A “leveza” dos verbos leves - CLUL
A “leveza” dos verbos leves - CLUL
A “leveza” dos verbos leves - CLUL
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
FLUL, <strong>CLUL</strong><br />
A <strong>“leveza”</strong> <strong>dos</strong> <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong><br />
Inês Duarte
Inês Duarte 2009<br />
Roteiro<br />
Tipologia de predica<strong>dos</strong> complexos encabeça<strong>dos</strong> por <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong><br />
em português europeu<br />
Argumentos a favor da classe <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong><br />
Algumas propriedades <strong>dos</strong> predica<strong>dos</strong> complexos resultativos<br />
encabeça<strong>dos</strong> por <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong><br />
Predica<strong>dos</strong> complexos <br />
Propriedades da sequência<br />
Os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> são predica<strong>dos</strong><br />
Uma feature description <strong>dos</strong> <strong>verbos</strong> com base na tipologia<br />
aspectual de Moens (1987)<br />
A sub-especificação da feature description <strong>dos</strong> <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong><br />
A formação do predicado complexo faz-se na sintaxe
Inês Duarte 2009<br />
Projecto PREPLEXOS<br />
(PTDC/LIN/68241/2006), Fundação para a Ciência e a Tecnologia<br />
FLUL-<strong>CLUL</strong><br />
Inês Duarte<br />
Madalena Colaço<br />
Anabela Gonçalves<br />
Amália Mendes<br />
Matilde Miguel<br />
FLUP-CLUP<br />
Fátima Oliveira<br />
Luís Cunha<br />
Fátima Silva<br />
Purificação Silvano
Inês Duarte 2009<br />
Tipologia de predica<strong>dos</strong> complexos em<br />
português europeu<br />
Predica<strong>dos</strong> complexos resultativos, constituí<strong>dos</strong> por sequências , em que:<br />
a. predicado secundário = A<br />
b. predicado secundário = P<br />
(1) a. tornar x credível/disponível/rentável/uniforme/viável<br />
b. fazer x em pedaços/em fanicos/em cacos<br />
pôr x em transe/em ebulição/no ar<br />
Predica<strong>dos</strong> complexos, constituí<strong>dos</strong> por sequências :<br />
(2) a. O João deu um empurrão ao carro que estava estacionado.<br />
b. O João meteu medo aos rufiões.<br />
c. O João fez um sorriso triste.<br />
d. O João tem medo <strong>dos</strong> rufiões.
Inês Duarte 2009<br />
Tipologia de predica<strong>dos</strong> complexos em<br />
português europeu<br />
Predica<strong>dos</strong> complexos causativos, constituí<strong>dos</strong> por sequências <br />
(3) a. O João mandou comer a sopa ao filho.<br />
b. O João mandou sair os alunos.<br />
Sequências :<br />
(4) a. E vai ele e disse:<br />
b. A questão, como de costume, remete-nos para o ponto de vista com<br />
que o realizador pega e narra a sua história (CETEMPúblico)<br />
c. Acontece que o senhor Presidente Fernando Gomes, como de<br />
costume, está sempre atento aos problemas das pessoas, vai e manda<br />
vedar os passeios com aquelas bolinhas que aplicou e bem na zona<br />
da Foz, (CETEMPúblico)
Inês Duarte 2009<br />
Argumentos a favor da classe <strong>dos</strong> <strong>verbos</strong><br />
<strong>leves</strong><br />
O que se disse na literatura<br />
O pai: Jespersen (1909/1949): have a rest, take a walk, give a sigh<br />
Elementos funcionais/<strong>verbos</strong> suporte que tornam possível a predicação<br />
(Gross 1981, Cattell 1984, Grimshaw & Mester 1988, e.o.)<br />
Auxiliares (Hook 1974, 1991, Abeillé, Godard & Sag 1998)<br />
Verbos de controlo (Huang 1992)<br />
Os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> entram na formação de predica<strong>dos</strong> complexos,<br />
contribuindo para a sua estrutura argumental (Rosen 1989: light, partial,<br />
complete merger; Alsina 1996, Mohanan 1994, Butt 1995: predicate composition,<br />
argument merger, argument fusion)<br />
vezinho (little v): introduzido em Chomsky 1957 para os auxiliares e os<br />
modais, evoluiu para um núcleo misto, que tanto pode ser funcional como<br />
lexical
Inês Duarte 2009<br />
Os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> não são elementos<br />
funcionais<br />
Os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> exibem uma estrutura argumental parcialmente idêntica à<br />
<strong>dos</strong> <strong>verbos</strong> plenos homónimos:<br />
(5) a. [O João] pôs [o filho] [na escola].<br />
b. [O João] pôs [a casa] em polvorosa.<br />
(6) a. [O João] deu [um livro] [à Maria].<br />
b. [O João] dá [prestígio] [à fundação].<br />
Em contextos em que o verbo leve é ditransitivo, a preposição que introduz<br />
o segundo argumento interno corresponde à que se encontra especificada na<br />
grelha temática do verbo pleno homónimo, podendo não coincidir com a<br />
preposição que introduz o argumento interno do nome deverbal (Duarte,<br />
Gonçalves, Miguel 2005):<br />
(7) a. O João dá prestígio à/*da fundação.<br />
b. O prestígio *à/da fundação não depende do João.
Inês Duarte 2009<br />
Os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> não são <strong>verbos</strong><br />
auxiliares<br />
Contrariamente aos <strong>verbos</strong> auxiliares, os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> impõem restrições de<br />
selecção semântica ao elemento com que se combinam para formar o<br />
predicado complexo.<br />
Por exemplo, o verbo recear pode combinar-se com qualquer auxiliar ou<br />
semi-auxiliar, mas o nome deverbal receio não pode combinar-se com<br />
qualquer verbo leve:<br />
(8) a. O João tem receado as consequências dessa proposta.<br />
b. As consequências dessa proposta são receadas pelo João.<br />
c. O João continua a recear as consequências dessa proposta.<br />
(9) a. O João tem receio das consequências dessa proposta.<br />
b. *O João dá/faz/mete receio das consequências dessa proposta.
Inês Duarte 2009<br />
Os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> não são <strong>verbos</strong><br />
auxiliares<br />
Contrariamente aos auxiliares, os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> impõem restrições de<br />
selecção semântica ao sujeito ( (10) vs. (11)):<br />
(Duarte, Gonçalves, Colaço, Mendes & Miguel 2009)<br />
(10)a. O João tinha empurrado o carro que estava estacionado.<br />
b. A chuva tinha empurrado o carro que estava estacionado.<br />
(11)a. O João deu um empurrão ao carro que estava estacionado.<br />
b. *A chuva deu um empurrão ao carro que estava estacionado.<br />
Contrariamente aos auxiliares, os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> mantêm-se estáveis<br />
diacronicamente, não entrando no processo de gramaticalização defendido<br />
em Hopper & Traugott (1993: 108) ― cf. (12):<br />
(12) verbo pleno > verbo vector (= leve) > auxiliar > clítico > afixo
Inês Duarte 2009<br />
Os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> não são <strong>verbos</strong><br />
auxiliares<br />
Da<strong>dos</strong> da família indo-iraniana relativamente aos predica<strong>dos</strong> complexos V-<br />
-V em Urdu e Bengali (Butt & Lahiri 2002, Butt 2003) mostram que estas construções já<br />
existiam em Sâncrito e em Bengali Antigo:<br />
(13) tato maksikodd¯ıya gat¯a. (Sânscrito)<br />
then fly-fly.Gd go.PastParticiple<br />
‘then the fly flew away’<br />
(Pa˜ncatantra 122 (ed. Kielhorn 1902:91, 1.14), apud Tikkanen (1987:176))<br />
(14) kabutre υr. ga-ye. (Urdu)<br />
pigeon M.Pl.Nom fly go-Perf.M.Pl<br />
‘The pigeons flew away.’<br />
<br />
Butt (2003: 10)<br />
full verb > auxiliary > clitic > affix(es)<br />
light verb
Inês Duarte 2009<br />
Os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> não são <strong>verbos</strong> de<br />
controlo<br />
Contrariamente ao que acontece com as construções de controlo, os<br />
predica<strong>dos</strong> complexos encabeça<strong>dos</strong> por <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> definem domínios<br />
mono-oracionais - (15a) vs. (15b):<br />
(15)a. Ontem, o João prometeu ir ao teatro amanhã.<br />
b. *Ontem, o João fez a promessa amanhã.<br />
Em síntese:<br />
Os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> são uma classe autónoma de <strong>verbos</strong>, forma<strong>dos</strong> a partir <strong>dos</strong><br />
<strong>verbos</strong> plenos homónimos<br />
Mantêm propriedades de selecção semântica<br />
Definem domínios mono-oracionais<br />
Questão:<br />
O que distingue os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> <strong>dos</strong> <strong>verbos</strong> plenos homónimos?
Inês Duarte 2009<br />
Predica<strong>dos</strong> complexos resultativos:<br />
uma primeira descrição<br />
Tipologia de particípios de Embick (2004): eventivos, resultativos,<br />
estativos:<br />
(16)a. O exemplo foi corrigido por um falante nativo.<br />
b. O exemplo ficou/está corrigido.<br />
c. O exemplo está correcto.<br />
NB: passivas eventivas = passivas verbais da tipologia dicotómica clássica;<br />
resultativas incluem-se nas passivas adjectivais (cf. Borer 1984, Levin &<br />
Rappaport, 1986).
Inês Duarte 2009<br />
Predica<strong>dos</strong> complexos resultativos:<br />
uma primeira descrição<br />
Passivas eventivas distinguem-se das resultativas pela presença da<br />
componente agentiva sintagmas-por e advérbios orienta<strong>dos</strong> para o<br />
agente são aceites nas eventivas e ocorrem dificilmente nas resultativas:<br />
(17)a. O exemplo foi corrigido por um falante nativo.<br />
b. O exemplo foi corrigido voluntariamente.<br />
(18)a. ?/*O exemplo ficou corrigido por um falante nativo.<br />
b. ?/*O exemplo ficou corrigido voluntariamente.
Inês Duarte 2009<br />
Predica<strong>dos</strong> complexos resultativos:<br />
uma primeira descrição<br />
Particípios resultativos distinguem-se <strong>dos</strong> estativos pelo seu<br />
comportamento em três tipos de contextos.<br />
i. Particípios resultativos admitem advérbios orienta<strong>dos</strong> para o sujeito,<br />
particípios estativos não (cf. Kratzer 1994):<br />
(19) a. O exemplo ficou cuida<strong>dos</strong>amente corrigido.<br />
b.* O exemplo está cuida<strong>dos</strong>amente correcto.<br />
(Interpretação relevante: foi cuida<strong>dos</strong>o p)<br />
(20) a. O comentário polémico ficou estupidamente ocultado na gravação.<br />
b.* O comentário polémico está estupidamente oculto na gravação.<br />
(Interpretação relevante: foi estúpido p)
Inês Duarte 2009<br />
Predica<strong>dos</strong> complexos resultativos:<br />
uma primeira descrição<br />
ii. Particípios resultativos não podem ocorrer como predica<strong>dos</strong> secundários<br />
de <strong>verbos</strong> factitivos, enquanto os estativos podem:<br />
(21)a. Construiu-se o bunker oculto.<br />
b.* Construiu-se o bunker ocultado.<br />
(22)a. Criaram roto o fato do herói.<br />
b.* Criaram rompido o fato do herói.<br />
iii. Particípios resultativos não podem ocorrer em construções de predica<strong>dos</strong><br />
complexos resultativos, enquanto os estativos podem (cf. Green 1972,<br />
Carrier & Randall 1992):<br />
(23)a. O pai pôs-se descalço na relva.<br />
b.* O pai pôs-se descalçado na relva.<br />
(24)a. A região tornou-se seca.<br />
b.* A região tornou-se secada.
Inês Duarte 2009<br />
Predica<strong>dos</strong> complexos resultativos:<br />
uma primeira descrição<br />
iv. Particípios resultativos não admitem a prefixação com in-, enquanto os<br />
estativos admitem[1]:<br />
(25)<br />
inato/ * inascido indissoluto/ *indissolvido<br />
incompleto/ * incompletado indistinto/ *indistinguido<br />
incorrecto/ * incorrigido ingrato/ *inagradecido<br />
inculto/ * incultivado<br />
____<br />
[1] O português apresenta neste aspecto um comportamento inverso ao do inglês:<br />
em inglês a prefixação com un- é produtiva com particípios resultativos e esporádica<br />
com adjectivos (cf. Embick, 2004).
Inês Duarte 2009<br />
Predica<strong>dos</strong> complexos resultativos:<br />
uma primeira descrição<br />
Os predica<strong>dos</strong> complexos forma<strong>dos</strong> por sequências <br />
são resultativos:<br />
(26)a. O Banco central tornou a operação credível.<br />
=> a operação ficou credibilizada<br />
b. O Hubble tornou possível essa observação.<br />
=> essa observação ficou possibilitada<br />
c. O cantor pôs ô público em ebulição.<br />
=> o público ficou em ebulição<br />
Nos predica<strong>dos</strong> complexos resultativos encabeça<strong>dos</strong> por <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong>, o<br />
predicado secundário não pode ser resultativo (cf. (23)-(24)).
Inês Duarte 2009<br />
Propriedades da sequência <br />
Paráfrase com um verbo pleno, morfologicamente relacionado com o N:<br />
(27)a. O presidente deu alguns conselhos ao governo.<br />
b. O presidente aconselhou o governo.<br />
(28)a. O primeiro-ministro fez uma apresentação da nova lei no<br />
Parlamento.<br />
b. O primeiro-ministro apresentou a nova lei no Parlamento.<br />
(29)a. O presidente teve uma conversa com o primeiro-<br />
-ministro.<br />
b. O presidente conversou com o primeiro-ministro.
Inês Duarte 2009<br />
Propriedades da sequência
Inês Duarte 2009<br />
Propriedades da sequência
Inês Duarte 2009<br />
Propriedades da sequência
Inês Duarte 2009<br />
Nesta construção, os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> são<br />
predica<strong>dos</strong><br />
Os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> podem preservar a estrutura argumental <strong>dos</strong> <strong>verbos</strong> plenos<br />
homónimos (cf. (5)-(6)) e s-seleccionam o argumento externo (cf. (10) vs.<br />
(11)). Além disso:<br />
Conservam parte do significado e da grelha temática do verbo pleno<br />
homónimo:<br />
(36) (O João) x deu (uma gravata) y (ao pai) z .<br />
(37)a. (O João) x deu (um abraço) y (ao pai) z .<br />
b. (O João) x deu (muitas preocupações) y (ao pai) z .<br />
(38)a. O Pedro fez uma casa na árvore (às / para as crianças).<br />
b. O filme fez muita aflição às crianças.<br />
(39)a. O Pedro tem uma casa no campo.<br />
b. O Pedro tem algum receio de aranhas.<br />
(40) a. receio de aranhas, conversa com os pais, orgulho na família<br />
b. O Pedro teve uma conversa importante com os pais.<br />
c. O Pedro tem muito orgulho na família.
Inês Duarte 2009<br />
Nesta construção, os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> são<br />
predica<strong>dos</strong><br />
Os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> seleccionam um Tema que denota uma eventualidade e não<br />
uma entidade:<br />
(41)a. O Pedro tem dado uma ajuda permanente/ocasional à UNICEF.<br />
b. O Pedro fez uma intervenção interminável/rápida no debate.<br />
c. Kissinger teve uma influência duradoura/pontual na política<br />
externa americana.<br />
(42) a. *O Pedro deu um livro permanente/ocasional ao pai.<br />
b. *O Pedro fez um bolo interminável/rápido para o filho.<br />
c. * O Pedro teve um carro duradouro/pontual.<br />
(43)a. O presidente deu alguns conselhos ao governo. (cf. Grimssaw 1990)<br />
b. O presidente fez uma apresentação da nova lei no Parlamento.<br />
c. O presidente teve uma conversa com o primeiro-ministro.<br />
(44)a. ??O presidente deu alguns conselhos.<br />
b. ??O presidente fez uma apresentação.<br />
c. ??O presidente teve uma conversa.
Inês Duarte 2009<br />
Nesta construção, os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> são<br />
predica<strong>dos</strong><br />
Tal como os <strong>verbos</strong> plenos, os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> admitem alternâncias:<br />
Alternância causativa/incoativa com fazer:<br />
(45)a. Esse cirurgião fez uma operação difícil.<br />
b. A Maria fez uma operação difícil (com esse cirurgião).<br />
Esta alternância não é permitia nem pelo verbo pleno homónimo, nem pelo<br />
verbo derivante do N:<br />
(46)a. O Pedro fez um veleiro.<br />
b.* O veleiro fez-se com o Pedro.<br />
(47)a. Esse cirurgião operou a doente.<br />
b.* A doente operou-se com esse cirurgião.
Inês Duarte 2009<br />
Nesta construção, os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> são<br />
predica<strong>dos</strong><br />
Alternância simétrica, com dar e fazer:<br />
(48)a. O Pedro deu um beijo à Maria.<br />
b. O Pedro e a Maria deram um beijo.<br />
Alternância do tipo spray/load, com dar e fazer :<br />
(49)a. O lavrador fez um carregamento de trigo no camião.<br />
b. O lavrador fez um carregamento do camião com trigo.<br />
Estas duas alternâncias são “herdadas” do verbo derivante do N:<br />
(50)a. O Pedro beijou a Maria.<br />
b. O Pedro e a Maria beijaram-se.<br />
(51)a. O lavrador carregou trigo no camião.<br />
b. O lavrador carregou o camião com trigo.
Inês Duarte 2009<br />
Nesta construção, os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> são<br />
predica<strong>dos</strong><br />
Alternâncias processo-estado com dar/ter e fazer/ter:<br />
(52)a. O Pedro deu muitas preocupações aos pais. (processo)<br />
b. Os pais tiveram muitas preocupações com o Pedro. (estado)<br />
(53)a. O Pedro fez uma corrida espantosa. (processo)<br />
b. O Pedro teve uma corrida espantosa. (estado)<br />
Estas alternâncias não são herdadas nem do verbo pleno homónimo nem do<br />
verbo derivante: e.g., correr não permite este tipo de alternância; a alternância<br />
do verbo pleno preocupar não altera o tipo de eventualidade.<br />
(54)a. O Pedro preocupou os pais. (processo)<br />
b. Os pais preocuparam-se com o Pedro. (processo)
Inês Duarte 2009<br />
Nesta construção, os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> são<br />
predica<strong>dos</strong><br />
Os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> são sensíveis à aktionsart do N com que se combinam<br />
(Oliveira et al. 2009)<br />
NB: Por questões de simplicidade, assumo a Aspectual Preserving<br />
Hypothesis (Marín & McNally, 2009). Contudo, os factos são mais<br />
complica<strong>dos</strong>: e.g., em PB, o nominalizador produtivo -ada transforma<br />
predica<strong>dos</strong> atélicos em predica<strong>dos</strong> télicos minimiza<strong>dos</strong> (Scher, 2005).<br />
Assim, quando este sufixo se aplica a radicais de processo, a classe<br />
aspectual do output muda:<br />
(55)a. Vou andar de bicicleta (durante duas horas).<br />
b. Vou dar uma andada de bicicleta (*durante duas horas). (PB)<br />
Em PE acontece o mesmo com o nominalizador produtivo –dela.<br />
(56)a. Olhei para o quadro (durante meia-hora).<br />
b. Dei uma olhadela ao quadro (*durante meia-hora). (PE)
Inês Duarte 2009<br />
Nesta construção, os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> são<br />
predica<strong>dos</strong><br />
Os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> são sensíveis à aktionsart do N com que se combinam<br />
(Oliveira et al. 2009)<br />
Dar<br />
(57)a. O Pedro deu uma corrida fantástica. (processo)<br />
b. O Pedro deu uma pintura à parede. (processo culminado)<br />
c. O Pedro deu um soluço. (ponto)<br />
d. * O Pedro deu um assalto. (culminação)<br />
e. * O Pedro deu uma estada no Brasil. (estado)<br />
Fazer<br />
(58)a. O Pedro fez uma corrida. (proc.)<br />
b. O Pedro fez uma declaração surpreendente. (proc. culm.)<br />
c. O ladrão fez um assalto (muito) proveitoso. (culm.)<br />
d. * O Pedro fez um soluço fatal. (ponto)<br />
e. *O Pedro fez uma estada prolongada no Brasil. (estado)
Inês Duarte 2009<br />
Nesta construção, os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> são<br />
Ter<br />
predica<strong>dos</strong><br />
(59)a. O Pedro teve uma corrida fantástica. (proc.)<br />
b. O Pedro teve uma declaração polémica. (proc. culm.)<br />
c. O ladrão teve um assalto proveitoso. (culm.)<br />
d. O Pedro teve um soluço fatal. (ponto)<br />
e. O Pedro teve uma estada prolongada no Brasil. (estado)
Inês Duarte 2009<br />
(60)<br />
Possibilidades combinatórias <strong>dos</strong><br />
<strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> dar, fazer, ter<br />
Light Verb Noun aspectual class<br />
process culm. proc. culmination point state<br />
dar + + - + -<br />
fazer + + + - -<br />
ter + + + + +
Inês Duarte 2009<br />
Uma feature description <strong>dos</strong> <strong>verbos</strong> com base<br />
na tipologia aspectual de Moens (1987)<br />
As classes de <strong>verbos</strong> de Vendler (1967) têm sido descritas através de feature<br />
clusters (Dowty 1979, Smith 1991, Scher 2005, eo.)<br />
Harley (2009: 333) propõe a seguinte especificação de traços para os<br />
verbalizadores que formam <strong>verbos</strong> principais:<br />
(61)a. V CAUSE : [+dynamic], [+ change of state], [+cause]<br />
b. V BECOME : [+dynamic], [+ change of state], [-cause]<br />
c. V DO : [+dynamic], [- change of state], [-cause]<br />
d. V BE : [-dynamic], [- change of state], [-cause]<br />
Duarte, Miguel & Gonçalves(2009):<br />
Manter os traços [± dynamic], [± cause];<br />
Alargar [± change] a mudança de lugar e de posse;<br />
Introduzir [± durative], para distinguir processos culmina<strong>dos</strong>,<br />
processos e esta<strong>dos</strong> de culminações e pontos;<br />
Introduzir [± instant(aneous)], para distinguir pontos de todas as<br />
outras classes (cf. Smith, 1991).
Inês Duarte 2009<br />
Aplicação da proposta de Duarte, Miguel &<br />
Gonçalves (2009)<br />
(62)a. V CAUSE : [+dynamic], [+ change], [+cause], [+durative], [-instant]<br />
b. V BECOME : [+dynamic], [+ change], [+cause], [-durative], [-instant]<br />
c. V DO : [+dynamic], [- change], [-cause], [+durative], [-instant]<br />
d. V BE : [-dynamic], [- change], [-cause], [+durative], [-instant]<br />
e. V DO_INSTANT : [+dynamic], [- change], [-cause], [-durative], [+instant]<br />
Verbo pleno dar : (62b)<br />
Verbo pleno fazer: (62a)<br />
Verbo pleno ter: (62d)<br />
HIP: Os <strong>verbos</strong> <strong>leves</strong> distinguem-se <strong>dos</strong> <strong>verbos</strong> plenos homónimos por<br />
terem alguns <strong>dos</strong> traços aspectuais subespecifica<strong>dos</strong>.<br />
(63)a. dar leve : [+dynamic], [± change], [± cause], [± durative], [± instant]<br />
b. fazer leve : [+dynamic], [± change], [± cause], [± durative], [-instant]<br />
c. ter leve : [+/-dynamic], [± change], [± cause], [± durative], [± instant]
Inês Duarte 2009<br />
Eliminação das combinatórias agramaticais<br />
Vleve + N<br />
Verbos <strong>leves</strong> dar e fazer:<br />
Traço [+dynamic].⇒ não podem combinar-se com Ns que denotem<br />
esta<strong>dos</strong>, que são [- dynamic] (cf. agramaticalidade de (57e) e (58e)).<br />
Como são subespecifica<strong>dos</strong> para o traço [change], podem combinar-se<br />
com Ns que denotem processos ou processos culmina<strong>dos</strong>, os quais<br />
permitirão a atribuição, do valor [-] e [+], respectivamente.<br />
Como são subespecifica<strong>dos</strong> para [cause], podem combinar-se com<br />
processos culmina<strong>dos</strong> ([+ cause]) e com processos ([-cause]).<br />
Enquanto dar é subespecificado para o traço [instant], admitindo Ns<br />
que denotem pontos, fazer mantém o valor [-] do verbo pleno<br />
homónimo, pelo que exclui Ns denotando pontos ([+instant]) ((57c) vs.<br />
(58d)).<br />
Verbo leve dar: a exclusão da combinação de Ns denotando culminações (cf.<br />
*(57d)) faz-se pós-sintacticamente, na interface C-I (Oliveira et al. 2009).<br />
O verbo leve ter, como é subespecificado para to<strong>dos</strong> os traços aspectuais,<br />
admite a combinação com Ns de qualquer das cinco classes.
Inês Duarte 2009<br />
Exemplificação<br />
A combinação de dar com um N denotando um processo:<br />
(64)a. dar um passeio<br />
dar light : [+dynamic], [± change], [± cause], [± durative], [± instant]<br />
passeio: [+dynamic], [- change], [- cause], [+ durative], [- instant]<br />
dar um passeio: [+dynamic], [- change], [- cause], [+ durative],<br />
[- instant]<br />
Vleve e N partilham o valor [+] para o traço [dynamic]; os restantes<br />
traços do Vleve são subespecifica<strong>dos</strong> ⇒ toda a sequência herda os<br />
valores especifica<strong>dos</strong> nos traços do N.<br />
A combinação de dar com um N denotando um estado:<br />
(64)b. *dar uma estada no Brasil<br />
dar light : [+ dynamic], [± change], [± cause], [± durative], [± instant]<br />
estada: [- dynamic ], [- change], [- cause], [+ durative], [- instant]<br />
Os valores para o traço [dynamic] são conflituais, o que elimina<br />
a combinação.
Inês Duarte 2009<br />
O predicado complexo é formado na<br />
sintaxe<br />
O Vleve e o N entram na numeração com os seus traços formais<br />
inerentes.<br />
Aos traços interpretáveis não especifica<strong>dos</strong> do Vleve é atribuído<br />
um valor através da operação checking/agree contra os traço<br />
valora<strong>dos</strong> do N.<br />
O Vleve é um predicado de controlo: o seu argumento externo<br />
controla a eventualidade denotada pelo N (cf. (4) vs. (5)).
Inês Duarte 2009<br />
Referências<br />
Abeillé, A., D. Godard & I. Sag (1998). Two Kinds of Composition in French Complex<br />
predicates. In Hinrichs, E., A. Kathol & T. Nakazawa (eds.), Complex Predicates in<br />
Nonderivational Syntax. Syntax and Semantics 30. San Diego: Academic Press.<br />
Alsina, A. (1996). The Role of Argument Structure in Grammar. Stanford: CSLI Publications.<br />
Butt, M. & W. Geuder (2001). On the (Semi)Lexical Status of Light Verbs. In Corver, N. & H.<br />
van Riemsdijk (eds.), Semi-lexical Categories: On the Content of function words and the<br />
function of content words: 323-370. Berlim, Mouton de Gruyter.<br />
Butt, M. (2003). The Light Verb Jungle. Harvard Working Papers in Linguistics, Vol 9: 1-49.<br />
Cattell, R. (1984). Composite Predicates in English. Syntax and Semantics 17. Sydney:<br />
Academic Press.<br />
Diesing, M. (1998). Light Verbs and the Syntax of Aspect in Yiddish. The Journal of<br />
Comparative Germanic Linguistics, 1(2): 119-115.<br />
Dowty, D. (1979). Word Meaning and Montague Grammar. Dordrecht, Reidel.<br />
Duarte, I., A. Gonçalves & M. Miguel (2005). Verbos Leves com Nomes Deverbais em<br />
Português Europeu. In Actas do XXI Encontro Nacional da Associação Portuguesa de<br />
Linguística. Lisboa: APL.
Inês Duarte 2009<br />
Referências<br />
Duarte. I, M. Miguel & A. Gonçalves (2009). Light Verbs as Predicates. Comunicação<br />
apresentada ao TABU Dag, Universidade de Groningen.<br />
Grimshaw, J. (1990). Argument Structure. Cambridge, MA, MIT Press.<br />
Grimshaw, J. & A. Mester (1988). Light Verbs and θ-Marking. Linguistic Inquiry, 19-2:<br />
205-232.<br />
Gross, M. (1981). Les Bases Empiriques de la Notion de Prédicat Sémantique. Langages,<br />
63: 7-52.<br />
Harley, H. (2009). The morphology of nominalizations and the syntax of vP*. In<br />
Giannakidou, A. & M. Rathert (eds), Quantification, Definiteness, and<br />
Nominalization. Oxford: Oxford University Press.<br />
Hook, P. E. (1974). The Compound Verb in Hindi. Center for South and Southeast Asian<br />
Studies, Universidade de Michigan.<br />
Kratzer, A. (1996). Severing the External Argument from the verb. In Rooryck, J. & L.<br />
Zaring (eds.), Phrase Structure and the Lexicon: 109-137. Dordrecht: Kluwer.<br />
Langer, S. (2004). A Linguistic Test Battery for Support Verb Constructions. Lingvisticae<br />
Investigationes, 27( 2): 171-184.
Inês Duarte 2009<br />
Referências<br />
Marín, R. & L. McNally (2009). From Psych Verbs to Nouns (ms). International Workshop<br />
‘Events across Categories’, Madrid.<br />
Moens, M. (1987). Tense, Aspect and Temporal Reference. University of Edinburgh, PhD.<br />
Dissertation. Oliveira, F., l. F. Cunha, F. Silva & P. Silvano (2009). Some Remarks on<br />
the Aspectual Properties of Complex Predicates with Light Verbs and Deverbal Nouns.<br />
Comunicação apresentada ao TABU DAG, Groningen.<br />
Rosen, S. (1990). Argument Structure and Complex Predicates. Nova Iorque, Garland.<br />
Samek-Lodovici, V. (2003). The Internal Structure of Arguments and its Role in Complex<br />
Predicate Formation. Natural Language & Linguistic Theory, 21: 835-881.<br />
Scher, A.P. (2005). As Categorias Aspectuais e a Formação de Construções com o Verbo<br />
Leve Dar. Revista GEL, v. 2: 9-38.<br />
Smith, C.S. (1991). The Parameter of Aspect. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers.<br />
Vendler, Z. (1967). Linguistics in Philosophy. Ithaca / Londres: Cornell University Press.