strong> que<br />
transformar um mari<strong>do</strong>/tio absolutista num sogro/irmão liberal.<br />
Coitada da pequena rainha/noiva, acabou repudiada e traída. Esta<br />
parte d. Pedro conseguiu corrigir mas, nem assim, conseguiria que<br />
a filha fosse feliz. Não que ela não se sentisse rainha. O era pela<br />
força e pelo di<strong>rei</strong>to e o povo português nunca contestou a<br />
legitimidade <strong>do</strong> seu <strong>rei</strong>na<strong>do</strong>. Até porque, no próprio acor<strong>do</strong> da<br />
independência <strong>do</strong> Brasil, a questão sucessória já tinha si<strong>do</strong><br />
levantada e tinha fica<strong>do</strong> estabeleci<strong>do</strong> que, caso d. Pedro<br />
renunciasse ao seu di<strong>rei</strong>to de ser <strong>rei</strong> de Portugal, a sucessão<br />
passaria ao seu filho ou filha mais velha. Mas a aventura europeia<br />
da pequena rainha sempre foi muito atribulada. Começou quan<strong>do</strong><br />
ela estava in<strong>do</strong> para Viena para ser entregue à tutela <strong>do</strong> avô. Foi<br />
quan<strong>do</strong> o visconde de Barbacena, à vista das estripulias de d.<br />
Miguel em Portugal, achou por bem levá-la para Londres,<br />
livran<strong>do</strong>-a de cair nas mãos de Metternich, alia<strong>do</strong> de d. Miguel.<br />
Teve que voltar ao Brasil e só retornou à Europa depois da<br />
183
abdicação <strong>do</strong> pai. Foi morar com a madrasta em Paris enquanto o<br />
pai pelejava no cerco <strong>do</strong> Porto. De sorte que d. Maria II só veio<br />
conhecer Lisboa quan<strong>do</strong> já tinha 14 anos de idade. Mas nesse<br />
quesito até que ela se houve melhor <strong>do</strong> que o pai pois d. Pedro<br />
chegou ao Brasil com nove anos e, mesmo assim, os brasileiros<br />
nunca conseguiram esquecer, de to<strong>do</strong>, que ele não era brasileiro.<br />
Pouco antes da morte de d. Pedro, d. Maria obteve a maioridade e<br />
pôde, finalmente, ascender ao trono. Mas nunca governou de fato,<br />
nem pôde ver o seu povo contente. Nem foi feliz no primeiro<br />
casamento. O consorte, como não poderia deixar de ser, também<br />
era parente, só que desta vez pelo la<strong>do</strong> da madrasta. Falo <strong>do</strong><br />
príncipe Augusto de Leuchtenberg, irmão de d. Amélia e que<br />
morava com ela desde os tempos <strong>do</strong> Brasil. Desta vez o impecilho<br />
era o fato de d. Maria já ser oficialmente casada com d. Miguel.<br />
Mas, mais uma vez, a igreja resolveu a questão com relativa<br />
facilidade. E nem precisou subir até o papa pois o próprio<br />
patriarca de Lisboa anulou o casamento pregresso. Infelizmnete as<br />
bodas com Augusto duraram pouco e <strong>do</strong>is meses depois a jovem<br />
rainha de Portugal já era viúva. Mas a solidão também durou<br />
pouco e no ano seguinte d. Maria se casava com o príncipe D.<br />
Fernan<strong>do</strong> de Saxe-Coburgo-Gotha. Quer dizer, Sua Majestade<br />
tinha apenas 17 anos e já estava casan<strong>do</strong> pela terceira vez. Mas<br />
desta vez ela pôde viver uma vida familiar mais feliz e deixar o<br />
mari<strong>do</strong> governan<strong>do</strong> como <strong>rei</strong> consorte. Governan<strong>do</strong> é força de<br />
expressão pois ele também não teve muito espaço para <strong>rei</strong>nar.<br />
Felizmente ocupou o tempo livre se dedican<strong>do</strong> às artes e ao bom<br />
gosto e foi graças a isto que nos legou o inusita<strong>do</strong> Palácio da Pena,<br />
na serra de Sintra. Foi um perío<strong>do</strong> muito agita<strong>do</strong> e infelizmente<br />
continuou corren<strong>do</strong> sangue portugues visto que o<br />
constitucionalismo ainda era uma batata quente, pousada em mãos<br />
sem calos e havia muitas feridas abertas. De sorte que se<br />
formaram o parti<strong>do</strong> radical progressista e o parti<strong>do</strong> cartista. <strong>Os</strong><br />
heróis liberta<strong>do</strong>res Palmela, Saldanha e o duque da Terceira<br />
184
tentaram ajudar e subiram e desceram <strong>do</strong> poder várias vezes<br />
durante esta fase <strong>do</strong> <strong>rei</strong>nan<strong>do</strong>.<br />
A condição política <strong>do</strong>s antigos companheiros da<br />
jornada liberal de d. Pedro era sempre delicada e seus ministérios<br />
duravam pouco, pricipalmente os de Terceira e Saldanha que, não<br />
obstante o enorme respeito que gozavam, tinham dificuldade de<br />
esquecer o cabo da espada quan<strong>do</strong> tinham que resolver questões<br />
mais espinhosas. Acabou que a rainha teve que engolir vários<br />
arranjos indigestos, inclusive a volta da constituição feita pelas<br />
Cortes em 1822. Eram as horrendas, facciosas e pestíferas cortes<br />
assombran<strong>do</strong> d. Pedro outra vez e trazen<strong>do</strong> desassossego à paz <strong>do</strong><br />
seu túmulo em São Vicente de Fora. Na série <strong>do</strong>s acontecimentos,<br />
eis senão quan<strong>do</strong>, para não perder o costume, o duque da Terceira<br />
e o conde de Saldanha arrancam suas velhas espadas <strong>do</strong> fun<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
guarda-roupa e se postam à frente da chamada “revolta <strong>do</strong>s<br />
marechais”. Mas desta vez os grandes marechais não conseguiram<br />
repetir aqueles seus combates heroicos e a pendenga prosseguiu<br />
com escaramuças e badernas de rua e de quartel. Voltava a guerra<br />
civil e os conflitos continuaram pelo menos até 1851. Foi quan<strong>do</strong>,<br />
seguin<strong>do</strong> o grande destino histórico que lhe estava traça<strong>do</strong>, o<br />
velho general Saldanha pegou em armas mais uma vez e,<br />
respalda<strong>do</strong> na coragem <strong>do</strong>s velhos companheiros da cidade <strong>do</strong><br />
Porto, conseguiu voltar ao ministério. Mas aí entendeu que já<br />
hora de aposentar as armas e apelar para a diplomacia. E ele tinha<br />
condições pois podia transitar com certa desenvoltura entre os<br />
cartistas da rainha e os progressistas mais radicais da oposição.<br />
Aliás, já era assim desde os tempos de d. Pedro, que o considerava<br />
um liberal um tanto ou quanto radical e, por isso, tinha certa<br />
desconfiança dele. Mas graças às suas tantas jornada gloriosas, o<br />
velho marechal conseguiu formar um gabinete que duraria cinco<br />
anos e traria um pouco de paz à gente lusa, metida em conflitos há<br />
mais de vinte anos. Foi no meio desta paz que d. Maria II morreu<br />
de parto, aos 34 anos. Tinha si<strong>do</strong> rainha durante 19 anos, teve<br />
185
onze filhos e foi pranteada como digna pessoa e mãe exemplar.<br />
Como rainha foi considerada sofrível mas seu filho d. Luis foi<br />
reconheci<strong>do</strong> um <strong>rei</strong> constitucional exemplar, concilia<strong>do</strong>r e<br />
paciente. Seu avô - d. Pedro I <strong>do</strong> Brasil e d. Pedro IV de Portugal<br />
– finalmente teria motivos para se sentir gratifica<strong>do</strong>. Ele não era<br />
assim mas, afinal, não foi para garantir uma constituição para<br />
Portugal que ele tinha vira<strong>do</strong> um <strong>rei</strong> solda<strong>do</strong>?<br />
Saudades <strong>do</strong> Brasil<br />
No dia 29 de dezembro de 1830 d. Pedro e a família real<br />
partiram para uma viagem a Minas deixan<strong>do</strong> no Rio uma<br />
preocupante agitação. Não parecia boa hora para se ausentar.<br />
Ninguém nunca soube com muita clareza qual foi o intuito dessa<br />
viagem extemporânea. Já especularam que o impera<strong>do</strong>r até<br />
estivesse pensan<strong>do</strong> em mudar a capital para Ouro Preto pois a<br />
agitação <strong>do</strong> Rio de Janeiro vinha lhe aborrecen<strong>do</strong> muito nos<br />
últimos tempos. Prefiro acreditar que ele estivesse em busca da<br />
repetição da apoteótica recepção que tivera <strong>do</strong>s mineiros em 1822<br />
e que o enchera de autoridade para levar adiante a bandeira da<br />
independência. Essa viagem seria sua última cartada. E de fato foi.<br />
Se voltasse de Minas debaixo da aclamação popular se sentiria<br />
forte para enfrentar os distúrbios <strong>do</strong> Rio, quem sabe até<br />
encabeçan<strong>do</strong> uma repressão armada contra a assembleia e o povo.<br />
Se mesmo assim fosse mal sucedi<strong>do</strong>, ainda lhe restaria a<br />
alternativa de se acantonar nas Alterosas e tentar uma reação mais<br />
contundente contra a rebeldia da capital. Mas o plano, se existiu,<br />
morreu já no nasce<strong>do</strong>uro. O impera<strong>do</strong>r ro<strong>do</strong>u para baixo e para<br />
cima, costuran<strong>do</strong> as vilas mineiras em voltas inexplicáveis. Ficou<br />
mais de <strong>do</strong>is meses perambulan<strong>do</strong> e a reação foi sempre a mesma.<br />
Foi recebi<strong>do</strong> com respeito mas sem nenhum entusiasmo. Só um<br />
ou outro viva, discreto. Em Ouro Preto lançou uma proclamação<br />
186
aos mineiros e à nação que arrancou bocejos impacientes. De<br />
sorte que ele desistiu e voltou muito desanima<strong>do</strong>, certo de que<br />
tinha perdi<strong>do</strong> o amor e a confiança <strong>do</strong>s brasileiros. No dia 11 de<br />
março de 1831 retornava ao Rio de Janeiro e certamente já trazia<br />
na cabeça a ideia da abdicação ao trono. Naquela altura os<br />
brasileiros só se lembravam que ele era português de nascimento e<br />
que estava envolvi<strong>do</strong> demais com o problema da usurpação <strong>do</strong><br />
trono de sua filha, esquecen<strong>do</strong>-se <strong>do</strong>s problemas <strong>do</strong> Brasil. Na<br />
verdade to<strong>do</strong> tipo de acusação vinha sen<strong>do</strong> lançada sobre ele: era<br />
português demais, era autoritário demais, era intransigente demais,<br />
era alcoviteiro demais. Em resumo, ele tinha razão: os brasileiros<br />
já não o amavam mais.<br />
O que levou, de verdade, d. Pedro a abdicar da coroa <strong>do</strong><br />
império <strong>do</strong> Brasil? De fato, cada um <strong>do</strong>s pontos que vinha<br />
alimentan<strong>do</strong> seus detratores e agitan<strong>do</strong> o povo, teve um peso no<br />
desfecho. Havia temor quanto ao futuro da monarquia no Brasil e<br />
isso ele jamais gostaria de ver anexa<strong>do</strong> à sua biografia. Por outro<br />
la<strong>do</strong> não se sentia confortável em ter que engolir o crescimento de<br />
uma xenofobia em relação à presença lusitana na administração<br />
pública e nos negócios <strong>do</strong> Brasil, detalhe que cada vez mais<br />
colocaria em relevo sua condição de português. Sobretu<strong>do</strong> havia o<br />
temor <strong>do</strong> povo quanto a um golpe autoritário, coisa que ele<br />
teimava em desacreditar mas não convencia. Enfim, sua<br />
legitimidade para governar se complicava cada vez mais. Também<br />
tem grande peso a irritação crescente que vinha sentin<strong>do</strong> com os<br />
desman<strong>do</strong>s <strong>do</strong> irmão. O ânimo que os generais liberais<br />
portugueses vinham mostran<strong>do</strong> em encarar o absolutismo que<br />
<strong>rei</strong>nava em Portugal o fizeram voltar os olhos para a antiga pátria<br />
como há muito tempo não fazia. Soman<strong>do</strong>-se ainda a toda essa<br />
conjuntura objetiva, havia a impaciência e o orgulho naturais de d.<br />
Pedro. É provável que a abdicação tenha pego a maioria de seus<br />
inimigos de surpresa. <strong>Os</strong> mais radicais queriam pura e<br />
187
simplesmente que ele descesse <strong>do</strong> trono para implantarem uma<br />
república mas a grande maioria queria um governo monárquico<br />
mais liberal, com um ministério forma<strong>do</strong> sob indicação <strong>do</strong><br />
legislativo e aclamação <strong>do</strong> povo. Como já dissemos, para d. Pedro<br />
isso era inaceitável. Mesmo porque, a constituição lhe dava a<br />
prerrogativa de indicar o ministério como bem lhe aprouvesse.<br />
Mas é claro que essa era apenas a oportunidade pontual que surgiu<br />
para a surpreendente renúncia. O impera<strong>do</strong>r era corajoso e tenaz<br />
mas não teve ânimo para enfrentar a adversidade. Na verdade ele<br />
já estava desencanta<strong>do</strong> com seu trono americano e só queria<br />
mantê-lo se não tivesse que despender muito trabalho para isso,<br />
caso contrário, preferia ir ao encalço <strong>do</strong> irmão, tomar-lhe o trono<br />
usurpa<strong>do</strong> e devolvê-lo à filha. Não estava mais disposto a ficar<br />
meio que tolhi<strong>do</strong>, trocan<strong>do</strong> golpes com uma assembleia mais<br />
agressiva <strong>do</strong> que a anterior e uma imprensa cada vez mais<br />
insolente. Sentia-se muito mais um guer<strong>rei</strong>ro liberal <strong>do</strong> que um<br />
impera<strong>do</strong>r incompreendi<strong>do</strong> e mal ama<strong>do</strong> na nação a que tinha<br />
da<strong>do</strong> nascimento. Naquela altura uma epopeia liberta<strong>do</strong>ra nas<br />
plagas lusas lhe parecia muito mais interessante. Tanto que mais<br />
tarde escreveria ao filho:<br />
“Eu nasci muito livre e amigo da minha independência para gostar de ser<br />
soberano em uma crise em que eles têm ou de esmagar os povos que governam<br />
ou ser esmaga<strong>do</strong>s por eles”.<br />
Ao reunir o corpo diplomático para comunicar sua decisão<br />
de deixar o trono <strong>do</strong> Brasil, d. Pedro despertou naqueles homens<br />
frios surpresa e admiração. O diplomata francês M. Pontois<br />
comentou que ele soube melhor abdicar <strong>do</strong> que governar e que<br />
tinha mostra<strong>do</strong>, naquela hora, presença de espírito, firmeza e<br />
dignidades notáveis. Muitos quiseram convencê-lo a mudar de<br />
ideia, mas àquela altura a decisão já era irreversível e só o que<br />
pediu foi apoio para deixar o Rio de Janeiro imediatamente, no<br />
188
que se prontificaram os representantes da França e da Inglaterra.<br />
Partiria apenas com a esposa e a filha mais velha – a Rainha de<br />
Portugal – deixan<strong>do</strong> no Brasil os outros filhos, que jamais veria<br />
novamente.<br />
No seu comunica<strong>do</strong> à Assembleia, pedin<strong>do</strong> a confirmação<br />
da nomeação de José Bonifácio como tutor <strong>do</strong>s filhos, escreveu: “<br />
Resta-me agora como pai, como amigo de minha pátria a<strong>do</strong>tiva e de to<strong>do</strong>s os<br />
brasileiros por cujo amor abdiquei de duas coroas, (***), pedir a augusta<br />
assembléia que se digne confirmar essa minha nomeação. Eu assim o espero<br />
confia<strong>do</strong> nos serviços que de to<strong>do</strong> o meu coração fiz ao Brasil e em que a<br />
augusta assembléia geral não deixará de querer aliviar-me desta maneira um<br />
pouco as saudades que me atormentam, motivadas pela separação de meus<br />
caros filhos e da pátria que a<strong>do</strong>ro”.<br />
A 12 de abril de 1831 d. Pedro faria uma proclamação de<br />
despedida a to<strong>do</strong>s os brasileiros:<br />
“Eu me retiro para a Europa, sau<strong>do</strong>so da pátria, <strong>do</strong>s filhos e de to<strong>do</strong>s os<br />
meus verdadeiros amigos. Deixar objetos tão caros é sumamente sensível ainda<br />
ao coração mais duro, mas deixá-los para sustentar a honra não pode haver<br />
maior glória. Adeus pátria, adeus amigos e adeus para sempre.<br />
No dia seguinte, às seis e meia da manhã, a bor<strong>do</strong> da<br />
fragata inglesa Volage, partia como um d. Quixote para conquistar<br />
a Europa. Arraiga<strong>do</strong> aos costumes brasileiros não prescindiu de<br />
levar consigo seis fidelíssimos e gratos escravos.<br />
Em 10 de julho a fragata inglesa aportava na cidade<br />
francesa de Cherburgo. A recepção o surpreendeu e encheu d.<br />
Amélia de orgulho, iluminan<strong>do</strong> seu rosto juvenil, debaixo <strong>do</strong><br />
verão francês. D. Pedro tinha saí<strong>do</strong> <strong>do</strong> Brasil sob suspeita de estar<br />
pensan<strong>do</strong> em dar um golpe autoritário e chegava à Europa como<br />
um herói liberal. Foi sauda<strong>do</strong> como “o herói <strong>do</strong>a<strong>do</strong>r de duas<br />
189
constituições que abdicara para não deixar de ser constitucional”. Houve<br />
salva de canhões, revista a tropa, inspeção <strong>do</strong> arsenal, visita a<br />
obras públicas. Era apenas o Duque de Bragança, contu<strong>do</strong>, há<br />
tempos que ele não se sentia tão impera<strong>do</strong>r. Mas tinha que cuidar<br />
<strong>do</strong>s negócios e assim que pôde partiu para Londres em busca de<br />
apoio político e financeiro para a causa liberal em Portugal. A<br />
condição lhe era favorável pois o parti<strong>do</strong> liberal tinha assumi<strong>do</strong> o<br />
poder na Inglaterra, afastan<strong>do</strong> Wellington e anulan<strong>do</strong> o apoio que<br />
estava sen<strong>do</strong> da<strong>do</strong> a d. Miguel. Assim que chegou foi recebi<strong>do</strong><br />
pelo primeiro ministro Palmerton e pelo <strong>rei</strong> Guilherme IV. Com a<br />
sofreguidão que lhe era própria, foi logo pedin<strong>do</strong> ao <strong>rei</strong> que<br />
mandasse buscar d. Maria II na França num vaso de guerra<br />
britânico, demonstran<strong>do</strong> assim inequivocamente ao mun<strong>do</strong> a<br />
extensão <strong>do</strong> apoio que seria da<strong>do</strong> à recondução da rainha aos<br />
di<strong>rei</strong>tos ao trono português. Mas como o <strong>rei</strong> da Inglaterra não<br />
governa, Sua Majestade britânica desconversou e apenas ofereceu<br />
um palácio para d. Pedro se hospedar com toda a dignidade<br />
enquanto estivesse em Londres. Mas não faltaram bailes e<br />
recepções oferecidas ao então duque de Bragança pelo <strong>rei</strong>, pela<br />
rainha, pela duquesa de Albany, pelo embaixa<strong>do</strong>r Talleyrand, pelo<br />
prefeito de Londres e muitos outros. No final d. Pedro não<br />
conseguiu o apoio decisivo que almejava mas, pelo menos, d.<br />
Miguel também não o teria. Teria fica<strong>do</strong> mais tempo em Londres<br />
tentan<strong>do</strong> granjear apoio de políticos e financistas mas um convite<br />
<strong>do</strong> <strong>rei</strong> Luiz Felipe o fez embarcar para Paris para assistir às<br />
comemorações <strong>do</strong> primeiro aniversário de sua subida ao poder.<br />
Ao final dessa curta temporada parisiense e depois de uma<br />
segunda visita à Inglaterra, d. Pedro sentiu que não contaria com<br />
apoio militar, nem da França, nem da Inglaterra e que tinha que<br />
montar seu próprio exército com os recursos que fossem<br />
possíveis. Nesse senti<strong>do</strong>, as visitas que tinha recebi<strong>do</strong> se<br />
mostraram muitos mais produtivas <strong>do</strong> que as que tinha feito.<br />
Mercenários, patriotas, liberais de to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> e financistas<br />
190
estavam dispostos a seguir com ele, cada um com seus próprios<br />
motivos, nobres ou nem tanto. Aos poucos foram se forman<strong>do</strong> as<br />
condições mínimas necessárias à viabilização <strong>do</strong> projeto de d.<br />
Pedro, inclusive em relação à questão financeira da emp<strong>rei</strong>tada<br />
que caminhava para um triste desfecho quanto apareceu o liberal<br />
espanhol Juan Mendizabel. Rico e firmemente engaja<strong>do</strong> na política<br />
europeia, ele abriu a própria bolsa e conseguiu apoio entre<br />
financistas liberais ingleses para a causa e pôs o projeto<br />
efetivamente em marcha. Felizmente, à tentativa de formação<br />
daquele exército de Brancaleone, não se opunham nem a França<br />
nem a Inglaterra e desta forma, a modesta armada de d. Pedro<br />
pôde ser formada em território francês, sob o silêncio britânico.<br />
Novamente em Paris, onde permaneceu cerca de seis meses, d.<br />
Pedro mergulhou nessa tarefa com ar<strong>do</strong>r. Mas também não<br />
deixou de aproveitar os encantos da cidade luz e da corte.<br />
Habituou-se aos teatros, livrarias e cafés. Ficou amigo <strong>do</strong> <strong>rei</strong> e era<br />
visto com freqüência cavalgan<strong>do</strong> ao seu la<strong>do</strong>. Mal sabiam eles que,<br />
poucos anos depois, seus filhos se casariam e que sua querida filha<br />
Chiquinha encantaria a corte francesa com sua morenice de<br />
mulher brasileira. Nesse <strong>do</strong>ce “far niente”, nosso duque de<br />
Bragança pegou uns quilinhos a mais como mostram os retratos<br />
da época. Mas assim que a pobre armada ficou pronta, partiu para<br />
a guerra com toda aquela disposição que lhe era inata. O marques<br />
de Fronteira assim descreveu a frota de d. Pedro: “Em frente de<br />
Belle-Isle estava ancorada a nossa famosa esquadra, composta de três velhos<br />
navios compra<strong>do</strong>s em Londres à Companhia das Índias, um vapor freta<strong>do</strong> e<br />
algumas embarcações de pequeno lote”.<br />
Mas mesmo concentra<strong>do</strong> naquela tarefa quixotesca, d.<br />
Pedro não se esquecia <strong>do</strong>s filhos e <strong>do</strong> Brasil. No dia 02 de<br />
dezembro de 1831, d. Pedro II completou seis anos de idade e ele,<br />
ainda em Paris, resolveu dar uma recepção em homenagem ao<br />
pequeno impera<strong>do</strong>r. O <strong>rei</strong> Luiz Felipe não compareceu mas<br />
191
man<strong>do</strong>u o seu ajudante de campo representá-lo. A ausência <strong>do</strong> <strong>rei</strong><br />
acabou sen<strong>do</strong> benéfica ao anfitrião pois, durante um brinde aos<br />
pequenos príncipes que tinham fica<strong>do</strong> no Brasil, d. Pedro<br />
emocionou-se e sentiu-se mal, sen<strong>do</strong> obriga<strong>do</strong> a aban<strong>do</strong>nar a<br />
mesa um tanto claudicante. Por obra <strong>do</strong> acaso o <strong>rei</strong> da França<br />
tinha si<strong>do</strong> poupa<strong>do</strong> de presenciar esse pequeno vexame<br />
sentimental. Talvez d. Pedro não quisesse mostrar-se emotivo<br />
diante de um <strong>do</strong>s homens mais poderosos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> no tempo<br />
em que precisava mostrar que tinha condições para invadir<br />
Portugal e destronar o irmão. 53 Mas era a lacerante saudade. Ele<br />
nunca soubera controlar seus sentimentos mais fortes. Foi assim<br />
naquele distante dia de festa em que, diante da marquesa de<br />
Santos, se lembrou da esposa defunta e teve que aban<strong>do</strong>nar a sala<br />
debaixo de convulsante enxurrada de lágrimas. E assim estava<br />
sen<strong>do</strong> agora, mesmo porque, ele sabia que jamais veria os filhos<br />
novamente e, ao contrário <strong>do</strong> caso da filha mais velha, ele jamais<br />
poderia ajudar o filho impera<strong>do</strong>r, sozinho no Brasil.<br />
Naquele dia ele escreveria ao filho:<br />
”Não posso de, por esse mo<strong>do</strong>, deixar, como bom brasileiro de felicitar-te pelo<br />
dia de hoje e não posso deixar de recomendar-te que estudes e te faças digno de<br />
um dia imperardes sobre o Brasil, minha pátria.”<br />
Em 11 de março de 1832, logo no início da expedição<br />
contra o irmão, escreveu novamente a d. Pedro II:<br />
“Espero que tu leias com atenção esta minha carta; nela verás o interesse que<br />
tomo por ti e pelo Brasil, que desejo ver bem governa<strong>do</strong> como brasileiro que sou<br />
53 De qualquer forma Luiz Felipe ficou saben<strong>do</strong> <strong>do</strong> mal e foi visitá-<br />
lo no dia seguinte.<br />
192
e muito amigo da minha pátria a<strong>do</strong>tiva, à qual pertence meu coração”.<br />
No dia 27 de abril de 1834, faltan<strong>do</strong> poucos dias para a<br />
rendição de d. Miguel e a retomada definitiva <strong>do</strong> trono português,<br />
d. Pedro man<strong>do</strong>u uma mensagem especialmente chorosa a to<strong>do</strong>s<br />
os seus filhos:<br />
“Que dia de luto e de tristeza é este para mim. Foi nesse dia que me vi<br />
obriga<strong>do</strong> de separar-me <strong>do</strong> Brasil e de vós! “Salvei a minha honra; evitei a<br />
guerra civil, é verdade, com isso deveria eu em parte, consolar; porém o amor<br />
que vos consagro e ao Brasil não permite que minha <strong>do</strong>r seja diminuída: a<br />
minha saudade se acha cada dia mais aumentada.”<br />
Morreria cinco meses depois. Morreu em sossego, ex-<strong>rei</strong><br />
de Portugal, ex-impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil, duque de Bragança, regente<br />
da gente lusa, herói e liberta<strong>do</strong>r constitucional.<br />
Em 12 de outubro de 1998 deveria ser comemoran<strong>do</strong> o<br />
bicentenário de seu nascimento, mas ninguém se lembrou disso.<br />
Quase um ano depois, alguém se deu conta <strong>do</strong> lamentável<br />
esquecimento e, em homenagem retardatária, o sena<strong>do</strong> brasileiro<br />
aprovou, singelamente, um projeto de lei, permitin<strong>do</strong> a inscrição<br />
<strong>do</strong> nome de d. Pedro no Livro <strong>do</strong>s Heróis da Pátria onde, entre<br />
patriotas verdadeiros, goza da companhia de muitos heróis<br />
duvi<strong>do</strong>sos, aos quais a pátria não deve nada.<br />
193
Cronologia básica<br />
13/05/1767 – Nasce d. João VI.<br />
25/04/1775 – Nasce d. Carlota Joaquina.<br />
24/02/1777 – D. Maria I assume o trono de Portugal.<br />
08/05/1785 – Casamento <strong>do</strong>s infantes d. João e d. Carlota<br />
Joaquina.<br />
25/05/1786 – Morre o <strong>rei</strong> consorte, d. Pedro III, pai de d.<br />
João.<br />
11/09/1788 – Morre d. José, irmão mais velho de d. João e<br />
ele se torna herdeiro <strong>do</strong> trono português.<br />
09/07/1789 – Início das sessões da assembleia constituinte<br />
francesa.<br />
14/07/1789 – Tomada da Bastilha.<br />
01/02/1792 - D. João assume o governo em nome da mãe,<br />
declarada demente.<br />
20/09/1792 – Fim da assembleia legislativa francesa.<br />
21/09/1792 – Instalada a Convenção que decreta a instituição<br />
<strong>do</strong> regime republicano na França.<br />
194
21/01/1793 – Execução de Luis XVI.<br />
29/04/1793 – Nasce a primeira filha de d. João e d. Carlota<br />
Joaquina: d. Maria Teresa, princesa da Beira.<br />
13/07/1793 – Assassinato de Marat.<br />
26/09/1793 – Portugal e Espanha aderem ao primeiro trata<strong>do</strong><br />
contra a França, assina<strong>do</strong> em Londres.<br />
05/04/1794 – Execução de Danton.<br />
29/04/1794 – Execução de Robespierre.<br />
09/03/1795 – Casamento de Napoleão e Josefina, futura avó<br />
de d. Amélia segunda esposa de d. Pedro I.<br />
1795 – A Espanha celebra acor<strong>do</strong> de paz em separa<strong>do</strong> com a<br />
França.<br />
22/01/1797 – Nasce d. Leopoldina, arquiduquesa da Áustria,<br />
futura primeira esposa de d. Pedro.<br />
27/12/1797 – Nasce Domitila de Castro Canto e Melo, a<br />
futura marquesa de Santos.<br />
1797 – Portugal assina acor<strong>do</strong> de paz com a França e é<br />
pressiona<strong>do</strong> a romper com a Inglaterra.<br />
12/10/1798 – Nasce o infante d. Pedro de Alcântara no<br />
Palácio de Queluz.<br />
195
15/07/1799 – D. João assume o título de Príncipe Regente,<br />
passan<strong>do</strong> a governar em seu próprio nome.<br />
09/10/1799 – Napoleão volta a França depois da campanha<br />
no Egito.<br />
10/11/1799 – Napoleão dá um golpe de esta<strong>do</strong>, destitui a<br />
Convenção e institui o Consula<strong>do</strong>.<br />
18/05/1801 – José Bonifácio de Andrada e Silva é nomea<strong>do</strong><br />
Intendente Geral das Minas e Metais <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no português.<br />
11/06/1801 – Morre d. Antônio, irmão mais velho de d.<br />
Pedro e ele passa a ser o Sereníssimo príncipe da Beira,<br />
herdeiro <strong>do</strong> trono.<br />
1801 – A Espanha, com apoio da França, invade Portugal e<br />
toma Olivença. D. João é obriga<strong>do</strong> a assinar o acor<strong>do</strong> de<br />
Badajoz.<br />
26/10/1802 – Nasce d. Miguel no Palácio de Queluz.<br />
1802 – Celebrada a Paz de Amiens.<br />
09/03/1803 – O embaixa<strong>do</strong>r Leannes exige que Portugal<br />
feche seus portos aos navios britânicos.<br />
03/06/1803 – D. João proclama uma declaração de<br />
neutralidade de Portugal, frente a um novo conflito que se<br />
anuncia entre França e Inglaterra.<br />
18/05/1804 – Napoleão é proclama<strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r.<br />
196
18/11/1084 – D. Pedro começa a ser educa<strong>do</strong> pelo dr. José<br />
Monteiro da Rocha, um velho mestre, ex-jesuita de setenta<br />
anos de idade.<br />
12/04/1805 – Junot assume a embaixada francesa em Lisboa.<br />
Logo depois exige que Portugal declare guerra à Inglaterra.<br />
Outubro 1805 – Junot entrega a representação diplomática em<br />
Portugal e volta aos campos de batalha.<br />
16/06/1806 – A Inglaterra decreta o bloqueio marítimo à<br />
França.<br />
21/11/1806 – Napoleão decreta o bloqueio continental à<br />
Inglaterra.<br />
22/07/1807 – Napoleão baixa um decreto extinguin<strong>do</strong> a casa<br />
de Bragança.<br />
27/07/1807 – Napoleão determina a concentração de tropas<br />
francesas em Bayonne.<br />
08/09/1807 – Napoleão intimida d. João a aban<strong>do</strong>nar a<br />
aliança com a Inglaterra e se aliar à França.<br />
17/10/1807 – Junot sai de Bayonne para Salamanca já se<br />
preparan<strong>do</strong> para a invasão de Portugal.<br />
10/10/1907 – Portugal declara aderir ao bloqueio decreta<strong>do</strong><br />
por Napoleão à Inglaterra.<br />
22/10/1807 – Assina<strong>do</strong> em Londres um acor<strong>do</strong> secreto pelo<br />
qual a Inglaterra se compromete a preservar o <strong>rei</strong>no<br />
Português, não obstante o príncipe regente ter concorda<strong>do</strong><br />
197
com a França em fechar os portos portugueses às naus<br />
inglesas.<br />
27/10/1807 – Assina<strong>do</strong> o Trata<strong>do</strong> de Fontainebleau pelo qual<br />
Napoleão demarca o <strong>rei</strong>no luso por conquistar e o distribui<br />
entre alia<strong>do</strong>s europeus.<br />
11/11/1807 – Chega à foz <strong>do</strong> Tejo uma esquadra britânica<br />
comandada por sir Sidney Smith disposta a bloquear o porto.<br />
19/11/1807 – Junot invade Portugal.<br />
22/11/1807 – O embaixa<strong>do</strong>r britânico em Lisboa exige uma<br />
decisão sobre o plano de fuga para o Brasil.<br />
29/11/1807 – A família real deixa Lisboa rumo ao Brasil.<br />
30/11/1807 – Junot entre em Lisboa.<br />
14/01/1808 – Chega ao Rio a notícia de que a família real<br />
tinha embarca<strong>do</strong> para o Brasil.<br />
22/01/1808 – D. João aporta na Bahia.<br />
28/01/1808 – Abertura <strong>do</strong>s portos brasileiros às nações<br />
amigas.<br />
01/02/1808 – A junta de regência nomeada por d. João é<br />
dissolvida por Junot.<br />
07/03/1808 – D. João chega ao Rio de Janeiro.<br />
198
19/03/1808 – O <strong>rei</strong> da Espanha Carlos IV é força<strong>do</strong> a abdicar<br />
em favor de seu filho Fernan<strong>do</strong> VII. Logo depois ambos são<br />
força<strong>do</strong>s a abdicar em favor <strong>do</strong> próprio Napoleão que passa a<br />
coroa a seu irmão José Bonaparte.<br />
27/04/1808 – Uma deputação portuguesa constituída pelos<br />
marqueses de Marialva, Penalva, Valença, Abrantes, Conde de<br />
Sabugosa, Visconde de Barbacena e outros vai a Bayonne<br />
prestar vassalagem a Napoleão. Seus membros são envia<strong>do</strong>s<br />
para a França onde ficam deti<strong>do</strong>s até 1814.<br />
10/06/1808 – O príncipe regente de Portugal declara guerra à<br />
França.<br />
19/06/1808 – Começam em Faro as ações de milícias<br />
portuguesas contra o exército francês.<br />
01/08/1808 – <strong>Os</strong> ingleses desembarcam em Lavos – Portugal<br />
- inician<strong>do</strong> o combate ao exército francês invasor. Na mesma<br />
data, força<strong>do</strong> pelos patriotas espanhóis, José Bonaparte deixa<br />
Madrid.<br />
30/08/1808 – Assinada a Convenção de Sintra estabelecen<strong>do</strong><br />
as condições para a retirada <strong>do</strong> exército francês de Portugal.<br />
Outubro/1808 – D. Carlota participa a d. João sua intenção<br />
de assumir o trono espanhol em Buenos Aires.<br />
04/12/1808 – Napoleão reconquista Madrid.<br />
02/01/1809 – D. João nomeia nova junta de governo para<br />
Portugal.<br />
199
04/03/1809 – Começa a segunda invasão francesa a Portugal<br />
com ações <strong>do</strong> general Soult tentan<strong>do</strong> cruzar o Minho.<br />
07/03/1809 – Beresford assume o controle militar de<br />
Portugal.<br />
22/03/1809 – Artur Wesley chega a Portugal para assumir o<br />
coman<strong>do</strong> das forças luso-britânicas.<br />
29/03/1809 – <strong>Os</strong> franceses, sob coman<strong>do</strong> <strong>do</strong> general Soult<br />
tomam a cidade <strong>do</strong> Porto onde permanecem até 12 de maio,<br />
retiran<strong>do</strong>-se em seguida.<br />
16/12/1809 – Napoleão se divorcia de Josefina.<br />
27/03/1810 – Napoleão se casa com a arquiduquesa da<br />
Áustria d. Maria Luisa irmã de d. Leopoldina futura esposa de<br />
d. Pedro I.<br />
28/08/1810 – <strong>Os</strong> franceses tomam a cidade de Almeida em<br />
Portugal. É a terceira invasão francesa.<br />
17/04/1811 – <strong>Os</strong> exércitos franceses comanda<strong>do</strong>s por<br />
Masséna deixam Portugal. Termina a terceira e última invasão.<br />
19/03/1812 – Promulga a constituição espanhola de Cádiz.<br />
26/05/1812 – Morre d. Pedro Carlos, sobrinho e genro de d.<br />
João VI.<br />
22/07/1812 – José Bonaparte aban<strong>do</strong>na Madrid novamente.<br />
200
24/03/1814 – Fernan<strong>do</strong> VII reassume o trono da Espanha.<br />
Logo em seguida repudia a constituição de Cádiz e prende os<br />
liberais espanhóis.<br />
06/04/1814 – Napoleão abdica e é deporta<strong>do</strong> para a ilha de<br />
Alba.<br />
04/06/1814 – Luis XVIII outorga a carta constitucional<br />
francesa.<br />
20/03/1815 – Napoleão escapa de Alba e retorna a Paris.<br />
08/04/1815 – Lord Strangford deixa o Brasil a pedi<strong>do</strong> de d.<br />
João.<br />
18/06/1815 – Derrota de Napoleão em Waterloo.<br />
26/09/1815 – Instituída a Santa Aliança.<br />
16/12/1815 – Instituí<strong>do</strong> o Reino Uni<strong>do</strong> de Portugal, Brasil e<br />
Algarves.<br />
20/03/1816 – Morre d. Maria I no Rio de Janeiro e d. João é<br />
proclama<strong>do</strong> <strong>rei</strong>.<br />
13/05/1816 – Desfile da tropa luso-brasileira em preparação<br />
para a campanha <strong>do</strong> Rio da Prata.<br />
28/09/1816 – O <strong>rei</strong> Fernan<strong>do</strong> VII da Espanha casa-se com<br />
sua sobrinha Maria Isabel, irmã de d. Pedro I.<br />
20/01/1017 – Lecor conquista Montevidéu.<br />
06/03/1817 – Estoura a revolta pernambucana.<br />
201
13/05/1817 – Realiza-se em Viena, por procuração, o<br />
casamento de d. Pedro com a arquiduquesa da Áustria d.<br />
Carolina Josefa Leopoldina.<br />
20/05/1917 – As forças reais retomam Recife e prendem a<br />
junta republicana.<br />
21/06/1817 – Morre o conde da Barca.<br />
05/11/1817 – A princesa Leopoldina chega ao Rio de Janeiro.<br />
03/12/1817 – Portugal adere à Santa Aliança.<br />
16/02/1818 – D. João VI é coroa<strong>do</strong> <strong>rei</strong>.<br />
04/04/1819 – Nasce d. Maria da Glória, primogênita de d.<br />
Pedro e d. Leopoldina e futura rainha de Portugal.<br />
01/01/1820 – Revolta liberal em Cádiz. É a<strong>do</strong>tada a<br />
constituição de 1812.<br />
02/05/1820 – Beresford embarca para o Brasil para dar<br />
notícias das agitações liberais em Portugal.<br />
24/08/1820 – Rompe na cidade <strong>do</strong> Porto a revolução<br />
constitucionalista portuguesa e é nomeada a junta provisória<br />
que deveria assumir o governo <strong>do</strong> país em nome de d. João<br />
VI.<br />
10/10/1820 – Beresford tenta desembarcar em Portugal de<br />
volta <strong>do</strong> Brasil, ainda ignorante <strong>do</strong> que sucedia. É impedi<strong>do</strong> e<br />
retorna à Inglaterra.<br />
202
12/10/1820 – Chegam ao Brasil as primeiras notícias sobre a<br />
revolução em Portugal.<br />
27/10/1820 – D. João VI emite carta régia autorizan<strong>do</strong> a<br />
convocação das Cortes em Portugal.<br />
23/12/1820 – o conde de Palmeia chega ao Rio trazen<strong>do</strong><br />
notícias da situação em Portugal.<br />
01/01/1821 – Instala-se no Pará uma junta governativa leal às<br />
Cortes Portuguesas.<br />
15/01/1821- As Cortes determinam a volta de d. João VI à<br />
Lisboa. O decreto só chegaria ao conhecimento <strong>do</strong> <strong>rei</strong> em 07<br />
de março.<br />
30/01/1821 – O ministério opina pelo retorno de d. Pedro a<br />
Portugal. Na mesma data as Cortes iniciam suas deliberações<br />
em Lisboa e decretam a nomeação <strong>do</strong>s membros da junta<br />
provisória <strong>do</strong> governo português.<br />
07/02/1821 – D. João comunica ao corpo diplomático o<br />
retorno de d. Pedro a Portugal.<br />
10/02/1821 – Cipriano Barata e alguns militares constituem<br />
uma junta provisória na Bahia.<br />
17/02/1821 – Chega ao Rio a notícia da instalação de um<br />
governo constitucional na Bahia, à exemplo <strong>do</strong> que tinha<br />
aconteci<strong>do</strong> no Pará.<br />
18/02/1821 – D. João VI assina decreto determinan<strong>do</strong> a<br />
convocação <strong>do</strong>s procura<strong>do</strong>res das câmaras para formar um<br />
conselho para examinar as condições de aplicabilidade da<br />
203
constituição portuguesa ao Brasil e <strong>do</strong> retorno de d. Pedro a<br />
Portugal. Determinava também a formação de uma comissão<br />
para elaborar as propostas a serem submetidas ao conselho. O<br />
decreto só foi divulga<strong>do</strong> no dia 23 de feve<strong>rei</strong>ro<br />
simultaneamente a carta de nomeação <strong>do</strong>s membros da<br />
comissão.<br />
26/02/1821 – Contingentes militares estacionam na praça <strong>do</strong><br />
teatro e pressionam d. João a jurar a constituição que se ia<br />
fazer em Portugal e nomear novo gabinete com Silvestre<br />
Pinheiro Fer<strong>rei</strong>ra à frente.<br />
07/03/1821 – D. João assina decreto formalizan<strong>do</strong> sua<br />
intenção de retornar a Portugal deixan<strong>do</strong> d. Pedro como<br />
regente no Brasil. Na mesma data assina a convocação da<br />
eleição <strong>do</strong>s deputa<strong>do</strong>s brasileiros à assembléia constituinte<br />
portuguesa.<br />
10/03/1821 – Juradas as bases da constituição pelas Cortes de<br />
Lisboa.<br />
23/03/1821 – O governa<strong>do</strong>r de São Paulo João Carlos de<br />
Oeynhausen publica decreto aderin<strong>do</strong> ao regime<br />
constitucional e determina a eleição da junta provisória.<br />
27/03/1821 – <strong>Os</strong> representantes da junta provisória <strong>do</strong> Pará<br />
se apresentam no recinto das Cortes em Lisboa. Um deputa<strong>do</strong><br />
português propõe que o Pará seja reconheci<strong>do</strong> como<br />
província portuguesa.<br />
31/03/1821 Luiz <strong>do</strong> Rego Barreto constitui a junta provisória<br />
de Pernambuco.<br />
204
18/04/1821 – Decreto das Cortes reconhecen<strong>do</strong> as juntas<br />
provisórias criadas no Brasil.<br />
21/04/1821 - Uma assembleia - reunida na Praça <strong>do</strong><br />
Comércio <strong>do</strong> Rio de Janeiro para eleger o eleitores paroquiais<br />
que elegeriam os eleitores <strong>do</strong>s representes <strong>do</strong> Rio de Janeiro às<br />
Corte de Lisboa - decide obrigar d João a a<strong>do</strong>tar a<br />
constituição espanhola. Sob pressão ele baixa um decreto<br />
atenden<strong>do</strong> a imposição. Em seguida a assembleia é dissolvida<br />
e o decreto é anula<strong>do</strong>.<br />
22/04/1821 – Ratifican<strong>do</strong> <strong>do</strong> decreto de 07 de março, D.<br />
João baixa instruções sobre a regência de d. Pedro e seu<br />
retorno a Portugal.<br />
24/04/1921 – D. João embarca para Portugal.<br />
29/04/1821 – D. Pedro baixa decreto reduzin<strong>do</strong> impostos e<br />
estabelecen<strong>do</strong> di<strong>rei</strong>tos civis aos cidadãos.<br />
15/05/1821 – Início da eleição <strong>do</strong>s deputa<strong>do</strong>s brasileiros às<br />
Cortes de Lisboa.<br />
05/06/1821 – Revolta militar da “Divisão Auxilia<strong>do</strong>ra” com o<br />
general Jorge Avilez à frente. A tropa pressiona d. Pedro para<br />
jurar as bases da constituição portuguesa, demitir o conde <strong>do</strong>s<br />
Arcos e demais ministros e nomear uma junta governativa<br />
para fiscalizar o governo.<br />
23/06/1821 – Estabelecida a junta provisória de São Paulo<br />
com José Bonifácio de Andrada e Silva como vice-presidente.<br />
205
03/07/1821 – D. João VI aporta em Lisboa de volta <strong>do</strong><br />
Brasil.<br />
21/07/1821 – Luís <strong>do</strong> Rego Barreto sofre um atenta<strong>do</strong> em<br />
Recife.<br />
29/08/1821 – É a vez de Pernambuco nomear a sua junta<br />
provisória constitucionalista sen<strong>do</strong> eleito o próprio<br />
governa<strong>do</strong>r Luis <strong>do</strong> Rego.<br />
16/09/1821 – Um movimento de tropas sob liderança <strong>do</strong><br />
sargento-mor José Maria Pinto Peixoto instala a junta<br />
provisória de Minas Gerais.<br />
19/09/1821 – Termina a eleição <strong>do</strong>s deputa<strong>do</strong>s mineiros às<br />
Cortes de Lisboa.<br />
29/09/1821 – Através de <strong>do</strong>is decretos as Cortes determinam<br />
o retorno de d. Pedro, a extinção <strong>do</strong>s tribunais cria<strong>do</strong>s por d.<br />
João no Brasil e a criação de juntas provisórias em cada<br />
província. As tropas ficariam submetidas a um governa<strong>do</strong>r de<br />
armas. As províncias <strong>do</strong> Brasil se tornam autônomas,<br />
submetidas diretamente às Cortes de Lisboa,<br />
09/11/1821 – <strong>Os</strong> deputa<strong>do</strong>s paulistas às Cortes se avistam<br />
com d. Pedro antes da partida para Lisboa.<br />
09/12/1821 – Chegam ao Rio os decretos das Cortes de vinte<br />
e nove de setembro.<br />
10/12/1821 – D. Pedro escreve ao pai dizen<strong>do</strong> que vai<br />
cumprir os decretos de 29 de setembro.<br />
206
24/12/1821 – José Bonifácio escreve a d. Pedro critican<strong>do</strong> os<br />
decretos de 29 de setembro.<br />
09/01/1822 – Dia <strong>do</strong> “Fico”.<br />
11/01/1822 – A “Divisão Auxilia<strong>do</strong>ra” portuguesa se rebela<br />
contra d. Pedro, ocupa o morro <strong>do</strong> Castelo sob o coman<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
general Avilez. O povo mostra disposição de resistir no<br />
campo de Santana. A tropa desiste de uma ação militar e se<br />
retira para a Praia Grande (Niterói).<br />
11/01/1822 – D. Pedro escreve à junta de Minas pedin<strong>do</strong> o<br />
envio de tropas para o Rio de Janeiro.<br />
18/01/1822 – José Bonifácio chega ao Rio de Janeiro para<br />
assumir o ministério.<br />
22/01/1822 – <strong>Os</strong> deputa<strong>do</strong>s mineiros eleitos para as Cortes<br />
consultam d. Pedro e desistem de embarcar para Portugal.<br />
30/01/1822 – Expedidas instruções às juntas no senti<strong>do</strong> que<br />
toda decisão das Cortes só teriam validade após ratificação de<br />
d. Pedro.<br />
31/01/1822 – Eleita a nova junta da Bahia, ten<strong>do</strong> o brigadeiro<br />
Manuel Pedro da Silva Guimarães como governa<strong>do</strong>r de armas.<br />
04/02/1822 – Morre d. João Carlos filho mais velho de d.<br />
Pedro I.<br />
15/02/1822 – D. Pedro obriga a Divisão Auxilia<strong>do</strong>ra a se<br />
retirar para a Europa.<br />
207
16/02/1822 – D. Pedro cria o conselho de procura<strong>do</strong>res das<br />
províncias para analisar a adaptação das decisões das Cortes à<br />
realidade <strong>do</strong> Brasil.<br />
16/02/1822 – A junta da Bahia toma conhecimento de que o<br />
general Inácio Luiz Madeira de Melo havia si<strong>do</strong> nomea<strong>do</strong> por<br />
Lisboa para o governo das armas.<br />
17/02/1822 – Expedida portaria ao governo de Pernambuco<br />
determina<strong>do</strong> que caso ali aportassem tropas portuguesas que<br />
as intimassem a retornar à Europa.<br />
05/03/1822 – Chega ao Rio uma esquadra portuguesa com a<br />
missão de levar d. Pedro para Portugal mas é impedi<strong>do</strong> o seu<br />
desembarque, retornan<strong>do</strong> no dia 24.<br />
25/03/1822 – D. Pedro inicia sua primeira viagem a Minas.<br />
13/04/1822 – D. Pedro manda proceder à eleição de uma<br />
nova junta de governo em Minas.<br />
Maio de 1822 – A Deputação <strong>do</strong> Ceará, de tendência liberal,<br />
se incorpora aos debates das Cortes.<br />
13/05/1822 – D. Pedro é aclama<strong>do</strong> “Defensor Perpétuo <strong>do</strong><br />
Brasil”.<br />
23/05/1822 – O general Avilez comunica às Cortes seu<br />
retorno a Portugal.<br />
23/05/1822 – Eleita a segunda junta provisória da província<br />
de Minas Gerais<br />
208
28/05/1822 – José Bonifácio é eleito grão-mestre <strong>do</strong> “Grande<br />
Oriente <strong>do</strong> Brasil”<br />
01/06/1822 – D. Pedro manda instalar o conselho de<br />
procura<strong>do</strong>res começan<strong>do</strong> pelos representantes <strong>do</strong> Rio de<br />
Janeiro até que os demais representan<strong>do</strong> as províncias<br />
pudessem estar presentes.<br />
02/06/1822 – José Bonifácio funda a loja maçônica “O<br />
Apostola<strong>do</strong> depois de aban<strong>do</strong>nar o “Grande Oriente”. D.<br />
Pedro comparece à sessão e jura defender a independência <strong>do</strong><br />
Brasil.<br />
03/06/1822 – D. Pedro baixa decreto estabelecen<strong>do</strong> a<br />
convocação da Assembleia Brasílica Constituinte e Legislativa<br />
a requerimento <strong>do</strong> conselho de procura<strong>do</strong>res das províncias,<br />
com a função de adaptar as decisões das Cortes as<br />
peculiaridades <strong>do</strong> Brasil.<br />
10/06/1822 – D. Pedro escreve a d. Miguel pedin<strong>do</strong> que ele<br />
volte ao Brasil e se case no futuro com d. Maria.<br />
15/06/1822 – D. Pedro manda um ultimato ao general<br />
Madeira de Melo exortan<strong>do</strong>-o a deixar o Brasil.<br />
17/06/1822 – A comissão constitucional apresenta o<br />
resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu trabalho. Propunha a manutenção <strong>do</strong> vínculo<br />
com Portugal, porém com governo independente e uma<br />
assembleia dual para cuidar de interesses comuns <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is<br />
<strong>rei</strong>nos.<br />
209
01/07/1822 – As Cortes anulam o decreto de convocação <strong>do</strong><br />
conselho de procura<strong>do</strong>res e determinam que d. Pedro<br />
permaneça no Rio de Janeiro até a publicação da constituição<br />
portuguesa, governan<strong>do</strong> sob sujeição às Cortes e ao <strong>rei</strong>, sen<strong>do</strong><br />
os ministros nomea<strong>do</strong>s pelo <strong>rei</strong>. Determinam ainda que nas<br />
províncias onde não houvessem si<strong>do</strong> eleitas juntas as eleições<br />
se fizessem já.<br />
26/07/1822 – D. Pedro manda carta a seu pai dizen<strong>do</strong> de sua<br />
disposição de não mais cumprir os decretos das Cortes e sim<br />
as determinações da assembleia brasileira.<br />
1/08/1822 – D. Pedro baixa decreto consideran<strong>do</strong> inimigas<br />
quaisquer tropas portuguesas que desembarcassem no Brasil<br />
sem sua autorização.<br />
12/08/1822 – São nomea<strong>do</strong>s embaixa<strong>do</strong>res brasileiros para<br />
atuar em Londres, Paris e Washington.<br />
14/08/1822 – D. Pedro parte para São Paulo com o intuito de<br />
pacificar as dissidências da junta de governo.<br />
07/09/1822 – Proclamação da independência <strong>do</strong> Brasil.<br />
19/09/1822 – As Cortes de Lisboa, ainda ignorantes da<br />
proclamação da independência, emitem um decreto anulan<strong>do</strong><br />
a convocação da assembleia constituinte brasileira,<br />
determinan<strong>do</strong> que d. Pedro seja substituí<strong>do</strong> por uma regência<br />
a ser instalada em Lisboa e que se ele não voltasse para<br />
Portugal em trinta dias seria excluí<strong>do</strong> <strong>do</strong> di<strong>rei</strong>to ao trono<br />
português.<br />
210
30/09/1822 – As Cortes juram a nova constituição<br />
portuguesa.<br />
01/10/1822 – D. João VI e d. Miguel juram a constituição<br />
portuguesa.<br />
07/10/1822 – D. Pedro aceita o convite para se tornar o grãomestre<br />
da maçonaria.<br />
12/10/1822 – Aclamação de d. Pedro como Impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />
Brasil.<br />
21/10/1822 – Fechadas as lojas maçônicas sob suspeita de<br />
estarem instigan<strong>do</strong> um movimento republicano. Poucos dias<br />
depois são reabertas.<br />
27/10/1822 – José Bonifácio pede demissão em decorrência<br />
da reabertura das lojas maçônicas.<br />
30/10/1822 – José Bonifácio é <strong>rei</strong>ntegra<strong>do</strong> ao ministério e são<br />
emitidas ordens de prisão para os líderes maçônicos José<br />
Clemente e Gonçalves Le<strong>do</strong>, entre outros.<br />
04/11/1822 – As Cortes de Lisboa encerram seus trabalhos<br />
constitucionais depois de passarem por grande desgaste com<br />
os acontecimentos no Brasil e passam a se ocupar de trabalhos<br />
legislativos.<br />
01/12/1822 – Coroação de d. Pedro.<br />
13/03/1823 – Lord Cochrane chega ao Rio para negociar seus<br />
serviços à marinha de d. Pedro I, depois de pedir demissão<br />
como almirante da marinha chilena.<br />
211
01/04/1823 – Chega à Bahia um contingente militar<br />
português para garantir a resistência <strong>do</strong> general Madeira.<br />
03/05/1823 – Instala-se a assembleia constituinte para<br />
elaborar a primeira constituição <strong>do</strong> Brasil. Na mesma data a<br />
esquadra de lord Cochrane parte <strong>do</strong> Rio para combater os<br />
portugueses na Bahia<br />
29/05/1823 – D. Miguel proclama inválida a constituição<br />
elaborada pelas cortes portuguesas em 1822.<br />
31/05/1823 – Um levante militar em Lisboa a favor de d.<br />
João VI permite que ele assine um decreto abolin<strong>do</strong> a<br />
constituição de 1822 (Vilafrancada).<br />
02/06/1823 – As Cortes se reúnem pela última vez e se<br />
autodissolvem.<br />
03/07/1823 – O almirante Cochrane obriga os navios<br />
portugueses a deixarem o porto de Salva<strong>do</strong>r onde resistiam à<br />
proclamação da independência, sen<strong>do</strong> persegui<strong>do</strong>s até a<br />
embocadura <strong>do</strong> Tejo com algumas perdas.<br />
15/07/1823 – D. Pedro participa a José Bonifácio que irá<br />
assinar alguns decretos anistian<strong>do</strong> vários inimigos <strong>do</strong>s<br />
Andradas.<br />
16/07/1823 – D. Pedro fecha a sede <strong>do</strong> “O Apostola<strong>do</strong>” e<br />
confisca a <strong>do</strong>cumentação lá encontrada.<br />
17/07/1823 – Demissão <strong>do</strong>s Andradas <strong>do</strong> ministério.<br />
212
20/09/1823 – Cochrane deixa o Maranhão depois de subjugar<br />
focos de resistência portuguesa.<br />
12/11/1823 – D. Pedro dissolve a assembleia constituinte e<br />
prende os Andradas.<br />
13/11/1823 – Nomeada a comissão encarregada de elaborar a<br />
constituição encomendada por d. Pedro.<br />
20/12/1823 – <strong>Os</strong> Andradas são deporta<strong>do</strong>s para Europa.<br />
25/03/1824 – D. Pedro outorga a primeira constituição<br />
brasileira.<br />
Final de março/1824 – O capitão John Taylor vai a<br />
Pernambuco para garantir a posse <strong>do</strong> presidente da província<br />
nomea<strong>do</strong> por d. Pedro.<br />
30/04/1824 – D. Miguel lidera movimento contra d. João VI<br />
e chega a obrigá-lo a se refugiar numa embarcação fundeada<br />
no Tejo, mas o movimento não vinga e d. Miguel deixa o país<br />
(abrilada).<br />
23/05/1824 – Nasce Isabel a primeira filha de d. Pedro com<br />
Domitila de Castro.<br />
02/07/1824 – O capitão Taylor deixa Recife e Manuel de<br />
Carvalho Pais de Andrade proclama a república<br />
(Confederação <strong>do</strong> Equa<strong>do</strong>r).<br />
12/07/1824 – Começam negociações de representantes<br />
brasileiros e portugueses em Londres para acerto de condições<br />
amistosas entre Brasil e Portugal, sem sucesso.<br />
213
01/08/1824 – Lorde Cochrane sai <strong>do</strong> Rio para sufocar a<br />
revolta de Pernambuco, mas não consegue bombardear a<br />
cidade por dificuldades de manobras navais, retiran<strong>do</strong>-se para<br />
a Bahia.<br />
11/09/1824 – O general Francisco de Lima e Silva (pai <strong>do</strong><br />
Duque de Caxias) que tinha se dirigi<strong>do</strong> para Recife por terra<br />
toma o palácio <strong>do</strong> governo, Pais de Andrade se refugia numa<br />
corveta inglesa e propõe termos de rendição que não são<br />
aceitos.<br />
17/09/1824 – Com a fuga de Pais de Andrade as forças<br />
imperiais invadem Recife e <strong>do</strong>minam a cidade fazen<strong>do</strong><br />
quatrocentos prisioneiros.<br />
17/10/1824 – Depois da entrada de Cochrane em Fortaleza é<br />
sufocada a rebelião no interior <strong>do</strong> Ceará e termina a rebelião<br />
daquela província que havia aderi<strong>do</strong> ao movimento<br />
republicano de Pernambuco.<br />
13/01/1825 – Execução de f<strong>rei</strong> Caneca.<br />
04/02/1825 – Viagem d. Pedro à Bahia acompanha<strong>do</strong> da<br />
Imperatriz e Domitila.<br />
30/03/1825 – Começam as negociações <strong>do</strong>s termos de<br />
reconhecimento da independência entre Brasil e Portugal com<br />
intermediação de sir Charles Stuart.<br />
04/04/1825 – Domitila passa a primeira dama da imperatriz.<br />
214
20/05/1825 – Depois de requisitar mais de 100 contos de <strong>rei</strong>s<br />
da fazenda <strong>do</strong> Maranhão onde tinha i<strong>do</strong> pacificar dissidências,<br />
Lord Cochrane volta para a Inglaterra por conta própria<br />
arrancan<strong>do</strong> discretos protestos da corte.<br />
29/08/1825 – Assina<strong>do</strong> o acor<strong>do</strong> de reconhecimento da<br />
independência por parte de Portugal.<br />
25/11/1825 – D. João ratifica o trata<strong>do</strong> em que Portugal<br />
reconhece oficialmente a independência <strong>do</strong> Brasil.<br />
02/12/1825 – Nasce d. Pedro II.<br />
03/12/1825 – O Brasil declara guerra a Buenos Aires e no dia<br />
21 <strong>do</strong> mesmo mês estabelece um bloqueio ao porto <strong>do</strong> Rio da<br />
Prata.<br />
06/03/1826 – Sentin<strong>do</strong>-se <strong>do</strong>ente e pressenti<strong>do</strong> a morte<br />
próxima d. João VI nomeia regente a sua filha a infanta d.<br />
Isabel Maria até que a questão da sucessão seja esclarecida.<br />
10/03/1826 – Morre d. João VI e pouco depois d. Pedro é<br />
aclama<strong>do</strong> <strong>rei</strong> de Portugal com o título de d. Pedro IV.<br />
26/04/1826 – D. Pedro IV confirma a regência de sua irmã d.<br />
Isabel Maria.<br />
29/04/1826 – D. Pedro outorga a carta constitucional<br />
portuguesa.<br />
02/05/1826 – D. Pedro abdica em favor da filha d. Maria da<br />
Glória e propõe um acor<strong>do</strong> com d. Miguel em que ele seria<br />
215
egente até a maioridade da filha, desde que ele se casasse com<br />
ela.<br />
03/05/1826 – Instala-se a primeira legislatura brasileira.<br />
31/05/1826 – É jurada a carta constitucional outorgada por d.<br />
Pedro.<br />
04/10/1826 – D. Miguel jura a constituição de d. Pedro.<br />
12/10/1826 – Domitila de Castro vira marquesa de Santos.<br />
29/10/1826 – Casamento de d. Miguel e d. Maria II.<br />
12/11/1826 – D. Pedro embarca para o Sul para acompanhar<br />
a campanha de Buenos Aires.<br />
11/12/1826 – Morre a imperatriz d. Leopoldina enquanto d.<br />
Pedro estava ausente em viagem ao sul <strong>do</strong> Brasil.<br />
15/01/1827 – D. Pedro desembarca no Rio de volta <strong>do</strong> sul.<br />
03/07/1827 – D. Miguel é nomea<strong>do</strong> regente por d. Pedro.<br />
19/08/1827 – Barbacena parte para a Europa em busca de<br />
uma segunda esposa para d. Pedro.<br />
21/12/1827 – Evaristo da Veiga lança o jornal “Aurora<br />
Fluminense”.<br />
22/02/1828 – D. Miguel desembarca em Lisboa.<br />
216
26/02/1828 – D. Miguel jura oficialmente a carta<br />
constitucional de d. Pedro.<br />
26/02/1828 – D. Miguel assume a regência efetivamente em<br />
lugar de d. Isabel Maria.<br />
03/03/1828 – D. Pedro escreve a d. Miguel informan<strong>do</strong> que<br />
tinha confirma<strong>do</strong> a abdicação em favor de d. Maria II.<br />
25/04/1828 – D. Miguel é proclama<strong>do</strong> <strong>rei</strong> por autoridades de<br />
Coimbra.<br />
03/05/1828 – D. Miguel convoca a assembleia <strong>do</strong>s três<br />
esta<strong>do</strong>s.<br />
03/05/1828 – Instalada a assembleia legislativa brasileira. D.<br />
Pedro confirma a abdicação <strong>do</strong> trono de Portugal em favor da<br />
filha.<br />
23/06/1828 – D. Miguel abre a assembleia <strong>do</strong>s três esta<strong>do</strong>s.<br />
25/06/1828 – D. Miguel é reconheci<strong>do</strong> <strong>rei</strong> pela assembleia.<br />
27/06/1828 – A marquesa de Santos embarca para São Paulo<br />
a man<strong>do</strong> de d. Pedro.<br />
05/07/1828 – D. Maria II é enviada para Viena.<br />
19/07/1828 – D. Miguel dissolve a assembleia portuguesa.<br />
28/08/1828 – Assina<strong>do</strong> o trata<strong>do</strong> de paz pon<strong>do</strong> fim a guerra<br />
<strong>do</strong> sul.<br />
217
16/01/1829 – O conde de Saldanha é impedi<strong>do</strong> pelos ingleses<br />
de desembarcar na ilha Terceira.<br />
29/04/1829 – A marquesa de Santos retorna ao Rio de<br />
Janeiro.<br />
03/05/1829 – Instala-se mais uma assembleia legislativa<br />
brasileira.<br />
15/06/1829 – D. Pedro decreta a regência provisória da Ilha<br />
Terceira com Palmela à frente.<br />
24/07/1829 – D. Pedro recebe o contrato nupcial de seu<br />
casamento com d. Amélia Augusta Eugênia Napoleona de<br />
Leuchtemberg, de 17 anos.<br />
11/08/1829 – <strong>Os</strong> miguelistas tentam ocupar a ilha Terceira.<br />
24/08/1829 – A marquesa de Santos volta em definitivo para<br />
São Paulo sob pressão de d. Pedro.<br />
Outubro 1829 – Barbacena chega ao Rio trazen<strong>do</strong> d. Amélia e<br />
d. Maria II.<br />
14/12/1829 – Nomea<strong>do</strong> o ministério Barbacena.<br />
07/01/1830 – Morre d. Carlota Joaquina.<br />
28/02/1830 – Nasce a última filha de d. Pedro com a<br />
marquesa de Santos (Isabel Maria).<br />
29/12/1830 – Viagem de d. Pedro I a Minas.<br />
218
11/03/1831 – D. Pedro retorna da viagem a Minas.<br />
13/03/1831 – Noite das Garrafadas.<br />
07/04/1831 – D. Pedro abdica em favor <strong>do</strong> filho d. Pedro e<br />
parte para a Europa (Inglaterra e França) para restaurar o<br />
trono de d. Maria da Glória usurpa<strong>do</strong> por d. Miguel.<br />
13/04/1831 – D. Pedro parte para a Europa a bor<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
Volage.<br />
10/06/1831 – Desembarca em Cherburgo na França.<br />
26/06/1831 – Chega a Londres onde fica por um mês sen<strong>do</strong><br />
convida<strong>do</strong> pelo <strong>rei</strong> Guilherme IV para várias solenidades.<br />
27/06/1831 – Chega a Paris.<br />
01/12/1831 – Nasce a filha de d. Pedro com d. Amélia.<br />
10/02/1832 – D. Pedro parte para o Açores à frente <strong>do</strong><br />
exército constitucionalista.<br />
08/07/1832 – D. Pedro desembarca na Enseada de<br />
Pampeli<strong>do</strong> em Portugal, em seguida ocupa a cidade <strong>do</strong> Porto.<br />
08/11/1832 – Vila Flor é nomea<strong>do</strong> duque da Terceira.<br />
28/01/1833 – O general Saldanha chega ao Porto e é<br />
encarrega<strong>do</strong> da defesa da cidade.<br />
01/06/1833 - O Almirante Napier assume as forças navais de<br />
d. Pedro.<br />
219
24/06/1833 – As forças de d. Pedro desembarcam no<br />
Algarve.<br />
05/07/1833 – Napier bate a armada de d. Miguel e parte para<br />
bloquear Lisboa onde chega a 24 de julho.<br />
17/07/1833 – O duque da Terceira parte para Lisboa.<br />
24/07/1833 – As forças <strong>do</strong> duque da Terceira tomam Lisboa.<br />
28/07/1833 – D. Pedro entra em Lisboa.<br />
09/08/1833 – O governo britânico reconhece o trono de d.<br />
Maria II.<br />
18/08/1833 – Saldanha levanta o cerco <strong>do</strong> Porto.<br />
05/09/1833 – Bourmont, a serviço de d. Miguel, deixa o<br />
Porto e tenta retomar Lisboa.<br />
22/09/1833 – D. Amélia e d. Maria II chegam a Lisboa.<br />
10/10/1833 – Luis Felipe da França segue o exemplo da<br />
Inglaterra e reconhece d. Maria II como legítima herdeira <strong>do</strong><br />
trono português.<br />
10/10/1833 – <strong>Os</strong> miguelistas aban<strong>do</strong>nam o cerco de Lisboa e<br />
vão para Santarém.<br />
16/05/1834 – O duque da Terceira vence a Batalha de<br />
Asseiceira, última contenda da guerra civil portuguesa.<br />
220
18/05/1834 – D. Pedro e o general Saldanha entram em<br />
Santarém obrigan<strong>do</strong> d. Miguel a fugir para Évora.<br />
26/05/1834 – D. Miguel capitula em Évora e é destituí<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
trono. (Convenção de Évora-Monte).<br />
01/06/1834 – D. Miguel deixa Portugal para um exílio<br />
definitivo.<br />
31/08/1834 – D. Pedro assume como regente em nome de<br />
sua filha.<br />
19/09/1834 – Decretada a maioridade de d. Maria II.<br />
20/09/1834 – D. Pedro é condecora<strong>do</strong> com a grão-cruz da<br />
ordem da Torre e da Espada.<br />
24/09/1834 – Morre d. Pedro de tuberculose e complicações<br />
diversas, pouco antes de completar trinta e seis anos de idade.<br />
15/11/1853 – Morre d. Maria II, de parto aos trinta e quatro<br />
anos.<br />
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