Dispnéia e Grasnidos
Dispnéia e Grasnidos
Dispnéia e Grasnidos
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>Dispnéia</strong> e <strong>Grasnidos</strong><br />
Carlos AC Pereira<br />
Diretor do Serviço de Doenças Respiratórias do HSPE-SP; Doutor em Pneumologia;<br />
Presidente da comissão de Doenças Intersticiais da SBPT.<br />
Pedro Cezar Fagundes<br />
Especialista em Pneumologia, Barra Mansa, RJ.<br />
Ester NA Coletta<br />
Docente de Patologia-UNIFESP-EPM<br />
Médica do Serviço de Patologia do HSPE-SP<br />
Caso<br />
• 67 anos, fem, br ex-fumante há 20 anos (fumava 1-2 cigarros ao dia).<br />
• <strong>Dispnéia</strong> com necessidade de encher os pulmões e aos grandes esforços há 3<br />
meses.<br />
• Asma na infância.<br />
• Mofo no quarto.<br />
• <strong>Grasnidos</strong> na face anterior e bases posteriormente, bilaterais.<br />
• Radiografia de tórax PA e perfil normal.<br />
• Alguns cortes da TCAR são mostrados na figura abaixo.<br />
• Os cortes foram considerados normais.<br />
<strong>Grasnidos</strong> são ouvidos em que doença mais frequentemente?
A) Asma<br />
B) Bronquiectasias<br />
C) Fibrose pulmonar idiopática<br />
D) Pneumonia de hipersensibilidade<br />
E) BOOP<br />
<strong>Grasnidos</strong> ou grasnados (“voz das aves”,em inglês squawks) são sons musicais breves<br />
que aparecem do meio para o fim da inspiração, e que se encontram tipicamente em<br />
pacientes com doença pulmonar intersticial, sobretudo na pneumonia de<br />
hipersensibilidade. Podem ser acompanhado de estertores. <strong>Grasnidos</strong> provavelmente<br />
resultam da oscilação de paredes de vias aéreas desembocando em zonas pulmonares<br />
desinsufladas que, ao invés de se abrirem instantaneamente ao final da inspiração,<br />
permanecem em aposição por um momento breve, mas suficientemente longo para<br />
oscilarem sob a ação do fluxo aéreo inspiratório (1). <strong>Grasnidos</strong> refletem, portanto<br />
bronquiolite associada à doença intersticial, o que é uma combinação comum na<br />
pneumonia de hipersensibilidade. Tem sido observado mais raramente em outras doenças<br />
intersticiais, como na FPI, BOOP, e em bronquiectasias (2). Foram denominados de<br />
maneira inapropriada de sibilos curtos (1), porém sibilo é definido com um som musical<br />
contínuo, com duração acima de 250 ms, o que não ocorre com os grasnidos.<br />
O teste de função pulmonar, com medida dos volumes pulmonares e da resistência das vias<br />
aéreas obtidos por pletismografia, é mostrado abaixo. Não houve mudança após a<br />
administração de broncodilatador.<br />
Dado Encontrado Previsto %<br />
CVF 2,31 2,47 94<br />
VEF1 2,01 1,91 105<br />
VEF1/CVF 87 78 111<br />
VR 1,98 1,37 145<br />
CPT 4,30 4,39 98<br />
DCO 25,7 32,1 111<br />
GVA/Vp 0,19 >0,11<br />
SpO2 rep/Ex 100/98<br />
O teste de função pulmonar mostra:<br />
A) Valores situados na faixa de referência<br />
B) Distúrbio ventilatório obstrutivo<br />
C) Elevação isolada do volume residual
D) Distúrbio ventilatório restritivo<br />
E) Condutância elevada das vias aéreas<br />
O teste de função pulmonar mostra que a relação VEF1/CVF está situada na faixa prevista.<br />
A condutância das vias aéreas é o inverso da resistência; quando corrigida para o volume<br />
pulmonar é denominada condutância específica das vias aéreas, tendo o símbolo em<br />
português sido padronizado como GVA/Vp. Valores ≥0,12 L/s/cmH20 são considerados<br />
normais. Valores elevados (acima de 0,40), à semelhança dos fluxos corrigidos supranormais,<br />
podem ser observados em doenças pulmonares intersticiais, onde a retração<br />
elástica é elevada e a resistência das vias aéreas é reduzida, pela presença de<br />
bronquiectasias de tração. No presente caso, as relações VEF1/CVF e a GVA/Vp<br />
situavam-se na faixa prevista. Isto, entretanto, não é suficiente para excluir obstrução ao<br />
fluxo aéreo (3,4).<br />
A CPT encontra-se na faixa prevista, excluindo distúrbio restritivo.<br />
O volume residual encontra-se elevado. Os valores previstos encontram-se entre 70-130%<br />
dos valores previstos. O aprisionamento de ar, por fechamento de vias aéreas periféricas,<br />
com elevação do volume residual, de maneira isolada, pode ser manifestação de doença de<br />
pequenas vias aéreas (3,4). Em outros casos, a CVF e o VEF1 são proporcionalmente<br />
reduzidos, levando à falsa interpretação na espirometria de distúrbio restritivo. Esta<br />
situação é mais comumente observada em portadores de asma ou DPOC, obesos, situação<br />
em que a baixa complacência da caixa torácica, impede ou limita a expansão dos pulmões,<br />
mesmo com aprisionamento de ar.<br />
Eventualmente, este achado poderia indicar fraqueza dos músculos expiratórios, com<br />
incapacidade para esvaziamento do sistema respiratório até baixos volumes pulmonares.<br />
Obstrução de vias aéreas periféricas resulta em resistência (e, portanto, condutância)<br />
normal das vias aéreas, desde que a contribuição das pequenas vias aéreas para a medida<br />
da resistência total é de apenas 10-20%.<br />
Os cortes tomográficos obtidos em expiração são mostrados abaixo.<br />
Qual o diagnóstico mais provável para o caso:
A) Bronquiolite constritiva<br />
B) Bronquiolite folicular<br />
C) Pneumonia de hipersensibilidade<br />
D) Embolia pulmonar crônica<br />
E) Asma com obstrução periférica<br />
A presença de aprisionamento de ar na TC expirada aponta para doença de vias aéreas<br />
periféricas.<br />
A extensão do aprisionamento de ar na TC expirada para ser considerada anormal é<br />
discutida, especialmente em fumantes, onde doença de pequenas vias aéreas é comum. O<br />
encontro, entretanto, de elevação do volume residual, indica que o aprisionamento de ar é<br />
anormal. <strong>Dispnéia</strong> é também freqüente. Embora a espirometria possa ser normal, o<br />
aprisionamento de ar se agrava durante o esforço, resultando em hiperinsuflação dinâmica,<br />
e dispnéia. Em casos de dispnéia de causa não aparente, uma TCAR com cortes em<br />
expiração pode revelar achados de bronquiolite, o que dirige a investigação.<br />
Tem sido demonstrado que em pacientes com possível bronquiolite, como em portadores<br />
de artrite reumatóide, a TCAR com cortes em expiração, é mais sensível para detecção da<br />
doença do que os testes de função pulmonar (5).<br />
Na síndrome de Sjögren, onde a bronquiolite folicular é freqüente, tomografias em<br />
expiração demonstram a presença freqüente de aprisionamento de ar. Os testes de função<br />
pulmonar também mostram com freqüência achados indicativos de obstrução de vias<br />
aéreas periféricas. Estes dois achados (e a presença de cistos em diversos casos) são<br />
suficientes para sugerir a presença de bronquiolite folicular, uma condição freqüente na<br />
síndrome de Sjögren (6). A bronquiolite folicular pode ser idiopática em raros casos.<br />
O achado isolado de aprisionamento de ar na TCAR expirada tem sido considerado de<br />
maneira errônea, como suficiente para o diagnóstico de bronquiolite constritiva. Em um<br />
estudo (7), foram revistos 9 casos nos quais a TC inspirada foi normal, e a TC expirada<br />
mostrou áreas de aprisionamento de ar. O diagnóstico mais freqüente foi de bronquiolite<br />
constritiva, mas prova histológica não foi obtida..<br />
Asma com remodelamento de vias aéreas periféricas pode causar aprisionamento de ar na<br />
TC expirada (8), porém a paciente não tinha sintomas atuais sugestivos de asma, embora<br />
tivesse apresentado a doença na infância. Entretanto, obstrução residual de pequenas vias<br />
aéreas pode persistir em asmáticos, mas não explicaria o surgimento recente dos sintomas.<br />
Na prova funcional não havia resposta significativa ao broncodilatador.<br />
Embolia pulmonar crônica resulta em padrão em mosaico na TC em inspiração e<br />
expiração, de magnitude semelhante.<br />
Exposição a mofo no ambiente doméstico é uma causa comum de pneumonia de<br />
hipersensibilidade no Brasil. Na pneumonia de hipersensibilidade, a deposição do antígeno<br />
se dá em vias aéreas periféricas, e frequentemente uma bronquiolite é observada, associada<br />
com uma pneumonia intersticial, de distribuição centrada em vias aéreas. Entretanto, o<br />
quadro de bronquiolite pode ser predominante ou isolado (9). Em bombeiros sintomáticos<br />
que trabalharam no acidente de 11 de setembro, em NY, se demonstrou em TCs expiradas<br />
áreas de aprisionamento de ar, porém biópsias não foram realizadas (10). Pneumonia de<br />
hipersensibilidade poderia ter sido observada. Na pneumonia de hipersensibilidade o<br />
aumento do volume residual se correlaciona com a extensão da bronquiolite (11).<br />
Temos observado diversos casos de bronquiolite como manifestação isolada de<br />
pneumonia de hipersensibilidade em diversos casos.<br />
Uma biópsia pulmonar cirúrgica foi indicada. Os achados são mostrados abaixo.
A biópsia revelou (Dra Ester Coletta):<br />
Bronquiolite celular com ulcerações focais do epitélio e hiperplasia de musculatura<br />
lisa.<br />
Bronquioloectasias com mucoestase.<br />
Granulomas mal formados e esboço de granulomas peribroncovasculares e septais.<br />
Infiltrado linfocitário focal e discreta fibrose septal.<br />
Hiperinsuflação.<br />
Os achados histológicos são compatíveis com exposição ambiental (pneumonia<br />
de hipersensibilidade)<br />
Com diagnóstico final de pneumonia de hipersensibilidade, a paciente foi orientada a<br />
afastar-se da exposição, tendo melhora clínica e normalização do teste de função<br />
pulmonar.
Referências<br />
1. Bohadana AB. Sons pulmonares de categoria indefinida. Em ________Acústica<br />
pulmonar para o clínico. Sarvier, São Paulo, 1989, 105-111.<br />
2. Earis JE; Marsh K; Pearson MG; Ogilvie CM. The inspiratory “squawk” in<br />
extrinsic allergic alveolitis and other pulmonary fibrosis. Thorax 1982; 37:923-926.<br />
3. Stănescu D, Veriter C. A normal FEV1/VC ratio does not exclude airway<br />
obstruction. Respiration 2004; 71:348-52.<br />
4. Stănescu D. Small airways obstruction syndrome. Chest 1999;116:231-3.<br />
5. Perez T, Remy-Jardin M, Cortet B. Airways involvement in rheumatoid arthritis:<br />
clinical, functional, and HRCT findings. Am J Respir Crit Care Med.<br />
1998;157:1658-65.<br />
6. Franquet T, Díaz C, Domingo P, Giménez A, Geli C. Air trapping in primary<br />
Sjögren syndrome: correlation of expiratory CT with pulmonary function tests. J<br />
Comput Assist Tomog 1999;23:169-73.<br />
7. Arakawa H, Webb WR. Air trapping on expiratory high-resolution CT scans in the<br />
absence of inspiratory scan abnormalities: correlation with pulmonary function<br />
tests and differential diagnosis. AJR Am J Roentgenol. 1998;170:1349-53.<br />
8. Laurent F, Latrabe V, Raherison C, Marthan R, Tunon-de-Lara JM. Functional<br />
significance of air trapping detected in moderate asthma. Eur Radiol 2000;10:1404-<br />
10.<br />
9. Markopoulo KD, Cool CD, Elliot TL, et al. Obliterative bronchiolitis: varying<br />
presentations and clinicopathological correlation. Eur Respir J 2002; 19:20-30.<br />
10. Mendelson DS, Roggeveen M, Levin SM, Herbert R, de la Hoz RE. Air trapping<br />
detected on end-expiratory high-resolution computed tomography in symptomatic<br />
World Trade Center rescue and recovery workers. J Occup Environ Med 2007;<br />
49:840-5.<br />
11. Hansell DM, Rubens MB, Padley SP, Wells AU. Obliterative bronchiolitis:<br />
individual CT signs of small airways disease and functional correlation. Radiology<br />
1997; 203:721–726.