A PROBLEMÁTICA DAS EPOPÉIAS HOMÉRICAS: UMA ...
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A <strong>PROBLEMÁTICA</strong> <strong>DAS</strong> <strong>EPOPÉIAS</strong> <strong>HOMÉRICAS</strong>: <strong>UMA</strong> REFLEXÃO<br />
Introdução<br />
SOBRE AS POSSIBILIDADES DE SUA ABORDAGEM NAS<br />
PESQUISAS HISTORIOGRÁFICAS<br />
MURARI, Juliana Cristhina (UEM)<br />
PEREIRA MELO, José Joaquim (UEM)<br />
Não encontramos na atualidade muitos pesquisadores dispostos a estudar a<br />
antiguidade, talvez por considerá-la como algo ultrapassado, que deva ser esquecido no<br />
tempo, ou ainda, supondo, em decorrência das dificuldades que pesquisar sobre esse tema<br />
desencadeia. Encontram-se, quando se encontra, poucas obras bem traduzidas para o<br />
português, além disso, o distanciamento entre o século hoje vigente e os séculos inclusos ao<br />
período considerado “antigo” é largamente relevante. Esse distanciamento temporal,<br />
possivelmente, seja a causa da dificuldade em compreender o contexto social do período em<br />
questão, encontrada por aqueles que se propõem a estudá-lo. Quando o objeto de investigação<br />
abrange o período grego arcaico, a problemática é ainda maior, causando, na maioria das<br />
vezes, uma busca constante pelos poemas homéricos: Ilíada e Odisséia. Os poemas épicos<br />
homéricos são considerados as primeiras obras de literatura grega, do mesmo modo, são<br />
vistos como o ponto de onde devem se originar os estudos sobre História da Educação.<br />
Sempre houve, e ainda há, a respeito desses poemas, inúmeros questionamentos<br />
ocasionados, provavelmente, pelas discrepâncias encontradas entre o primeiro e o segundo<br />
poema e como resultado das descobertas arqueológicas feitas nos últimos tempos, que<br />
colaboram para a verificação do fato histórico a qual essa literatura parece aludir. Outro ponto<br />
a se considerar diz respeito ao fato de Homero relatar eventos muito anteriores à sua própria<br />
época. Em seus poemas encontram-se fragmentos de acontecimentos que podem ter ocorrido<br />
em meados do século XIII até o século VIII a.C. Assim, nessas epopéias se encontram<br />
inúmeros cantos que fazem referência a momentos distintos da história grega, desde um<br />
passado glorioso a um presente que se apresenta conflituoso. Não obstante, a principal<br />
questão ligada a isso, e que se coloca entre os estudiosos – por exemplo, Vico e Wolf, é se<br />
1
teria sido ou não Homero o autor de ambas as obras, pois é visível que a Ilíada e Odisséia<br />
dizem respeito a períodos distintos da história grega. Por isso, juntamente com as outras<br />
interrogações descritas, ainda que a tradição o tenha adotado como o autor da Ilíada e a<br />
Odisséia, há várias dúvidas quanto à sua real existência, contesta-se a autenticidade de suas<br />
obras e questiona-se se o poeta criou algo novo ou foi só o relator de mitos preexistentes.<br />
Textos como a Ilíada e Odisséia comportam tantas ambigüidades e interrogações que<br />
não poderiam ser amplamente usados como documentos históricos, de modo como são.<br />
Entretanto, nos séculos XIX e XX, muitos estudiosos buscaram responder o que poderia ser<br />
considerado “fonte” para a pesquisa científica. A demarcação de fonte que predominou no<br />
século XIX distinguiu-se muito da existente no século posterior; em conseqüência disso, é<br />
mediante as duas concepções de análise que se busca, particularmente neste estudo, averiguar<br />
se tais obras são apropriadas para serem utilizadas em trabalhos científicos. Sendo assim, em<br />
concordância com essas informações, procura-se refletir sobre as possíveis dificuldades<br />
encontradas por aqueles que se propuseram a estudar a antiguidade, especificamente a Grécia<br />
arcaica, conhecida sobretudo pelos poemas atribuídos a Homero. Com o intuito central de<br />
debater se esses poemas podem ser considerados documentos históricos, e se é legítimo visá-<br />
los, para além da literatura, como sendo vestígios importantes da antiga civilização<br />
micênica.<br />
1. Os poemas homéricos podem ser considerados documentos históricos?<br />
Compreende-se, aqui, que a pesquisa traz consigo, naturalmente, vários obstáculos, e<br />
que esses, só são conhecidos por aqueles que se lançam na empreitada de desenvolver um<br />
trabalho científico. Considera-se, no entanto, que quando esse trabalho é de cunho<br />
historiográfico os problemas encontrados são os mais diversos, pois, desenvolver um trabalho<br />
que tem por base a História remete aos problemas das fontes e dos métodos, ou seja, solicita<br />
uma reflexão sobre os procedimentos de análise dos textos que podem ser considerados<br />
“fontes” para as investigações científicas historiográficas. Logo, primeiramente aqui se<br />
buscará compreender o que pode ser considerado “fonte,” para, em um segundo momento,<br />
avaliar se os poemas homéricos se enquadram nessa definição e, portanto, são aptos a serem<br />
empregados em trabalhos científicos.<br />
2
Na reflexão sobre fontes históricas recorre-se a obra de Jacques Le Goff: História e<br />
Memória 1 , particularmente o capítulo onde esse discute os materiais da memória coletiva e da<br />
história, e estabelece a distinção entre documento e monumento (LE GOFF, 1990, p. 535); e<br />
também as considerações feitas por March Bloch em sua obra: Apologia da História ou O<br />
ofício de historiador. 2<br />
Para Le Goff há dois materiais aplicáveis a História enquanto ciência: documentos e<br />
monumentos. Ele afirma (1990, p. 535) “que esses materiais da memória podem apresentar-se<br />
sob duas formas principais: os monumentos, herança do passado, e os documentos, escolha do<br />
historiador”. O monumento segundo ele é um sinal do passado, é tudo aquilo o que pode<br />
evocar o passado ou fazer recordá-lo; podendo se constituir como atos escritos, tal como<br />
decretos, ou ainda como escultura, arquitetura, ou até mesmo um monumento funerário. É,<br />
portanto, considerado um monumento da História tudo que puder fazer perpetuar, tornar<br />
possível que se faça conhecido pela posteridade, as características culturais de uma sociedade.<br />
Já o termo documento, segundo a escola positiva do século XIX, fundamenta-se como<br />
a prova histórica, como confirmador do fato histórico, ainda que resultasse da escolha do<br />
historiador. Eram considerados documentos essencialmente as fontes escritas. De acordo com<br />
as concepções de Fustel de Coulanges (1830-1889), e com a maior parte dos historiadores da<br />
época, só poderia ser denominado documento os textos escritos, sendo o texto escrito o que<br />
comprovaria o acontecimento. Nesse sentido, caberia ao historiador somente retirar do texto<br />
aquilo que ele já continha; tudo o que precisava ser encontrado e descoberto o texto já<br />
comportava, tornando-se bom historiador aquele que permanecesse o mais fiel possível aos<br />
textos.<br />
O documento possui, inversamente ao monumento, o caráter de científico, o que<br />
coincide, na concepção positivista, como já mencionado, com o texto escrito. Nesse sentido,<br />
os textos que poderiam ser utilizados em um trabalho científico, seriam apenas os dessa<br />
natureza.<br />
Entretanto, se as obras Ilíada e Odisséia forem avaliadas mediante tal concepção, pode<br />
ser profundamente discutível considerar esses poemas como documentos, e conseqüentemente<br />
como fontes, pois fazem menção a um tempo histórico onde a escrita ainda não havia se<br />
1<br />
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução de Bernardo Leitão. Campinas: Editora da UNICAMP,<br />
1990.<br />
2<br />
BLOCH, M. Apologia da História ou O ofício do historiador. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Jorge<br />
Zahar, 2001.<br />
3
estabelecido. Pois, esses poemas, supostamente, fazem referência ao período que compreende<br />
entre os séculos IX e VIII a.C. Estes séculos correspondem ao momento de formação e<br />
composição do povo grego, e sobre isso é possível afirmar, que aqueles que habitaram a<br />
Hélade e ficaram conhecidos como helenos formaram-se por quatro povos: jônios, aqueus,<br />
eólios e dórios. Esses chegaram à Grécia em séculos dispersos, tendo cada um deles uma<br />
organização social e cultural distinta. (ROSTOVTZEFF, 1986, passim)<br />
Dentre esses povos, são os aqueus que devem receber maior atenção. Os aqueus<br />
invadiram a Grécia por volta de 1600 a 1580 a.C., e dominaram Creta, que era a grande<br />
potência política e econômica da época. Os habitantes de Creta, os cretenses, eram o antigo<br />
povo jônio, e já tinham desenvolvido toda uma organização social, cultural e política, além de<br />
consideráveis habilidades marítimas que lhes permitiram relações comerciais muito<br />
significativas. Com a invasão de Creta pelos aqueus e a assimilação de sua cultura, origina-se<br />
a civilização micênica. O período denominado micênico é uma subdivisão temporal da<br />
chamada Idade do Bronze, também conhecida por período Heládico final. Essa cultura<br />
desenvolveu-se por volta de 1600 a 1050 a.C. e dominou, econômica e culturalmente, todos<br />
os povos do Mediterrâneo Oriental. (BONNARD, 1980, passim)<br />
O mais importante feito da cultura micênica foi o desenvolvimento do dialeto jônio, o<br />
que pode ter contribuído com o surgimento da Ilíada e da Odisséia. Os micênicos utilizavam<br />
uma forma de escrita denominada Linear B, que foi desenvolvida a partir da escrita utilizada<br />
anteriormente em Creta conhecida como Linear A. Todavia, a escrita no período micênico era<br />
somente utilizada para fins administrativos, como fins de registro, listas de funcionários,<br />
trabalhadores e mercadorias. (BALDRY, 1969, p. 29). Sendo assim, mesmo que existente a<br />
escrita não era destinada a cópia e reprodução dos poemas homéricos.<br />
Com as invasões dórias por volta do século XII a.C., a civilização micênica foi<br />
destruída, a escrita desapareceu assim como o comércio e as artes. Acredita-se que nessa<br />
época os poemas homéricos eram transmitidos oralmente, ao tempo em que se tornaram<br />
fundamentais na vida cotidiana, já que eram instrumentos de coragem e esperança, e<br />
colaboravam para a preservação de valores tradicionais, que deveriam ser repassados para as<br />
próximas gerações. Segundo Finley (1998, p. 17) “por detrás da Ilíada e da Odisséia, há<br />
séculos de poesia oral, composta, recitada e transmitida por bardos profissionais, sem o<br />
auxílio de uma só palavra escrita.” Devido sua oralidade os versos estavam sempre em<br />
4
constante movimento e crescimento, pois, cada um que cantava o poema o fazia ao seu<br />
particular modo, acrescentando algumas coisas e modificando outras.<br />
De acordo com Brandão (1997, p. 118), a poesia micênica não é de modo algum<br />
estática, sem o apelo à escrita, sendo somente preservada pela memória, ela se torna suscetível<br />
a mudanças. Nos dizeres de Baldry (1969, p. 30) esse recordar o antigo em conjunção com a<br />
necessidade de improvisar um novo material tornaram-se as características principais da<br />
narrativa de Homero. A estrutura hexâmetra, que possivelmente nunca foi usada na fala<br />
corrente, foi adaptada pelos cantores para seguir uma estrutura métrica, preenchendo o verso<br />
hexâmetro.<br />
Um fato fundamental é que não se sabe com certeza quando os poemas Ilíada e<br />
Odisséia foram escritos pela primeira vez, mas no século VI a.C., já havia muitas cópias<br />
escritas deles, e tornaram-se extremamente populares.<br />
Assim, de acordo com a visão positivista de documento, poderia se pensar que esses<br />
poemas não podem ser considerados documentos históricos e, portanto, não têm valor<br />
científico, pois, na própria época em que eram compostos sofriam inúmeras alterações, devido<br />
ao seu modo de transmissão, e as modificações realizadas pelos aedos e poetas para que<br />
melhor o fixassem na memória. Importa ainda lembrar que o século hoje vigente se distancia<br />
demasiadamente do tempo, presumível, dos fatos narrados pelas epopéias. Contabilizando, a<br />
partir de uma média da data dos prováveis acontecimentos mencionados, encontra-se uma<br />
diferença de quase 3.000 mil anos. Nesse espaço de tempo, é coerente afirmar, que o texto<br />
escrito sofreu diversas modificações, sem contar as alterações causadas pelas traduções tão<br />
freqüentes nos últimos séculos. O texto que hoje se conhece da Ilíada e da Odisséia<br />
possivelmente não seja, ou não se assemelhe, com o texto da época homérica. Não se pode<br />
afirmar, com muita convicção, que tenha existido um texto integralmente original, pois devido<br />
sua própria natureza, o poema não foi estruturado como algo estático, fixo e concluído.<br />
Dito isso, seria plausível admitir que esses poemas não podem ser considerados<br />
documentos históricos, já que decorrente sua constituição e seu meio de transmissão, eles<br />
abarcam diversos problemas que os destituem da possibilidade de serem considerados<br />
adequados para a pesquisa científica.<br />
Entretanto, Le Goff afirma (1990, p. 539) que essa concepção do que poderia ser<br />
considerado documento ampliou-se no século XX. Percebeu-se a importância de não somente<br />
se considerar o texto escrito como documento, mas sim tudo aquilo que pudesse comportar<br />
5
alguma informação que poderia ser utilizada pelo historiador. Le Goff declara que o próprio<br />
Fustel de Coulanges percebeu o quanto a definição de documento=texto era precária e<br />
limitada, ampliando o conceito do termo e assumindo algum tempo depois o valor das outras<br />
formas de fontes:<br />
Onde faltam os monumentos escritos, deve a história demandar às línguas<br />
mortas os seus segredos...Deve escrutar as fábulas, os mitos, os sonhos da<br />
imaginação... Onde o homem passou, onde deixou qualquer marca da sua<br />
vida e da sua inteligência, aí está à história (COULANGES apud LE GOFF,<br />
1990, p. 539).<br />
Para Marc Bloch essa mudança de opinião e a ampliação do termo documento<br />
realizada no século XX, ocorreu devido os estudiosos, assim como Fustel, perceberem que o<br />
que a história deve visar não são os acontecimentos propriamente ditos, nem os objetos<br />
referentes a eles, mas sim o homem. São os homens, viventes em um tempo, que deve ser<br />
objeto da história; e para que seja possível compreender e penetrar nos fatos humanos se faz<br />
necessária a utilização de todos os recursos à disposição, para uma mais proveitosa captação<br />
da vida humana, dentro do cenário específico que se decide estudar.<br />
Sobre isso Bloch afirma (2001, p. 54):<br />
Há muito tempo, com efeito, nossos grandes precursores, Michelet, Fustel de<br />
Coulanges, nos ensinaram a reconhecer: o objeto da história é, por natureza,<br />
o homem. digamos melhor: os homens. (...) Por trás dos grandes vestígios<br />
sensíveis da paisagem, [os artefatos ou as maquinas,] por trás dos escritos<br />
aparentemente mais insípidos e as instituições aparentemente mais<br />
desligadas daqueles que as criaram, são os homens que a história quer<br />
capturar. Quem não conseguir isso será apenas, no máximo, um serviçal da<br />
erudição. Já o bom historiador se parece com o ogro da lenda. Onde fareja<br />
carne humana, sabe que ali está a sua caça.<br />
Assim, tudo onde possa existir a marca da vida humana deve ser levado em<br />
consideração pela pesquisa. Os fatos humanos, como ele mesmo explica, são delicados e<br />
largamente complexos, para capturá-los o historiador deve lançar mão de todas as<br />
informações que possam o ajudar a compor esse quebra-cabeça que é a pesquisa<br />
historiográfica, e onde ele busca compreender o humano, às vezes enquanto ser, em um tempo<br />
determinado. Para ele, (2001, p. 73) o conhecimento dos fatos humanos se faz, sobretudo<br />
acima de vestígios, qualquer marca deixada na parede, objetos, ferramentas, fósseis, enfim<br />
6
tudo o que possa ser perceptível pelos sentidos e possa revelar algo que faça referência ao<br />
fenômeno em questão.<br />
A esse respeito, é interessante lembrar os ensinamentos de outro mestre da<br />
historiografia lembrado por Le Goff: Lucien Febvre, que aponta a possibilidade de se<br />
investigar por meio de outras fontes históricas.<br />
A História faz-se com documentos escritos, sem dúvida, quando eles<br />
existem; mas ela pode fazer-se sem documentos escritos, se não os houver.<br />
Com tudo o que o engenho do historiador pode permitir-lhe utilizar para<br />
fabricar o seu mel, à falta das flores habituais. Portanto, com palavras. Com<br />
signos. Com paisagens e telhas. Com formas de cultivo e ervas daninhas.<br />
Com eclipses da Lua e cangas de bois. Com exames de pedras por geólogos<br />
e análises de espadas de metal por químicos. Numa palavra, com tudo aquilo<br />
que, pertencendo ao homem, depende do homem, serve ao homem, exprime<br />
o homem, significa a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do<br />
homem (FEBVRE, 1985, p. 249).<br />
Nesta perspectiva, muito mais do que textos podem ser considerados documentos, há<br />
muitas possibilidades e direções que podem ser tomadas pelo historiador em sua pesquisa.<br />
Tudo o que possa ter conservado a memória de um povo ou de uma civilização deve ser<br />
reconhecido e valorizado na pesquisa, como algo que pode possuir informações importantes<br />
para o andamento do trabalho. Deste modo, objetos, pinturas, tumbas, utensílios, construções,<br />
etc., correspondem a fontes documentais imprescindíveis para a pesquisa.<br />
Sobre isso Funari afirma (2006, p. 85):<br />
Fonte é uma metáfora, pois o sentido primeiro da palavra designa uma bica<br />
d’água, significado esse que é o mesmo nas línguas que originaram esse<br />
conceito, no francês, source, e no alemão, Quell. Todos se inspiraram no uso<br />
figurado do termo fons (fonte) em latim, da expressão “fonte de alguma<br />
coisa”, no sentido de origem, mas com um significado novo. Assim como<br />
das fontes d’água, das documentais jorrariam informações a serem usadas<br />
pelo historiador. Tudo que antes era coletado como objeto de colecionador,<br />
de estátuas a pequenos objetos de uso quotidiano, passou a ser considerado<br />
não mais algo para o simples deleite, mas uma fonte de informação, capaz de<br />
trazer novos dados, indisponíveis nos documentos escritos.<br />
Assim, no campo da história deve-se compreender como “fonte” toda e qualquer<br />
elemento que possibilite notícias e informações sobre o período que se pretende investigar, no<br />
caso, a Grécia arcaica.<br />
7
Em concordância com essa concepção pode-se considerar a Ilíada e a Odisséia como<br />
documentos históricos, pois ainda que pertençam a um tempo muito antigo, e não possuam,<br />
um texto estritamente original, elas se apresentam como vestígios importantes para o estudo<br />
das civilizações gregas arcaicas, uma vez que aparentemente indicam ao longo dos textos<br />
características da cultura micênica. Mesmo repletos de figuras míticas e fantásticas, é possível<br />
notar nos poemas que muitos aspectos sociais, econômicos e educacionais dessa civilização<br />
são mencionados durante o desenrolar da narrativa.<br />
Durante a leitura desses poemas é possível observar, diversas vezes, que os costumes<br />
rotineiros daquela comunidade são descritos. Contudo, é possível detectar certas diferenças<br />
estruturais entre os poemas. As diferenças sociais, culturais e políticas são explícitas. A<br />
Odisséia, em relação à Ilíada, representa uma posteridade histórica. Isso se faz perceptível na<br />
organização social da cidade de Ulisses, nos seus modos, na sua polidez, nos costumes e nas<br />
tradições. Um exemplo foi a necessidade de a rainha Penélope escolher um novo marido, já<br />
que o seu se encontrava há muitos anos longe da casa. Em todas as relações interpessoais<br />
percebe-se que se trata de um povo já mais refinado e politicamente desenvolvido.<br />
Para Jaeger (1986, p. 29), o primeiro poema nos apresenta o estado absoluto de guerra,<br />
tal como devia ser no tempo das grandes migrações das tribos gregas. A Ilíada representa um<br />
tempo em que os valores ideais estavam centrados na coragem e na honra, incluindo sempre a<br />
força bruta; já a Odisséia se insere num contexto de paz, retrata o pai e marido que precisa<br />
voltar a sua pátria e reassumir o seu papel na família e na sociedade. Enquanto em um<br />
momento temos os sentimentos aflorados e o homem guiado sempre pelos seus apetites, no<br />
outro o homem já se encontra desenvolvendo a sua razão, e é por ela que ele está destinado a<br />
vencer suas dificuldades. A maior arma de Ulisses é a razão, embora não a razão que seria<br />
desenvolvida posteriormente pela filosofia, mas uma razão estritamente ligada à prudência, à<br />
engenhosidade, à percepção. Ulisses é astuto e sagaz, e é por meio desses atributos que ele se<br />
mantém vivo, como no episódio em que engana Polifemo.<br />
Na Ilíada, a figura do guerreiro é central. O comportamento do homem não está<br />
voltado para a vida pública, em sociedade, mas para suas atitudes na guerra. A figura do herói<br />
nesses poemas está sempre inserida em alguma batalha, e o que determina suas virtudes é sua<br />
bravura, lealdade, coragem e espírito de liderança. Segundo Jaeger (ibidem, p. 29), para o<br />
herói a luta e a vitória são a distinção mais alta e o conteúdo próprio da vida.<br />
8
Os heróis da Ilíada, que se revelam no seu gosto pela guerra e na sua<br />
aspiração à honra como autênticos representantes da sua classe, são, todavia,<br />
quanto ao resto da sua conduta, acima de tudo grandes senhores, com todas<br />
as suas excelências, mas também com todas as suas imprescindíveis<br />
debilidades. É impossível imaginá-los vivendo em paz: pertencem ao campo<br />
de batalha. Fora dele só os vemos nas pausas do combate, nas suas refeições,<br />
nos seus sacrifícios, nos seus conselhos (idem, ibidem, p. 29).<br />
O cenário dos poemas é sempre repleto de lutas, em que o mais valente é também o<br />
mais respeitado por todos. Pode-se dizer que esse modelo é reflexo da vida daquele tempo e<br />
corresponde historicamente a um período em que a civilização ainda não estava consolidada;<br />
o homem dessa época se via constantemente em guerra, as tribos migravam sempre e lutavam<br />
entre si.<br />
Na Odisséia encontra-se um cenário efetivamente diferente. Como já mencionado,<br />
Ulisses aparece como um rei, um marido e um pai que deseja regressar à sua casa; nota-se o<br />
seu refinamento e dos pretendentes de Penélope. Por suas manifestações culturais - como o<br />
comer, o beber, o cantar ou celebrar - percebe-se quanto o mundo grego já estava estruturado.<br />
O homem, inclusive na figura do herói, está muito mais centrado em sua casa do que na<br />
guerra. Agora ele tem uma terra natal, fixa, onde ele vive de acordo com muitos costumes,<br />
como as libações que deve fazer aos deuses, ou o respeito à tradição, ou o caso da rainha que<br />
teve obrigatoriamente de escolher um novo rei, já que Ulisses estava ausente havia mais de<br />
vinte anos. O homem se vê dentro de uma cidade, de uma comunidade onde prevalecem leis<br />
jurídicas e regras morais.<br />
Na Ilíada há o herói na batalha, na Odisséia ele aparece depois desta. Diz Jaeger:<br />
A nobreza da Odisséia é uma classe fechada, com intensa consciência dos<br />
seus privilégios, do seu domínio e dos seus costumes e modos de vida<br />
refinados. Em vez das grandiosas paixões das figuras sobre-humanas e dos<br />
trágicos destinos da Ilíada, deparamos no novo poema com grande número<br />
de figuras de estatura mais humana (ibidem, p. 30).<br />
Nesses dois poemas algumas questões expressam-se de forma significativa: há aqui<br />
uma passagem do “primitivo” para o já “civilizado”, em que o guerreiro é substituído pelo<br />
cidadão polido. Ao se ressaltar as características do herói, enquanto força bruta na Ilíada e<br />
astúcia na Odisséia, mostra-se uma preocupação e o objetivo da sociedade em dois momentos<br />
diferentes. A clara mudança do predomínio guerreiro para o cidadão revela um<br />
9
desenvolvimento dentro de um determinado período histórico, apontando para um diferente<br />
ideal de homem.<br />
Embora os poemas apresentem tantas diferenças e certamente desconexões, como já<br />
citado, eles sugerem, talvez não tão explicitamente como se gostaria, de que maneira aquela<br />
sociedade se estruturava, seus costumes, sua cultura. Em conseqüência disso, importa lembrar<br />
que ainda que esse tema possa despertar múltiplas abordagens, e certamente discussões, de<br />
acordo com a perspectiva de Bloch e Le Goff, essas epopéias podem ser consideradas<br />
documentos e, portanto, “fontes” para a pesquisa historiográfica enquanto vestígios. Nesse<br />
sentido, na medida em que são portadoras de informações relevantes, enquanto vestígios de<br />
uma civilização arcaica, muito desenvolvida para a época - diga-se de passagem-, esses<br />
poemas podem ser considerados como “fontes” de pesquisa, e como documentos históricos.<br />
Contudo, há alguns cuidados que devem ser tomados quando se utiliza essas e<br />
qualquer outra espécie de fonte. É o que se procura apresentar em seguida.<br />
2. A necessidade de se questionar as fontes<br />
Outra questão a ser considerada em uma reflexão sobre fontes é o cuidado com sua<br />
abordagem. Por múltiplas razões, uma fonte pode ser portadora de erros, enganos,<br />
interpolações, falsificações, observações imprecisa de fatos, ou ainda de alterações<br />
provocadas por interesses e/ou ideologias por parte de quem as escreveu.<br />
Bloch afirma (2001, p. 69) “que o historiador, pela sua própria definição está na<br />
impossibilidade de ele próprio constatar os fatos que estuda.” O passado não se faz<br />
conhecido completamente, pois sempre o historiador trabalha com aquilo, que de uma<br />
maneira ou de outra, chegou até o seu tempo, e na maioria das vezes, desenvolve seu estudo<br />
pautando-se sobre aquilo que foi dito sobre o assunto ao longo dos séculos.<br />
Bloch afirma que “de todo conhecimento da humanidade, qualquer que seja, no<br />
tempo, seu ponto de aplicação, irá beber sempre nos testemunhos dos outros uma grande<br />
parte de sua substância” (2001, p. 70).<br />
Le Goff lembra (1990, p. 544) que devido à concepção de documento desenvolvida no<br />
século XIX, os historiadores ficaram demasiadamente passivos em relação aos textos. Ele<br />
retoma a frase de Lucien Febvre que afirma: “Os historiadores ficam passivos, demasiado<br />
freqüentemente, perante os documentos, e axioma de Fustel (a história faz-se com textos)<br />
10
acaba por se revestir para eles de um sentido deletério” (FEBVRE apud LE GOFF, 1990, p.<br />
544). Nessa época o interesse dos historiadores se dirigia para a veracidade e autenticidade do<br />
documento enquanto tal, não concentrava-se em uma discussão crítica sobre o que ali era dito<br />
ou representado. Para Le Goff, de acordo com as distinções atribuídas por Paul Zumthor,<br />
nenhum documento é desinteressado, passivo, imaculado. Um documento é sempre produzido<br />
conscientemente por uma sociedade, ele está permeado pelas forças que ali atuaram, e,<br />
portanto, encontra-se imerso em intenções.<br />
Tal como afirma Le Goff (1990, p. 545):<br />
O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um<br />
produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí<br />
detinham o poder. Só a análise do documento enquanto monumento permite<br />
à memória coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo cientificamente, isto<br />
é, com pleno conhecimento de causa.<br />
É preciso “duvidar”, de certa forma, do documento, questioná-lo, interrogá-lo, o que<br />
em suma significa não tomá-lo como verdade, sem reconhecer os elementos periféricos que<br />
fundamentaram sua constituição; assim como as relações de poder vigentes no período<br />
corresponde a sua produção.<br />
Para Bloch (2001, p. 89) há tempos se sabe que não se pode aceitar cegamente todos<br />
os testemunhos históricos, é conhecido que nem todos os relatos são verídicos e que os<br />
vestígios materiais também podem, muitas vezes, ser falsificados.<br />
O documento se situa como vestígio, como fonte de informações pertinentes que<br />
poderão levar o historiador a novas fontes e a novas informações, tornando possível seu<br />
estudo. O que está contido no documento não pode ser lido, e/ou absorvido pelo historiador<br />
como verídico, como o relato fiel do que exatamente ocorreu.<br />
A despeito do que às vezes parecem imaginar os iniciantes, os documentos<br />
não surgem, aqui ou ali, por efeito [de não se sabe] qual misterioso decreto<br />
dos deuses. Sua presença ou ausência em tais arquivos, em tal biblioteca, em<br />
tal solo deriva de causas humanas que não escapam de modo algum à<br />
análise, e os problemas que sua transmissão coloca, longe de terem apenas o<br />
alcance de exercícios de técnicos, tocam eles mesmos no mais íntimo da vida<br />
do passado, pois o que se encontra assim posto em jogo é nada menos do que<br />
a passagem da lembrança através das gerações (BLOCH, 2001, p. 83).<br />
11
Os poemas aqui em questão representam um exemplo disso. Tem-se, por inúmeras<br />
vezes, nos poemas homéricos, relatos de heróis com forças imensuráveis, gigantes, seres<br />
fantásticos, míticos, lendários. Surgem, nas epopéias, diversos deuses atuando e intervindo<br />
efetivamente na vida e na guerra humana. Homens, deuses e personagens míticas interagem<br />
sem dificuldades, como se pertencessem todos a um único grupo de seres. Todavia, esses<br />
elementos fantásticos, que aparecem constantemente nos poemas, não retiram a capacidade<br />
deles de serem portadores de informações pertinentes ao historiador. Cabe, àquele que<br />
pesquisa, saber identificar o que é admissível aproveitar do todo enunciado, e para tal deve-se<br />
saber abstrair as características próprias do tipo de documento utilizado, no caso, de um texto<br />
poético, de uma literatura floreada pela imaginação.<br />
De acordo com o antigo posicionamento positivista do século XIX, cabia ao<br />
historiador apresentar-se como um expectador imparcial frente às fontes. Esse não deveria<br />
acrescentar nem retirar nada da “fonte”, mas permanecer fiel a ela. Em concordância com a<br />
nova perspectiva do século XX, na qual se incluem Bloch e Le Goff, o historiador deve<br />
investigar e classificar as fontes que irá trabalhar, preocupando-se com o contexto social e<br />
econômico em que o texto foi produzido e levando em conta as possíveis intenções e<br />
objetivos do autor ao formular aquele texto. Cabe ao historiador identificar relações e<br />
oposições entre os diversos dados levantados. O texto precisa, em suma, ser interpretado. Só<br />
assim é possível reconstruir e recontar o passado, e/ou um momento específico da História<br />
com mais proximidade.<br />
A frase de Michel Foucault buscada por Le Goff ilustra bem esse processo de<br />
investigação da fonte.<br />
A história, na sua forma tradicional, dedicava-se a 'memorizar' os<br />
monumentos do passado, a transformá-los em documentos e em fazer falar os<br />
traços que, por si próprios, muitas vezes não são absolutamente verbais, ou<br />
dizem em silêncio outra coisa diferente do que dizem; nos nossos dias, a<br />
história é o que transforma os documentos em monumentos e o que, onde<br />
dantes se decifravam traços deixados pelos homens, onde dantes se tentava<br />
reconhecer em negativo o que eles tinham sido, apresenta agora uma massa<br />
de elementos que é preciso depois isolar, reagrupar, tomar pertinentes,<br />
colocar em relação, constituir em conjunto (FOUCAULT, 2004, p. 8).<br />
É do historiador a responsabilidade de desconstruir e reconstruir o texto, buscando<br />
encontrar o que o texto revela de proveitoso para o objeto a ser pesquisado. Particularmente,<br />
na Ilíada e na Odisséia, é função do historiador, ou daquele que as tomam por objeto de<br />
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estudo, descobrir que, encoberto por elementos míticos, existem passagens que acenam a<br />
resquícios de uma antiga civilização, a saber, a civilização micênica. E que mostram, além de<br />
uma sociedade aristocrata, uma comunidade já bastante desenvolvida, com seus costumes e<br />
leis consolidadas, que possivelmente existiu em meados do século XIII a.C., e desapareceu<br />
depois das invasões dóricas.<br />
O essencial é perceber, mediante ao processo interrogatório da fonte, que o fato, como<br />
na Ilíada por exemplo, da vitória dos gregos sobre Tróia, supõe-se derivar substancialmente<br />
do possível autor das obras ser grego, ou seja, devido Homero ser considerado grego é que se<br />
justifica o motivo pelo qual na lenda os gregos vencem a guerra, e não os troianos. Seria<br />
plausível, se Homero realmente existiu e foi o autor autêntico de ambas as obras, pensar que<br />
se no caso ele fosse troiano o mito teria um desfecho diferente? Isso é algo que não se pode<br />
determinar com certeza, mas é uma reflexão a ser feita.<br />
Além disso, ao analisar as fontes propostas, nota-se que Homero canta para o setor<br />
dominante da época, para guerreiros e chefes aristocratas, exalta a herança ilustre dos heróis e<br />
atribuem, mediante os ideais da nobreza, valores cavalheirescos a eles. Os principais<br />
personagens da Ilíada e da Odisséia são reis, sacerdotes, príncipes e guerreiros; sempre são<br />
figuras que se destacam na hierarquia social daquele tempo. Não se faz menção, com exceção<br />
de algumas passagens, a parcela mais humilde, que vive no campo, que é da criadagem ou<br />
presta algum serviço àqueles nobres. A sociedade cantada por Homero representa,<br />
predominantemente, a esfera da população responsável pelas decisões importantes para a<br />
sociedade.<br />
Isso, certamente, demonstra outra intenção. Tal fato, possivelmente, se justifique<br />
devido às canções servirem de alento aos aqueus que regressaram como suplicantes a Ásia<br />
Menor depois de serem expulsos pelos dórios. Esses cultuavam um passado de glórias,<br />
mesmo voltando vencidos à terra que seus antepassados conquistaram. Acredita-se que esse<br />
povo levava consigo um sentimento de orgulho referente às antigas conquistas e ao passado<br />
cheio de riquezas, tal como são expostos na Ilíada e na Odisséia. Esses poemas, supõe-se,<br />
foram transformadas pelos aedos e poetas em uma maneira de se recordar as lembranças, de<br />
modo que eles pudessem recriar para seus jovens uma descendência ilustre da qual eles<br />
podiam se orgulhar. Essa memória heróica, provavelmente, servia como acalento em períodos<br />
de lutas, de escassez de alimentos ou em condições difíceis de qualquer ordem. Essa poderia<br />
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ser uma justificativa coerente, ou talvez seja mais uma suposição. Todavia, é mais um<br />
questionamento que deve ser feito quando esses poemas são estudados.<br />
Considerações finais<br />
O fundamental é lembrar que ainda que toda e qualquer pesquisa apresente<br />
dificuldades, essas dificuldades podem ser transpostas quando o pesquisador assume,<br />
possivelmente por escolha subjetiva, investigar intensamente aquilo a que se dispôs, quando<br />
quer resolver um problema, que por um motivo ou outro, chama a sua atenção, o comove.<br />
Vale lembrar que independente a qual período histórico se faça referência no estudo,<br />
não se pode atribuir ao documento o título de portador da verdade e de apresentador fidedigno<br />
dos acontecimentos que descreve. Ter em mente, que um documento é sempre produto de<br />
uma sociedade, já abre diversas frentes para a sua análise, desencadeando múltiplos meios de<br />
abordagem para esse documento.<br />
O documento não é inócuo. É antes de mais nada o resultado de uma<br />
montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade<br />
que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais<br />
continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser<br />
manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que fica, que<br />
dura, e o testemunho, o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz<br />
devem ser em primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu<br />
significado aparente. O documento é monumento. Resulta do esforço das<br />
sociedades históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente<br />
– determinada imagem de si próprias. (LE GOFF, 1990, p. 547-548)<br />
Quando se escolhe como objeto de estudo os poemas homéricos é preciso considerar<br />
que eles, talvez, nem sejam homéricos. Não se sabe com certeza, conforme já dito, se foi<br />
Homero o autor dos dois poemas, ou se sua sabedoria foi apenas o de reunir os diversos mitos<br />
já preexistentes. Não é possível saber como os versos dos poemas foram originalmente<br />
cantados, sendo recitados oralmente por diversos séculos eles se modificaram inúmeras vezes.<br />
Os poemas que se conhece hoje, provavelmente, nem se assemelhem com aqueles concebidos<br />
pela sociedade grega arcaica. Contudo, a quase 3000 anos de distância desse objeto, é<br />
impossível determinar quantas perguntas atuais ele desperta!<br />
A sociedade de hoje é profundamente distinta da qual os poemas se referem, contudo,<br />
a partir das questões levantadas pelos antigos, é admissível repensar muitas questões atuais, a<br />
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exemplo a formação humana e sua complexidade. Igualmente, a leitura desses textos nos<br />
permite identificar importantes resquícios de uma sociedade perdida, muito antiga e rica em<br />
todos os sentidos, conferindo a esses textos o valor de respeitáveis meios de testemunho<br />
cultural.<br />
Deste modo, pode-se concluir que os poemas Ilíada e Odisséia, quando avaliados,<br />
investigados, interrogados, revelam muito da convivência grega arcaica, indicam os costumes<br />
civis, religiosos, e econômicos daquela sociedade, sendo, portanto, importantes fontes e<br />
documentos históricos, para o estudo da antiga civilização micênica.<br />
Referências<br />
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Lisboa: Verbo, 1969.<br />
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Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.<br />
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1980.<br />
BRANDÃO, J. S. Mitologia Grega. Rio de Janeiro: Vozes, 1997.<br />
FEBVRE, Lucien. Combates pela História. 2ed. Tradução de Leonardo Martinho Simões e<br />
Gisela Moniz. Lisboa: Editorial Presença, 1985.<br />
FINLEY, M. I. O legado da Grécia. Tradução de Ivette V.P. de Almeida. Brasília: Ed. UNB,<br />
1998.<br />
FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense-universitária, 2004.<br />
FUNARI, Pedro Paulo. Fontes arqueológicas. O historiador e a cultura material. In: PINSKY,<br />
Carla Bassanezi (Org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2006.<br />
HOMERO. A Odisséia. Tradução de Fernando C. de Araújo Gomes. São Paulo: Ediouro,<br />
2004.<br />
HOMERO. Ilíada. Tradução de Carlos A. Nunes. São Paulo: Tecnoprint, s/d.<br />
JAEGER, W. Paidéia: a formação do homem grego. Tradução de Artur M. Parreira. São<br />
Paulo: Martins Fontes, 1986.<br />
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução de Bernardo Leitão. Campinas: Editora<br />
da UNICAMP, 1990.<br />
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MARROU, H.-I. História da educação na antigüidade. São Paulo: EPU, 1990.<br />
ROSTOVTZEFF, M. História da Grécia. Tradução de Edmond Jorge. Rio de Janeiro:<br />
Guanabara, 198<br />
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