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R E V I S T A U S P, S Ã O P A U L O ( 3 6 ) : 4 6 - 7 3 ...

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ouvido para a melopéia homérica (“flui o<br />

sangue de envolta e o chão denigre”; “purpúrea<br />

morte o imerge em noite escura”), e<br />

“transcriou” belos epítetos, como<br />

“dedirrósea Aurora”, “criniazul Netuno”,<br />

“olhigázea Palas”, “alidourada Íris”,<br />

“olhinegros Aqueus”.<br />

GUIMAR<strong>Ã</strong>ES ROSA: MONSTRO<br />

LITERÁRIO<br />

Assim como as traduções de Odorico<br />

Mendes, Grande Sertão: Veredas provocou<br />

uma acirrada polêmica. Nos anos que<br />

se seguiram ao seu lançamento, foi elogiado<br />

por críticos e escritores, como Antônio<br />

Callado, Paulo Rónai, Afrânio Coutinho,<br />

Cavalcanti Proença, Oswaldino Marques,<br />

Tristão de Ataíde, Pedro Xisto, Euryalo<br />

Canabrava e Antonio Candido; mas também<br />

foi duramente criticado por Marques<br />

Rebelo, Adonias Filho, Ferreira Gullar,<br />

Ascendino Leite, Wilson Martins, Nelson<br />

Werneck Sodré e Silveira Bueno, dentre<br />

outros.<br />

O cerne da polêmica girava em torno de<br />

suas “inovações estilísticas e lingüísticas”,<br />

de suas “experimentações no plano da estética<br />

literária”: “criação de uma linguagem<br />

nova”; “excessos de hermetismo<br />

vocabular”; “língua codificada, diferente<br />

dos padrões tradicionais”; “manipulação<br />

arbitrária das palavras”; “língua estranha e<br />

sintaxe extravagante”; “excessos de<br />

virtuosismo, espécie de esnobismo literário”<br />

(79).<br />

Para ilustrar a polêmica, recorremos a<br />

uma anedota curiosa, que envolve o professor<br />

Silveira Bueno. Sua crítica ao<br />

Grande Sertão: Veredas, publicada em<br />

junho de 1957, recorre à mesma imagem<br />

utilizada por Sílvio Romero contra<br />

Odorico Mendes: “De uma coisa eu me<br />

admirei: da formidável gargalhada que<br />

estará dando o autor desde que o José<br />

Olympio teve a coragem de publicar estas<br />

toneladas de cimento armado e mais<br />

ainda: desde que os seus neófitos começaram<br />

a ajoelhar-se perante o seu monstro<br />

literário!” (80).<br />

O paralelo com Sílvio Romero é imediato:<br />

além de recorrer à imagem do<br />

“monstro”, o alvo central de sua crítica<br />

são as inovações verbais do escritor (81).<br />

Ainda que o autor não faça qualquer referência<br />

a Odorico Mendes em sua crítica a<br />

Guimarães Rosa, tudo nos leva a crer que<br />

ele compartilhava das críticas às suas traduções.<br />

Uma suposição lógica, mas totalmente<br />

equivocada. Em seu prefácio à<br />

Ilíada de Odorico Mendes, datado de abril<br />

de 1956, Silveira Bueno faz uma verdadeira<br />

apologia de sua tradução, num ensaio<br />

que ignora totalmente as críticas de<br />

Sílvio Romero:<br />

“A invenção do poeta foi magnífica: a<br />

auritrônia Juno. Esta é outra qualidade de<br />

Odorico Mendes, preceito que recebeu de<br />

Homero: a formação de termos novos pela<br />

adjunção de outros já conhecidos. Para dar<br />

uma simples amostra da sua fecunda invenção,<br />

notamos, somente no primeiro livro,<br />

todas estas formações segundo os<br />

moldes do grande mestre grego:<br />

infrugífero mar; altipotente Jove;<br />

celerípede Aquiles; olhiespertos gregos;<br />

nubícogo Saturno; arciargênteo Febo;<br />

quinquedentado espeto; Aurora<br />

dedirrósea; Nereida argentípede;<br />

auritrônia Juno; Helena bracicândida;<br />

claviargêntea lâmina. [...] Odorico Mendes,<br />

atendo-se, no geral, aos melhores<br />

autores clássicos portugueses, especialmente<br />

a Filinto Elísio de quem se fez discípulo,<br />

não duvidou, como o mestre grego,<br />

de usar palavras de outras procedências,<br />

empregando galicismos, italianismos,<br />

e o que é mais notável, recorrendo<br />

aos modismos do Brasil” (82).<br />

Para Silveira Bueno, as inovações de<br />

um clássico traduzindo Homero são louváveis,<br />

mas não as “ousadias” de um escritor<br />

contemporâneo. Dois pesos, duas medidas.<br />

O que valoriza em Odorico Mendes é justamente<br />

o que vai recriminar, um ano após,<br />

em Guimarães Rosa, em conformidade<br />

com a crítica da época: os neologismos,<br />

formados com palavras importadas de outras<br />

línguas.<br />

R E V I S T A U S P, S <strong>Ã</strong> O P A U L O ( 3 6 ) : 4 6 - 7 3 , D E Z E M B R O / F E V E R E I R O 1 9 9 7 - 9 8 65

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