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TRANSCRIÇÃO FONÉTICA DO FADO Simei Paes. Ao ... - MusiMid

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<strong>TRANSCRIÇÃO</strong> <strong>FONÉTICA</strong> <strong>DO</strong> FA<strong>DO</strong><br />

<strong>Simei</strong> <strong>Paes</strong>.<br />

<strong>Ao</strong> escolher o tema fonético, não quero de forma alguma tentar explanar problemas<br />

de foniatria que são vastos e complexos, mas sim, defender a idéia de cantar um Fado<br />

usando transcrição fonética, respeitando a fala e o canto popular. Vou usar exemplos e<br />

comparações da fala portuguesa e do Brasil.<br />

A transcrição fonética é um instrumento criado para registrar a fala de determinadas<br />

línguas de forma consistente e sistemática. Podemos dizer que a transcrição fonética é uma<br />

representação simbólica que pretende captar tantos aspectos da realização sonora quanto<br />

possível, sendo um instrumento básico de aproximação da pronúncia para o lingüista ou para<br />

quem deseja utilizar o recurso.<br />

Pode-se pensar à primeira vista que, idealmente, a transcrição deve ser um registro<br />

completo e fiel da língua estudada, porém o mais competente “transcritor” não é capaz de<br />

anotar todos os aspectos do sinal sonoro, muito embora se deva sempre buscar um alto grau de<br />

fidelidade em toda e qualquer transcrição fonética; em suma, a transcrição fonética é uma<br />

representação daquilo que o falante de uma língua considera serem as propriedades fonéticas de<br />

uma realização, tendo em conta, o nível da fala e o conhecimento que porventura o falante<br />

possui das regras de gramática da língua. Busca-se na transcrição fiel, a necessidade de<br />

constituição de símbolos discretos que represente o contínuo (ou quase contínuo) sinal fonético


da fala. A boa transcrição é aquela que busca abstrair de certo tipo de propriedades do sinal<br />

fônico, os traços prosódicos, ou seja, o tom da voz, a entoação e a intensidade.<br />

O Brasil, no caso São Paulo, e mais específico o Instituto de Artes da UNESP<br />

(UNESP/IA), possui uma Alfabeto Fonético para o Português falado e cantado, baseado no<br />

“Normas para boa pronúncia do português cantado...” dos Anais do Primeiro Congresso da<br />

Língua Nacional Cantada de 1937, editado por Mário de Andrade que está sendo atualmente<br />

reformulado por um grupo de docentes, encabeçados pela Profª Drª Martha Herr e terá sua<br />

publicação em breve. O Centro de lingüística da Universidade de Lisboa utiliza um alfabeto<br />

com símbolos do AFI (Alfabeto Fonético Internacional), juntando a este, alguns símbolos<br />

criados especialmente para dar conta das variedades da língua portuguesa.<br />

Em tese, Brasil e Portugal possuem a mesma língua, o que em aspectos gerais é<br />

verdadeiro, porém as variantes são maiores no campo da fala e estas se transportam para outros<br />

campos da lingüística. Tomemos como exemplo uma palavra: “piano”. Vamos analisar a<br />

divisão silábica e a transcrição fonética.<br />

Brasil : pi-a-no [pianu].<br />

Portugal : pia-no [ pyYnw].<br />

A palavra “piano” é dissílaba em Portugal e trissílaba no Brasil; no Brasil é uma palavra<br />

cujo [a] é um hiato e em Portugal ele é um ditongo crescente. Vejamos agora um exemplo de<br />

uma frase que nos dois países se escreve exatamente igual, mas, difere na transcrição fonética<br />

da fala:<br />

“ Aquela casa azul é pequena mas bonita”<br />

Brasil: [ YkexY kYzYzu e pikenY mYs bunitY].<br />

Portugal: [ Yke~X kYzYzu~ e pkenX mY¥ bunitX].<br />

[~e ] [mY•]


Vemos que, embora a frase seja escrita igual nos dois países (não podemos usar a<br />

palavra idioma neste caso), há diferenças nas variantes sonoras da fala e que se transportará<br />

para o canto, obedecendo a um critério generalizado e comparativo, em torno da técnica de<br />

emissão coloquial. No Brasil, não fazemos uso do [X] schwa, que é mais fechado, pelo menos<br />

não nas transcrições, o que é comum em Portugal, pois eles falam o “a” final mais fechado; no<br />

Brasil, o paulista em geral, omite o “L” ao falar, transformando-o em “u’; em Portugal ele é<br />

bem pronunciado principalmente quando se encontra no final das palavras: sendo a próxima<br />

palavra uma vogal, ocorre uma elisão; na palavra “pequena” no Brasil, o primeiro“e”<br />

transforma-se em “i” ao falar, em Portugal ele é omitido, dando uma força maior na sílaba [ke];<br />

o “s” no Brasil, em final de palavras, tem som de “s” mesmo, em Portugal, há a variante [¥] ou<br />

[•]. Em uma simples frase, conseguimos mostrar várias diferenças que estão na voz falada e se<br />

transpõe pelos cantores de Fado para o canto, pois, o fado é uma forma de canção popular e por<br />

isto segue um pouco do padrão da voz falada. Deve-se procurar nas transcrições os dados<br />

articulatórios relacionados à emissão da voz falada e cantada, com um conceito de variante<br />

sonora como deflagrador da liberdade de escolha pelo cantor popular quanto à dicção,<br />

envolvendo as sonoridades básicas do nível silábico e dos níveis de entoação da voz falada,<br />

típica do canto popular. Esta dicção natural e a rítmica da canção, no caso o Fado, devem ser<br />

levados em consideração buscando um modelo de emissão, um certo padrão articulatório<br />

generalizado das sonoridades, respeitando-se o jeito de falar, mais rápido ou mais lento de cada<br />

cultura ou até mesmo estilo, devido as elisões, as entoações, dando-se ênfase mais à uma sílaba<br />

que a outra , buscando a sonoridade tanto frasal como dependente de um padrão respiratório,<br />

padrão muscular este que se vê nas energias dispensadas nas sílabas tônicas e átonas. No<br />

Brasil, segundo escritos de Fernando Carvalhaes , inserido no livro <strong>Ao</strong> Encontro da Palavra<br />

Cantada, com textos de diversos autores, esse fluxo de intensidade não é tão localizado na


sílaba acentuada, como ocorre em Portugal ( por isso o uso corrente por lá dos schwas: [X,b.y,<br />

w]), mas se espalha pelas sílabas adjacentes, reduzindo os timbres vocálicos das átonas.<br />

Vejamos agora, a primeira estrofe do Fado FOI DEUS, Baseado na interpretação da<br />

grande Fadista Amália Rodrigues:<br />

FOI DEUS<br />

(FA<strong>DO</strong>).<br />

LETRA E MÚSICA DE ALBERTO JANES.<br />

NÃO SEI, NÃO SABE NINGUÉM<br />

[ ‡YŸ ”ey, ‡YŸ ”Y[e ‡w†lŸe†<br />

PORQUE CANTO O FA<strong>DO</strong><br />

y Ÿ ±E ±Y†{Ÿ M Ÿ f YaŸ<br />

NESTE TOM MAGUA<strong>DO</strong> DE DÔR E DE PRANTO<br />

‡ e ¥{ i {o† „YlŸYaŸ aI ao I aI p Y†šŸ<br />

E NESTE TORMENTO, TO<strong>DO</strong> SOFRIMENTO,<br />

w ‡ e ¥{y šŸ„e †šŸ š o aŸ ”Ÿ f w„†{Ÿ<br />

EU SINTO QUE A ALMA CÁ DENTRO SE ACALMA<br />

e Ÿ ”w†{Ÿ ke M Y Y~ Y kY ae†šŸ ”yM Y k Y~ Y<br />

NOS VERSOS QUE CANTO.<br />

‡Ÿ” ve”Ÿ¥ k e k Y†šŸ<br />

FOI DEUS<br />

fo +y ae ٴ<br />

QUE DEU LUZ AOS OLHOS,<br />

k w a ew ~Ÿ• YŸ¥ ]Ÿ¥<br />

PERFUMOUAS ROSAS<br />

pe f Ÿ„ow Y¥ ]£Y¥<br />

DEU OIRO AO SOL E PRATA AO LUAR.<br />

aew o yŸ Yw ”]~ w p YšYM Yw ~ŸY<br />

FOI DEUS<br />

Fo: y a e ٴ<br />

QUE ME POZ NO PEITO O ROSÁRIO DE PENAS<br />

ki „i po¥ ‡Ÿ peyšŸ M Ÿ o £Yw w aw pe ‡Y¥


QUE VOU DESFIAN<strong>DO</strong> E CHORO A CANTAR<br />

ki vow aw¥ f wY†aŸ M w •]ŸM Y k Y†{Y<br />

E POZ ESTRELAS NO CÉU E FEZ O ESPAÇO SEM FIM,<br />

w po• M w¥{ e ~Y¥ †Ÿ ”ew w fe•M Ÿy¥pY”Ÿ ”e† f w„<br />

DEU O LUTO ÀS AN<strong>DO</strong>RINHAS, AI,<br />

a ew M Ÿ ~Ÿ{ŸM Y¥M Y†ao w†YO+¥ Yy<br />

E DEU-ME ESTA VOZ A MIM.<br />

w aew e e¥{Y v ]• Y w†<br />

Como a base de meu estudo é o Fado e ele é uma canção popular, posso tomar dois<br />

caminhos: por ser uma canção de outro país, porém de língua portuguesa como a minha, posso<br />

cantá-lo como canto músicas brasileiras, apenas respeitando o estilo musical e não buscando a<br />

pronúncia do português de Portugal ou, fazer uma transcrição fonética buscando uma igualdade<br />

mais próxima possível do modo de falar e cantar da língua estudada.<br />

No início de nossos estudos de performance do Fado surgiu uma questão: “deve-se ou<br />

não tentar cantar fado como um fadista português? Em uma palestra realizada na UNESP/IA<br />

em Março deste ano (2007), o Profº Achille Picchi, amante e grande estudioso da música de<br />

Portugal, nos disse que os portugueses não aceitam outras pessoas que não são portugueses<br />

tentarem cantar Fados como um português. Acredito que nós brasileiros nunca cantaremos Fado<br />

como um português, como eles ou outras culturas nunca cantarão Bossa Nova ou Samba como<br />

nós, e não devemos buscar isto, mas, acredito que devemos estudar o Fado e tentar cantá-lo<br />

como fazemos com qualquer outra língua que estudamos para cantar , tentar fazer uma<br />

pronúncia mais próxima possível, assim como fazemos com o francês, inglês, alemão, espanhol<br />

e italiano, como sinal de respeito e não como imitação, pois iremos nos apresentar para um<br />

público conhecedor e devemos procurar fazê-lo de forma e com atitudes que façam com que


eles se sintam Homenageados pelo nosso esforço de buscar a pronúncia de uma forma que lhes<br />

seja familiar, mesclando com nosso jeito brasileiro que não ficará obscuro ao cantarmos o<br />

Fado, que é uma das mais belas formas da música portuguesa.<br />

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA<br />

ANAIS do Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada de 1937. São Paulo: Departamento<br />

de Cultura, 1938.<br />

MARTINS, M. R. Ouvir Falar:- Introdução à fonética do Português. Lisboa: Editora Caminho<br />

Ser “lingüística”, 1988. P.27 e 28.<br />

MATEUS, Maria Helena Mira. Aspectos da Fonologia Portuguesa. Lisboa: Centro de Estudos<br />

Filológicos. 2ª Edição aumentada, INIC. 1982.<br />

________________________ Fonética, Fonologia e Morfologia do Português. Lisboa:<br />

Universidade Aberta, 1988. P. 35 a 38; 45 a 53.<br />

VIANNA,A,R,Gonçalves. Estudos da Fonética Portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa<br />

da Moeda. 1973. P. 164 a 168; 183; 267 a 270.<br />

MATOS, Claudia Neiva de; Medeiros, Fernanda Teixeira de; Travassos, Elizabeth<br />

(organizadoras). <strong>Ao</strong> Encontro da Palavra Cantada – Poesia, Música e Voz. Rio de Janeiro: Sete<br />

letras, 2001.

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