Nelma Cristina Silva Barbosa - RI UFBA - Universidade Federal da ...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CULTURA E SOCIEDADE Nelma Cristina Silva Barbosa UM TEXTO IDENTITÁRIO NEGRO: Tensões e possibilidades em Cajazeiras, periferia de Salvador (Bahia) SALVADOR 2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA<br />
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO<br />
PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CULTURA E SOCIEDADE<br />
<strong>Nelma</strong> <strong>Cristina</strong> <strong>Silva</strong> <strong>Barbosa</strong><br />
UM TEXTO IDENTITÁ<strong>RI</strong>O NEGRO:<br />
Tensões e possibili<strong>da</strong>des em Cajazeiras, periferia de Salvador<br />
(Bahia)<br />
SALVADOR<br />
2009
<strong>Nelma</strong> <strong>Cristina</strong> <strong>Silva</strong> <strong>Barbosa</strong><br />
UM TEXTO IDENTITÁ<strong>RI</strong>O NEGRO:<br />
Tensões e possibili<strong>da</strong>des em Cajazeiras, periferia de Salvador<br />
(Bahia)<br />
Dissertação apresenta<strong>da</strong> ao Programa<br />
Multidisciplinar de Pós - Graduação em<br />
Cultura e Socie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Universi<strong>da</strong>de</strong><br />
<strong>Federal</strong> <strong>da</strong> Bahia.<br />
Orientadora: Profª. Drª. Marinyze Prates de<br />
Oliveira<br />
SALVADOR<br />
2009
Sistema de Bibliotecas - <strong>UFBA</strong><br />
<strong>Barbosa</strong>, <strong>Nelma</strong> <strong>Cristina</strong> <strong>Silva</strong>.<br />
Um texto identitário negro : tensões e possibili<strong>da</strong>des em Cajazeiras, periferia de Salvador<br />
(Bahia) / <strong>Nelma</strong> <strong>Cristina</strong> <strong>Silva</strong> <strong>Barbosa</strong>. - 2009.<br />
278 f. : il.<br />
Inclui anexos.<br />
Orientadora: Profª. Drª. Marinyze Prates de Oliveira.<br />
Dissertação (mestrado) - <strong>Universi<strong>da</strong>de</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> Bahia, Facul<strong>da</strong>de de Comunicação,<br />
Salvador, 2009.<br />
1. Negros - Salvador (BA) - Identi<strong>da</strong>de racial. 2. Cultura afro-brasileira. 3. Salvador (BA) -<br />
Periferias urbanas. I. Oliveira, Marinyze Prates de. II. <strong>Universi<strong>da</strong>de</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> Bahia.<br />
Facul<strong>da</strong>de de Comunicação. III. Título.<br />
CDD - 305.89608142<br />
CDU - 316.356.4(813.8)
NELMA C<strong>RI</strong>STINA SILVA BARBOSA<br />
BANCA EXAMINADORA<br />
_________________________________<br />
Prof. Dr. Wilson Roberto de Mattos<br />
_________________________________<br />
Profª. Drª. Lindinalva <strong>Silva</strong> Oliveira Rubim<br />
_________________________________<br />
Profª Drª Marinyze Prates de Oliveira<br />
Salvador, __________/ ______________________/2009
TERMO DE APROVAÇÃO<br />
NELMA C<strong>RI</strong>STINA SILVA BARBOSA<br />
UM TEXTO IDENTITÁ<strong>RI</strong>O NEGRO:<br />
Tensões e possibili<strong>da</strong>des em Cajazeiras, periferia de Salvador<br />
(Bahia)<br />
Recebi<strong>da</strong> em: __________/_______________/_________<br />
Aprova<strong>da</strong> em: __________/_______________/_________<br />
O<strong>RI</strong>ENTADORA: PROFª. DRª. MA<strong>RI</strong>NYZE PRATES DE OLIVEIRA<br />
Salvador<br />
2009
Aos meus irmãos Júlio César <strong>Silva</strong> <strong>Barbosa</strong> (Cáca) e Fernando<br />
Lemos <strong>Barbosa</strong> Júnior (Linho) pelas nossas an<strong>da</strong>nças no mundo que<br />
motivaram o aprendizado nas formas do amar e do viver.
Abraçar e agradecer...<br />
...A Marcílio Santana Marcelino e Fernando Lemos <strong>Barbosa</strong> Júnior (Linho) pelo<br />
bálsamo que foram na minha vi<strong>da</strong> em momentos de muita dor. Essas duas presenças me<br />
ancoraram e me sustentaram quando me faltaram forças e vontade de viver.<br />
A Flávio José <strong>Barbosa</strong>, Hildonice Batista e Marilene Santana <strong>da</strong> Cruz, pela simplici<strong>da</strong>de<br />
e profundi<strong>da</strong>de espiritual <strong>da</strong>s palavras, gestos e atitudes; pelo amor que me ensinam a<br />
vivenciar.<br />
A Blanch Mantel, pelo apoio mais do que profissional.<br />
A Taíze Santos, Júnior e Paula Emanuele Novaes pela transcrição <strong>da</strong>s entrevistas e pela<br />
paciência comigo nos momentos de tensão.<br />
A Marinyze Prates de Oliveira pela generosi<strong>da</strong>de, acolhi<strong>da</strong> e estímulo. A soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de e<br />
disciplina dessa professora foram fun<strong>da</strong>mentais para a concretização dessa dissertação.<br />
A Wilson Roberto de Mattos, Ana Fernandes e Paulo César Alves pela atenção, cui<strong>da</strong>do<br />
e valiosas sugestões a esse trabalho.<br />
Às lideranças comunitárias de Cajazeiras, especialmente Kilson Melo e Maísa Flores,<br />
que me ensinam outras formas de ser Salvador.<br />
A dona Nininha e Lúcia Soares, pela confiança e carinho. Elas caminham ao meu lado<br />
desde a França e estão entre meus principais alicerces na vi<strong>da</strong>. Merci beaucoup!!<br />
A Lécio Mota e Antônio Mateus, “intelectuais <strong>da</strong> Residência Universitária”, pelos<br />
enredos dramáticos e hilariantes que me aliviavam o cansaço.
Aos ex-alunos Ivânea Costa, Alice Pimenta, Augusto Carigé e Sulivan Soares,<br />
companheiros de jorna<strong>da</strong> que tanto se empenharam numa formação comprometi<strong>da</strong> com<br />
a mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de de Salvador.<br />
A Márcia Mignac, por me orientar no cui<strong>da</strong>do com o meu corpo quando a mente não<br />
mais o suportava. Voltar a ser artista foi essencial para retomar o processo criativo<br />
acadêmico.<br />
À torci<strong>da</strong> forma<strong>da</strong> pela legião de amigos que fiz nos caminhos por onde enveredei, a<br />
saber: São Paulo, Bahia, Maranhão, Pernambuco, Alagoas, Rio de Janeiro, França,<br />
Itália, Alemanha, Portugal, Irlan<strong>da</strong>, Argélia, Líbano, Cuba, Estados Unidos...Todos<br />
estão presentes espiritualmente nesta dissertação.
HAITI<br />
Composição: Caetano Veloso e Gilberto Gil<br />
Quando você for convi<strong>da</strong>do pra subir no adro<br />
Da Fun<strong>da</strong>ção Casa de Jorge Amado<br />
Pra ver do alto a fila de sol<strong>da</strong>dos, quase todos pretos<br />
Dando porra<strong>da</strong> na nuca de malandros pretos<br />
De ladrões mulatos e outros quase brancos<br />
Tratados como pretos<br />
Só pra mostrar aos outros quase pretos<br />
(E são quase todos pretos)<br />
E aos quase brancos pobres como pretos<br />
Como é que pretos, pobres e mulatos<br />
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados<br />
E não importa se os olhos do mundo inteiro<br />
Possam estar por um momento voltados para o largo<br />
Onde os escravos eram castigados<br />
E hoje um batuque um batuque<br />
Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária<br />
Em dia de para<strong>da</strong><br />
E a grandeza épica de um povo em formação<br />
Nos atrai, nos deslumbra e estimula<br />
Não importa na<strong>da</strong>:<br />
Nem o traço do sobrado<br />
Nem a lente do fantástico,<br />
Nem o disco de Paul Simon<br />
Ninguém, ninguém é ci<strong>da</strong>dão<br />
Se você for a festa do Pelô, e se você não for<br />
Pense no Haiti, reze pelo Haiti<br />
O Haiti é aqui<br />
O Haiti não é aqui<br />
E na TV se você vir um deputado em pânico, mal dissimulado<br />
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer<br />
Plano de educação que pareça fácil<br />
Que pareça fácil e rápido<br />
E vá representar uma ameaça de democratização<br />
Do ensino do primeiro grau<br />
E se esse mesmo deputado defender a adoção <strong>da</strong> pena capital<br />
E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto<br />
E nenhum no marginal<br />
E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual<br />
Notar um homem mijando na esquina <strong>da</strong> rua sobre um saco<br />
Brilhante de lixo do Leblon<br />
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo<br />
Diante <strong>da</strong> chacina<br />
111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos<br />
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres<br />
E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos
E quando você for <strong>da</strong>r uma volta no Caribe<br />
E quando for trepar sem camisinha<br />
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba<br />
Pense no Haiti, reze pelo Haiti<br />
O Haiti é aqui<br />
O Haiti não é aqui
RESUMO<br />
Este trabalho consiste na identificação e análise <strong>da</strong> constituição de um discurso<br />
identitário concernente à região de Cajazeiras, o maior complexo habitacional <strong>da</strong><br />
América Latina, situado na periferia de Salvador. As moradias dessa região inicialmente<br />
foram construí<strong>da</strong>s para compor um bairro-dormitório de trabalhadores, um lugar de<br />
passagem, sem possibili<strong>da</strong>de de troca entre os sujeitos, sem interação social. No<br />
entanto, essa lógica foi inverti<strong>da</strong> pois embora contem com uma infra-estrutura precária,<br />
os habitantes têm buscado fortalecer ou reavivar maneiras de convivência e valores<br />
coletivos baseados fun<strong>da</strong>mentalmente em uma cultura original: a cultura afro-brasileira.<br />
Partimos do pressuposto de que essa comuni<strong>da</strong>de tem buscado construir um discurso<br />
identitário negro e por isso tem realizado algumas ações na transformação de<br />
marcadores de pertencimento de uma origem comum (a origem africana) tais como o<br />
reavivamento <strong>da</strong> memória coletiva negra no bairro ou a afirmação e proteção de<br />
símbolos como a pedra do Quilombo do Buraco do Tatu. Esse estudo de caso único teve<br />
como base teórica principal as contribuições de Muniz Sodré, Stuart Hall, Milton<br />
Santos, Poutignat & Streiff-Fenart, Marc Augé e Florestan Fernandes, entre outros, o<br />
que nos permitiu a compreensão de que esse fortalecimento <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de negra também<br />
confere aos moradores desse bairro o sentimento de pertença à ci<strong>da</strong>de de Salvador, que<br />
veicula como símbolo próprio a imagem <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de-negritude, embora exclua a<br />
população afrodescendente (que predomina em Cajazeiras) <strong>da</strong>s condições de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.<br />
O direito de pertencer à ci<strong>da</strong>de hoje é materializado não somente nas lutas pela<br />
quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> população, mas em um desejo de ser reconhecido como parte<br />
integrante <strong>da</strong> marca Salvador.<br />
Palavras-Chave: Identi<strong>da</strong>de Negra. Cultura Afro-Brasileira. Periferia. Salvador.
RÉSUMÉ<br />
Ce travail est l´essayage d´identifier et analyser la constitution d´un discours identitaire<br />
de la région de Cajazeiras, le plus grand complexe habitationale populaire de<br />
l´Amerique Latine, située au banlieue de la ville de Salvador, Bahia, Brésil. Les<br />
habitations de cette région ont été construit pour former un quartier d´ouvrières, une<br />
place de passage, sans la possibilité d´échanges entre les individus, sans interaction<br />
sociale. Néanmoins, cette logique a été renversée parce-que tandis que ils ont une infrastructure<br />
faible, les habitantes se battent pour fortifier ou révigorer des maniéres de<br />
vivre et les valeurs collectives basée notamment sur une culture original: la culture afrobrésilienne.<br />
Notre hypothése était que cette communauté a cherchée la construction d´un<br />
discours identitaire noire et c´est pour ça que elle réalise quelques actions <strong>da</strong>ns la<br />
transformation de frontières d´appartenance à une origine commune (l´origine africaine)<br />
tels que le ravivement de la mémoire collective noire au quartier ou l´affirmation et<br />
protection de symboles comme la pierre de Quilombo do Buraco do Tatu. Cet étude de<br />
cas unique a eu la base théorique principal sur les contributions de Muniz Sodré, Stuart<br />
Hall, Milton Santos, Poutignat & Streiff-Fenart, Marc Augé et Florestan Fernandes,<br />
parmi d´autres et ça nous avons permi d´avoir la comprehension suivante: cette<br />
fortification de l´identité noire offre aussi aux habitantes de quartier le sentiment<br />
d´appartenance à la ville de Salvador, qui divulgue comme leur symbole l´image de la<br />
ville-negresse, tandis que éloigne la population afrodescendente ( que est la plupart a<br />
Cajazeiras) de la citoyenneté. Le droit d´appartenir à la ville aujourd´hui est materialisé<br />
pas seulement <strong>da</strong>ns les luttes pour la qualité de vie de la population, mais <strong>da</strong>ns l´envie<br />
d´être reconnue comme une part intégrant de la griffe Salvador.<br />
Mots-Clés: Identité Noire. Culture Afro-Brésilienne. Banlieue. Salvador.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS<br />
AFA - Associação Brasileira de Preservação <strong>da</strong> Cultura Afro-Ameríndia<br />
APA - Área de Proteção Ambiental<br />
ASABA - Associação Afoxés <strong>da</strong> Bahia<br />
AR - Administração Regional<br />
BNH - Banco Nacional de Habitação<br />
CEAO - Centro de Estudos Afro-Orientais<br />
CEDURB - Companhia Estadual de Desenvolvimento Urbano<br />
CIA - Centro Industrial de Aratu<br />
CONDER - Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado <strong>da</strong> Bahia<br />
COPEC - Complexo Petroquímico de Camaçari<br />
CPF - Ca<strong>da</strong>stro de Pessoas Físicas<br />
EPUCS - Escritório do Plano de Urbanismo <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de do Salvador<br />
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística<br />
IES - Instituição de Ensino Superior<br />
IDH - Índice de Desenvolvimento Humano<br />
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplica<strong>da</strong><br />
IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional<br />
IPTU - Imposto Predial e Territorial Urbano<br />
FCP - Fun<strong>da</strong>ção Cultural Palmares<br />
MNU - Movimento Negro Unificado<br />
PDDU - Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano<br />
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio<br />
PNUD - Programa <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s para o Desenvolvimento<br />
PC do B - Partido Comunista do Brasil<br />
PDT - Partido Democrático Trabalhista<br />
PT - Partido dos Trabalhadores<br />
RA - Região Administrativa<br />
RMS - Região Metropolitana de Salvador<br />
SAC - Serviço de Atendimento ao Ci<strong>da</strong>dão<br />
SEMUR - Secretaria Municipal de Reparação de Salvador<br />
SEPPIR - Secretaria Especial de Políticas de Promoção <strong>da</strong> Igual<strong>da</strong>de Racial
SERFHAU - Serviço <strong>Federal</strong> de Habitação e Urbanismo<br />
<strong>UFBA</strong> - <strong>Universi<strong>da</strong>de</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> Bahia.<br />
UNEGRO - União de Negros Pela Igual<strong>da</strong>de<br />
UNESCO - Organização <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s para a Educação, a Ciência e a Cultura<br />
UNIÃO - União <strong>da</strong>s Associações de Moradores e Enti<strong>da</strong>des Representativas de<br />
Cajazeiras e Adjacências<br />
URBIS - Habitação e Urbanização do Estado <strong>da</strong> Bahia S/A
LISTA DE FIGURAS E FOTOS<br />
FIGURA 1 - ROTA DE TRÁFICO DE ESCRAVOS DA ÁF<strong>RI</strong>CA PARA O BRASIL<br />
FIGURA 2 - OCUPAÇÃO DO ESPAÇO FÍSICO DA CIDADE DE SALVADOR –<br />
1600/1940<br />
FIGURA 3 - CASEBRE TÍPICO DE SALVADOR EM 1935<br />
FIGURA 4 - OCUPAÇÃO URBANA DE SALVADOR (1940-1983)<br />
FOTO 01 - COMPLEXO CAJAZEIRAS<br />
FOTO 02 - VISÃO DA APA JOANES – IPITANGA A PARTIR DE FAZENDA<br />
GRANDE II<br />
FOTO 03 - RÓTULA DA FEI<strong>RI</strong>NHA<br />
FOTO 04 - CAMPO DA PRONAICA<br />
FOTO 05 - TRECHO DA AVENIDA ASSIS VALENTE EM QUE FICA A PEDRA<br />
DO BURACO DO TATU<br />
FOTO 06 - PEDRA DO QUILOMBO DO BURACO DO TATU<br />
FOTO 07 - GRUPO DE CAPOEIRA ZUMBI GUERREIRO, DE CAJAZEIRAS 4<br />
FOTO 08 - II MARCHA DA CONSCIÊNCIA NEGRA DE CAJAZEIRAS<br />
FOTO 09 - COMÉRCIO DE CAJAZEIRAS<br />
FOTO 10 - ESTUDANTES NA PEDRA DO BURACO DO TATU DURANTE 2ª<br />
MARCHA DA CONSCIÊNCIA NEGRA DE CAJAZEIRAS<br />
FOTO 11 - FAIXA DA 2ª MARCHA DA CONSCIÊNCIA NEGRA DE CAJAZEIRAS
SUMÁ<strong>RI</strong>O<br />
INTRODUÇÃO 18<br />
O SUJEITO E O ESPAÇO VIVIDO 20<br />
ESTUDO DE CASO 25<br />
O LOCAL DE ESTUDO 28<br />
CAPÍTULO 1<br />
SALVADOR: CIDADE NEGRA, CIDADE DESIGUAL 33<br />
1.1 A OCUPAÇÃO DO ESPAÇO URBANO DE SALVADOR 40<br />
1.2 A CULTURA NEGRA EM SALVADOR: REELABORAÇÃO E CONFRONTO<br />
1.3 TENTATIVAS DE EMBRANQUECIMENTO DO ESPAÇO URBANO DE<br />
SALVADOR 53<br />
1.4 CAJAZEIRAS: A ÚLTIMA FRONTEIRA DE SALVADOR 60<br />
CAPÍTULO 2<br />
CIDADE DA BAHIA: O ESPAÇO DA COR? 69<br />
2.1 POBRES DE TÃO PRETOS! 74<br />
2.1.1 A COR NO DISCURSO IDENTITÁ<strong>RI</strong>O NACIONAL 76<br />
2.1.2 A MESTIÇAGEM E A CONSTRUÇÃO DE UM MITO FUNDADOR 81<br />
2.1.3 RACISMO À MODA DA CASA 84<br />
2.2 CULTURA BAIANA: O LUGAR DA O<strong>RI</strong>GEM 87<br />
CAPÍTULO 3<br />
TRÂNSITOS... 95<br />
3.1 DESENHANDO FRONTEIRAS 102<br />
3.1.1 LEITURAS IDENTITÁ<strong>RI</strong>AS 114<br />
3.2 CAJAZEIRAS: A CONSTRUÇÃO DE UM CONCEITO DE PE<strong>RI</strong>FE<strong>RI</strong>A 118<br />
3.2.1 UM PALITO PRA QUEBRAR É FÁCIL, AGORA TODOS EM UMA CAIXA É<br />
MUITO DIFÍCIL! 122<br />
3.2.2 IDAS E VINDAS 127<br />
45
3.3.3 O 13 DE MAIO DE 1988 EM CAJAZEIRAS 129<br />
3.2.4 EM DEFESA DA MEMÓ<strong>RI</strong>A: A PEDRA DO BURACO DO TATU 134<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS 141<br />
BIBLIOGRAFIA 145<br />
ANEXOS 155<br />
ANEXO A – MAPA DO QUILOMBO DO BURACO DO TATU 156<br />
ANEXO B – MAPA DE SALVADOR: ESTRUTURA POLÍTICO-<br />
ADMINISTRATIVA 158<br />
ANEXO C – MAPA DE SALVADOR: ADMINISTRAÇÃO REGIONAL XIV –<br />
CAJAZEIRAS 160<br />
ANEXO D – DIST<strong>RI</strong>BUIÇÃO DOS TERREIROS DE CANDOMBLÉ EM<br />
CAJAZEIRAS 162<br />
ANEXO E – DIST<strong>RI</strong>BUIÇÃO DOS TERREIROS DE CANDOMBLÉ EM<br />
SALVADOR 164<br />
ANEXO F – PROSPECTO DO GOVERNO DA BAHIA: OBRAS DA NOVA<br />
AVENIDA DA FAZENDA GRANDE 166<br />
ANEXO G – PROSPECTO DA CAJAVERDE 169<br />
ANEXO H – REPORTAGEM SOBRE AS OBRAS NA AVENIDA ASSIS VALENTE<br />
ANEXO I – TRANSC<strong>RI</strong>ÇÕES DE ENTREVISTAS 174<br />
172
INTRODUÇÃO<br />
As deman<strong>da</strong>s sociais estão ca<strong>da</strong> vez mais presentes nos espaços educativos,<br />
especialmente no caso <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de brasileira, cria<strong>da</strong> no início do século XX sob<br />
uma intensa movimentação intelectual que, entre outras coisas, exigia a associação do<br />
que se produzia nos bancos <strong>da</strong> academia e o que se reivindicava naquela socie<strong>da</strong>de. Ao<br />
delinearmos um modelo próprio de instituição universitária, nós brasileiros, nos<br />
comprometemos formalmente com a criação de novos espaços para a produção do<br />
conhecimento articulado com as reali<strong>da</strong>des locais. Através do ensino, pesquisa e<br />
articulação ensino-pesquisa-socie<strong>da</strong>de (ou extensão universitária) as instituições de<br />
ensino superior esforçam - se para realizar sua missão e contribuir para uma socie<strong>da</strong>de<br />
mais justa e igualitária.<br />
E foi justamente a partir de experiências de busca de construção coletiva de novas<br />
abor<strong>da</strong>gens e de novos caminhos para a universi<strong>da</strong>de que tive contato mais profundo<br />
com o tema <strong>da</strong> cultura e <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de. Minha vivência universitária no campus <strong>da</strong><br />
<strong>UFBA</strong> ampliou o desejo de “conhecer” sem deixar de “ser”. Morando na Residência<br />
Universitária 3, pude conviver com os sotaques e as formas baianas de viver tão<br />
distintas neste Estado continental. Meus colegas de “casa” provinham em sua maioria<br />
<strong>da</strong> zona rural ou periférica. Com eles eu passava muito tempo a discutir o que<br />
aprendíamos nas salas de aula e a relação com o que éramos e de onde vínhamos. Com<br />
eles eu aprendia novas maneiras de comunicar, de pertencer, de se afirmar e de sonhar.<br />
Mulheres, meninas, jovens, religiosos, negros, órfãos, sertanejos, litorâneos, agnósticos,<br />
indígenas, grapiúnas, baianos... Éramos todos muito diferentes, mas compreendíamos<br />
que naquele momento seríamos mais fortes se nos configurássemos enquanto um grupo<br />
específico em relação ao resto <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de (o nosso “outro”). Vivíamos na tensão<br />
entre uma cultura desconheci<strong>da</strong> que se apresentava como a única e ver<strong>da</strong>deira (a<br />
academia) e os nossos construtos pessoais de lugar, de vi<strong>da</strong>, de identi<strong>da</strong>des.<br />
Meu itinerário paralelo de militância política na juventude católica, no movimento<br />
estu<strong>da</strong>ntil e no Partido dos Trabalhadores encontrou, porém, maior articulação quando<br />
atuei no programa de extensão universitária <strong>UFBA</strong> em Campo, entre os anos de 1997 a<br />
2002. Houve em mim o aguçamento <strong>da</strong> percepção <strong>da</strong> plurali<strong>da</strong>de de modos de vi<strong>da</strong> e os<br />
18
pontos sensíveis numa definição de textos identitários seja enquanto sujeitos, seja<br />
enquanto objetos e isto me obrigava a rever todos os meus modelos de atitude e<br />
pensamento. Desenvolvi uma particular afetivi<strong>da</strong>de na criação do sentimento de<br />
pertença à universi<strong>da</strong>de como um todo, assumindo papéis ou identi<strong>da</strong>des múltiplas:<br />
pesquisadora, representante estu<strong>da</strong>ntil, residente, estagiária, estu<strong>da</strong>nte de Artes, entre<br />
outras. Pude ensaiar novas possibili<strong>da</strong>des de formação a partir de outras visões e<br />
temporali<strong>da</strong>des (a experiência <strong>da</strong> interdisciplinari<strong>da</strong>de me abria portas para campos e<br />
modos investigativos nem sempre abertos aos artistas plásticos). A idéia de conviver<br />
com o diferente criando interseções instigava um encantamento com as fronteiras de<br />
qualquer natureza (geográfica, lingüística, racial...).<br />
Mobiliza<strong>da</strong> por essas questões, ingressei nos estudos de pós-graduação em uma<br />
universi<strong>da</strong>de estrangeira. Em outro país, entretanto, perseguiam-me ain<strong>da</strong> as reflexões<br />
sobre o quê ou quem eu era, e o que me fazia diferente <strong>da</strong>s pessoas. De volta ao Brasil,<br />
iniciei minha carreira profissional de docente universitária e uma <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des foi a<br />
coordenação <strong>da</strong> extensão universitária de um curso de Direito numa facul<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong>.<br />
Nessa ocasião realizei um projeto no âmbito dos direitos humanos e <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de em<br />
parceria com sujeitos moradores do bairro de Cajazeiras, em Salvador. Daí vieram as<br />
primeiras perguntas que me conduziram à elaboração do pré - projeto de pesquisa de<br />
mestrado, apresentado ao Programa Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura e<br />
Socie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>UFBA</strong>, que resultou nesta dissertação. Provoca<strong>da</strong> e seduzi<strong>da</strong> intensamente<br />
pelo trânsito pessoal por diferentes lugares, pela vivência e “aprendência” em contextos<br />
comunitários distintos e convenci<strong>da</strong> de que perguntas sobre a cultura e a identi<strong>da</strong>de<br />
eram constantes nos meus questionamentos e trabalhos, busquei através <strong>da</strong> realização<br />
deste estudo, uma inteligibili<strong>da</strong>de maior e aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong> a respeito <strong>da</strong>s identi<strong>da</strong>des, com<br />
o fito de entender como se <strong>da</strong>va a elaboração do texto identitário de Cajazeiras, periferia<br />
de Salvador, a partir de suas lideranças, considerando o seguinte contexto:<br />
• Essa é uma parte <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de que sofreu um recente processo de ocupação e<br />
urbanização precária em função <strong>da</strong> economia na déca<strong>da</strong> de 1970 e, enquanto<br />
projeto arquitetônico de um lugar de passagem, dormitório de operários, sem a<br />
possibili<strong>da</strong>de de um vínculo com o espaço, impedia a construção de identi<strong>da</strong>des<br />
basea<strong>da</strong>s em fronteiras étnicas - contrariando o discurso oficial <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de de<br />
Salvador que é referenciado hoje nas culturas negras ;<br />
19
• o bairro tem uma intensa mobilização política a favor de políticas públicas que<br />
assegurem a seus moradores quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> e inclusão na ci<strong>da</strong>de;<br />
• e que a escolha por um texto de identi<strong>da</strong>de é também um posicionamento<br />
político, procurei compreender como tem se <strong>da</strong>do a construção dos discursos<br />
identitários do bairro de Cajazeiras a partir de seus representantes comunitários.<br />
O SUJEITO E O ESPAÇO VIVIDO<br />
As relações dos sujeitos com os espaços habitados se constituem cotidianamente através<br />
de seus usos – e desusos. É no cotidiano de um lugar que nos apropriamos dos usos,<br />
práticas e conceitos resultantes de relações sociais construí<strong>da</strong>s na história e com a<br />
história; é onde acontece a consoli<strong>da</strong>ção do poder. Em tempos de globalitarismo, o lugar<br />
é constantemente ressignificado pelo homem, pois se nutre permanentemente de<br />
múltiplas referências, ligações, conexões locais, globais, temporais. A globalização,<br />
entretanto, enquanto procura homogeneizar comportamentos, culturas, também estimula<br />
o fortalecimento <strong>da</strong>s identificações locais, forçando uma articulação entre diferentes<br />
elementos e identi<strong>da</strong>des e substituindo as identi<strong>da</strong>des nacionais por identificações<br />
híbri<strong>da</strong>s (HALL, 2005). O sujeito na contemporanei<strong>da</strong>de fragmenta sua identi<strong>da</strong>de<br />
(concebi<strong>da</strong> anteriormente como unifica<strong>da</strong>) ao reivindicar o direito de auto-representação<br />
de si, base comum de muitos movimentos sociais de hoje. Tudo isso tem gerado<br />
momentos teóricos legitimados pela fala dos sujeitos dos processos comunitários. As<br />
escolhas de pertencimento identitário do indivíduo acontecem numa construção<br />
relacional, ou seja, na representação do vínculo social que é mais relevante em relação a<br />
um “outro” definido em contraposição a um “nós” supostamente idêntico. A<br />
necessi<strong>da</strong>de de compreensão <strong>da</strong>s culturas e dos diversos contextos locais são ca<strong>da</strong> vez<br />
mais presentes, pois “ nunca as histórias individuais foram tão explicitamente referi<strong>da</strong>s<br />
pela história coletiva, mas nunca, também, os pontos de identificação coletiva foram tão<br />
flutuantes” (AUGÉ, 1994, p.39). As subjetivi<strong>da</strong>des constituem-se em algo fluido e<br />
móvel, pois são permanentemente negocia<strong>da</strong>s. Este trabalho se propõe a compreender<br />
os discursos constituintes de um texto identitário verbalizado na periferia <strong>da</strong> metrópole<br />
20
soteropolitana por suas lideranças, palco de intensas disputas e negociações étnicas,<br />
como procuraremos evidenciar a seguir.<br />
Fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1549, Salvador foi um dos mais importantes portos marítimos e centros<br />
comerciais do mundo na época. Sua economia baseava-se na produção <strong>da</strong> cana-de-<br />
açúcar e, para sustentação desses empreendimentos coloniais, foi trazido um enorme<br />
contingente de escravos africanos, expulsando - se os indígenas para o interior e áreas<br />
menos habita<strong>da</strong>s. O trabalho <strong>da</strong>queles homens e mulheres além de ser a força motriz<br />
<strong>da</strong>quela economia, acabou por resultar em uma <strong>da</strong>s marcas do modo de vi<strong>da</strong> do povo<br />
baiano, assim como do seu espaço urbano. Embora a ci<strong>da</strong>de oficial ocupasse<br />
inicialmente uma pequena parte do território dedica<strong>da</strong> ao comércio e administração,<br />
diversos quilombos foram criados no seu entorno à revelia do sistema escravista. Tais<br />
comuni<strong>da</strong>des eram constituí<strong>da</strong>s de índios, mestiços e principalmente escravos fugidos.<br />
Símbolos <strong>da</strong> resistência negra, os quilombos também representaram para Salvador o<br />
início do povoamento de muitos bairros populares <strong>da</strong> atuali<strong>da</strong>de. Numerosas foram as<br />
tentativas de excluir o povo negro do contexto dessa ci<strong>da</strong>de, especialmente após a<br />
abolição <strong>da</strong> escravatura, em 1888. A ci<strong>da</strong>de de Salvador, na ânsia de se modernizar,<br />
implantou sérias medi<strong>da</strong>s de normatização e segregação social e racial do espaço<br />
urbano. As classes populares soteropolitanas, majoritariamente negras, foram obriga<strong>da</strong>s<br />
a ocupar áreas ca<strong>da</strong> vez mais periféricas e carentes de infra-estrutura. Tal quadro não se<br />
alterou muito até os dias atuais: os bairros mais pobres são ain<strong>da</strong> aqueles de população<br />
predominantemente negra.<br />
Após a déca<strong>da</strong> de 1970, com o novo viés econômico baseado na indústria do petróleo, a<br />
ci<strong>da</strong>de abriu outros vetores de crescimento e um deles foi o miolo urbano, que outrora<br />
abrigara quilombos e onde havia grandes fazen<strong>da</strong>s e pequenas proprie<strong>da</strong>des rurais. Tal<br />
área, muito próxima do pólo industrial petroquímico, foi escolhi<strong>da</strong> como endereço <strong>da</strong>s<br />
habitações dessa nova classe trabalhadora. Nessa região, foi construído o maior<br />
complexo habitacional <strong>da</strong> América Latina: o Complexo Cajazeiras. O empreendimento<br />
não resolveu o déficit de moradias, mas se viu cercado de favelas em muito pouco<br />
tempo. Os edifícios de Cajazeiras inicialmente foram construídos para compor um<br />
bairro-dormitório de trabalhadores, o que acabou não ocorrendo devido às estratégias de<br />
relacionamento que os novos habitantes desenvolveram ao longo do tempo. O<br />
21
Complexo foi concebido para ser um lugar de passagem, sem possibili<strong>da</strong>de de troca<br />
entre os sujeitos, sem interação social, um não-lugar como sugere o teórico Marc Augé:<br />
Vê-se bem que por “não-lugar” designamos duas reali<strong>da</strong>des complementares, porém, distintas:<br />
espaços constituídos em relação a certos fins (transporte, trânsito, comércio, lazer) e a relação<br />
que os indivíduos mantêm com esses espaços. Se as duas relações se correspondem de maneira<br />
bastante ampla e, em todo caso, oficialmente (os indivíduos viajam, compram, repousam), não se<br />
confundem, no entanto, pois os não - lugares medeiam todo um conjunto de relações consigo e<br />
com os outros que só dizem respeito indiretamente a seus fins: assim como os lugares<br />
antropológicos criam um social orgânico, os não-lugares criam tensão solitária” (AUGÈ, 1994,<br />
p.87).<br />
Essa lógica inicial foi inverti<strong>da</strong>, pois embora contem com uma infra-estrutura precária,<br />
os moradores têm buscado fortalecer ou reavivar maneiras de convivência e valores<br />
coletivos baseados fun<strong>da</strong>mentalmente em uma cultura originária: a cultura afro-<br />
brasileira. Com base nos estudos de Muniz Sodré, podemos compreender por cultura<br />
afro-brasileira as reminiscências dos modos de vi<strong>da</strong> dos grupos negros ancestrais<br />
reinterpretados e recriados em solo brasileiro. É o conjunto de estratégias de<br />
continui<strong>da</strong>de do ethos africano no Brasil, reconstruindo uma africani<strong>da</strong>de origina<strong>da</strong> do<br />
cruzamento de múltiplas culturas. Apesar <strong>da</strong>s iniciativas oficiais de desarticulação desse<br />
processo de consoli<strong>da</strong>ção do que compreendemos como cultura afro-brasileira, a<br />
presença negra se fez permanente em Salvador. A religiosi<strong>da</strong>de de matriz africana, as<br />
expressões artístico-culturais, as peculiari<strong>da</strong>des <strong>da</strong> ocupação do espaço urbano, entre<br />
outros aspectos, são características de uma cultura baiana, vendi<strong>da</strong> hoje como a<br />
autêntica cultura negra. A ci<strong>da</strong>de de Salvador, desde o período final do século XIX,<br />
esforça-se para acompanhar as tendências contemporâneas e a principal delas é a<br />
entra<strong>da</strong> e permanência no mercado internacional de ci<strong>da</strong>des às custas de uma<br />
segregação racial e social ca<strong>da</strong> vez maior. A capital baiana passou a ser ela própria a<br />
mercadoria.<br />
Num período que compreendeu os séculos XVI até o XX, houve declara<strong>da</strong>mente<br />
políticas de negação e perseguição às estratégias de sobrevivência dos descendentes de<br />
escravos. Objetivava-se a limitação dos espaços de sociabili<strong>da</strong>de dos afrodescendentes,<br />
seu esfacelamento enquanto grupo humano e sujeitos, assim como sua exclusão <strong>da</strong> nova<br />
socie<strong>da</strong>de baiana que surgia pauta<strong>da</strong> na regulação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> urbana. Num segundo<br />
22
momento, a partir do século XX, assistiu-se à apropriação <strong>da</strong> cultura de origem africana<br />
com a finali<strong>da</strong>de de promover a ci<strong>da</strong>de de Salvador, criando - se como sua imagem-<br />
síntese a negritude dentro de uma democracia racial. Pode-se facilmente contestar esse<br />
mito – segundo o qual to<strong>da</strong>s as raças têm igual<strong>da</strong>de de oportuni<strong>da</strong>de – através <strong>da</strong>s<br />
análises dos <strong>da</strong>dos sócio-econômico e culturais e além <strong>da</strong>s denúncias dos movimentos<br />
sociais, que atestam, entre outras coisas, que a pobreza na capital <strong>da</strong> Bahia, bem como<br />
no resto do país, tem cor e endereço. A pobreza de Salvador é negra e mora na periferia<br />
<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de.<br />
A área do Complexo Cajazeiras foi construí<strong>da</strong> de modo a não permitir outra leitura <strong>da</strong><br />
história dos negros, senão a <strong>da</strong> subserviência, <strong>da</strong> inferiori<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> não-memória. Esses<br />
trabalhadores mais uma vez enfrentariam as péssimas condições de habitabili<strong>da</strong>de: a<br />
ausência de equipamentos públicos coletivos, a arquitetura deprecia<strong>da</strong>, os sistemas de<br />
transporte e saneamento básico extremamente precários estão entre tantos outros<br />
problemas ain<strong>da</strong> enfrentados por esses moradores. Cajazeiras é um sítio relativamente<br />
novo para a totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> habitação urbana <strong>da</strong> capital porque teve um traçado inicial<br />
voltado para a moradia de operários do pólo petroquímico <strong>da</strong> Região Metropolitana de<br />
Salvador. Entretanto, naquelas pranchetas de desenho arquitetônico as memórias e<br />
marcas do passado de resistência à escravidão e ambientes de trocas entre os sujeitos e o<br />
espaço vivido <strong>da</strong>quela parte de Salvador não tiveram lugar. Mas seus moradores<br />
encontraram múltiplas formas de se opor a isso e se constituir enquanto grupo na<br />
ci<strong>da</strong>de.<br />
Paradoxalmente, a ci<strong>da</strong>de escolheu algumas áreas como símbolo <strong>da</strong> negritude, espaços<br />
estes bastante comprometidos com a herança colonial. A região de Cajazeiras ressente-<br />
se por não estar oficialmente situa<strong>da</strong> dentro destas áreas. Ela foi consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> nas últimas<br />
três déca<strong>da</strong>s sob o apagamento dos referenciais (afro-brasileiros) característicos dos<br />
aspectos que delineiam a imagem-síntese soteropolitana. A imagem oficial <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de se<br />
apega à herança dos povos negros em função <strong>da</strong> indústria do turismo, mas no dia-a-dia<br />
nega aos sujeitos dessa cultura a integração a Salvador, deixando-os à margem dos<br />
benefícios de políticas públicas de atenção à população. O texto identitário<br />
soteropolitano, além de afirmar a presença do afro-brasileiro, se referencia no passado<br />
colonial especialmente no quesito espacial. O bairro de Cajazeiras é relativamente<br />
jovem e não possui edificações centenárias como outras áreas históricas <strong>da</strong> metrópole.<br />
23
A cultura afro-brasileira consubstancia-se num vasto e rico patrimônio material e<br />
imaterial, to<strong>da</strong>via a arquitetura obedece a uma idéia de uso do solo e de valores<br />
diferencia<strong>da</strong> <strong>da</strong>quela atribuí<strong>da</strong> às culturas euro-referencia<strong>da</strong>s. O cui<strong>da</strong>do com as áreas<br />
verdes, a natureza, por exemplo, constitui-se em emblema disto. Cajazeiras abriga muita<br />
mata, edifícios, barracos, casas simples e sem reboco; sua forma física sintetiza as<br />
desigual<strong>da</strong>des na capital. A imagem e o texto identitário <strong>da</strong> capital <strong>da</strong> Bahia estão<br />
subordinados ao mercado turístico e excluem, portanto, um bairro de trabalhadores<br />
pobres nas representações do produto “Salvador”. Por isso, a análise <strong>da</strong> constituição de<br />
um discurso identitário referenciado na cultura afro-brasileira partiu <strong>da</strong> noção de que “a<br />
identi<strong>da</strong>de é uma construção que se elabora em uma relação que opõe um grupo aos<br />
outros com os quais está em contato”(Cuche, 2002, p.182)”.<br />
Muito do que hoje há em Cajazeiras como estrutura física minimamente adequa<strong>da</strong> à<br />
deman<strong>da</strong> citadina se deu pela organização política dos setores sociais para a conquista e<br />
manutenção dos direitos básicos. Sendo o sujeito pós-moderno alguém sem uma<br />
identi<strong>da</strong>de fixa, essencial ou permanente e visto que a escolha de um determinado texto<br />
identitário é resultante de um posicionamento político (HALL, 2005), torna-se<br />
pertinente investigar o percurso, as determinantes e os atores <strong>da</strong> construção dessa<br />
identi<strong>da</strong>de particular, uma vez que os processos de identificação são ca<strong>da</strong> vez mais<br />
provisórios, variáveis e problemáticos. Compreendendo a identi<strong>da</strong>de como um<br />
processo, observamos que os habitantes de Cajazeiras têm buscado o fortalecimento do<br />
referencial negro, criando mecanismos e dinâmicas de afirmação <strong>da</strong> mesma, tais como:<br />
valorização <strong>da</strong>s iniciativas culturais negras como a capoeira, o movimento hip hop, as<br />
religiões de matriz africana; recuperação, defesa e divulgação de marcos históricos do<br />
povo negro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Salvador presentes naquela região, entre outros. Essas seriam<br />
algumas <strong>da</strong>s fronteiras étnicas cria<strong>da</strong>s pela população para determinar a pertença, bem<br />
como manifestá-la ou excluí-la (POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998).<br />
Nosso estudo pressupõe que essa comuni<strong>da</strong>de tem buscado construir um discurso<br />
identitário negro e tem escolhido o reavivamento dessa memória coletiva no bairro<br />
afirmando e protegendo símbolos como a pedra do Quilombo do Buraco do Tatu,<br />
também conheci<strong>da</strong> como Pedra <strong>da</strong> Onça, Pedra do Ramalho ou Pedra de Xangô.<br />
Consideramos essas como algumas ações na transformação de marcadores de<br />
pertencimento de uma origem comum (a origem africana). Esse fortalecimento <strong>da</strong><br />
24
identi<strong>da</strong>de negra também confere aos moradores desse bairro o sentimento de pertença à<br />
ci<strong>da</strong>de de Salvador, que veicula como símbolo próprio a imagem <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de-negritude,<br />
embora exclua em grande medi<strong>da</strong> a população afrodescendente (que predomina em<br />
Cajazeiras) <strong>da</strong>s condições de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.<br />
ESTUDO DE CASO<br />
Ao tentar identificar e analisar a constituição de um discurso identitário concernente ao<br />
Complexo Cajazeiras, periferia soteropolitana, observamos que o estudo de caso único<br />
seria a estratégia mais interessante para a pesquisa. O estudo de caso preocupa-se com a<br />
compreensão de uma instância particular, onde o objeto é tratado como único, mesmo<br />
sendo o resultado de outras relações. Ou seja:<br />
...investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> real, especialmente<br />
quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos.<br />
Em outras palavras, você poderia utilizar o método de estudo de caso quando delibera<strong>da</strong>mente<br />
quisesse li<strong>da</strong>r com condições contextuais – acreditando que elas poderiam ser altamente<br />
pertinentes ao seu fenômeno de estudo (YIN, 2001, p.32).<br />
A pretensão de analisar o constructo identitário de Cajazeiras reporta-se inevitavelmente<br />
a um conjunto de referências do sujeito, ao seu contexto. Sabendo <strong>da</strong> dimensão<br />
geográfica <strong>da</strong> área de estudo e <strong>da</strong> inexistência <strong>da</strong> delimitação de bairros em Salvador,<br />
privilegiamos a descrição local feita por lideranças cajazeirenses, legitima<strong>da</strong>s pela<br />
participação nas principais enti<strong>da</strong>des locais. Perseguimos também a identificação de<br />
elementos que contribuem para representações identitárias do bairro de Cajazeiras,<br />
como por exemplo, alguns símbolos ou territórios ressignificados pela população local.<br />
Observamos ain<strong>da</strong> os principais experimentos comunitários realizados dentro do<br />
objetivo de consoli<strong>da</strong>r uma identi<strong>da</strong>de própria no bairro, bem como comparar suas<br />
principais características. Levantamos alguns trabalhos de pesquisa sobre a área, que<br />
ain<strong>da</strong> são poucos, e fizemos uma revisão de literatura que nos permitiu uma comparação<br />
25
mais circunstancia<strong>da</strong>. O próprio conceito de identi<strong>da</strong>de deixa aberta a noção não só de<br />
uma, mas de várias identi<strong>da</strong>des possíveis para um indivíduo. Então, preferimos ouvir<br />
dos próprios sua autodefinição. No intuito de estu<strong>da</strong>r a identi<strong>da</strong>de, utilizamos um outro<br />
recurso muito importante na pesquisa: a entrevista , porque ela pode se <strong>da</strong>r em situações<br />
imprevisíveis, mas sempre terá caráter flexível e aberto. Ao entrevistarmos alguém,<br />
tomamos consciência de um outro ponto de vista possível não só verbalmente, mas<br />
também por outras linguagens. Contudo, o entrevistador - pesquisador deve ter sempre<br />
uma estratégia, uma coordenação de idéias e objetivos <strong>da</strong> condução dessa ativi<strong>da</strong>de, já<br />
que o controle pode ser efetuado através de um roteiro básico flexível. Partimos do<br />
pressuposto de que a comuni<strong>da</strong>de de Cajazeiras está construindo um texto identitário<br />
referenciado na cultura afro-brasileira em Salvador. Nossas entrevistas, realiza<strong>da</strong>s com<br />
as lideranças comunitárias culturais, religiosas e políticas nos apresentaram narrativas<br />
de vi<strong>da</strong> e conhecimento de acontecimentos nem sempre diretamente observáveis. As<br />
questões centrais de nossas entrevistas consistiram em ouvir dos entrevistados a<br />
definição do que é Cajazeiras, seus limites, o que tal região representava para ele (a) e<br />
para a ci<strong>da</strong>de de Salvador, bem como a descrição do percurso histórico <strong>da</strong> instituição à<br />
qual pertence. Muitas pessoas descreveram suas reali<strong>da</strong>des interpretando-as e apontando<br />
interpretações/percepções de terceiros. Alguns outros sujeitos foram reentrevistados<br />
com o propósito de se obterem mais informações e apreensão de variações de uma<br />
situação estu<strong>da</strong><strong>da</strong>. As entrevistas foram grava<strong>da</strong>s e transcritas, para facilitar a sua<br />
análise. Não se pode esperar de um processo de análise que conceitos bem formulados<br />
ou bem articulados apareçam de uma vez. Um relato não se constitui apenas de razões,<br />
mas também <strong>da</strong> expressão de identi<strong>da</strong>des negocia<strong>da</strong>s e construí<strong>da</strong>s. Como consideramos<br />
o documento uma importante fonte de <strong>da</strong>dos, optamos por realizar uma pesquisa<br />
documental, pois esta permitiu analisar a expressão dos problemas através dos próprios<br />
indivíduos. Incluímos aí as formas escritas como prospectos informativos, projetos,<br />
planos, atas de reuniões, relatórios, comunicações oficiais e lançamos mão de pesquisa<br />
eletrônica para termos acesso a textos jornalísticos, imagens e artigos científicos<br />
disponibilizados na rede mundial de computadores.<br />
Estu<strong>da</strong>mos os discursos de lideranças comunitárias do Complexo Cajazeiras no período<br />
de março a novembro de 2008. Analisando como essas pessoas percebem o bairro e se<br />
percebem no local em que moram, bem como a relação deste espaço com a ci<strong>da</strong>de e a<br />
sua trajetória de mobilização política, pudemos refletir sobre questões concernentes ao<br />
26
processo de construção de um texto identitário dessa população. Foram realiza<strong>da</strong>s<br />
entrevistas com várias pessoas (homens e mulheres) com i<strong>da</strong>des e profissões varia<strong>da</strong>s,<br />
mas com a mesma condição de poder (membros de associações representativas do<br />
bairro), tendo como tema os pontos já citados anteriormente. Nosso critério de escolha<br />
foi o <strong>da</strong> heterogenei<strong>da</strong>de, pois os indivíduos possuem uma sócio-história diferencia<strong>da</strong>,<br />
garantindo diversi<strong>da</strong>de de discursos. E é justamente esse caráter heterogêneo que<br />
confere semelhança nos discursos quando transcritos e analisados. Inicialmente listamos<br />
algumas lideranças do bairro e certas organizações. Percebemos que a União <strong>da</strong>s<br />
Associações de Moradores de Cajazeiras (UNIÃO) e a Cajaverde aparecem<br />
constantemente nos meios de comunicação, denunciando as condições precárias <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />
na periferia e reivindicando melhorias para o bairro. O contato com elas foi<br />
relativamente fácil, em decorrência de nossa experiência anterior no bairro como<br />
coordenadora de um projeto de extensão universitária 1 . To<strong>da</strong>s as entrevistas foram<br />
realiza<strong>da</strong>s em Cajazeiras, sempre em um ambiente mais informal e relaxado para a<br />
conversação, tais como as sedes <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des, casa ou local de trabalho dos<br />
entrevistados. No geral, todos aqueles procurados como informantes foram<br />
extremamente receptivos e solícitos, nos proporcionaram total acesso a documentos (no<br />
caso de membros de enti<strong>da</strong>des) e outros <strong>da</strong>dos e informações. Encontramos mais<br />
resistência por parte <strong>da</strong> União, pois tudo é concentrado em uma única pessoa, a qual não<br />
nos permitiu consultar documentos <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de e também não soube dizer como<br />
poderíamos encontrar os demais membros <strong>da</strong> sua diretoria.<br />
A análise <strong>da</strong>s transcrições de 17 entrevistas foi feita através de uma leitura cui<strong>da</strong>dosa do<br />
material. Isso implicou também em retoma<strong>da</strong> <strong>da</strong>s leituras posteriormente, para que<br />
fossem testa<strong>da</strong>s ou detecta<strong>da</strong>s novas interpretações. Nessa fase, procuramos identificar<br />
frases, metáforas ou palavras que expressassem imagens ou significados específicos,<br />
destacando-as. Feito isso, identificamos discursos que pareciam mostrar o desenho do<br />
processo de construção de um texto identitário para Cajazeiras. Identificados tais<br />
discursos, passamos à fase de estudo dos efeitos discursivos. Buscamos analisar, por<br />
exemplo, as implicações <strong>da</strong> afirmação de uma identi<strong>da</strong>de negra para aquela população<br />
soteropolitana e <strong>da</strong> construção identitária referencia<strong>da</strong> na alteri<strong>da</strong>de (no caso, a parte <strong>da</strong><br />
ci<strong>da</strong>de de Salvador não incluí<strong>da</strong> no território de Cajazeiras). Organizamos extratos dos<br />
1 Trata-se do projeto de extensão universitária “Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, diversi<strong>da</strong>de e direitos humanos em Fazen<strong>da</strong><br />
Grande 2”, do curso de Direito <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de Unyahna, coordenado pela autora entre 2005 e 2007.<br />
27
textos que respondiam às questões centrais <strong>da</strong>s entrevistas e as possíveis conseqüências<br />
dos discursos, pois estas partes pareciam representar claramente os componentes dos<br />
discursos.<br />
O LOCAL DE ESTUDO<br />
Foto: Fernando Vivas.<br />
Cajazeiras ocupa uma área do miolo urbano (centro geográfico) de Salvador, às<br />
margens <strong>da</strong> BR 324, limitando-se com a Estra<strong>da</strong> Velha do Aeroporto, bairro Castelo<br />
Branco e Represa do Ipitanga (APA Joanes Ipitanga). Existem em Cajazeiras treze<br />
conjuntos habitacionais que contam com quase duas mil casas e apartamentos (NUNES,<br />
2007). Essa região testemunhou inúmeras batalhas pela liber<strong>da</strong>de do povo negro<br />
escravizado no Brasil, tais como os quilombos ali existentes no passado, a exemplo dos<br />
Quilombos do Urubu e do Buraco do Tatu. Ironia do destino, ou não, tornou-se o maior<br />
conjunto habitacional <strong>da</strong> América Latina e o maior número de conjuntos habitacionais<br />
<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. O Estado desapropriou três grandes fazen<strong>da</strong>s ali situa<strong>da</strong>s: Jaguaripe de Cima<br />
(também conheci<strong>da</strong> por Fazen<strong>da</strong> Grande), Cajazeiras e Boa União. As terras<br />
pertencentes à primeira ain<strong>da</strong> estão em disputa judicial com os herdeiros. A fazen<strong>da</strong><br />
Jaguaripe de Cima foi adquiri<strong>da</strong> em 1858 pelo coronel Francisco José de Matos Ferreira<br />
Lucena, que a vendeu para Manuel <strong>da</strong> Anunciação Torres. Este, através de adjudicação,<br />
28
as transferiu para seu filho Manuel Leocádio de Jesus em 1875. Cem anos depois, um<br />
decreto estadual iniciou o processo de desapropriação de cerca de 16 milhões de m2<br />
(ROCHA, 2001). Convivem com esses conjuntos hoje inúmeras ocupações situa<strong>da</strong>s nas<br />
encostas e vales <strong>da</strong> região.<br />
O Censo Demográfico realizado pelo IBGE em 2000 mostrou que a densi<strong>da</strong>de<br />
demográfica bruta nesta Região Administrativa (RA) era de 84,91 habitantes por<br />
hectare, a taxa de alfabetização atingia 95,04% e era ocupa<strong>da</strong> por 118.197 mil pessoas.<br />
Esse número é contestado por seus moradores, os quais alegam que o bairro possui entre<br />
400 e 600 mil moradores (COSTA, 2006) resultantes <strong>da</strong> soma de 20 pequenos bairros<br />
(SOUZA, 2001). Os conflitos se agravam à medi<strong>da</strong> que a prefeitura municipal se vale<br />
desses números para a implementação ou regulação dos serviços públicos que, no<br />
entanto, não conseguem responder à deman<strong>da</strong> existente, que é sempre muito maior.<br />
Partindo - se do centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Salvador em direção a Cajazeiras, gasta-se cerca de<br />
duas horas. A distância do centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e a ausência de infra-estrutura faz com que<br />
o transporte coletivo seja um dos principais problemas enfrentados. A água também<br />
chega com irregulari<strong>da</strong>des (SODRÉ, 2007). Quando o deslocamento é na direção oposta<br />
(Cajazeiras – Centro), percebe-se a intimi<strong>da</strong>de dos moradores com os motoristas e<br />
cobradores de ônibus. Para passar o tempo <strong>da</strong> viagem, quando esta é realiza<strong>da</strong> longe dos<br />
horários de pico, vêem-se freqüentemente senhoras senta<strong>da</strong>s preparando peças de<br />
crochê. É comum um morador se referir à região central como “ci<strong>da</strong>de” ou ain<strong>da</strong> referir-<br />
se ao destino final de seu trajeto como uma i<strong>da</strong> a “Salvador”. O principal terminal de<br />
ônibus que atende aquela população é uma estação de transbordo: a Estação Pirajá. Mas<br />
ela visivelmente não corresponde à expectativa do transporte coletivo de quali<strong>da</strong>de.<br />
Reclama-se constantemente do número insuficiente de veículos e condições precárias<br />
em que funcionam. Neste lugar existe um funcionário que se coloca na porta de acesso<br />
ao veículo especialmente nos horários de maior deman<strong>da</strong> ( entre 6:30 e 9 horas <strong>da</strong><br />
manhã e entre 17 e 20 horas). Sua função é a de “controlar” o número de passageiros<br />
por carro. A cena é desoladora: um homem uniformizado barrando a entra<strong>da</strong> de pessoas<br />
com métodos nem sempre gentis, pois são constantes os conflitos entre eles, envolvendo<br />
desde agressão verbal até física. Mesmo com esse funcionário, as empresas de ônibus<br />
não conseguem evitar a superlotação. Tornou-se muito comum a visão de um veículo de<br />
29
transporte coletivo lotado e com pessoas literalmente pendura<strong>da</strong>s nas suas portas e,<br />
algumas vezes, até nas janelas.<br />
É na Estação Pirajá que está instala<strong>da</strong> uma casa lotérica na qual é possível ver as filas<br />
quilométricas forma<strong>da</strong>s pelos beneficiários <strong>da</strong> rede de programas de proteção social<br />
como o Programa de Segurança Alimentar Fome Zero, do governo federal. Aquele é um<br />
dos principais pontos de convergência de moradores <strong>da</strong>s áreas mais pobres <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de,<br />
concentra<strong>da</strong>s no miolo urbano e no Subúrbio Ferroviário. A Fun<strong>da</strong>ção Bradesco,<br />
implanta<strong>da</strong> no bairro há 22 anos, é uma <strong>da</strong>s principais referências educacionais. Além<br />
de já ter formado 3.301 alunos do ensino médio e fun<strong>da</strong>mental (184 em curso técnicos),<br />
já diplomou 11.837 pessoas nos seus cursos profissionalizantes (HERCOG, 2007). A<br />
participação desta Região Administrativa na ren<strong>da</strong> municipal representava, em 2001,<br />
apenas 2,5%. Seus chefes de família em geral têm uma ren<strong>da</strong> entre 3 e 5 salários<br />
mínimos e há a previsão de que continuem assim até o ano 2013, quando ain<strong>da</strong><br />
apresentarão “dificul<strong>da</strong>des para promover melhoria generaliza<strong>da</strong> no padrão de vi<strong>da</strong> de<br />
sua população” (SALVADOR, 2001, p.130).<br />
Devido ao tamanho <strong>da</strong> área escolhi<strong>da</strong> como uni<strong>da</strong>de-caso desse estudo, delimitamos<br />
nosso trabalho em duas enti<strong>da</strong>des constituí<strong>da</strong>s por moradores que se proclamam<br />
representantes <strong>da</strong> região de Cajazeiras: a União <strong>da</strong>s Associações de Moradores de<br />
Cajazeiras, representante maior de 32 associações, e a organização não-governamental<br />
Cajaverde, também preocupa<strong>da</strong> com a quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> dos habitantes <strong>da</strong> região. Sabe-<br />
se que ca<strong>da</strong> setor tem sua associação, no entanto, escolhemos essas duas que falam em<br />
nome de todo o povo cajazeirense, atribuindo a si mesmas uma abrangência territorial<br />
bem maior que ca<strong>da</strong> organização setorial dos habitantes. São constituí<strong>da</strong>s por membros<br />
anteriormente sublinhados como lideranças comunitárias dessa área, pois todos são<br />
comprova<strong>da</strong>mente oriundos de conselhos, associações, enti<strong>da</strong>des ou são dirigentes<br />
locais de movimentos sociais. Durante a déca<strong>da</strong> de 1990, os movimentos sociais de<br />
bairros soteropolitanos sofreram um arrefecimento no seu potencial mobilizador.<br />
Alguns atribuem esse fenômeno à vitória do projeto neoliberal. Capitaneado pelo ex-<br />
presidente <strong>da</strong> república Fernando Henrique Cardoso, o neoliberalismo preconizava a<br />
desresponsabilização do Estado na regulação <strong>da</strong> economia. No caso de Salvador, houve<br />
um perfeito alinhamento ideológico com essa política nas esferas estadual e municipal.<br />
Nesse processo, muitas lideranças comunitárias foram coopta<strong>da</strong>s, silenciando ou<br />
30
enfraquecendo o movimento popular. Neste ínterim, entretanto, vimos o fortalecimento<br />
<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil através de organizações não-governamentais (ONG´s) e outras<br />
iniciativas de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de social. Ambas as enti<strong>da</strong>des cita<strong>da</strong>s ocupam espaços políticos<br />
que poderiam ser descritos como ideologicamente distintos, mas não menos<br />
importantes. Muitas vezes, embora defen<strong>da</strong>m os mesmos ideais, colocam-se em<br />
posições opostas, traduzindo a plurali<strong>da</strong>de no modo de fazer política. Paradoxalmente,<br />
to<strong>da</strong>s as conquistas de melhoria para o bairro foram inegavelmente obti<strong>da</strong>s através de<br />
intensa mobilização social.<br />
Entrevistamos integrantes de outros agrupamentos, mas apenas como informantes<br />
complementares. Ouvimos representantes do Afoxé Filhos do Congo, <strong>da</strong> Associação de<br />
Amigos Protetores <strong>da</strong> Pedra do Ramalho, <strong>da</strong> Associação de Comerciantes de Cajazeiras<br />
e <strong>da</strong> Ong Mude, Salvador! Um detalhe muito importante a respeito dos entrevistados,<br />
membros <strong>da</strong> União e <strong>da</strong> Cajaverde, é que a maior parte deles não pertence só a uma<br />
agremiação, mas a diversas outras, tais como os movimentos negro (MNU, Unegro,<br />
movimento Hip Hop), estu<strong>da</strong>ntil (grêmios escolares), de mulheres, ambientalista<br />
(Agen<strong>da</strong> 21, Conselho Municipal do Meio-Ambiente, Conselho Estadual de Recursos<br />
Hídricos), partidos políticos (PT, PCdoB, PDT) além de conselhos municipais de saúde,<br />
de segurança, grupos de música, teatro, <strong>da</strong>nça, capoeira e demais enti<strong>da</strong>des<br />
representativas de moradores de Cajazeiras.<br />
Diante disso, o estudo aqui apresentado sob o título Um texto identitário negro: tensões<br />
e possibili<strong>da</strong>des em Cajazeiras, periferia de Salvador (Bahia), pretende demonstrar<br />
como tem se <strong>da</strong>do a construção dos discursos identitários em Cajazeiras, periferia de<br />
Salvador. Para atender a este objetivo, a dissertação foi dividi<strong>da</strong> em quatro partes:<br />
• Capítulo 1 - Salvador: ci<strong>da</strong>de negra, ci<strong>da</strong>de desigual: neste bloco nos<br />
dedicamos a apresentar a capital <strong>da</strong> Bahia, apresentando brevemente seu<br />
histórico, de modo a situar o leitor no processo de ocupação do espaço urbano <strong>da</strong><br />
primeira capital do Brasil. Refletimos também sobre a cultura afro-brasileira, a<br />
presença dos povos negros no desenho <strong>da</strong> forma urbana, bem como sua<br />
contribuição para o tecido social urbano e os modos de apropriação do espaço.<br />
31
Caracterizamos a área de abrangência dessa investigação (o bairro de Cajazeiras)<br />
e sua configuração na metrópole soteropolitana.<br />
• No Capítulo 2, Ci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Bahia: espaço <strong>da</strong> cor? abor<strong>da</strong>mos o fato de o negro<br />
na identi<strong>da</strong>de oficial baiana ocupar lugar privilegiado, mas no cotidiano <strong>da</strong><br />
ci<strong>da</strong>de ser freqüentemente excluído. Evidenciamos a relação entre a cor e a<br />
pobreza, a periferização de zonas urbanas como conseqüências do racismo.<br />
Discorremos ain<strong>da</strong> sobre a criação dos discursos identitários nacional e<br />
soteropolitano, ambos pautados na afirmação do mito <strong>da</strong> democracia racial.<br />
• No Capítulo 3, Trânsitos..., descrevemos a constituição de um discurso<br />
identitário de Cajazeiras referenciado na cultura afro-brasileira. Delineamos<br />
algumas fronteiras étnicas identifica<strong>da</strong>s nas falas <strong>da</strong>s lideranças comunitárias, os<br />
elementos instituintes de uma origem comum – a negra. Apresentamos a<br />
delimitação subjetiva dos limites do território de Cajazeiras, enquanto<br />
apropriação do espaço por seus moradores em oposição aos limites oficiais;<br />
relatamos sucintamente a história de Cajazeiras como um conjunto de lutas<br />
muito associa<strong>da</strong>s à história social dos negros, tendo como principal símbolo a<br />
proteção à pedra do Quilombo do Buraco do Tatu.<br />
• Nas Considerações Finais, analisamos as implicações <strong>da</strong> construção desse texto<br />
identitário negro no contexto <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Salvador e <strong>da</strong> construção identitária<br />
referencia<strong>da</strong> na alteri<strong>da</strong>de (no caso, a parte <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Salvador não incluí<strong>da</strong><br />
no território de Cajazeiras). Alertamos para o fato de que a luta pelo direito de<br />
pertencer à ci<strong>da</strong>de hoje é materializa<strong>da</strong> não somente nas batalhas pela quali<strong>da</strong>de<br />
de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> população de Cajazeiras, mas em um desejo de ser reconhecido como<br />
parte integrante <strong>da</strong> “marca” Salvador. Afirma-se a identi<strong>da</strong>de do bairro, do lugar,<br />
através de elementos simbólicos <strong>da</strong> cultura afro-brasileira como a Pedra do<br />
Quilombo do Buraco do Tatu. Percebe-se, porém, que o maior estimulador<br />
desse movimento é ain<strong>da</strong> o desejo de poder participar <strong>da</strong> dinâmica <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de-<br />
mercadoria, alterando seu posto de bairro esquecido e excluído de Salvador.<br />
32
SALVADOR: CIDADE NEGRA, CIDADE DESIGUAL<br />
Salvador, a maior expressão urbana portuguesa no Hemisfério Sul no século XVI,<br />
nasceu nesse período com a missão de ocupar e proteger o novo território português e<br />
fazer escoar to<strong>da</strong> a economia <strong>da</strong> colônia, sendo um posto de abastecimento no Atlântico<br />
Sul. A economia era agroexportadora de produtos como a cana-de-açúcar, fumo e<br />
algodão, e o principal porto articulava-se com as principais rotas comerciais mundiais<br />
<strong>da</strong>quele tempo. O lucrativo empreendimento <strong>da</strong> escravidão de negros africanos fez com<br />
que a escravidão dos índios perdesse a importância econômica para os colonizadores<br />
(ANDRADE; BRANDÃO, 2006). E to<strong>da</strong> a base <strong>da</strong> riqueza e opulência dessa época foi<br />
o tráfico de escravos, a mão-de-obra escrava negra, que trabalhava nas lavouras<br />
canavieira e fumageira, que enriqueceram e tornaram suntuosa a ci<strong>da</strong>de de Salvador. A<br />
contribuição africana é fortemente visível na ci<strong>da</strong>de ain<strong>da</strong> hoje. Até os fins dos anos de<br />
1980, os negros representavam 84,1% <strong>da</strong> força de trabalho <strong>da</strong> Região Metropolitana de<br />
Salvador – RMS (SANTOS, 2001).<br />
O desenvolvimento urbano <strong>da</strong> primeira capital do Brasil, desde sua fun<strong>da</strong>ção, é marcado<br />
pela desigual<strong>da</strong>de. Tomamos a palavra desigual<strong>da</strong>de nesse contexto no sentido de<br />
diferença, injustiça e diversi<strong>da</strong>de. A ci<strong>da</strong>de foi pensa<strong>da</strong> e concebi<strong>da</strong> de fora para dentro,<br />
33
ocupando primeiro as suas bor<strong>da</strong>s e privilegiando a visão do mar em função <strong>da</strong> sua<br />
defesa. O processo <strong>da</strong> colonização lusófona previa um núcleo matriz composto por uma<br />
ci<strong>da</strong>de fortaleza, dividi<strong>da</strong> entre Ci<strong>da</strong>de Alta e Ci<strong>da</strong>de Baixa. Este núcleo, constituído<br />
por duas partes, mantinha na “Ci<strong>da</strong>de Alta” o centro administrativo, político e religioso<br />
e de moradias; e na “Ci<strong>da</strong>de Baixa”, a zona comercial <strong>da</strong> praia, do porto e seus<br />
armazéns. Para sustentar os empreendimentos coloniais no Brasil, e este <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de<br />
Salvador, foram trazidos à força milhões de homens e mulheres africanos pelos<br />
lusitanos, a maioria oriun<strong>da</strong> <strong>da</strong> Senegâmbia, chama<strong>da</strong> Guiné, e de Angola<br />
(ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006).<br />
Segundo Albuquerque e Fraga Filho (2006, p. 44-46), os traficantes envolvidos com o<br />
comércio de negros na Bahia foram responsáveis pelo suprimento de escravos para<br />
inúmeras regiões do Nordeste brasileiro. A partir <strong>da</strong> metade do século XVIII e até o<br />
final do tráfico (1850), estes escravos tinham sua origem sobretudo na região do Golfo<br />
do Benin (atual Nigéria). Através desta rota do Benin, os traficantes baianos importaram<br />
cativos que aqui foram chamados de <strong>da</strong>gomés, nagôs, tapas, haussás, jejes, entre outros<br />
(figura 1-rota de tráfico de escravos <strong>da</strong> África para o Brasil).<br />
Fonte: http://www.zulunationbrasil.com.br/colunas/onegronabiblia3.html<br />
FIGURA 1 - Rota de tráfico de escravos <strong>da</strong> África para o Brasil<br />
Neste sentido, a rota do tráfico desses povos tinha como principal destino o Brasil e,<br />
mais precisamente, o porto de Salvador. O cruzamento do Atlântico acontecia a bordo<br />
34
de navios negreiros, construídos para o transporte <strong>da</strong> lucrativa mercadoria: os negros<br />
africanos. Amontoados nos porões, seminus, submetidos a maus tratos de todo o tipo,<br />
muitos não suportavam a longa travessia e morriam no caminho. É importante ressaltar<br />
que nos portos os escravos negros eram alojados em grandes cercados ou barracões.<br />
Durante esse período de espera, ocorria um enorme número de mortes, uma vez que<br />
esses barracões eram pequenos para a quanti<strong>da</strong>de de pessoas e tinham uma construção<br />
precária, sendo insalubres e mal ventilados. Lá ficavam por muitos dias e até meses à<br />
espera de que a quanti<strong>da</strong>de de carga humana dos navios fosse completa<strong>da</strong> e então<br />
partiam para um destino totalmente desconhecido. Os sobreviventes não eram postos à<br />
ven<strong>da</strong> imediatamente, pois a aparência saudável era fun<strong>da</strong>mental para efetuar o<br />
comércio. Debilitados, eles permaneciam algum tempo em Salvador sob um regime de<br />
engor<strong>da</strong> e de tratamento. Isso poderia levar meses a depender do tipo de necessi<strong>da</strong>de de<br />
ca<strong>da</strong> cativo.<br />
Embora a ci<strong>da</strong>de de Salvador tenha se tornado um dos mais importantes entrepostos<br />
comerciais do mundo <strong>da</strong>quela época, foi o tráfico de escravos a ativi<strong>da</strong>de comercial<br />
mais lucrativa (COSTA, 1989). A força motriz <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de era a exploração <strong>da</strong> mão-de-<br />
obra escrava. Aos poucos, o trabalho definia a ocupação do espaço urbano, pois havia<br />
uma adensa<strong>da</strong> presença negra, seja no espaço físico, seja no espaço social<br />
soteropolitano. Até meados do século XIX, a ci<strong>da</strong>de dependia completamente do braço<br />
escravo para funcionar. Da<strong>da</strong> a sua importância, Salvador aumentava constantemente a<br />
população de trabalhadores escravizados. Albuquerque e Fraga Filho (2006) ilustram<br />
esse quadro informando que, em 1808, foi realizado um censo na ci<strong>da</strong>de de Salvador e<br />
em treze locali<strong>da</strong>des rurais do Recôncavo. Essa pesquisa demonstrou que os negros<br />
livres, mestiços pobres e os libertos, ao lado <strong>da</strong> população escrava, já representavam um<br />
imenso contingente populacional: 41,8 % dos que viviam em Salvador eram negros e<br />
mulatos livres contra 20,2 % de brancos (europeus e brasileiros). Ana de Lourdes Costa<br />
(1989, p.40) nos informa que no ano de “1860, Maximiliano de Habsburgo estimou em<br />
120.000 o número de seus habitantes, sendo 80.000 negros e 40.000 brancos” vivendo<br />
na capital <strong>da</strong> Bahia.<br />
As relações diversifica<strong>da</strong>s de trabalho entre senhor e escravo no meio urbano, segundo<br />
Costa (1989), permitiam diferentes formas de ocupação do espaço urbano e sustento do<br />
escravizado. Uma nova mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de trabalhador surgia no século XIX nas principais<br />
35
ci<strong>da</strong>des: o escravo de ganho, ou aquele que trabalhava fora <strong>da</strong> casa do seu senhor,<br />
devendo pagar periodicamente uma quantia determina<strong>da</strong> pelo seu dono, tendo o direito<br />
de ficar com a sobra do seu ganho. Podia também morar em casas ou quartos alugados,<br />
longe do seu senhor. Escravos de ganho exerciam ativi<strong>da</strong>des de<br />
carregadores de cadeira, estivadores, carregadores de carga (carreto), carregadores de lenha, e no<br />
comércio ambulante vendendo os mais variados produtos, como doces, frutas, peixes, tecidos,<br />
etc. Podiam ain<strong>da</strong> ser aguadeiros, artesãos, como alfaiates, barbeiros e oficiais de sapateiro,<br />
lavadeiras e engomadeiras, além de rendeiras, bor<strong>da</strong>deiras e costureiras que tinham o produto do<br />
seu trabalho vendido para fora <strong>da</strong> residência do seu senhor (COSTA, 1989,p.44).<br />
A organização desse tipo de trabalho resultou na criação dos chamados cantos de<br />
trabalho, grupos formados por esses profissionais que, reunidos em pontos estratégicos<br />
<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, ofereciam seus serviços à população. Além do escravo de ganho havia<br />
também o escravo de aluguel e o doméstico.<br />
Desenvolveu-se em Salvador, portanto, um comércio importador-exportador e local que<br />
abastecia as demais ci<strong>da</strong>des baianas, os subúrbios e povoados vizinhos. Na Ci<strong>da</strong>de<br />
Baixa, área comercial, aglutinava-se a população tanto livre quanto escrava. Era ain<strong>da</strong><br />
no porto e na rua que se consoli<strong>da</strong>va o mercado de trabalho do negro em Salvador. A<br />
rua tornara-se também um importante meio para a resistência e práticas negras de<br />
territorialização, ameaçando posteriormente o projeto de civilização branca preconizado<br />
pelas elites dominantes (MATTOS, 2000).<br />
Os setores industrial e manufatureiro se destacaram através <strong>da</strong> indústria têxtil, em<br />
menor proporção, até o final <strong>da</strong> primeira metade do século XIX. Havia ain<strong>da</strong> a<br />
metalurgia dedica<strong>da</strong> à fabricação de peças de reposição para engenhos e embarcações a<br />
vapor, manufaturas de fumo, calçados, sabão, óleos, carvões, velas e fósforos.<br />
Entretanto, o sistema escravista se enfraquecia ca<strong>da</strong> vez mais. A rebeldia escrava estava<br />
presente em to<strong>da</strong> parte: lentidão na execução <strong>da</strong>s tarefas, revoltas e fugas individuais e<br />
coletivas, sabotagem <strong>da</strong> produção, desobediência sistemática, suicídios, fugas<br />
reivindicatórias (ausência temporária do trabalho em troca <strong>da</strong> negociação de melhorias<br />
nas condições de alimentação, trabalho e moradia, cumprimento de acordos, entre outras<br />
36
questões); formação de quilombos (comuni<strong>da</strong>des constituí<strong>da</strong>s por grupos de negros<br />
fugidos organizados).<br />
Os escravos baianos logo se tornaram conhecidos no Brasil pelas rebeliões que<br />
realizavam, especialmente nesse período. Destaca-se então a força <strong>da</strong> ligação entre a<br />
religiosi<strong>da</strong>de e a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de étnica negras sustentando tais movimentos. A Bahia<br />
contou ain<strong>da</strong>, por exemplo, com cerca de trinta revoltas em um curto período (1814,<br />
1816, 1822, 1826, 1827, 1828, 1830 e 1835), a maioria protagoniza<strong>da</strong> por haussás e<br />
nagôs. Destas, a mais séria foi a Revolta dos Malês 1 , em 1835, derrota<strong>da</strong> pela polícia<br />
baiana (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006). Muitos negros libertos<br />
participaram ativamente em movimentos que resultaram em lutas tais como as ocorri<strong>da</strong>s<br />
em Salvador por ocasião <strong>da</strong> Revolta dos Búzios ou Conjuração Baiana (1798) 2 ; a<br />
independência do Brasil, entre 1822-23 ou ain<strong>da</strong> a Cemitera<strong>da</strong> (1835) 3 .<br />
Por outro lado, a Inglaterra, maior potência econômica <strong>da</strong> época, pressionava o Brasil<br />
pelo fim <strong>da</strong> escravidão, pois este era um forte concorrente <strong>da</strong> exportação do açúcar <strong>da</strong>s<br />
colônias inglesas no Caribe. Algumas medi<strong>da</strong>s afetaram a prática do tráfico negreiro,<br />
restringindo-o no Brasil, tais como: a proibição do tráfico ao norte <strong>da</strong> linha do Equador,<br />
aprova<strong>da</strong> pelo Congresso de Viena, em 1815, e a concessão <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo príncipe-regente<br />
português Dom João VI aos ingleses do direito de visita e busca em navios suspeitos<br />
(1817). A cultura do café no Sudeste fez com que entre 1830 e 1840 o número de<br />
pessoas seqüestra<strong>da</strong>s na África e trazi<strong>da</strong>s à força para o Brasil aumentasse<br />
significativamente (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006).<br />
Também a socie<strong>da</strong>de brasileira se manifestava contra o escravismo justificando-se ora<br />
através do argumento do temor de uma africanização do país, ora pela condenação <strong>da</strong><br />
escravidão e de seus horrores. O fato é que muitos setores se pronunciavam como<br />
1 A Revolta ou Levante dos Malês ocorreu em janeiro de 1835, em Salvador. Foi organiza<strong>da</strong> por negros<br />
nagôs muçulmanos (malês), que sabiam ler e escrever em árabe. A ousadia desse movimento deixou em<br />
alerta a classe senhorial de todo o resto do Brasil, que adotara medi<strong>da</strong>s mais rígi<strong>da</strong>s de controle dos<br />
cativos.<br />
2 A Revolta dos Búzios ou Conjuração Baiana de 1798 é um marco na História do Brasil porque pretendia<br />
obter a independência do domínio português sobre a Capitania e proclamar a república basea<strong>da</strong> no<br />
princípio de uma socie<strong>da</strong>de igualitária. O movimento expressou a insatisfação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de em relação à<br />
metrópole, o repúdio às desigual<strong>da</strong>des sociais e à discriminação racial que os negros e mestiços sofriam,<br />
mas foi abortado prematuramente.<br />
3 A Cemitera<strong>da</strong>, em 1836, foi a revolta de irman<strong>da</strong>des negras alia<strong>da</strong>s a algumas brancas contra a proibição<br />
de sepultamentos nas igrejas.<br />
37
favoráveis à abolição <strong>da</strong> escravatura e esse movimento tomará mais corpo a partir <strong>da</strong><br />
segun<strong>da</strong> metade do século XIX.<br />
A carta de alforria era um meio legal de se obter a liber<strong>da</strong>de. Ela garantia ao forro o<br />
direito à família, proprie<strong>da</strong>de e herança. Mas, segundo Mattos (2000), uma lei aprova<strong>da</strong><br />
depois <strong>da</strong> Revolta dos Malês proibia o africano de ter bens de raiz, isto é, proprie<strong>da</strong>de<br />
imobiliária como terra e casa. No entanto, essa determinação não era totalmente<br />
obedeci<strong>da</strong>. A alforria nem sempre representava uma melhoria nas condições de vi<strong>da</strong>,<br />
mas era sempre uma condição melhor do que a de cativo. A maioria dessas cartas,<br />
embora fosse fruto <strong>da</strong> vontade do senhor, implicava em muitos esforços para o seu<br />
pagamento na forma de dinheiro, mercadoria ou outro acordo entre senhor e escravo. A<br />
compra <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de exigia anos de trabalho, o apoio de grupos solidários em caixas de<br />
poupança, irman<strong>da</strong>des ou doações. Estas estratégias beneficiavam principalmente os<br />
escravos urbanos, domésticos e mineiros. A concessão <strong>da</strong> maior parte <strong>da</strong>s alforrias<br />
gratuitas foi feita para os que eram mais próximos dos seus senhores, tais como os<br />
filhos ilegítimos, amas-de-leite, escravos <strong>da</strong> casa e os idosos que já não podiam<br />
trabalhar. Muitos libertos idosos não tiveram outra alternativa senão a de se internar na<br />
Santa Casa para passar o resto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> no hospital e asilos de mendigos ou engrossar o<br />
número de miseráveis vagando pelas ruas.<br />
O liberto, egresso <strong>da</strong> escravidão, teve ain<strong>da</strong> que enfrentar o desafio <strong>da</strong> busca pela<br />
inserção em um mercado de trabalho racista e retraído por causa <strong>da</strong>s sucessivas crises<br />
econômicas. Ain<strong>da</strong> que não tivessem mais a interferência direta dos (ex) proprietários<br />
em suas vi<strong>da</strong>s, era necessário obter atestados de “boa conduta” para ser autorizado pela<br />
polícia a trabalhar como ganhador, morar em um novo lugar ou ser naturalizado como<br />
brasileiro. Livres, essas pessoas dedicavam-se também à plantação de roças onde<br />
cultivavam gêneros de subsistência. Outros regressaram à África após a liber<strong>da</strong>de,<br />
sobretudo para fugir do preconceito e repressão que os africanos, principalmente<br />
aqueles muçulmanos, passaram a sofrer após a já cita<strong>da</strong> Revolta dos Malês. Mattos<br />
(2002) aponta que uma taxa anual era cobra<strong>da</strong> dos africanos forros de ambos os sexos,<br />
sem que lhes fosse especifica<strong>da</strong> a razão. Previa a mesma lei que, caso um africano<br />
denunciasse outro envolvido em projeto de insurreição, estaria automaticamente livre <strong>da</strong><br />
taxa cita<strong>da</strong> e no caso de o denunciante ser escravo, seria libertado mediante pagamento<br />
de seu valor de mercado ao proprietário. A necessi<strong>da</strong>de do controle e punição dessa<br />
38
população fez com que esse tipo de lei fosse sanciona<strong>da</strong>. Ain<strong>da</strong> dentro de uma política<br />
delibera<strong>da</strong> de exclusão, estipulavam-se, entre outros impostos, taxas para africanos<br />
livres que trabalhassem em saveiros ou cadeiras de aluguel.<br />
Ao que parece, a impossibili<strong>da</strong>de de exclusão imediata desses segmentos negros nas ativi<strong>da</strong>des<br />
de serviços urbanos, fez com que o poder público adotasse o mecanismo <strong>da</strong> taxação progressiva<br />
e ascendente, não só como forma de aumentar as ren<strong>da</strong>s provinciais, mas também como<br />
estratégia indireta para alcançar o objetivo <strong>da</strong> exclusão, num lapso de tempo suficiente para<br />
articular formas de substituição <strong>da</strong> mão-de-obra africana e escrava, nesses ramos de ativi<strong>da</strong>des.<br />
Dessa forma, a necessária continui<strong>da</strong>de dos serviços não ficaria comprometi<strong>da</strong> (MATTOS, 2000,<br />
p.132).<br />
A guerra <strong>da</strong> independência e as transformações <strong>da</strong> conjuntura internacional foram as<br />
principais causas do declínio econômico baiano, ocorrido a partir de 1821. A economia<br />
baiana, extremamente dependente dos negros, passou por sucessivas fases durante<br />
aquele século, nomea<strong>da</strong>s segundo Costa (1989, p.27) como: 1787 a 1821 -<br />
Prosperi<strong>da</strong>de; 1822 a 1842/45 - Depressão; 1842/45 a 1860 - Recuperação; 1860 a 1887<br />
- Grande Depressão; 1887 a 1897 - Recuperação; 1897 a 1905 - Crise.<br />
Conseqüentemente, diminuiu-se a deman<strong>da</strong> <strong>da</strong> mão-de-obra escrava em função dessa<br />
crise, segui<strong>da</strong> de um relativo “barateamento” dos custos <strong>da</strong> alforria. A partir <strong>da</strong><br />
promulgação <strong>da</strong> Lei Eusébio de Queiroz, em 04 de setembro de 1850, que extinguia o<br />
tráfico negreiro, instalou-se um período de transição do regime escravagista para o<br />
trabalho livre, mas sem a certeza <strong>da</strong> brevi<strong>da</strong>de do fim <strong>da</strong> escravatura. Apesar disso, o<br />
tráfico continuava e se mantinha como ativi<strong>da</strong>de mais lucrativa <strong>da</strong> província (COSTA,<br />
1989). As crises significaram o aumento do custo de vi<strong>da</strong> e oneravam a manutenção de<br />
cativos, dificultando sua sobrevivência.<br />
O declínio <strong>da</strong> escravatura já era visível em fins do século XIX, quando a população livre<br />
e liberta negra do Império (4.200.000 negros e mestiços livres) superava a de 1.500.000<br />
escravos (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p.157). Nessa conjuntura, o<br />
Império tomou algumas iniciativas para a substituição do trabalho escravo, como a Lei<br />
do Ventre Livre, de 28 de setembro de 1871, que considerava livre a criança nasci<strong>da</strong> <strong>da</strong>s<br />
mulheres escravas, ficando sob responsabili<strong>da</strong>de dos senhores de escravos até os oito<br />
anos de i<strong>da</strong>de.<br />
39
Paralelamente, o movimento abolicionista se fortalecia no país, envolvendo sujeitos de<br />
diversas origens sociais. Foram cria<strong>da</strong>s inúmeras associações abolicionistas como a<br />
Socie<strong>da</strong>de Abolicionista Dois de Julho, <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Medicina <strong>da</strong> Bahia, fun<strong>da</strong><strong>da</strong><br />
em 1852 por estu<strong>da</strong>ntes, ou o Clube Castro Alves, formado por mulheres. Tal<br />
movimento promovia eventos para arreca<strong>da</strong>ção de fundos para a compra de alforrias,<br />
mobilizando enorme quanti<strong>da</strong>de de pessoas nas grandes ci<strong>da</strong>des do país. Em 13 de maio<br />
de 1888, foi promulga<strong>da</strong>, finalmente, a lei que extinguia a escravidão - a Lei Áurea -<br />
sem, entretanto se pronunciar em relação à reparação aos ex-escravos. Albuquerque e<br />
Fraga Filho (2006, p.196) informam que, nesse momento, 90% dos cativos já eram<br />
livres por meio de fugas ou alforrias.<br />
Até o século XIX, a imigração branca, predominantemente portuguesa e masculina, foi<br />
o fator que estimulou muito a miscigenação (MATTOSO, 1992). Até esse momento, os<br />
dois mais importantes grupos étnicos que predominaram na constituição <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de<br />
aportavam em Salvador: os portugueses e os africanos com seus respectivos<br />
descendentes, a exemplo dos Iorubas (MOURA, 1998).<br />
1.1 A OCUPAÇÃO DO ESPAÇO URBANO DE SALVADOR<br />
O planejamento inicial <strong>da</strong> metrópole colonial não foi suficiente para conter o processo<br />
de ocupação <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de que rapi<strong>da</strong>mente se expandia interior adentro (SAMPAIO,<br />
1999). A figura 2, abaixo, revela a ocupação do espaço físico de Salvador a partir do<br />
século XVII, denominado século de ouro <strong>da</strong> Bahia.<br />
40
Fonte: Atlas escolar Bahia: espaço geo-histórico e cultural.2ª ed. João Pessoa: Grafset, 2004<br />
FIGURA 2 – Ocupação do espaço físico <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Salvador – 1600/1940<br />
Desde esse século, tem-se notícia de agrupamentos de escravos fugitivos ou mocambos<br />
se instalando na parte mais continental <strong>da</strong> capital baiana. Havia também algumas<br />
fazen<strong>da</strong>s e o aparecimento de quilombos no entorno <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de oficial. Tais quilombos<br />
foram os principais responsáveis pelo povoamento <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de em bairros periféricos,<br />
consoli<strong>da</strong>dos posteriormente. As roças espalha<strong>da</strong>s no interior <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de também foram a<br />
alternativa encontra<strong>da</strong> para a sobrevivência dos libertos.<br />
Segundo informa Costa (1989), os limites do termo de Salvador permaneceram<br />
inalterados até meados do século XX, quando foram emancipados os municípios de<br />
Simões Filho e Lauro de Freitas. O espaço urbano <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de era divido em “freguesias”,<br />
ou seja, as menores delimitações do território eclesiástico, que tinham como sede uma<br />
igreja matriz sob a responsabili<strong>da</strong>de de um pároco. Essas, por sua vez, podiam ser<br />
urbanas e rurais. As freguesias urbanas de Salvador eram: Salvador na Sé, Nossa<br />
Senhora Conceição <strong>da</strong> Praia, Santíssimo Sacramento do Pilar, Santo Antônio Além do<br />
Carmo, Nossa Senhora <strong>da</strong> Penha em Itapagipe, Sacramento em Santa Ana, Nossa<br />
Senhora de Brotas, São Pedro Velho, Sacramento <strong>da</strong> Rua do Passo e Nossa Senhora <strong>da</strong><br />
Vitória.<br />
As freguesias suburbanas ou rurais eram aquelas nas quais os habitantes se dedicavam<br />
principalmente à agricultura. Pouco povoa<strong>da</strong>s, concentravam maior densi<strong>da</strong>de<br />
demográfica próximo às igrejas matrizes, além de serem constituí<strong>da</strong>s majoritariamente<br />
por pobres. Eram estas: São Bartolomeu de Pirajá, Nossa Senhora do Ó em Paripe, São<br />
41
Miguel em Cotegipe, Nossa Senhora <strong>da</strong> Pie<strong>da</strong>de em Matoim, Santo Amaro de Ipitanga,<br />
São Pedro no Sauípe <strong>da</strong> Torre, Senhor do Bonfim <strong>da</strong> Mata, Santa Vera Cruz em<br />
Itaparica, Santo Amaro em Itaparica, Nossa Senhora <strong>da</strong> Encarnação do Passé (COSTA,<br />
1989).<br />
No final do século XVIII, já se percebia a necessi<strong>da</strong>de de rever o traçado inicial de<br />
ci<strong>da</strong>de-fortaleza, porém somente no século seguinte conseguiu-se realizar algumas<br />
intervenções pontuais (SOARES, 2007).<br />
A abolição <strong>da</strong> Escravatura, em 1888 — assim como a Proclamação <strong>da</strong> República (1889)<br />
— integravam um quadro social de afloramento dos conflitos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira,<br />
desejosa de uma rápi<strong>da</strong> inserção na moderni<strong>da</strong>de ocidental. Essa última representava,<br />
antes de tudo, uma passagem do modo de vi<strong>da</strong> colonial para um predominantemente<br />
disciplinar, configurado “a partir de e na atualização de práticas urbanas” (ARAÚJO,<br />
2006).<br />
A civilização tão almeja<strong>da</strong> pela elite baiana materializava-se principalmente no processo<br />
de reforma urbana iniciado nessa época, o qual estimulava a segregação dos indivíduos.<br />
Houve inclusive tentativas de substituição do trabalhador negro pelo do imigrante<br />
europeu, mas to<strong>da</strong>s foram fracassa<strong>da</strong>s. A preocupação com o controle <strong>da</strong> população<br />
negra e mestiça livre desencadeou uma série de medi<strong>da</strong>s de caráter normativo e<br />
disciplinar, nas quais o trabalho era a questão central, pois a partir dele seriam regula<strong>da</strong>s<br />
as relações sociais. Tais reformas buscavam <strong>da</strong>r à ci<strong>da</strong>de um ar de salubri<strong>da</strong>de e<br />
estética, ou seja, pretendia-se transformar a ci<strong>da</strong>de de Salvador em mercadoria.<br />
Segundo Moura (1998), entre o último quartel do século XIX e os anos 1950, o<br />
expoente comercial do Atlântico perdeu seu posto, distanciando-se do dinamismo <strong>da</strong><br />
economia nacional e mundial. Somente com a implantação <strong>da</strong> indústria de extração e<br />
refino de petróleo a partir de 1953 é que essa posição foi altera<strong>da</strong>. Os anos seguintes,<br />
especialmente a déca<strong>da</strong> de 1970, potencializaram a industrialização com a constituição<br />
de um pólo petroquímico e conseqüentes transformações urbanas. Além disso, houve<br />
mu<strong>da</strong>nças de hábitos,<br />
42
...sobretudo no que concerne à integração <strong>da</strong> informação e <strong>da</strong> fruição estética aos circuitos <strong>da</strong> mídia<br />
(...). A entra<strong>da</strong> de Salvador no circuito <strong>da</strong> produção e consumo mediáticos também acontece de<br />
forma a combinar os dois vetores: a força do passado e o gosto pela novi<strong>da</strong>de ( MOURA, 1998,<br />
p.25-26).<br />
Cosmopolita e tradicional, Salvador procurou se a<strong>da</strong>ptar aos arranjos econômicos que se<br />
apropriaram dos seus símbolos e encontraram-se “desigualmente distribuídos na<br />
paisagem” (<strong>RI</strong>BEIRO, 2006, p.40). Ana Ribeiro (2006), em sua análise sobre a<br />
acumulação do capital simbólico de uma ci<strong>da</strong>de, afirma que estes acúmulos<br />
resultam de investimentos culturais pretéritos, <strong>da</strong> consoli<strong>da</strong>ção de hábitos, <strong>da</strong> inventivi<strong>da</strong>de<br />
popular e <strong>da</strong> produção artística com reconhecimento internacional. Áreas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, monumentos<br />
naturais e artificiais, corpos e gestos transformam-se em focos (ou nichos) <strong>da</strong> acumulação primitiva<br />
de capital simbólico. A apropriação do passado acontece de forma mais ou menos sutil,<br />
envolvendo desde a adoção de espaços públicos por empresas priva<strong>da</strong>s até processos, mais diretos<br />
e violentos, de controle do patrimônio coletivo (<strong>RI</strong>BEIRO, 2006, p.41).<br />
Na ótica do teórico Milton Moura (1998), a imagem de Salvador tem sido veicula<strong>da</strong><br />
desde os anos 20 como a <strong>da</strong> tradição, privilegiando sempre o passado e marca<strong>da</strong> pela<br />
malemolência, lentidão, preguiça e experiência sensível primária e imediata. Neste<br />
contexto, o rádio foi o grande parceiro, pois foi a partir dele que se consolidou a<br />
divulgação de tal imagem. O mercado fonográfico lançara nesse período intérpretes<br />
como Dorival Caymmi, representante <strong>da</strong> “tradição baiana”. O samba, elevado à<br />
categoria de música nacional pelo governo de Getúlio Vargas, reverenciava a Bahia<br />
como a mãe preta <strong>da</strong> pátria, e os símbolos baianos, carregados de etnici<strong>da</strong>de,<br />
alcançaram o patamar de símbolos nacionais. É emblemática, por exemplo, a<br />
obrigatorie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> existência de uma ala de baianas nos escolas de samba, oficializados<br />
em 1937, ou ain<strong>da</strong> a interpretação musical de Carmem Miran<strong>da</strong>, que era portuguesa,<br />
mas apresentava-se até mesmo nos Estados Unidos cantando o território brasileiro<br />
vesti<strong>da</strong> de roupas típicas de baiana:<br />
Enfim, é como se o próprio traço de a Bahia ter ficado à margem <strong>da</strong> “moderni<strong>da</strong>de” e representar<br />
a permanência do tradicional, de um passado tal como se imagina que tenha decorrido se<br />
constituísse como importante ingrediente na moderna música brasileira, sempre de olho na cena<br />
internacional. Ou seja, configura-se a Bahia como uma importante “reserva de identi<strong>da</strong>de<br />
nacional” no complexo sistema de representações do Brasil de hoje (MOURA, 1998, p. 26).<br />
43
A lógica econômica atual dessa ci<strong>da</strong>de apropriou-se deste arcabouço histórico-cultural,<br />
oferecendo a cultura e o seu patrimônio histórico e artístico para o consumo,<br />
estimulando a criação de barreiras sociais e enfraquecendo oficialmente o diálogo entre<br />
as classes. Vende-se a cultura negra <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Bahia. A terceira maior ci<strong>da</strong>de do<br />
país, atualmente, tem pouco mais de 2,6 milhões de habitantes, dos quais 54,8% se<br />
identificam como pardos e 20, 4% como negros (Censo IBGE-2002). É a principal<br />
ci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Região Metropolitana de Salvador (RMS), que tem 3,3 milhões de pessoas<br />
(IBGE, 2004), sendo 80% destas considera<strong>da</strong>s negras.<br />
Salvador tem um processo histórico de urbanização bastante peculiar. Ela contraria a<br />
característica predominante <strong>da</strong> urbanização do país, que é a de segregar as classes<br />
populares em áreas periféricas. Marca<strong>da</strong> pela autoconstrução, a capital baiana permitiu a<br />
existência próxima de classes abasta<strong>da</strong>s com as menos favoreci<strong>da</strong>s. Esse aspecto<br />
demonstra que seu desenho urbano foi traçado com a presença <strong>da</strong> herança histórica do<br />
período colonial. Naquele tempo, muitas vezes os pobres e os ricos, na zona rural,<br />
viviam muito próximos ou na zona urbana dividiam a mesma casa (exemplo dos<br />
sobrados em que os an<strong>da</strong>res eram ocupados de acordo com a classe social do indivíduo).<br />
Mais recentemente, adotou-se o modelo centro/periferia (SILVA, 2006), tendo como<br />
emblema a construção de alguns conjuntos habitacionais. Contudo, isto apenas<br />
corrobora o fato de que a segregação espacial no Brasil é feita por classes econômicas<br />
em cruzamento com variáveis étnico-raciais. Complementa Scherer - Warren :<br />
...a exclusão social é racializa<strong>da</strong>, engendra<strong>da</strong>, etariza<strong>da</strong> e espacializa<strong>da</strong>, ou seja, tem cor, gênero ou<br />
sexo, i<strong>da</strong>de ou localização. A pobreza mais extrema tende a ser preta, feminina, bastante jovem ou<br />
idosa e localiza-se nas periferias urbanas e nos bolsões de economia de subsistência rural<br />
(SCHERER - WARREN, 2004, p.58).<br />
Os expressivos índices de pobreza e desigual<strong>da</strong>de social <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Salvador 4 têm<br />
sido usados para justificar a busca de financiamento internacional para inúmeros<br />
4 Salvador é a terceira maior aglomeração de pobreza metropolitana do país, segundo a Pesquisa Nacional<br />
por Amostragem de Domicílio - PNAD. A pesquisa realiza<strong>da</strong> pelo Programa <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s para o<br />
Desenvolvimento, em 2004, mostrou que ocupa a 8ª posição em IDH (Índice de Desenvolvimento<br />
Humano) entre as doze capitais brasileiras. O IDH é um indicador que analisa a longevi<strong>da</strong>de (esperança<br />
de vi<strong>da</strong> ao nascer), educação e ren<strong>da</strong>. Nesta metrópole, 64 % dos negros recebem até 2 salários mínimos<br />
(SM) ao mês. Mas no ano de 2003, 82,2% dos domicílios <strong>da</strong> Região Metropolitana de Salvador estavam<br />
na categoria de até 3 SM per capita ( SILVA, 2006).<br />
44
projetos. Além de a miséria ser objeto de intervenções políticas pontuais, é o tema<br />
predominante nos discursos dos movimentos sociais pela afirmação e conquista de<br />
direitos. É oportuno lembrar que, mesmo após a Abolição <strong>da</strong> Escravatura, os<br />
descendentes de escravos não foram inseridos no projeto de nação brasileira. Eles não<br />
experimentaram medi<strong>da</strong>s de promoção à ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, tendo sido largados à mercê <strong>da</strong><br />
sorte. Suas próprias iniciativas de subsistência, soluções muitas vezes precárias de<br />
moradia, alimentação, trabalho, entre outros, lhes permitiu a sobrevivência em condição<br />
socialmente inferior. A metrópole descrita acima exemplifica bem isso, pois é<br />
comprovado que até hoje os seus bairros com maior número de habitantes negros estão<br />
entre aqueles mais pobres, sendo que os mais abastados são ocupados por população<br />
predominantemente branca, conforme enfatizam Inaiá Carvalho e Gilberto Corso<br />
Pereira:<br />
Como a posição na estrutura social e apropriação do espaço urbano são estreitamente articula<strong>da</strong>s, o<br />
território soteropolitano termina por assumir diferentes “cores”. [...] O miolo e o subúrbio, que<br />
apresentam as condições mais precárias de habitabili<strong>da</strong>de e uma menor oferta de equipamentos e<br />
serviços urbanos, concentrando áreas classifica<strong>da</strong>s como populares e subproletárias abrigam,<br />
predominantemente, os pretos e os pardos. Eles se concentram especialmente em bairros como a<br />
Liber<strong>da</strong>de (onde há uma forte identi<strong>da</strong>de étnica, por conta de movimentos sociais e culturais ali<br />
sediados), São Caetano, Tancredo Neves, Pau <strong>da</strong> Lima e Cajazeiras (CARVALHO; PEREIRA,<br />
2006, p.98)<br />
1.2 A CULTURA NEGRA EM SALVADOR: REELABORAÇÃO E CONFRONTO<br />
Com a colonização <strong>da</strong> América houve a criação de novas identi<strong>da</strong>des sociais basea<strong>da</strong>s<br />
na raça (índios, negros e mestiços), pois essa redefinição de identi<strong>da</strong>des sociais deixa de<br />
designar apenas a procedência geográfica (espanhol, português, europeu) e passar a ter<br />
uma conotação racial associa<strong>da</strong> às hierarquias, lugares e papéis sociais. Raça e<br />
identi<strong>da</strong>de racial tornaram-se instrumentos de classificação social básica (QUIJANO,<br />
2007). A idéia de que povos diferentes eram “raças” inferiores, produtores de culturas<br />
inferiores e representavam o passado, o atraso, o primitivo justificou genocídios e outras<br />
atroci<strong>da</strong>des como o comércio e escravidão de seres humanos.<br />
45
Clóvis Moura (1992) revela que após a longa travessia oceânica, os africanos<br />
sobreviventes estavam complemente destituídos <strong>da</strong> condição humana. Em terra firme<br />
recebiam uma nova religião através do batismo católico e novos nomes. O cristianismo,<br />
religião que imperava na Europa no período <strong>da</strong>s grandes navegações, impunha um<br />
modelo de humani<strong>da</strong>de que não condizia com os indivíduos encontrados nos novos<br />
territórios conquistados. O homem europeu foi obrigado a rediscutir seu conceito de<br />
humani<strong>da</strong>de e concluiu que os índios e os negros não eram humanos, nem tinham alma.<br />
Transformados em “coisa”, eram proprie<strong>da</strong>de ou bem de alguém. Como tal, podiam ser<br />
leiloados, vendidos, comprados, alugados, penhorados, hipotecados. Oriundos de<br />
diversas regiões e culturas do continente africano, esses povos perdiam o direito à<br />
proprie<strong>da</strong>de do seu corpo, a sua língua, a sua memória, a sua origem, a sua identi<strong>da</strong>de.<br />
Era praticamente impossível para um escravo viver em família. Os colonizadores<br />
preferiam negociar e comprar escravos de diferentes línguas e etnias, evitando assim<br />
que estes se ressocializassem e recriassem laços de afetivi<strong>da</strong>de ou sentimento de grupo.<br />
Quijano (2007) aponta que nos três séculos seguintes <strong>da</strong> colonização <strong>da</strong>s Américas, foi<br />
decretado o apagamento <strong>da</strong>s identi<strong>da</strong>des dos diversos grupos humanos não-europeus:<br />
incas, astecas, maias, quibchas, entre outros, tornaram-se simplesmente índios. Da<br />
mesma forma, haussás, zulus, iorubas, monjolos, angola, congos, entre tantos outros,<br />
tornaram-se apenas negros.<br />
Tão grande foi o contingente de africanos que a Ci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Bahia recebeu que esta se<br />
tornou famosa pela alta proporção de negros em sua população. Alguns viajantes a<br />
descreveram como uma nova Guiné (AZEVEDO, 1996), ou expressaram essa face que<br />
a tornou característica. Assim o fez o francês Avé-Lallemant, em 1859:<br />
Tudo parece negro: negros na praia, negros na ci<strong>da</strong>de, negros na parte baixa, negros nos bairros<br />
altos (...) tudo que corre, grita, trabalha, tudo que transporta e carrega é negro; até os cavalos dos<br />
carros na Bahia são negros (...) Esses homens cor de azeviche formam o mais admirável grupo<br />
atlético que se possa ver. Põem-se em marcha aos gritos e com certo entusiasmo bélico. O suor<br />
escorre-lhes pelo corpo nu, retesam-lhes todos os músculos, salientes, bojudos; as partes<br />
carnu<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s espáduas e a parte superior do braço são muitas vezes idealmente belas; Miguel<br />
Ângelo não as teria esculpido mais perfeitas no mármore (...). Carregar um peso é quase uma<br />
<strong>da</strong>nça; o ritmo <strong>da</strong> marcha nesse trabalho é quase como o dum cortejo sálio. Os próprios gritos<br />
têm de ser rítmicos, os músculos do peito têm que aju<strong>da</strong>r (apud MOURA, 1998, p.28).<br />
46
No entanto, a violência <strong>da</strong> escravatura e do racismo não foram suficientes para que<br />
esses povos se submetessem passivamente à servidão. A reação veio através <strong>da</strong> rebeldia<br />
materializa<strong>da</strong> em suicídios, assassinatos, banzos, infanticídios, rebeliões coletivas,<br />
formação de quilombos. Reminiscências <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e dos valores de seus respectivos<br />
grupos ancestrais foram reaviva<strong>da</strong>s, reinterpreta<strong>da</strong>s e recria<strong>da</strong>s, <strong>da</strong>ndo a forma de uma<br />
cultura negra no Brasil que não é, senão, a reconstrução de uma africani<strong>da</strong>de em solo<br />
brasileiro, resultado do cruzamento de múltiplas culturas e estratégias de continui<strong>da</strong>de<br />
do ethos africano.<br />
As diversas culturas dos negros afirmaram - se no Brasil a partir do século XIX,<br />
resultando de uma conjuntura de total desgaste do sistema escravista. Nessa situação, o<br />
corpo negro era o espaço <strong>da</strong> resistência, pois dominando seu próprio corpo, o negro<br />
escravo reiterava sua condição humana (SODRÉ, 2002).<br />
Na cultura negra, as regras básicas são a obrigação (de <strong>da</strong>r) e a reciproci<strong>da</strong>de (receber e<br />
restituir); ou seja, ela funciona por meio <strong>da</strong> troca. Essa troca acontece no grupo e não<br />
exclui na<strong>da</strong>: animais, plantas e homem que compõem o campo onde é possível a troca<br />
(SODRÉ, 1983). É esse um ponto de divergência com a cultura ocidental, pois esta<br />
última não admite outra forma de concepção de reali<strong>da</strong>de, senão a própria, que separa a<br />
vi<strong>da</strong> e a morte. Especialmente para aqueles negros nagô, predominantes no Recôncavo<br />
Baiano, existe uma força vital presente em to<strong>da</strong>s as enti<strong>da</strong>des: o axé. Mas é preciso o<br />
contato de dois seres para que possa existir. Pode variar de intensi<strong>da</strong>de, tamanho, mas é<br />
percebi<strong>da</strong> e transmiti<strong>da</strong> através <strong>da</strong> relação do indivíduo com os princípios cósmicos<br />
(orixás), com os irmãos de linhagem, com os ancestrais ou com os descendentes<br />
(SODRÉ, 1983, p. 129).<br />
Nesses grupos, até mesmo o saber difere, pois ele não é uma força viva, não é uma<br />
abstração de conceito. Para tê-lo é preciso absorver o axé. A cultura negra consolidou-<br />
se no Brasil como estratégia de resistência à ideologia dominante, mas de modo<br />
heterogêneo e independente <strong>da</strong> história <strong>da</strong> África e <strong>da</strong> conjuntura implementa<strong>da</strong> pelo<br />
processo colonizador e civilizatório no Brasil. As formas encontra<strong>da</strong>s em terras<br />
brasileiras variavam entre si e mantiveram inclusive as "formas essenciais <strong>da</strong> diferença<br />
simbólica" (SODRÉ, 1983, p.133).<br />
47
Os negros também buscaram se reorganizar socialmente através <strong>da</strong> criação de<br />
associações, tais como caixas de poupança para a compra de escravos, confrarias,<br />
conselhos, preservação de cultos ancestrais e manutenção de uma língua africana<br />
(ioruba), como a língua usa<strong>da</strong> nos rituais (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006).<br />
Segundo Muniz Sodré (1983), apesar <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des enfrenta<strong>da</strong>s, o negro boçal<br />
(aquele africano não integrado à vi<strong>da</strong> brasileira) e os crioulos negros — ou mulatos,<br />
livres ou não, nascidos no Brasil — se fortaleciam enquanto grupo. Os primeiros<br />
traziam mais fortes os valores tradicionais <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> comunitária no continente africano.<br />
E são eles ou aqueles próximos a eles que criam a primeira comuni<strong>da</strong>de de terreiro<br />
nagô (egbé) na ci<strong>da</strong>de de Salvador, Bahia. Os terreiros de candomblé foram os espaços<br />
encontrados para a ressocialização do homem negro, nos quais ele procurou recriar e<br />
preservar a sua tradição e sua cultura. Tornou-se, a religiosi<strong>da</strong>de do Candomblé, o<br />
território <strong>da</strong> resistência e de afirmação:<br />
O patrimônio simbólico do negro brasileiro (a memória cultural <strong>da</strong> África) afirmou-se aqui<br />
como território político-mítico-religioso, para a sua transmissão e preservação. Perdi<strong>da</strong> a antiga<br />
dimensão do poder guerreiro, ficou para os membros de uma civilização desprovi<strong>da</strong> de território<br />
físico a possibili<strong>da</strong>de de se “reterritorializar” na diáspora através de um patrimônio simbólico<br />
consubstanciado no saber vinculado ao culto aos muitos deuses, à institucionalização <strong>da</strong>s festas,<br />
<strong>da</strong>s dramatizações <strong>da</strong>nça<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>s formas musicais (SODRÉ, 2002, p.53).<br />
O candomblé se fortalece enquanto prática religiosa durante todo o período <strong>da</strong><br />
escravidão, mas especialmente na primeira metade do século XIX. E nesse período, o<br />
Estado institui importantes traços simbólicos para a identi<strong>da</strong>de nacional brasileira como<br />
a vin<strong>da</strong> <strong>da</strong> Missão Artística Francesa, em 1816, e a fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Academia Imperial de<br />
Belas Artes, em 1826 (SODRÉ, 2002). Para Sodré (2002), a preservação de uma<br />
mitologia africana era uma maneira de manter vivas as suas próprias origens. Os<br />
terreiros eram o espaço em que a origem era transforma<strong>da</strong> e reinterpreta<strong>da</strong> em solo<br />
brasileiro, resistindo à ideologia dominante e <strong>da</strong>ndo-lhes uma alternativa de<br />
humani<strong>da</strong>de. Essa territorialização foi elemento imprescindível para a formação de um<br />
novo sentimento de grupo e de identi<strong>da</strong>de entre os homens e mulheres escravizados no<br />
Brasil. Espaços de sociabili<strong>da</strong>de e soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de como os dessas comuni<strong>da</strong>des litúrgicas<br />
48
afro-brasileiras, territórios negros urbanos e rurais (quilombos) constituíram o<br />
povoamento do Brasil e de ci<strong>da</strong>des como Salvador:<br />
... a territorialização não se define como mero decalque <strong>da</strong> territoriali<strong>da</strong>de animal, mas como<br />
força de apropriação exclusiva de espaço (resultante de ordenamento simbólico), capaz de<br />
engendrar regimes de relacionamento, relações de proximi<strong>da</strong>de e distância (SODRÉ, 2002;<br />
p.14).<br />
A ci<strong>da</strong>de de Salvador, assim como em to<strong>da</strong> parte do mundo que experimentou o<br />
escravismo, conviveu com inúmeras formas de resistência negra. Entre estas,<br />
destacamos a formação dos mocambos ou quilombos. A palavra quilombo, segundo<br />
Reis (1995, p.16), deriva de kilombo, “uma socie<strong>da</strong>de iniciática de jovens mbundu<br />
adota<strong>da</strong> pelos invasores jaga (ou imbangala), estes formados por gente de vários grupos<br />
étnicos desenraiza<strong>da</strong> de suas comuni<strong>da</strong>des.” No século XVIII, o rei de Portugal<br />
descrevia o quilombo como “to<strong>da</strong> habitação de negros fugidos que passem de cinco, em<br />
parte despovoa<strong>da</strong>, ain<strong>da</strong> que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles”<br />
(MOURA, 1993, p.11). Embora o termo quilombo tenha se popularizado após a<br />
ocorrência do Quilombo dos Palmares (século XVII), em Alagoas, tal definição<br />
instituí<strong>da</strong> pelos portugueses tornou muito maior a ocorrência desses agrupamentos ao<br />
olhos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> época. Palmares é um dos mais significativos quilombos <strong>da</strong><br />
história. Reuniu alguns milhares de pessoas num modelo de socie<strong>da</strong>de oposto ao vigente<br />
naquela época e resistiu durante quase cem anos, desestabilizando o sistema<br />
escravocrata do Brasil. Muitos quilombos formaram-se, inicialmente, através <strong>da</strong> reunião<br />
de fugitivos individuais, mas aos poucos foram sendo reforçados com as fugas<br />
coletivas. Nesses espaços conviviam não só africanos e seus descendentes, mas também<br />
sol<strong>da</strong>dos desertores, indígenas, perseguidos pela justiça, aventureiros (REIS, 1995). O<br />
historiador João Reis (1995) considera ain<strong>da</strong> que os quilombos inscrevem-se dentro do<br />
que podemos denominar revoltas escravas devido a sua estrutura de defesa militar e às<br />
tentativas de sublevação de escravos nos engenhos e fazen<strong>da</strong>s. A maioria deles ficava<br />
no entorno <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des ou centros produtivos e “mantinham redes de comércio, relações<br />
de trabalho, de amizades, parentesco, envolvendo escravos ain<strong>da</strong> assenzalados, negros<br />
livres e libertos, comerciantes mestiços e brancos” (REIS, 1995, p.18). Gomes (2005)<br />
acrescenta que:<br />
49
Ain<strong>da</strong> que houvesse ordens reais determinando o cultivo de alimentos (principalmente<br />
mandioca) juntamente com a cana-de-açúcar, visando ao abastecimento de Salvador, os<br />
fazendeiros do Recôncavo sempre se mostraram resistentes a isto.<br />
Houve, assim, a entra<strong>da</strong> dos quilombolas no circuito de abastecimento. Feijão, milho, mandioca<br />
e outros excedentes produzidos em alguns mocambos podiam tanto ser trocados com os escravos<br />
nas senzalas, com taberneiros, como ser enviados para os mercados locais (até mesmo Salvador),<br />
por meio de vários intermediários comerciais (GOMES, 2005, p.408).<br />
Esses grupos tinham um caráter flutuante ou móvel, pois devido à proximi<strong>da</strong>de com<br />
núcleos de povoamento, fazen<strong>da</strong>s ou lavras eram constantes os ataques de capitães-do-<br />
mato (milícia forma<strong>da</strong> especificamente para o combate à fuga de escravos). Os<br />
aquilombados foram responsáveis pelo desbravamento e povoamento de diversas<br />
regiões do país. Em Salvador, capital <strong>da</strong> colônia, o fenômeno foi o mesmo: a parte<br />
administrativa ou a ci<strong>da</strong>de “oficial” foi cerca<strong>da</strong> por núcleos quilombolas responsáveis<br />
pela conformação geográfica atual <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Destacamos os Quilombos de Nossa<br />
Senhora dos Mares, do Cabula, do Rio Vermelho, do Urubu e Buraco do Tatu ou de<br />
Itapuã .<br />
Entre esses territórios, o mais importante foi o do Buraco do Tatu, situado na estra<strong>da</strong><br />
que ligava Campinas de Pirajá a Santo Amaro de Ipitanga (atual ci<strong>da</strong>de de Lauro de<br />
Freitas). Nessa área, também hoje chama<strong>da</strong> de Miolo Urbano de Salvador,<br />
encontravam-se ain<strong>da</strong> os Quilombos de Pirajá, Campinas de Pirajá, Mata Escura e do<br />
Urubu. Hoje nesse território encontram-se: a mata pertencente à Área de Proteção<br />
Ambiental (APA) Joanes-Ipitanga; o bairro de Itapuã e os bairros que hoje constituem o<br />
Complexo Habitacional Cajazeiras, um aglomerado de bairros ou conjuntos<br />
habitacionais populares e favelas construídos a partir dos anos 1970.<br />
O Quilombo do Urubu, conforme enfatiza Pedreira (1973), formou-se em 1826 nas<br />
matas do sítio Cajazeiras. Foi bastante combativo e perseguido, pois corria o boato de<br />
que os quilombolas planejavam uma revolução em Salvador. Sob a acusação de<br />
protagonizar um ataque a lavradores nas imediações do Cabula, iniciou-se a caça<strong>da</strong> final<br />
a esses guerreiros no final do mesmo ano, e os sobreviventes foram presos no Forte do<br />
Mar. A destruição, segundo Pedreira (1973), se deu em 17 de dezembro como descreve<br />
um dos coman<strong>da</strong>ntes <strong>da</strong> tropa denominado de José Balthazar <strong>da</strong> Silveira:<br />
50
Participo a V. Sas. que marchando <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de às dez horas do dia. Como me foi por V. Sas.<br />
ordenado, com doze sol<strong>da</strong>dos e um cabo, para o Cabula, e chegando a Estra<strong>da</strong> do 1º lugar tive<br />
notícia que os negros estavam reunidos em o lugar denominado - Urubu - em número pouco<br />
mais ou menos de cinqüenta, e também algumas Negras, e procurando para ver se os descobria,<br />
encontrei com um Capitão de Assaltos, e mais dois Crioulos gravemente feridos, ai soube terem<br />
sido aqueles feridos pelos negros que se achavam alevantados; com esta notícia deliberei-me a<br />
segui-los e finalmente descobri em uma baixa do ponto do Urubu onde já encontrei com um<br />
Sgto. e 20 sol<strong>da</strong>dos do Regimento de Pirajá, e unindo-me com esta força fui exercer a sua<br />
destruição, o que sendo percebido pelos referidos pretos, poz eram-se em defesa fazendo isso<br />
uso de um carro de boi com um ferro na parte inferior que formava uma espécie de corneta, e<br />
como viessem armados de facas, Facões, Lazarinas e Lanças e mais outros instrumentos curtos,<br />
gritei-lhes que se entregasse, mais eles lançando-se furiosos sobre a tropa, gritavam Mata, e<br />
Mata. Foi-me necessário man<strong>da</strong>r fazer fogo, com o que consegui desperçarem-se, e indo em<br />
alcance prendi a negra Zeferina, a qual se achava com arco e flexa na mão, e achei três negros<br />
mortos e uma negra, e alguns sacos de farinha e bolacha, e como já fosse noite e eu não tivesse<br />
certeza onde se achasse os despersados negros por que todos tinham fugido deixei perto do<br />
referido lugar o mencionado Sgto. e Sol<strong>da</strong>dos de Pirajá, para observar qualquer movimento que<br />
houvesse, retirando-me as sete horas e entregando neste Qel. A preta apreendi<strong>da</strong> com o arco e<br />
flexa que lhe foram achados. Bahia e Quartel <strong>da</strong> Polícia, 17 de dezembro de 1826 (PEDREIRA,<br />
1973, p.142-143)<br />
O Quilombo Buraco do Tatu é anterior a esse, teve início em 1744, e foi destruído quase<br />
vinte anos depois, em 1763. Era bastante organizado e possuía um sistema de defesa<br />
militar bem definido (Anexo 1). Localizava-se na região conheci<strong>da</strong> hoje como Itapuã,<br />
embora os moradores de Cajazeiras (bairro próximo) defen<strong>da</strong>m sua existência nesse<br />
território. O quilombo tinha no seu entorno muitos vigias, inúmeras trilhas falsas e<br />
armadilhas pra confundir as expedições reescravizadoras e facilitar a fuga durante os<br />
ataques. Dedicavam-se também à agricultura, embora fossem acusados de furtos e<br />
assaltos. Quatro quilombolas morreram na batalha final e outros sessenta e cinco foram<br />
capturados com vi<strong>da</strong>. A carta escrita pelo Governo Interino <strong>da</strong> Bahia, cita<strong>da</strong> por<br />
Pedreira (1973, p.129-131), narra as circunstâncias em que o ataque final ocorreu:<br />
Ilmo. e Exmo. Sr. – Os justíssimos clamores que por vezes repeti<strong>da</strong>s chegaram à presença do<br />
Governo, exemplo os moradores <strong>da</strong>s roças ou fazen<strong>da</strong>s sitas nas matas do continente desta<br />
Ci<strong>da</strong>de, duas léguas distante dela, os freqüentes prejuízos que recebiam dos negros<br />
aquilombados nas ditas matas, saindo delas a fazer latrocínios e grandes destruições nas<br />
fazen<strong>da</strong>s, assaltando as moradias dos íncolas <strong>da</strong>queles lugares, roubando os gados e to<strong>da</strong> a mais<br />
criação; procurando as estra<strong>da</strong>s a despojar os vian<strong>da</strong>ntes de vestuário e dinheiro que levavam<br />
consigo, principalmente os pretos e pretas que, vindo todos os dias para a Ci<strong>da</strong>de com a<br />
ven<strong>da</strong>gem dos víveres que produzem nas roças , voltam no mesmo ou dia seguinte para elas com<br />
o produto <strong>da</strong>s ven<strong>da</strong>s; conduzindo por força para o Quilombo aquelas pretas que melhor lhes<br />
pareciam e, finalmente entrando de noite pelas ruas <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de a prover-se de pólvora, chumbo e<br />
demais bagatelas que precisavam para a sua defesa; tendo correspondência com os negros <strong>da</strong><br />
mesma Ci<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>quelas roças, e ain<strong>da</strong> com alguns brancos, pelo receio de os não matarem<br />
naquele retiro <strong>da</strong>s suas habitações, nem destruírem as suas lavouras, motivaram o Governo a<br />
tomar aquelas precisas informações sobre a ver<strong>da</strong>de dos fatos referidos, existência do tal<br />
“quilombo” e força dele.<br />
51
Por verídicas informações, constou ao Governo, plenamente, a existência do Quilombo chamado<br />
Buraco do Tatu, e qua haverá vinte anos tivera princípio e é, ao presente, um grande corpo de<br />
negros, e arriscado pela situação em que estava e pelos subterrâneos feitos com muitos estrepes,<br />
cuja planta será presente a V. Excia pelo que, de algum modo, se possa considerar a figura do<br />
dito Quilombo.<br />
E continua o governador interino em seu relato:<br />
De to<strong>da</strong>s as providências que devia o Governo praticar, era a mais necessária a dos práticos<br />
<strong>da</strong>quelas matas, se soubessem dos precipícios que nelas havia ocultos, para efeito de chegar ao<br />
Quilombo sem grande risco de vi<strong>da</strong> e destroço de gente, por de outra sorte fazer-se impraticável<br />
a conquista <strong>da</strong>queles negros. Com mui pequena diligência se vieram a descobrir guias de gente<br />
que se dispunha para a entra<strong>da</strong>, a qual foi ordena<strong>da</strong> com índios, sol<strong>da</strong>dos <strong>da</strong> Conquista dos<br />
bárbaros, com os <strong>da</strong> Aldeia de Jequiriçá em Jaguaripe, e com muitas pessoas proporciona<strong>da</strong>s<br />
para aquela invasão.<br />
Formou-se, com esta gente, um corpo de 200 pessoas, com alguns granadeiros para o uso <strong>da</strong>s<br />
grana<strong>da</strong>s, municiado com os aprestos de guerra e boca para todo aquele tempo que durasse o<br />
ataque, sendo a ordem que levavam não desistir do conflito nem retirar-se <strong>da</strong>s matas sem ficar<br />
destruído o Quilombo, presos os negros e mortos os resistentes, pesquisa<strong>da</strong>s as matas, queima<strong>da</strong>s<br />
as choupanas e estrepazia, e entulhados os fossos que tinham feito por to<strong>da</strong>s elas; o que tudo se<br />
executou <strong>da</strong> melhor forma que permitiu o acontecimento.<br />
Foram presos 61 entre pretos e pretas, recolhidos à Cadeia e relaxados à Justiça <strong>da</strong> Ouvidoria<br />
Geral do Crime para devassar e proceder no castigo que a lei determinasse aos réus de<br />
semelhante delito. Foram sentenciados finalmente, como se mostra <strong>da</strong> certidão <strong>da</strong> pronúncia que<br />
vai inclusa, <strong>da</strong> qual também constará que se multaram culpados <strong>da</strong> pena pecuniária, ca<strong>da</strong> um à<br />
proporção, para inteira solução de 245$493 réis que a Fazen<strong>da</strong> Real tinha dispendido na compra<br />
dos mantimentos que se fizeram prontos para a gente <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> entra<strong>da</strong>. Deus guarde a V.<br />
Excia. Bahia e Janeiro 14 de 1764. (as) Coronel Gonçalves Xavier de Brito e Alvim, Chanceler<br />
José Carvalho de Andrade, Dom Frei Manoel de Santa Inês, Arcebispo.<br />
O Buraco do Tatu é hoje uma <strong>da</strong>s referências para estudiosos <strong>da</strong>s questões étnicas do<br />
Brasil e é constantemente celebrado e reverenciado nas instâncias do movimento social<br />
e cultural negro, especialmente aqueles <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Salvador.<br />
52
1.3 TENTATIVAS DE EMBRANQUECIMENTO DO ESPAÇO URBANO DE<br />
SALVADOR<br />
As mu<strong>da</strong>nças urbanas mais significativas para Salvador ocorreram efetivamente a partir<br />
do século XIX, especialmente, durante a Primeira República (1889-1930). Conforme<br />
Araújo (2006), a elite urbana que se fortalecia desde a fuga <strong>da</strong> família real portuguesa<br />
para o Brasil (1808) se consoli<strong>da</strong>va ca<strong>da</strong> vez mais através <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças ocorri<strong>da</strong>s nas<br />
ci<strong>da</strong>des. No centro dos conflitos existentes no processo de formação desses grupos<br />
sociais encontrávamos novas e estigmatiza<strong>da</strong>s as relações de gênero, i<strong>da</strong>de/geração,<br />
classe e raça. Essas elites, entretanto, não pouparam esforços para a implementação do<br />
modo de vi<strong>da</strong> urbano, sobretudo em Salvador. Alguns fatores definiam sua uni<strong>da</strong>de,<br />
quais sejam: educação, ocupação e carreiras políticas. Essa elite baiana era branca na<br />
pele ou na mentali<strong>da</strong>de, pois além do dinheiro, possuía estudos superiores, concentrados<br />
nas áreas de medicina, direito e engenharia e vasta experiência de governo devido ao<br />
seu relacionamento com a burocracia estatal.<br />
No período que segue à abolição <strong>da</strong> escravatura no país, a Primeira República (1889-<br />
1930) também as intervenções de política urbanística não consideravam a ci<strong>da</strong>de como<br />
um todo, priorizavam melhoramentos pontuais no centro e ignoravam o resto, que<br />
crescia incessantemente. As ações realiza<strong>da</strong>s ain<strong>da</strong> não concebiam a ci<strong>da</strong>de na sua<br />
totali<strong>da</strong>de, nem detinham seu crescimento, mas eram concebi<strong>da</strong>s segundo a ideologia <strong>da</strong><br />
época, que preconizava o vínculo entre urbanização e normatização do uso do espaço<br />
público e privado pelos habitantes, especialmente aqueles <strong>da</strong>s classes populares. Em<br />
nome dos ideais de civili<strong>da</strong>de, moralização dos costumes, controle, combate e<br />
prevenção de doenças, assim como as tentativas de controle social e de desafricanização<br />
dos costumes, foram também estabeleci<strong>da</strong>s regras de comportamento (gestos, vestuário,<br />
trabalho, entre outros) através dos novos modos de sociabili<strong>da</strong>de. Desejava-se uma<br />
socie<strong>da</strong>de homogênea, mas isto era impossível diante <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de baiana na qual<br />
predominavam a plurali<strong>da</strong>de de modos de vi<strong>da</strong> e a influência africana. Tudo o que fugia<br />
do desenho homogeneizador era tratado como desvio. Aos negros era associa<strong>da</strong> a idéia<br />
de barbárie, atraso, falta de higiene, incivili<strong>da</strong>de:<br />
53
No contraponto a essa elite dita civiliza<strong>da</strong>, encontramos as cama<strong>da</strong>s populares. Uma população,<br />
que com o processo de abolição <strong>da</strong> escravatura, ia se constituindo ao mesmo tempo pobres e<br />
livres e, em sua maioria, negros e mestiços, fazendo <strong>da</strong>s ruas soteropolitanas os seus domínios.<br />
Os afrodescendentes demarcavam as linhas divisórias entre os grupos <strong>da</strong> elite baiana e a<br />
“barbárie <strong>da</strong> cultura popular afrodescendente”. Dessa maneira, o negro dentre outros tipos<br />
humanos, na mentali<strong>da</strong>de dessa elite, mais do que nenhum outro segmento <strong>da</strong>s cama<strong>da</strong>s<br />
populares passava a representar o anticivilizado. Pobres e pretos, homens e mulheres, crianças,<br />
velhos e adultos, livres, libertos e cativos (até a abolição de 1888), mendigos e vadios, através de<br />
uma complexa rede de distinções e diferenciações reguladoras <strong>da</strong> gramática urbana, se<br />
reconheciam e se diferenciavam mutuamente, constituindo seus lugares na geografia <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de<br />
(ARAÚJO, 1989, p.149).<br />
Os engenheiros higienistas e sanitaristas <strong>da</strong> época pensavam seus trabalhos com base na<br />
estética, na salubri<strong>da</strong>de do meio físico e na circulação viária. Estes eram formados por<br />
instituições acadêmicas que reproduziam amplamente as teorias raciais que justificavam<br />
o atraso do país pela sua miscigenação. As concepções científicas e filosóficas de<br />
origem européias eram a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong>s ao Brasil, sofrendo pequenas transformações, sem,<br />
entretanto, representar possibili<strong>da</strong>des otimistas para os brasileiros. Tais profissionais<br />
adotaram a idéia de que as classes populares (negras e mestiças) eram classes perigosas<br />
e a disciplinarização do seu comportamento era a solução. Daí a segregação espacial à<br />
qual foram submeti<strong>da</strong>s: tiveram que passar a ocupar as áreas mais longínquas do centro.<br />
Fonte:SAMPAIO, 1999, p.182.<br />
FIGURA 3 – Casebre típico de Salvador em 1935<br />
54
Os pobres de Salvador que habitavam as freguesias urbanas viviam em edifícios que<br />
abrigavam inúmeras famílias (cortiços), cômodos construídos nas áreas disponíveis<br />
como os quintais ou terrenos dos sobrados, muitos divididos apenas por uma parede, o<br />
que favorecia o alastramento de doenças e incêndios. Moravam também em casas<br />
térreas, construí<strong>da</strong>s com materiais diversos, tais como pedra e cal, tijolo, adobe,<br />
telhados de telha ou palha, sendo que estas últimas representavam 72, 1% <strong>da</strong>s moradias<br />
<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de em meados do século XIX (COSTA, 1989).<br />
Não havia distinção entre os espaços dos ricos e dos pobres: as habitações eram<br />
ergui<strong>da</strong>s lado-a-lado. Viver ao lado do rico, entretanto, não significava viver em<br />
condições de salubri<strong>da</strong>de. Não havia um sistema regular de abastecimento de água, e<br />
nem esgotamento sanitário. Os dejetos eram jogados na rua. A ci<strong>da</strong>de era muito suja. Os<br />
pobres, por suas condições de moradia, eram considerados os responsáveis pela<br />
disseminação <strong>da</strong>s doenças.<br />
Segundo Araújo (2006), a situação não se altera muito nas primeiras déca<strong>da</strong>s do século<br />
XX devido às condições precárias de vi<strong>da</strong> do trabalhador que pioravam com a carestia<br />
dos gêneros alimentícios, instabili<strong>da</strong>de do emprego e <strong>da</strong> compressão salarial, além do<br />
crescimento demográfico. O trabalhador livre via na ci<strong>da</strong>de a possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ven<strong>da</strong> de<br />
sua força de trabalho, agravando ain<strong>da</strong> mais a problemática urbana.<br />
A urbanização <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de começou, então, sem a industrialização em seu espaço.<br />
Pavimentação e alargamento de ruas importantes, construção <strong>da</strong> Rua Ladeira <strong>da</strong><br />
Montanha, que liga a ci<strong>da</strong>de baixa à ci<strong>da</strong>de alta; construção do porto, cais e armazéns,<br />
entre outros, foram medi<strong>da</strong>s aplica<strong>da</strong>s em Salvador. As construções também passaram a<br />
estar sujeitas à aprovação do poder público e deveriam atender critérios de higiene e<br />
estética. Previa-se também o estímulo à edificação de habitações para as classes pobres<br />
e operárias, tais como a isenção de impostos, havendo a seleção de determina<strong>da</strong>s áreas<br />
para a moradia dessas pessoas.<br />
As vilas operárias deveriam ser próximas dos postos de trabalhos, obedecer aos padrões<br />
de higiene e <strong>da</strong> arquitetura moderna, assim como oferecer escolas e outros espaços<br />
estimulantes do trabalho. As casas eram aluga<strong>da</strong>s aos empregados e pertenciam aos seus<br />
respectivos patrões, acrescentando-se a este último mais uma arma de controle em<br />
55
elação a seus subordinados. Muniz Sodré (2002) chama a atenção para este período e<br />
para as condições de vi<strong>da</strong> e moradia dos descendentes de escravos nas ci<strong>da</strong>des:<br />
Considere-se, por exemplo, o problema <strong>da</strong> habitação popular. As esporádicas intervenções do<br />
Estado nesse setor visavam a reforma dos alojamentos de um abstrato “operário”, categoria que<br />
incluía os pouco numerosos trabalhadores <strong>da</strong> indústria nascente, mas que não se preocupava com<br />
os subempregados, desempregados ou to<strong>da</strong> a mão - de - obra não contabiliza<strong>da</strong> pelos registros de<br />
assalariamento do capital. Os negros, que entravam maciçamente nessa zona excluí<strong>da</strong> pelos<br />
processos e socialização reconhecíveis, encontram na esfera do consumo um vazio a ser<br />
preenchido por táticas econômicas de sobrevivência e por estratégias de persistência étnica –<br />
agrupamentos conscientes (quilombos, terreiros), ou não-conscientes (vegetativos), capazes de<br />
oferecer alguma proteção contra o desejo latente de genocídio por parte <strong>da</strong>s elites governantes (<br />
SODRÉ, 2002, p.117).<br />
As áreas planeja<strong>da</strong>s para a elite expandiam a ci<strong>da</strong>de em direção às praias do litoral sul e<br />
somente nesse momento a ci<strong>da</strong>de passa a ser vista como mercadoria, devendo valorizar-<br />
se esteticamente para competir no mercado internacional. É no século XX que Salvador<br />
adota feições capitalistas a partir de uma incipiente industrialização e começa a existir<br />
uma preocupação com equipamentos de consumo coletivo para a população que<br />
possibilitasse a regulação do meio ambiente e a construção de infra-estrutura para tal.<br />
Surgiu, em 1935, um primeiro esquema de modernização <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, que se articulava<br />
principalmente pela ligação bairro-centro, ocupação <strong>da</strong>s cumea<strong>da</strong>s, sistema viário nos<br />
talvegues e uma preocupação com a habitação social que implicavam áreas de expansão<br />
para ci<strong>da</strong>de. Thales de Azevedo (1996, p.67) alerta para o fato de que, nessa época,<br />
[a] maioria <strong>da</strong>s pessoas de cor vive, como to<strong>da</strong> a classe baixa, em bairros pobres nos contornos <strong>da</strong><br />
ci<strong>da</strong>de ou em pequenos aglomerados de casas modestas intercala<strong>da</strong>s nas áreas residenciais <strong>da</strong>s<br />
classes mais altas; porém nestas vivem, ao lado dos brancos, muitas famílias de cor de status<br />
intermediário ou superior.<br />
A partir dos anos 1940, Salvador passou a sofrer grandes transformações no seu tecido<br />
urbano. Datam dessa época também os primeiros registros de criação de “invasões” de<br />
terreno, ou seja, ocupações de terrenos organiza<strong>da</strong>s pelo movimento social pró-moradia,<br />
atualmente chama<strong>da</strong>s também de ocupações espontâneas. O Estado Novo (1937-1945)<br />
influenciaria o pensamento e a prática política <strong>da</strong> época na convivência com a<br />
dinamização <strong>da</strong> indústria brasileira no pós-guerra. Criou-se, em 1943, o Escritório do<br />
56
Plano de Urbanismo <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de do Salvador (EPUCS) que impulsionou a efetivação de<br />
um esquema traçado para a modernização <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. O enfoque era global e originou<br />
muitas <strong>da</strong>s configurações que temos hoje:<br />
...o EPUCS articulava-se a partir de dois grandes sistemas viários: as vias de penetração e as vias<br />
de irradiação distribuí<strong>da</strong>s em cintas concêntricas e linhas radiais. Do plano ain<strong>da</strong> constavam<br />
proposições especiais nas áreas de saúde, saneamento, serviços, segurança, educação, cultura e<br />
habitação. As vias <strong>da</strong>vam uma nova dimensão na configuração <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, indicando as áreas para a<br />
expansão urbana de Salvador (SOARES, 2007, p.08).<br />
Com a morte do idealizador do EPUCS, professor Mário Leal Ferreira, houve uma<br />
sucessão de tentativas de continui<strong>da</strong>de do seu plano urbanístico, mas sem sucesso. O<br />
desenvolvimento industrial que experimentava Salvador e o conseqüente aumento do<br />
fluxo migratório <strong>da</strong>s déca<strong>da</strong>s seguintes estimularam as preocupações com o tecido<br />
urbano. A descoberta do petróleo em áreas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de (Subúrbio Ferroviário) incentivou<br />
a economia regional e Salvador se tornou a principal referência nordestina de<br />
industrialização moderna (SOARES, 2007).<br />
A partir dos anos 1960, foram determinados três vetores de expansão para Salvador:<br />
subúrbio ferroviário no litoral <strong>da</strong> Bahia de Todos os Santos, orla marítima<br />
atlântica/norte e central (miolo urbano). Além do crescimento demográfico, a ci<strong>da</strong>de se<br />
transformou com mu<strong>da</strong>nças econômicas, administrativas e sociais como, por exemplo, a<br />
transferência <strong>da</strong> região industrial que ficava no interior do perímetro urbano para os<br />
municípios de Camaçari (constituição do Complexo Petroquímico de Camaçari —<br />
COPEC — e Simões Filho (Centro Industrial de Aratu - CIA). Isso determinou a<br />
criação de bairros residenciais que abrigassem as novas classes média e alta, aumentou a<br />
deman<strong>da</strong> por habitação popular, estimulando a criação de conjuntos habitacionais que<br />
recebessem os trabalhadores, sem, no entanto, conter o crescimento de bairros<br />
periféricos que abrigavam operários de baixa ren<strong>da</strong>, migrantes e desempregados.<br />
A criação do Banco Nacional de Habitação (BNH) e o Serviço <strong>Federal</strong> de Habitação e<br />
Urbanismo (SERFHAU) nos anos 1960 expressam a preocupação institucional com a<br />
formatação de planos e diretrizes urbanísticas, sem apresentar, porém, resultados<br />
práticos significativos.<br />
57
Ocupação urbana (1940) ocupação urbana (1970)<br />
Ocupação urbana (1976) ocupação urbana (1983)<br />
Fonte:SAMPAIO, 1999, p.182<br />
FIGURA 4 - Ocupação urbana de Salvador (1940-1983)<br />
Nos anos 1970, criaram-se o Centro Industrial de Aratu (CIA) e o Complexo<br />
Petroquímico de Camaçari (COPEC). Tinha-se como estratégia a fixação de seus<br />
trabalhadores em ci<strong>da</strong>des <strong>da</strong> então cria<strong>da</strong> Região Metropolitana de Salvador (RMS),<br />
mas isto não ocorreu. Esses trabalhadores (muitos oriundos de outras ci<strong>da</strong>des e estados)<br />
não se estabeleceram nos municípios vizinhos à capital <strong>da</strong> Bahia, preferindo viver em<br />
Salvador que, embora possuísse uma infra-estrutura precária em vários sentidos,<br />
respondia por mais de 80% dos habitantes <strong>da</strong> RMS. O CIA e o COPEC representaram, à<br />
época de sua instalação nos anos 70, a solução para a letargia <strong>da</strong> economia baiana.<br />
Criou-se uma nova centrali<strong>da</strong>de periférica industrial para atender as deman<strong>da</strong>s do<br />
Complexo Industrial de Aratu, em Simões Filho, e o Complexo Petroquímico de<br />
58
Camaçari. Embora esses novos postos de trabalho estivessem fora de Salvador, a<br />
metrópole concentrava a melhor infra-estrutura <strong>da</strong> RMS, e atraiu muitos migrantes,<br />
tendo que se reestruturar para receber esses trabalhadores, constituintes de novas classes<br />
sociais. Houve um crescimento desenfreado <strong>da</strong> população ocupando favelas, além <strong>da</strong><br />
criação de bairros residenciais para as classes média e alta e de conjuntos habitacionais<br />
populares em áreas próximas aos postos de trabalho, como o Complexo Cajazeiras, que<br />
aqui nos interessa mais de perto.<br />
A habitação e o planejamento urbano estavam entre as principais preocupações do<br />
governo, que então considerava a questão habitacional como o cerne de todos os<br />
problemas sociais <strong>da</strong>quele tempo. Criou-se a Companhia Estadual de Desenvolvimento<br />
Urbano (CEDURB) que operacionalizou a concretização de três grandes projetos<br />
urbanísticos para a RMS: Projeto Urbanístico Integrado Narandiba, Projeto Urbanístico<br />
Integrado Caji e Projeto Urbanístico Integrado Cajazeira. A lógica era ter um<br />
planejamento integrado, aqui compreendido como a proximi<strong>da</strong>de entre casa e emprego.<br />
O Projeto Narandiba justificava-se pela proximi<strong>da</strong>de com o recém - instalado pólo de<br />
ativi<strong>da</strong>des comerciais na região conheci<strong>da</strong> como Iguatemi, que prometia abrigar 100 mil<br />
pessoas. O Caji, ao norte, mas em outro município, Lauro de Freitas, teria 30 mil<br />
habitações e seria um novo pólo urbano. O Complexo Cajazeiras seria um grande<br />
núcleo habitacional, com inicialmente “seis mil novas habitações, to<strong>da</strong> a infra-estrutura<br />
necessária, centros vizinhos de comércio e serviços” (ALMEIDA, 2005, p.40) o qual<br />
pretendia ain<strong>da</strong> frear o aumento <strong>da</strong> ocorrência de “invasões”. Dados do IBGE<br />
(SOARES, 2007) asseguram que a população de Salvador em 2007 era de 2.892.625<br />
habitantes, sendo que cerca de 63% dela vivia em áreas ocupa<strong>da</strong>s informalmente.<br />
Os Conjuntos Cajazeiras 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10 e 11 ficaram prontos até 1986, mas o 9<br />
não saiu do papel. Foram construí<strong>da</strong>s até aquele momento 10.866 uni<strong>da</strong>des<br />
habitacionais, entretanto, uma boa parte <strong>da</strong> população com rendimento de até dois<br />
salários mínimos, público - alvo desse projeto, não fora contempla<strong>da</strong> com a moradia.<br />
Entre 1979 e 1987, foram instala<strong>da</strong>s 6.824 habitações através de “ocupação espontânea<br />
59
ou invasão 5 ” do espaço, representando 30% do total de moradias de Cajazeiras<br />
(ALMEIDA, 2005). O Estado passou a intervir nessas áreas somente a partir de 1997 e<br />
as áreas privilegia<strong>da</strong>s com serviços urbanos ain<strong>da</strong> se concentram nos bairros de classes<br />
média e alta.<br />
1.4 CAJAZEIRAS: A ÚLTIMA FRONTEIRA DE SALVADOR<br />
Foto: Fernando Vivas<br />
FOTO 01 – Complexo Cajazeiras<br />
O conceito de bairro estava relacionado inicialmente à noção do meio físico e à<br />
evolução <strong>da</strong> ocupação humana, mas atualmente adquiriu uma abor<strong>da</strong>gem que o<br />
concretiza como resultado <strong>da</strong> experiência humana. O espaço vivido e sentido, um lugar<br />
no qual as fronteiras são demarca<strong>da</strong>s pelas pessoas através de marcos referenciais<br />
criados por elas ou por outros anteriores que os definem como interiores ou exteriores<br />
ao bairro. Mas o bairro também pode ser considerado como um fato social baseado na<br />
segregação racial, econômica ou de classe, sendo que os limites e referenciais de ca<strong>da</strong><br />
bairro são derivados <strong>da</strong>s relações e vivências dos moradores e visitantes com o local,<br />
5 Ocupações espontâneas ou invasões são denominações <strong>da</strong><strong>da</strong>s às grandes ocupações coletivas de<br />
terrenos, à revelia do proprietário, para fins de habitação popular. O termo invasão foi difundido a partir<br />
dos anos 1940 para designar essas áreas precárias.<br />
60
interligando-se e constituindo a imagem do bairro (SERPA, 2007). A ci<strong>da</strong>de de<br />
Salvador ain<strong>da</strong> não tem a delimitação oficial de seus bairros, restando conhecer seus<br />
limites através <strong>da</strong> percepção dos seus moradores, como sugere o pesquisador Ângelo<br />
Serpa:<br />
Mas como proceder na ausência de limites oficiais definidos para esses recortes territoriais<br />
vividos no dia-a-dia de Salvador? Em primeiro lugar, consultando a população constantemente<br />
(...) a respeito dos limites referenciais de seus espaços vividos, buscando compreender os<br />
imaginários - motores (EN<strong>RI</strong>QUEZ, 1990) dos diferentes agentes e grupos. Esses imaginários -<br />
motores consoli<strong>da</strong>m limites e referenciais coletivos, articulando as diferentes percepções e<br />
experiências em uma trama de relações sócio-espaciais que origina um recorte muito concreto, o<br />
bairro, experiência compartilha<strong>da</strong> de territorialização <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de (SERPA, 2007, p.40).<br />
A capital <strong>da</strong> Bahia (Anexo A) está dividi<strong>da</strong> em 17 Regiões Administrativas (RA) que<br />
correspondem a uma Administração Regional (AR) própria, mas é a lei 1.038 de 15 de<br />
junho de 1960 que fixa a delimitação dos distritos, subdistritos e divisão dos bairros.<br />
Dos 32 bairros delimitados e 20 subdistritos, percebe-se que diversos bairros<br />
tradicionais e periféricos são omitidos, tais como Curuzu e outros do Subúrbio<br />
Ferroviário (SERPA, 2007). Na promessa de rever e atualizar a legislação supracita<strong>da</strong>,<br />
construir uma uni<strong>da</strong>de de referência para a gestão pública e objetivar o auxílio à<br />
produção de indicadores econômicos, ambientais, políticos e sociais é que a Prefeitura<br />
de Salvador criou o Projeto de Delimitação de Bairros em 2008, com a previsão de que<br />
a ativi<strong>da</strong>de fosse concluí<strong>da</strong> no final do mesmo ano.<br />
A RA XIV (Cajazeiras) tem uma área de 1.392 ha., uma população de 118.197<br />
habitantes, divididos em 31.288 uni<strong>da</strong>des habitacionais, segundo a Prefeitura Municipal<br />
de Salvador (2008). Entretanto, esta RA (Anexo B) não cobre todo o território<br />
conhecido como Cajazeiras, que se espalha em áreas ti<strong>da</strong>s oficialmente como<br />
responsabili<strong>da</strong>de administrativa <strong>da</strong>s RA XV ( Ipitanga) e RA X (Itapuã). Tais números<br />
entram em contradição na fala de lideranças como o corretor de imóveis e ex-presidente<br />
<strong>da</strong> Associação Comercial de Cajazeiras Alfredo Venceslau. Para ele, Cajazeiras possui<br />
16 milhões de m² e uma população total de 450 mil pessoas e ele possui 1.353<br />
estabelecimentos comerciais (UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA, 2002).<br />
61
O bairro de Cajazeiras foi criado pelo decreto 24.922 de 20/10/75 na gestão do<br />
governador Roberto Santos, através <strong>da</strong> desapropriação <strong>da</strong>s fazen<strong>da</strong>s União, Cajazeiras e<br />
Jaguaripe de Cima ou Fazen<strong>da</strong> Grande (ROCHA, 2001). É definido como sendo a<br />
reunião dos bairros Cajazeiras 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10 e 11, as Fazen<strong>da</strong>s Grande 1, 2, 3 e<br />
4; Boca <strong>da</strong> Mata e diversas ocupações.<br />
O Complexo Cajazeiras localiza-se entre os bairros de Águas Claras e Castelo Branco.<br />
Renata Bahia (2006) aponta que os limites de Cajazeiras não estão claros também para a<br />
população, que se confunde na difícil tarefa de demarcar essas fronteiras. Dependendo<br />
<strong>da</strong> compreensão do sujeito, Cajazeiras pode tomar a área pertencente à região de Pirajá<br />
(mais próxima do Subúrbio Ferroviário e Baía de Todos os Santos), Pau <strong>da</strong> Lima e<br />
ain<strong>da</strong> as terras <strong>da</strong> Aveni<strong>da</strong> Paralela, representando a quase totali<strong>da</strong>de do centro<br />
geográfico soteropolitano (miolo urbano). Outro elemento de referência geográfica<br />
importante para quem vive nessa região é o limite com a Área de Proteção Ambiental<br />
(APA) Joanes-Ipitanga, cria<strong>da</strong> pelo Decreto Estadual N°. 7.596, em 05/06/1999.<br />
Segundo o Governo <strong>da</strong> Bahia (2008), o conceito de APA é:<br />
uma área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dota<strong>da</strong> de atributos<br />
abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> e o<br />
bem-estar <strong>da</strong>s populações humanas, e tem com objetivos básicos proteger a diversi<strong>da</strong>de<br />
biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabili<strong>da</strong>de do uso dos recursos<br />
naturais.<br />
A Joanes-Ipitanga possui mais de 60 mil hectares, abrangendo as bacias hidrográficas<br />
dos rios Ipitanga e Joanes (incluindo suas nascentes, represas e estuários ) que são<br />
responsáveis por 40% do abastecimento de água <strong>da</strong> Região Metropolitana de Salvador.<br />
Os municípios de Simões Filho, Candeias, Camaçari, Lauro de Freitas, São Francisco<br />
do Conde, São Sebastião do Passé e Dias D´Ávila também estão envolvidos nessa área.<br />
62
Foto: <strong>Nelma</strong> <strong>Barbosa</strong><br />
FOTO 02 visão <strong>da</strong> APA Joanes – Ipitanga a partir de Fazen<strong>da</strong> Grande II<br />
Os desmatamentos constantes, o despejo de esgotos domésticos, a ausência de um<br />
sistema que assegure moradia e salubri<strong>da</strong>de a todos (envolvendo condições básicas de<br />
habitabili<strong>da</strong>de ci<strong>da</strong>dã), bem como a constante per<strong>da</strong> dos terrenos dos terreiros de<br />
candomblé transformaram a preocupação com a preservação dessas áreas verdes numa<br />
luta constante <strong>da</strong>quele povo de Cajazeiras. A convivência com a natureza sempre foi<br />
algo marcante para eles já que os maus-tratos ao meio ambiente significam também<br />
redução do acesso a áreas de lazer, tais como a barragem do rio Joanes (situa<strong>da</strong> próxima<br />
à Boca <strong>da</strong> Mata), onde no passado eram comuns os banhos e pescarias; ou ain<strong>da</strong> a<br />
impossibili<strong>da</strong>de dos piqueniques familiares no entorno <strong>da</strong> pedra do Buraco do Tatu<br />
(Cajazeiras X e Aveni<strong>da</strong> Assis Valente).<br />
Alguns moradores mais envolvidos politicamente com o movimento negro afirmam que<br />
no interior <strong>da</strong> APA residem algumas comuni<strong>da</strong>des negras tradicionais ain<strong>da</strong> não<br />
orienta<strong>da</strong>s para a busca de seus direitos enquanto remanescentes quilombolas. Estas se<br />
formaram através <strong>da</strong>s fugas dos aquilombados do passado na ocasião dos ataques aos<br />
quilombos <strong>da</strong>quela região.<br />
Outro de seus principais referenciais é a Rótula <strong>da</strong> Feirinha, entre Cajazeiras 8 e 10,<br />
pois é ali maior a concentração de casas comerciais e serviços. É considerado o grande<br />
centro <strong>da</strong> região. Outros marcos importantes são a Materni<strong>da</strong>de Albert Sabin (em<br />
63
Fazen<strong>da</strong> Grande 2), a Delegacia (Cajazeiras 10), as lagoas de decantação de rejeitos de<br />
esgoto (Cajazeiras 7 e 8).<br />
Foto: Fernando Vivas<br />
FOTO 03– Rótula <strong>da</strong> Feirinha<br />
O deslocamento do Complexo Cajazeiras até o centro <strong>da</strong> capital baiana dura em média<br />
duas horas. O transporte é um marco na história de Cajazeiras, pois foi num passado<br />
recente, o grande motivo <strong>da</strong> mobilização política dos moradores. Mesmo contando hoje<br />
com certa melhoria nesse aspecto, em relação ao início <strong>da</strong> ocupação do Complexo, seus<br />
habitantes ain<strong>da</strong> tendem a isolar-se do contato com outras áreas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, ou mesmo<br />
referir-se à região central como se fosse uma outra ci<strong>da</strong>de: Salvador. Esse sentimento de<br />
não-pertencimento a Salvador agrava-se cotidianamente pela falta de respostas dos<br />
poderes públicos às deman<strong>da</strong>s locais.<br />
Embora servi<strong>da</strong> por dezoito linhas de ônibus, o transporte coletivo dessa região é<br />
insuficiente, havendo queixas de que o número de ônibus é reduzido nos finais de<br />
semana e deficitário durante os dias úteis. Freqüentemente, os moradores se deslocam a<br />
pé ou de bicicleta para as locali<strong>da</strong>des mais próximas, ou recorrem ao sistema de<br />
transporte alternativo através de vans e microônibus: o Subsistema de Transporte<br />
Complementar – STEC – que opera em trajetos para locali<strong>da</strong>des mais próximas como<br />
São Cristóvão, Itapuã e Brasilgás (rodovia BR 324). O tráfego engarrafado nas<br />
64
principais vias nos horários de pico é algo constante, assim como a superlotação dos<br />
ônibus.<br />
Embora haja vinte e seis instituições públicas de ensino (redes municipal e estadual) em<br />
Cajazeiras, estas não atendem complemente a deman<strong>da</strong> existente e é muito comum a<br />
evasão escolar porque muitos alunos desistem de estu<strong>da</strong>r para poderem trabalhar. São<br />
muitas as escolas de educação infantil, creches, ensino médio e fun<strong>da</strong>mental priva<strong>da</strong>s,<br />
mas a principal referência em ensino é a Escola Básica e Profissional <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção<br />
Bradesco (Cajazeiras 10) que atende cerca de 1.329 alunos do ensino fun<strong>da</strong>mental e<br />
médio, além de oferecer cursos profissionalizantes tais como: culinária, confeitaria,<br />
corte e costura, artesanato, informática e tapeçaria.<br />
Há em Cajazeiras, dois postos de saúde (um em Cajazeiras 2 e outro em Cajazeiras 7)<br />
mais três hospitais públicos, que oferecem uma precária assistência médica àquela<br />
população. O bairro conta, também, com o Serviço de Atendimento ao Ci<strong>da</strong>dão (SAC),<br />
um núcleo de prestação de serviços públicos que reúne representações de órgãos e<br />
enti<strong>da</strong>des municipais, estaduais e federais. Nele há também uma agência bancária <strong>da</strong><br />
Caixa Econômica <strong>Federal</strong> que, entretanto, não satisfaz a deman<strong>da</strong> (COELHO, 2005).<br />
Em abril de 2008, uma antiga reivindicação foi atendi<strong>da</strong>: a instalação de uma agência do<br />
Banco do Brasil.<br />
Os conjuntos habitacionais construídos na área têm sido alvo de constantes<br />
transformações e os moradores vêm buscando a diferenciação do espaço em que vivem,<br />
através <strong>da</strong> implantação de melhorias em seus apartamentos e áreas comuns dos<br />
condomínios. Os conjuntos situados em Cajazeiras 5 e 11 são exemplos deste processo.<br />
E, segundo Coelho (2005, p.15), percebe-se que tais intervenções têm<br />
o intuito de romper com a monotonia provoca<strong>da</strong> pela uniformi<strong>da</strong>de dos edifícios e<br />
consequentemente assegurar um ambiente que favoreça a identificação dos moradores com o<br />
lugar, ao possibilitar a transmissão de sensações aprazíveis de conforto e bem-estar...<br />
É através desse esforço que se espera obter a valorização dos imóveis, mas estas<br />
reformas demoram em ser concluí<strong>da</strong>s, por conta do baixo poder aquisitivo dos<br />
65
proprietários, deixando o aspecto de obra inacaba<strong>da</strong>, independentemente do tempo de<br />
entrega dos apartamentos.<br />
Bahia (2007) apontou que em Cajazeiras 4, 5, 10 e 11 as principais manifestações<br />
culturais eram o candomblé, a capoeira, as festas escolares e de igrejas, carnaval,<br />
futebol, festas juninas e réveillon. O futebol figura entre os principais modos de<br />
diversão. A diminuição <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> prática desse esporte tem sido alvo de<br />
preocupação atual porque as áreas de campos de futebol — a maioria construí<strong>da</strong>s por<br />
moradores — estão sendo transforma<strong>da</strong>s em canteiros de obras de novos condomínios,<br />
sem que novas áreas de lazer sejam construí<strong>da</strong>s, nem ao menos para os futuros<br />
condôminos.<br />
Eventos de grande porte como o carnaval, alguns comícios eleitorais ou a Para<strong>da</strong> Gay<br />
de Cajazeiras ocorrem em um espaço localizado na Cajazeiras 10, chamado de Campo<br />
<strong>da</strong> Pronaica, espaço que, em dias normais é prioritariamente sede de campeonatos de<br />
futebol.<br />
Foto: Fernando Vivas<br />
FOTO 04 - Campo <strong>da</strong> Pronaica<br />
Próximo também à Pronaica, mas já na Fazen<strong>da</strong> Grande 2, tem-se a Aveni<strong>da</strong> Assis<br />
Valente, nova ligação com o bairro de Itapuã, na qual se encontra-se a Pedra do<br />
Quilombo do Buraco do Tatu. Tal agrupamento era afirmado como existente no passado<br />
66
na área que hoje é o bairro de Itapuã, no entanto, a população de Cajazeiras reivindica a<br />
localização dessa comuni<strong>da</strong>de negra, pois aqueles quilombolas tinham um aparato<br />
militar extremamente organizado. Encontrar a Pedra do Buraco do Tatu naquelas matas<br />
era o sinal de que se encontrara o real território quilombola.<br />
Durante as obras <strong>da</strong> construção <strong>da</strong>quela via houve intensa mobilização para que não se<br />
implodisse a Pedra do Buraco do Tatu. O caso foi levado às instâncias governamentais<br />
e, uma vez impedi<strong>da</strong> sua destruição, exige-se desde 2003 o reconhecimento oficial desse<br />
monumento enquanto patrimônio natural e histórico de Salvador.<br />
Foto: <strong>Nelma</strong> <strong>Barbosa</strong><br />
FOTO 05 – Trecho <strong>da</strong> Aveni<strong>da</strong> Assis Valente em que fica a Pedra do Buraco do Tatu<br />
Em 1998, um grupo de moradores dessa região resolveu criar uma associação para<br />
defender o rochedo: Associação de Proteção à Pedra do Ramalho, que tem como um dos<br />
protetores um senhor chamado Ramalho de Souza Barreto, que a rebatizou como “Pedra<br />
do Ramalho”, uma homenagem a si próprio (A TARDE, 2006). No entanto é<br />
popularmente conheci<strong>da</strong> como Pedra <strong>da</strong> Onça, Pedra de Xangô ou Pedra do Buraco do<br />
Tatu, tendo outros “tutores” espirituais como o Terreiro de Candomblé Ilé Asé Layê<br />
Lubo.<br />
A área em que é localiza<strong>da</strong> a rocha foi bastante utiliza<strong>da</strong> como espaço de lazer <strong>da</strong><br />
juventude e <strong>da</strong> família cajazeirenses. O inicialmente planejado bairro-dormitório,<br />
67
embora tenha a população de uma ci<strong>da</strong>de de porte médio, não possui áreas de lazer e<br />
convivência, mas é também um dos bairros com maior número de terreiros de<br />
candomblé em Salvador (UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA, 2007). A Pedra do<br />
Buraco do Tatu também já foi o palco de um pequeno festival de música,<br />
transformando-se na Pedra do Rock nos anos 2000.<br />
Foto : <strong>Nelma</strong> <strong>Barbosa</strong><br />
FOTO 06 - Pedra do Quilombo do Buraco do Tatu<br />
68
CIDADE DA BAHIA: O ESPAÇO DA COR?<br />
Nosso trabalho dedica-se a identificar e analisar a construção de um discurso identitário<br />
<strong>da</strong> região conheci<strong>da</strong> como Cajazeiras, na periferia <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Salvador, proferido por<br />
suas lideranças. Partimos do pressuposto de que há atualmente nesse bairro a<br />
constituição de um texto de identi<strong>da</strong>de focado na herança africana como origem comum<br />
<strong>da</strong>quela população e uma intencional utilização de símbolos ou territórios, entre outros<br />
signos <strong>da</strong> cultura afro-brasileira, para a confirmação desse texto de negritude.<br />
Como a maioria absoluta <strong>da</strong> classe trabalhadora e pobre soteropolitana é negra e<br />
encontra-se em zonas periféricas e de habitabili<strong>da</strong>de precária como Cajazeiras, não há<br />
como ignorar o imbricamento <strong>da</strong>s questões racial, espacial e identitária especialmente<br />
ao tratamos <strong>da</strong> capital <strong>da</strong> Bahia, que recebeu no passado um altíssimo contingente de<br />
pessoas para serem escraviza<strong>da</strong>s. Os descendentes desses cativos vivenciam na<br />
atuali<strong>da</strong>de muitas situações que ain<strong>da</strong> os mantêm socialmente de modo desigual e<br />
injusto, um fato perfeitamente visível sob o ponto de vista geográfico, social,<br />
econômico e educacional.<br />
A dimensão racial tem sido elemento estruturante <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> sócio-espacial dos<br />
descendentes de escravos no Brasil desde quando os primeiros ancestrais foram<br />
seqüestrados em continente africano para serem transformados em escravos do outro<br />
lado do oceano. Além desse deslocamento forçado, os negros foram também os grandes<br />
69
esponsáveis por muitos núcleos de povoamento em terras brasileiras. Se num primeiro<br />
momento eles ocuparam expressivamente as ruas de centros econômicos <strong>da</strong> Colônia<br />
(como em Salvador), marcos como a Lei de Terras de 1850 1 e a abolição <strong>da</strong> Escravatura<br />
tornaram ain<strong>da</strong> mais visível a importância dos negros na configuração urbana <strong>da</strong>s<br />
ci<strong>da</strong>des do país.<br />
O espaço urbano que hoje denominamos como sendo a ci<strong>da</strong>de de Salvador, inicialmente<br />
habitado pelos indígenas, foi re-ocupado quase na sua totali<strong>da</strong>de pelos povos negros. É<br />
fácil visualizar que muitos bairros populares de hoje foram originados a partir de<br />
comuni<strong>da</strong>des negras, a exemplo de Cajazeiras.<br />
Essas comuni<strong>da</strong>des, quando situa<strong>da</strong>s em áreas urbanas, também são denomina<strong>da</strong>s hoje<br />
de quilombos urbanos. O decreto nº 4.887, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula <strong>da</strong><br />
<strong>Silva</strong> em de 20 de novembro de 2003, nos permite a seguinte interpretação, segundo o<br />
então diretor <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Cultural Palmares, Ubiratan Castro:<br />
...podem ser reconheci<strong>da</strong>s como quilombos as comuni<strong>da</strong>des portadoras de uma tradição de<br />
resistência <strong>da</strong> população negra. É uma noção mais cultural do quilombo que se une também à<br />
sua noção de territorialização como espaço de uma continui<strong>da</strong>de genética e cultural (...). Nós<br />
entendemos quilombos também como áreas móveis, que se reagruparam depois, mas que<br />
mantêm características muito próprias, como a identi<strong>da</strong>de negra e a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de” (RAMOS,<br />
2005).<br />
Salvador dispõe de um grande número de quilombos urbanos. Alguns ain<strong>da</strong> buscam o<br />
reconhecimento legal como ocorreu com o bairro <strong>da</strong> Liber<strong>da</strong>de 2 : o governo federal o<br />
1 A Lei nº 601 /1850, a Lei de Terras foi promulga<strong>da</strong> no mesmo ano <strong>da</strong> proibição do tráfico negreiro (Lei<br />
Eusébio de Queiroz). Seu texto restringia o acesso à terra apenas por herança, compra ou ven<strong>da</strong>,<br />
proibindo as ocupações. Ela ain<strong>da</strong> procurou operar na definição dos meios de facilitar a colonização<br />
através de incentivos à imigração de europeus pobres. Por isso, trabalhadores pobres, ex-cativos e seus<br />
descendentes ficavam impedidos de aceder à terra, restando-lhes apenas a permanência nas fazen<strong>da</strong>s<br />
como trabalhadores livres sem, contudo, obterem uma condição de vi<strong>da</strong> independente dos grandes<br />
proprietários (principalmente no caso dos ex-escravos). Dessa forma, se distanciaram ca<strong>da</strong> vez mais dos<br />
setores dinâmicos <strong>da</strong> economia (THEODORO, 2008).<br />
2 A Liber<strong>da</strong>de surgiu no século XVIII através <strong>da</strong> Estra<strong>da</strong> <strong>da</strong>s Boia<strong>da</strong>s, via que se comunicava com o<br />
interior do Estado. Já no século XIX o território contava com diversos quilombos que originaram núcleos<br />
habitacionais do bairro. Com as lutas pela Independência do Brasil, a estra<strong>da</strong> foi rebatiza<strong>da</strong> de Estra<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />
Liber<strong>da</strong>de, atual Aveni<strong>da</strong> Lima e <strong>Silva</strong>. Possui cerca de190 mil habitantes e 98% <strong>da</strong> população se<br />
autodeclara negra. Além do número expressivo de terreiros de candomblé, nessa área surgiram outras<br />
expressões <strong>da</strong> cultura afro-brasileira como os blocos afro. É a maior referência afrodescendente em<br />
Salvador hoje (RAMOS, 2007).<br />
70
define como Território Cultural Afro-descendente desde 2002. Desde então, essa área<br />
está incluí<strong>da</strong> na rota do turismo <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de como Corredor Cultural. Por esse raciocínio,<br />
enquadramos também os terreiros de candomblé como quilombos:<br />
O culto, de identi<strong>da</strong>de própria se distribui pela ci<strong>da</strong>de sob a forma de Terreiros – sua forma de<br />
assentamento característica – e apresenta domínios territoriais demarcados através de<br />
simbolismos territoriais. Apresenta variações no espaço urbano, visíveis em temporali<strong>da</strong>des<br />
determina<strong>da</strong>s por relações sociais, e é constantemente submetido a processos de segregação que<br />
caracterizam a ci<strong>da</strong>de (RÊGO, 2007, p.31).<br />
Os templos de religiões de matriz afro-brasileira têm seus nomes relacionados não só à<br />
idéia de casa ou territórios, mas acabaram também por receber os nomes <strong>da</strong>s locali<strong>da</strong>des<br />
em que se encontram e sacralizar ambientes naturais como rios, lagoas, rochedos, entre<br />
outros. A maioria desses templos é chama<strong>da</strong> de terreiro ou roça, numa clara referência<br />
às áreas verdes que ocupavam. Outras nomenclaturas como Ilê e Ebe (ou egbé), que<br />
significam casa na língua iorubá, são utiliza<strong>da</strong>s nesse sentido. Axé, além de significar a<br />
força vital evoca<strong>da</strong> a todo momento, é uma designação bastante freqüente. O nome<br />
também pode designar o local aonde o culto é realizado (RÊGO, 2007).<br />
Um terreiro de tradição bantu foi uma <strong>da</strong>s principais referências geográficas do<br />
Complexo Cajazeiras, nossa área de estudo: o Terreiro do Mansu Dan<strong>da</strong>lun<strong>da</strong>. Assim<br />
relata Maísa Flores, moradora do bairro há 23 anos, líder do movimento popular do<br />
Loteamento São José, coordenadora <strong>da</strong> Agen<strong>da</strong> 21 de Cajazeiras e membro <strong>da</strong><br />
Cajaverde:<br />
...agora o Terreiro do Mansu eu já conhecia. Por exemplo, meu tio mora lá... porque o Terreiro<br />
do Mansu é muito antigo na Estra<strong>da</strong> Velha, logo na saí<strong>da</strong> do Coqueiro Grande, entendeu? Então<br />
o Mansu já tinha uma relação ali naquele lugar e muita gente quando queria <strong>da</strong>r um referencial<br />
em torno de Cajazeiras <strong>da</strong>va <strong>da</strong>quele Terreiro ali entendeu? “Ah! Porque tem o Terreiro do<br />
Mansu naquela estra<strong>da</strong> ali”. Então ficou uma referência pra Cajazeiras. Mas a gente tem<br />
informação que tinham outros terreiros - que a gente não tinha noção. Por dentro, ali, <strong>da</strong>quela<br />
área que vai pra Barragem tem algumas casas ali dentro que a gente não tem nenhum contato que<br />
são muito antigas também.<br />
71
Essa região <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de também possui muitos espaços sagrados para o povo-de-santo,<br />
como fontes, mananciais, árvores frutíferas, arbustos, rochas... Todos esses elementos<br />
são consagrados às divin<strong>da</strong>des e alguns, especificamente, acabam por se tornar<br />
extensões do território sagrado, constituindo um exemplo disto a Pedra do Buraco do<br />
Tatu, na Aveni<strong>da</strong> Assis Valente (Fazen<strong>da</strong> Grande 2), um dos lugares que recebem as<br />
oferen<strong>da</strong>s dedica<strong>da</strong>s aos deuses, principalmente os ligados à mata, como Oxossi, o deus<br />
<strong>da</strong> caça. Para alguns candomblecistas, esta Pedra é a materialização maior de Xangô em<br />
Salvador, o orixá <strong>da</strong> justiça. Cajazeiras é um dos bairros de Salvador que mais possui<br />
terreiros de candomblé (ANEXO D).<br />
O Mapeamento dos Terreiros de Salvador, pesquisa realiza<strong>da</strong> entre 2006 e 2007 pelo<br />
Centro de Estudos Afro-Orientais <strong>da</strong> <strong>Universi<strong>da</strong>de</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> Bahia – CEAO/<strong>UFBA</strong> – ,<br />
identificou até o momento a existência de 1.296 terreiros (ANEXO E) distribuídos<br />
inicialmente <strong>da</strong> seguinte forma pelos bairros <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de:<br />
BAIRRO TERREIROS<br />
1. Plataforma 56<br />
2. Paripe 39<br />
3. Cajazeiras 38<br />
4. Cosme de Farias 36<br />
5. Liber<strong>da</strong>de 33<br />
6. Itapuã 30<br />
7. São Cristóvão 30<br />
8. Lobato 28<br />
9. Alto de Coutos 25<br />
10. Federação 23<br />
11. Valéria 23<br />
12. Sussuarana 22<br />
13. Brotas 21<br />
14. Castelo Branco 21<br />
15. Periperi 21<br />
16. São Caetano 21<br />
17. Uruguai 20<br />
Fonte: http://www.palmares.gov.br/003/00301009.jsp?ttCD_CHAVE=598<br />
Os números preliminares <strong>da</strong> investigação demonstram que os terreiros estão localizados<br />
predominantemente em áreas periféricas, sendo que 21% têm matas e 78% não possuem<br />
mais o ambiente favorável à prática do culto (áreas verdes). Mais de 30% deles<br />
oferecem ações de apoio à população como creches, doação de cestas básicas, cursos e<br />
palestras, entre outras ativi<strong>da</strong>des de cunho político, social e cultural, mas apenas 8,5%<br />
72
têm registro como associação civil (OLIVEIRA, 2007). As profissões dos sacerdotes<br />
são muito diversas, mas em geral nas religiões de matriz africana atua uma maioria<br />
composta pelos seguintes profissionais: cobradores de ônibus, açougueiros, vendedores<br />
ambulantes, diaristas, professore, policiais militares, programadores de informática,<br />
baianas de acarajé, seguranças, entre outros.<br />
Em Salvador, apenas 37,25% dos terrenos são próprios do pai ou <strong>da</strong> mãe-de-santo, mas<br />
39,9% têm sua escritura registra<strong>da</strong>. Os terrenos ain<strong>da</strong> são: 9% arren<strong>da</strong>dos, 3,9%<br />
invadidos, 2,4% alugados e 1,4% cedidos. Essa situação vem trazendo muitos prejuízos<br />
às comuni<strong>da</strong>des, pois têm perdido muito de suas terras, muitas vezes com a permissão<br />
de órgãos públicos. Na atuali<strong>da</strong>de, com a especulação imobiliária e a ausência de<br />
políticas de proteção, muitos terreiros sofrem com a per<strong>da</strong> de seus terrenos para<br />
invasões, condomínios ou grandes proprietários. São muitos os abusos contra a<br />
população de origem negra, que não coincidentemente é pobre em sua maioria. O caso<br />
<strong>da</strong> tentativa de desapropriação do terreno do terreiro <strong>da</strong> Casa Branca ilustra bem tal<br />
situação. O terreiro de candomblé <strong>da</strong> Casa Branca do Engenho Velho ou Ilê Axé Iyá<br />
Nassô Oká é um dos mais antigos do Brasil. Ele originou centenas de outros<br />
candomblés e foi tombado como patrimônio histórico federal em 1984 pelo Instituto do<br />
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e é patrimônio cultural <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de<br />
do Salvador pela Prefeitura Municipal desde 1985. Os governos federal, estadual e<br />
municipal investiram recursos recentemente na restauração do monumento (SERRA,<br />
2008) e embora todo esse processo de proteção legal tenha sido embasado em estudos<br />
que comprovam a natureza desse espaço como sendo um templo religioso, a prefeitura<br />
de Salvador ameaçou leiloar o terreiro e seus monumentos sagrados por conta <strong>da</strong><br />
existência do débito do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU no ano de 2008. Os<br />
defensores do terreiro, com base na Constituição <strong>Federal</strong> de 1988, mostraram que, por<br />
se tratar de um templo religioso, a cobrança do imposto era indevi<strong>da</strong> e, finalmente em<br />
10 de setembro de 2008, a prefeitura extinguiu o processo de cobrança <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> que já<br />
beirava oitocentos mil reais (SANTOS, 2008). Infelizmente, esse não é o único exemplo<br />
de violência contra as comuni<strong>da</strong>des urbano - quilombolas em Salvador.<br />
Enquanto to<strong>da</strong> uma movimentação ocorria para proteger a Casa Branca, outro terreiro<br />
foi derrubado por ordens <strong>da</strong> prefeitura: o terreiro Oyá Onipó Neto, que existia há 30<br />
anos no Imbuí. Os órgãos públicos justificaram a demolição por problemas na escritura<br />
73
do terreno. Por causa disso houve uma grande movimentação na ci<strong>da</strong>de contra a<br />
intolerância religiosa e a prefeitura se viu obriga<strong>da</strong> a ordenar a reconstrução do templo<br />
(ARAÚJO, 2008).<br />
2.1. POBRES DE TÃO PRETOS!<br />
O processo histórico de construção <strong>da</strong>s políticas públicas para o espaço urbano<br />
brasileiro foi sempre fun<strong>da</strong>mentado na oposição <strong>da</strong> conquista de uma estabili<strong>da</strong>de social<br />
e autonomia dos descendentes de africanos, empurrando-os sempre para a pobreza.<br />
Duas foram as principais vertentes desse tipo de ação e mentali<strong>da</strong>de governamental: a<br />
primeira correspondeu à retira<strong>da</strong> imediata dos afrodescendentes de muitos setores <strong>da</strong><br />
economia brasileira no pós-abolição e negação do acesso aos novos e dinâmicos setores<br />
produtivos do país, em função de uma política urbana que privilegiava os imigrantes<br />
europeus. O segundo viés constituiu-se do conjunto de práticas eugênicas do século XX<br />
que tirou os negros <strong>da</strong>s regiões centrais <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des mais importantes e os lançou em<br />
áreas de habitabili<strong>da</strong>de precária ou sem urbanização (CUNHA JÚNIOR, 2007).<br />
A escravidão é considera<strong>da</strong> o marco inicial <strong>da</strong> miséria no país, pois enquanto enriquecia<br />
os eurodescendentes, destituía os povos escravizados de tudo, até mesmo de<br />
humani<strong>da</strong>de. To<strong>da</strong>via, o final do regime escravista não apresentou alternativas de<br />
inclusão desse contingente em um quadro de vi<strong>da</strong> adequado para o desenvolvimento.<br />
Muito pelo contrário: a pobreza no Brasil por ser ain<strong>da</strong> hoje negra, configura-se ain<strong>da</strong><br />
como uma construção social. Até hoje aqueles que descendem dos escravizados<br />
enfrentam dificul<strong>da</strong>des para o desenvolvimento, tais como a requalificação profissional<br />
e acesso à educação. Os <strong>da</strong>dos do Relatório <strong>da</strong>s Desigual<strong>da</strong>des Raciais no Brasil 2007-<br />
2008 (PAIXÃO; CARVANO, 2008) apontam que, no ano de 2006, 43,6% dos pretos e<br />
pardos viviam abaixo <strong>da</strong> Linha de Pobreza e que os brancos representam 21,6% dessa<br />
população. Abaixo <strong>da</strong> Linha de Indigência encontram-se 18,8% dos pretos e pardos e<br />
8% de indivíduos brancos:<br />
74
Um problema nestas áreas de maioria afrodescendente é que elas como estão, e pela falta de uma<br />
intervenção adequa<strong>da</strong>, permanecem como áreas de persistência <strong>da</strong> pobreza <strong>da</strong>s coletivi<strong>da</strong>des<br />
afrodescendente. A pobreza também é não uma generali<strong>da</strong>de universal. Esta tem uma construção<br />
específica para ca<strong>da</strong> espaço geográfico e para ca<strong>da</strong> população. A produção <strong>da</strong> pobreza e <strong>da</strong><br />
desigual<strong>da</strong>de social é construí<strong>da</strong> sobre uma base de dominação e estagnação social que<br />
denominamos de conseqüências do racismo (CUNHA JÚNIOR, 2008, p.69).<br />
O espaço urbano sempre foi um campo de imposições étnicas. A introdução do<br />
imigrante europeu no século XIX materializou o pensamento <strong>da</strong>s elites <strong>da</strong>quela época<br />
para as quais a possibili<strong>da</strong>de do progresso, <strong>da</strong> criação de fronteiras e <strong>da</strong> ocupação de<br />
território estava concentra<strong>da</strong> nos brancos. O verso dessa imagem eram o primitivismo, o<br />
atraso, limitações ao progresso que, por esse ponto de vista eram causados pelos<br />
descendentes de cativos (MALACHIAS, 2006). Essas idéias ain<strong>da</strong> direcionam muitas<br />
discussões atuais sobre pobreza urbana ou desigual<strong>da</strong>des sociais, como complementa<br />
Cunha Júnior (2007, p.63):<br />
Quando pensamos em imigrantes no Brasil é de uma forma idealiza<strong>da</strong> e falsa. Os imigrantes são<br />
somente os europeus, este sempre como sinônimo de progresso e conhecimento. Os africanos<br />
não são vistos colonizadores dos espaços geográficos anteriores aos imigrantes europeus, vindos<br />
no século XIX. Os europeus são vistos, muito menos, como populações pobres de baixa cultura e<br />
expulsas economicamente <strong>da</strong> Europa.<br />
Theodoro (2008) enfatiza que raros eram os imigrantes especializados<br />
profissionalmente, mas a mão-de-obra negra livre foi marginaliza<strong>da</strong> e preteri<strong>da</strong> assim<br />
mesmo, sustenta<strong>da</strong> pelos ideais racistas <strong>da</strong>quela socie<strong>da</strong>de. As dificul<strong>da</strong>des dos negros<br />
no mercado de trabalho eram interpreta<strong>da</strong>s como provas <strong>da</strong> inferiori<strong>da</strong>de racial e as<br />
estatísticas atuais comprovam a existência desse pensamento ain<strong>da</strong> hoje. As<br />
desigual<strong>da</strong>des permanecem e segundo previsão do Instituto de Pesquisa Econômica<br />
Aplica<strong>da</strong> (IPEA), em 2010 os negros serão maioria absoluta <strong>da</strong> população brasileira. No<br />
entanto, atualmente há um milhão de negros desempregados a mais que os brancos; os<br />
pretos e pardos recebem em média R$ 558, 24 (quinhentos e cinqüenta e oito reais e<br />
vinte e quatro centavos), isto é, 53% a menos que o salário médio dos brancos (DOCA,<br />
2008).<br />
75
2.1.1 A COR NO DISCURSO IDENTITÁ<strong>RI</strong>O NACIONAL<br />
Schwarcz (1998) nos alerta para o fato de que raça no Brasil nunca foi um termo neutro,<br />
já que foi associado várias vezes à construção de uma imagem do país. A inexistência<br />
de regras fixas ou modelos de descendência biológica consensuais tornou o tema raça<br />
ain<strong>da</strong> mais complexo. Albuquerque e Fraga filho (2006) chamam a atenção para o fato<br />
de que entre 1889 e 1930 o que se viu no Brasil foram as tentativas <strong>da</strong>s elites de<br />
manterem as hierarquias raciais monta<strong>da</strong>s durante a escravidão e a construção de novas<br />
formas de dominação basea<strong>da</strong>s na noção de raça. O racismo científico estruturou as<br />
hierarquias na socie<strong>da</strong>de brasileira, mesmo em ci<strong>da</strong>des de população majoritariamente<br />
negra, como no caso de Salvador (MALACHIAS, 2006). No Brasil, a definição <strong>da</strong> cor<br />
de um sujeito é condiciona<strong>da</strong> à sua posição social, sua classe, sua origem, pois é<br />
possível ser embranquecido a partir <strong>da</strong> condição social e <strong>da</strong>s posições de maior<br />
prestígio. A particulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> mestiçagem no Brasil parece ser um denominador<br />
comum para todos os estudiosos do assunto, mas isso não quer dizer que o tema raça<br />
seja posto em evidência na socie<strong>da</strong>de brasileira.<br />
As teorias cientificistas e raciológicas vigentes na Europa chegaram ao país em meados<br />
do século XIX, quando o sistema escravista estava enfraquecido e se avizinhava uma<br />
irreversível abolição <strong>da</strong> escravatura. Nina Rodrigues, por exemplo, defendia que as<br />
raças diferiam entre si e, portanto, não poderiam ser mistura<strong>da</strong>s porque isto representava<br />
a degenerescência. A Facul<strong>da</strong>de de Medicina <strong>da</strong> Bahia, situa<strong>da</strong> na ci<strong>da</strong>de de Salvador,<br />
era uma <strong>da</strong>s mais importantes instituições científicas do país e nela se desenvolveu um<br />
grupo de especialistas nas teorias raciais aplica<strong>da</strong>s à medicina legal. Esses cientistas<br />
apontavam, por exemplo, o alcoolismo, a doença mental ou a epilepsia como<br />
conseqüências diretas <strong>da</strong> miscigenação.<br />
Até a Abolição, o escravo era um não-ci<strong>da</strong>dão. O trabalho consistia em uma<br />
exclusivi<strong>da</strong>de dos cativos e a violência foi algo banalizado que perpassava as<br />
desigual<strong>da</strong>des e a proprie<strong>da</strong>de de um homem sobre o outro. Mesmo após a<br />
Independência do Brasil, em 1822, as leis existentes naquela socie<strong>da</strong>de clientelista só<br />
funcionavam para poucos (majoritariamente os menos favorecidos), uma vez que os<br />
escravos estavam impedidos do acesso às benesses do Estado e tinham no seu dono o<br />
76
senhor do seu destino. O Estado, deste modo, assumia uma postura vicia<strong>da</strong> de<br />
ingerência nesse sistema pautando a socie<strong>da</strong>de nas relações pessoais. A Lei Áurea, de<br />
13 de maio de 1888, permitiu o início de um novo papel para os negros: eles deixavam<br />
de ser mão-de-obra escrava e passavam à condição de trabalhadores livres.<br />
O negro tornava-se, nesse contexto, uma categoria racial indispensável na discussão<br />
sobre a identi<strong>da</strong>de, embora fosse considerado um ci<strong>da</strong>dão de segun<strong>da</strong> classe.<br />
Oportunamente aproveitaram - se as teorias raciológicas para a naturalização <strong>da</strong>s<br />
desigual<strong>da</strong>des sociais já existentes naquela época:<br />
Tendo por fun<strong>da</strong>mento uma ciência positiva e determinista, pretendia-se explicar com<br />
objetivi<strong>da</strong>de – valendo-se <strong>da</strong> mensuração de cérebros e <strong>da</strong> aferição <strong>da</strong>s características físicas –<br />
uma suposta diferença entre os grupos. A “raça” era introduzi<strong>da</strong>, assim, com base nos <strong>da</strong>dos <strong>da</strong><br />
biologia <strong>da</strong> época e privilegiava a definição dos grupos segundo seu fenótipo, o que eliminava a<br />
possibili<strong>da</strong>de de se pensar no indivíduo e no próprio exercício de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia. Dessa maneira, em<br />
vista <strong>da</strong> promessa de igual<strong>da</strong>de jurídica, a resposta foi a “comprovação científica” <strong>da</strong><br />
desigual<strong>da</strong>de biológica entre os homens, ao lado <strong>da</strong> manutenção peremptória do liberalismo, tal<br />
como exaltado pela nova República de 1889 (SCHWARCZ, 1998, p.186).<br />
As teorias raciológicas não só ecoaram no Brasil, mas também foram alvo de<br />
a<strong>da</strong>ptações. Uma delas foi a aposta na miscigenação “positiva”, <strong>da</strong> qual resultaria um<br />
indivíduo ca<strong>da</strong> vez mais branco. Com a libertação dos escravos acreditou-se que o<br />
branqueamento seria gerado pela atração de imigrantes, instalando-se uma agressiva<br />
política de incentivo à imigração européia ain<strong>da</strong> no final do Império. A estes caberia o<br />
papel de civilizar, embranquecer e, no pensamento <strong>da</strong> época, “reparar os <strong>da</strong>nos”<br />
causados pela presença do negro na socie<strong>da</strong>de. A população negra e pobre reagia a esse<br />
tipo de política. Durante a Primeira República, alguns conflitos sociais nos meios<br />
urbanos e rurais ganharam expressão e roubaram a cena por meio <strong>da</strong> reivindicação de<br />
ganhos sociais que não chegaram com a Abolição <strong>da</strong> Escravatura (1888) e nem com a<br />
Proclamação <strong>da</strong> República (1889).<br />
O ideal de civilização do país encontrou nas políticas sanitaristas sua maior expressão e<br />
a urbanização <strong>da</strong>s grandes ci<strong>da</strong>des <strong>da</strong> época refletia as idéias <strong>da</strong>s teorias raciais que<br />
fun<strong>da</strong>mentavam o desejo de distanciamento social e geográfico <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des<br />
negras. Os habitantes de cortiços e casebres eram estigmatizados como “classes<br />
77
perigosas”, pois descendiam dos escravos e em nome <strong>da</strong> saúde pública muitas<br />
habitações foram demoli<strong>da</strong>s e os moradores se viram obrigados a habitar áreas<br />
longínquas como os morros (no caso do Rio de Janeiro) e vales (Salvador). É dessa<br />
época o surgimento <strong>da</strong> favela como padrão de habitabili<strong>da</strong>de no Brasil.<br />
Na visão de Schwarcz (1998), esse contexto do fim do escravismo evitou distinções<br />
legais basea<strong>da</strong>s na raça. Paralelamente, projetava-se já o mito de uma democracia racial,<br />
onde até a escravidão parecia ter sido algo mais leve e brando. A autora complementa<br />
esse raciocínio afirmando que<br />
a inexistência de categorias explícitas de dominação racial incentivava ain<strong>da</strong> mais o<br />
investimento na imagem de um paraíso racial e a recriação de uma história em que a<br />
miscigenação aparecia associa<strong>da</strong> a uma herança portuguesa particular e à sua suposta tolerância<br />
racial, revela<strong>da</strong> em um modelo escravocrata mais brando, ao mesmo tempo que mais promíscuo<br />
(SCHWARCZ, 1998, p.138).<br />
A história do escravismo pôde, por isso, ser reescrita de maneira positiva e romantiza<strong>da</strong><br />
onde não faltavam personagens com o perfil de senhores severos e paternais ou cativos<br />
fiéis e submissos. Essa versão era embasa<strong>da</strong> na ausência de <strong>da</strong>dos e documentos <strong>da</strong>quele<br />
passado recente, que fora eliminado dos arquivos nacionais a mando de Ruy <strong>Barbosa</strong>,<br />
Ministro <strong>da</strong>s Finanças. A miscigenação ocultava os conflitos raciais. Ela tornava mais<br />
difícil a classificação bipolar de negros e brancos, uma vez que até os brancos<br />
brasileiros não eram como os europeus, o que atestava a mistura. O branco não era visto<br />
apenas enquanto cor <strong>da</strong> pele, mas sim como agregador de quali<strong>da</strong>de social: era ele<br />
aquele que ocupava espaços de maior prestígio social.<br />
O mestiço foi gerado inicialmente por meio <strong>da</strong> violência do estupro de escravas e índias<br />
pelos brancos, correspondendo, na época <strong>da</strong> escravidão, à maior parte dos libertos.<br />
Frutos dos encontros sexuais dos senhores com suas escravas, estes eram<br />
freqüentemente alforriados pelos pais e embora tivessem status inferior em relação aos<br />
filhos brancos, os mestiços também recebiam tratamento diferenciado por serem filhos<br />
dos senhores. Esses dois fatos influenciaram no enfraquecimento <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de entre<br />
eles e os negros e aos poucos foi possível “embranquecer” os traços negróides pelo<br />
porte de atributos de posição social média ou eleva<strong>da</strong> como riquezas ou diploma de<br />
78
nível superior, entre outros. Durante a escravidão, o mestiço também executava tarefas<br />
de confiança do seu senhor, como por exemplo, ser o capitão - do - mato. To<strong>da</strong>via, o<br />
passado de privilégios em relação aos negros não perdurou, pois atualmente os<br />
primeiros constituem a classe pobre e mais discrimina<strong>da</strong> devido à ambigüi<strong>da</strong>de cor e<br />
classe. (MUNANGA, 1999).<br />
No século seguinte, entre os anos 1930 e 1950, é que o mito fun<strong>da</strong>dor do Estado-nação<br />
brasileiro finalmente se instituiu, num processo que acabou por retirar a autori<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
definição <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de brasileira com base nas teorias científicas estrangeiras (MATOS,<br />
2004). O mito fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> nação brasileira se configurou na noção de origem, por meio<br />
<strong>da</strong> construção do mito <strong>da</strong> união harmoniosa de três raças: branca, negra e indígena,<br />
tríade que se dissolve, formando uma categoria comum fun<strong>da</strong>nte <strong>da</strong> nacionali<strong>da</strong>de:<br />
O mito <strong>da</strong> democracia racial, baseado na dupla mestiçagem biológica e cultural entre as três<br />
raças originárias, tem uma penetração muito profun<strong>da</strong> na socie<strong>da</strong>de brasileira: exalta a idéia de<br />
convivência harmoniosa entre os indivíduos de to<strong>da</strong>s as cama<strong>da</strong>s sociais e grupos étnicos,<br />
permitindo às elites dominantes dissimular as desigual<strong>da</strong>des e impedindo os membros <strong>da</strong>s<br />
comuni<strong>da</strong>des não-brancas de terem consciência dos sutis mecanismos de exclusão <strong>da</strong> qual são<br />
vítimas na socie<strong>da</strong>de. Ou seja, encobre os conflitos raciais, possibilitando a todos de se<br />
reconhecerem como brasileiros e afastando <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des subalternas a toma<strong>da</strong> de<br />
consciência de suas características culturais que teriam contribuído para a construção e<br />
expressão de uma identi<strong>da</strong>de própria. Essas características são “expropria<strong>da</strong>s”, “domina<strong>da</strong>s” e<br />
converti<strong>da</strong>s em símbolos nacionais pelas elites dirigentes (MUNANGA, 1999, p.80).<br />
Nesse sentido, é emblemático o livro Casa-grande e Senzala, de 1933, que trazia um<br />
modelo de sociabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de multirracial em que se mantinham os conceitos de<br />
superiori<strong>da</strong>de e inferiori<strong>da</strong>de. Basea<strong>da</strong> na experiência colonial do Nordeste, a obra de<br />
Gilberto Freyre descrevia a intimi<strong>da</strong>de do lar e omitia as questões do eito. Ela<br />
demonstra como os negros, índios e mestiços influenciaram a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> classe senhorial e<br />
contribuíram positivamente para a cultura brasileira. A violência e o sadismo <strong>da</strong> relação<br />
senhor – escravo é por vezes glamouriza<strong>da</strong>, ao lado de escravos dóceis e senhores<br />
paternais, simbolizando uma “boa escravidão” (SCHWARCZ, 1998). Freyre desloca o<br />
eixo <strong>da</strong> discussão <strong>da</strong> noção de raça para o conceito de cultura (MUNANGA, 1999):<br />
Por fim, na representação vitoriosa dos anos 30, o mestiço transformou-se em ícone nacional, em<br />
um símbolo de nossa identi<strong>da</strong>de cruza<strong>da</strong> no sangue, sincrética na cultura, isto é, no samba, na<br />
capoeira, no candomblé e no futebol. Redenção verbal que não se concretiza no cotidiano, a<br />
79
valorização do nacional é acima de tudo uma retórica que não tem contraparti<strong>da</strong> na valorização<br />
<strong>da</strong>s populações mestiças discrimina<strong>da</strong>s (SCHWARCZ, 1998, p.178).<br />
Foi a cultura mestiça que despontou como legítima representante <strong>da</strong> nação brasileira: o<br />
que era mestiço, passa a ser considerado nacional. O Estado Novo implementou uma<br />
série de políticas culturais que afirmam a mestiçagem do povo – a autêntica identi<strong>da</strong>de<br />
nacional – enfatizando a questão cultural e imprimindo a ideologia do trabalho.<br />
Quali<strong>da</strong>des que antes eram vincula<strong>da</strong>s pelas razões pseudo-científicas ao mestiço, como<br />
a preguiça ou a indolência, não combinavam com o clima de desenvolvimento e<br />
progresso econômico do país, muito menos com as idéias políticas centrais dos seus<br />
dirigentes autoritários (ORTIZ, 2005; SCHWARCZ, 1998).<br />
Muitas instituições surgiram nesse momento com a função de resgatar costumes e<br />
festas. Para Schwarcz (1998), isso significava também inventá-las, recriá-las, selecioná-<br />
las e até mesmo refazer algumas histórias. Houve um procedimento deliberado de<br />
desafricanização e branqueamento de elementos culturais marca<strong>da</strong>mente negros como a<br />
feijoa<strong>da</strong> e a capoeira, entre outros. Ao serem elevados como nacionais esses perdiam<br />
suas referências <strong>da</strong> origem específica (negra) para o discurso unívoco nacional,<br />
confundindo ain<strong>da</strong> mais as fronteiras de cor (ORTIZ, 2005). Na visão de Munanga<br />
(1999), a falta de informação e acesso ao poder fez com que a população negra,<br />
desejosa de progressos, se dobrasse às exigências <strong>da</strong> renúncia às tradições e<br />
pertencimento original.<br />
A feijoa<strong>da</strong>, comi<strong>da</strong> de escravos prepara<strong>da</strong> com os restos de porco rejeitados pelos<br />
senhores e misturados ao feijão, foi eleva<strong>da</strong> a prato nacional. A feijoa<strong>da</strong> era uma<br />
metáfora <strong>da</strong> miscigenação: feijão e arroz lembravam os dois segmentos formadores do<br />
país; os acompanhamentos do prato representavam o verde <strong>da</strong>s matas (couve) e a<br />
riqueza (laranja).<br />
Em 1937, a capoeira foi converti<strong>da</strong> no esporte nacional. Cinqüenta anos antes era<br />
reprimi<strong>da</strong> pela polícia e estava incluí<strong>da</strong> como crime no Código Penal de 1890. O samba,<br />
criação de negros e pobres do Rio de Janeiro, sai <strong>da</strong> marginali<strong>da</strong>de e repressão para<br />
atuar como música nacional para exportação, enquanto os outros ritmos tornaram-se<br />
apenas regionais. Os desfiles <strong>da</strong>s escolas de samba passam a ser subvencionados pelo<br />
80
Estado em 1935, assegurando a este o controle ideológico total <strong>da</strong> criação (MOURA<br />
2001). Em 1938, os candomblés passaram a tocar sem interferência policial, desde que<br />
fossem autorizados pela Polícia e paga uma taxa para o funcionamento. Mas somente<br />
em 1976, através do Decreto nº. 25.095 de 15 de janeiro <strong>da</strong>quele ano, a liber<strong>da</strong>de de<br />
culto para as religiões afro-brasileiras foi autoriza<strong>da</strong> na Bahia (SANTOS, 2005).<br />
O futebol foi ca<strong>da</strong> vez mais associado aos negros, sobretudo a partir de 1923, quando o<br />
Vasco <strong>da</strong> Gama, time do Rio de Janeiro, começou a aceitá-los. Nossa Senhora <strong>da</strong><br />
Conceição Apareci<strong>da</strong>, uma santa católica, foi escolhi<strong>da</strong> como a padroeira do Brasil. Sua<br />
imagem fora encontra<strong>da</strong> por pescadores nas águas do rio Paraíba do Sul e, em<br />
decorrência do período em que esteve imersa, sua aparência original foi altera<strong>da</strong>,<br />
tornando-se pareci<strong>da</strong> com o povo brasileiro: meio branca e meio negra.<br />
Nesse cenário surge a figura do malando associado às ro<strong>da</strong>s de samba. O mestiço<br />
simpático que se recusava ao trabalho regular (ain<strong>da</strong> ligado à negritude) se valia,<br />
sobretudo, de suas relações pessoais. Era o ícone <strong>da</strong> vagabun<strong>da</strong>gem e do “jeitinho<br />
brasileiro”, expressão famosa desde os anos 1950, que significa a postura <strong>da</strong>quele que<br />
usa a intimi<strong>da</strong>de para obter sucesso. O Estado reagiu e proibiu a exaltação <strong>da</strong><br />
malandragem através de portaria oficial em 1939, além de aconselhar os compositores<br />
de samba a escrever exaltando o trabalho e condenando a boemia. Havia uma tensão<br />
constante nessas composições: de um lado, o trabalho e disciplina e do outro, a orgia, a<br />
malandragem e a liber<strong>da</strong>de de ir e vir. Uma série de sambas foi cria<strong>da</strong> a partir dos anos<br />
1940 enaltecendo a figura o malandro convertido em operário (MOURA; 2001;<br />
SCHWARCZ, 1998).<br />
2.1.2 A MESTIÇAGEM E A CONSTRUÇÃO DE UM MITO FUNDADOR<br />
No século XX, a Bahia passa a fazer uso do mito embasado no princípio de uma<br />
democracia racial 3 , fortemente sustentado por intelectuais e pelo Estado. Esse mito vem<br />
3 O mito <strong>da</strong> democracia racial consiste na crença de que, no Brasil, todos têm igual<strong>da</strong>de de oportuni<strong>da</strong>des, negando a<br />
existência <strong>da</strong> discriminação racial ou conflitos inter-raciais. Ele afirma ain<strong>da</strong> que a fusão dos povos de matrizes<br />
81
sendo desconstruído por estudos e denúncias dos movimentos sociais negros sobretudo<br />
a partir <strong>da</strong> metade do século XX, entretanto, isso não significou que deixasse de ser<br />
veiculado oficialmente como um diferencial do país, e até mesmo do povo baiano.<br />
Segundo Jocélio Teles dos Santos (2005) a defesa <strong>da</strong> democracia racial na primeira<br />
metade do século passado constituía um princípio essencial para a política externa,<br />
foca<strong>da</strong> na ligação comercial com países <strong>da</strong> África, e a cultura afro-brasileira passou a<br />
ser trata<strong>da</strong> como assunto de Estado, inclusive nos períodos.<br />
O esfacelamento dos impérios europeus no continente africano após o final <strong>da</strong> Segun<strong>da</strong><br />
Guerra Mundial criou uma conjuntura propícia à crítica à colonização e aos modos de<br />
relacionamento com as diversas culturas, bem como ao processo de consoli<strong>da</strong>ção de<br />
novos Estados-nação. Nesse sentido, a Organização <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s para a<br />
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) apoiou reuniões sobre o tema raça<br />
(SCHWARCZ, 1998). Em 1951, a UNESCO inaugurou o Programa de Pesquisas sobre<br />
Relações Raciais no Brasil, pois acreditava que este país era um espaço neutro na<br />
manifestação de preconceito racial e que poderia servir de inspiração para outras<br />
nações. Esperava-se um elogio à reali<strong>da</strong>de racial brasileira, mas algumas obras<br />
apontaram os indícios de discriminação e problematizavam a tolerância racial, trazendo<br />
à cena um grande debate sobre as classes sociais no país, considerando agora o contexto<br />
<strong>da</strong> passagem de um país tradicional para moderno. Em um desses estudos, que seria<br />
publicado com o título de O negro no mundo dos brancos, Florestan Fernandes põe em<br />
evidência uma forma brasileira do racismo, basea<strong>da</strong> no “preconceito de não ter<br />
preconceito”. A discriminação era considera<strong>da</strong> ultrajante para quem sofria e degra<strong>da</strong>nte<br />
para quem a praticava. Para Fernandes, a democracia racial corresponderia a um mito<br />
social e sociólogo consistia ain<strong>da</strong> em uma hegemonia <strong>da</strong> “raça dominante” (a branca):<br />
É um mito criado pela maioria e tendo em vista os interesses sociais e os valores morais dessa<br />
maioria; ele não aju<strong>da</strong> o “branco” no sentido de obrigá-lo a diminuir as formas existentes de<br />
resistência à ascensão social do “negro”; nem aju<strong>da</strong> o negro a tomar consciência realista <strong>da</strong><br />
situação e a lutar para modificá-la, de modo a converter a “tolerância racial” existente em um<br />
fator favorável a seu êxito como pessoa e como membro de estoque “racial” (FERNANDES,<br />
1972, p.41).<br />
culturais africanas, indígenas e européias no país se deu de modo pacífico. Tais idéias foram institucionaliza<strong>da</strong>s na<br />
primeira metade do século XX, principalmente através <strong>da</strong> obra de Gilberto Freyre.<br />
82
Para o sociólogo, essa democracia poderia acontecer realmente através <strong>da</strong><br />
industrialização, criação de oportuni<strong>da</strong>des de empregos e pela economia de subsistência.<br />
Thales de Azevedo, por sua vez, analisou as relações raciais em Salvador para a Unesco<br />
e publicou o livro As elites de cor numa ci<strong>da</strong>de brasileira: um estudo de ascensão<br />
social & classes sociais e grupos de prestígio em 1955. A pesquisa apontava que na<br />
Bahia os grupos hegemônicos – os brancos – continuavam sendo os mesmos <strong>da</strong> época<br />
<strong>da</strong> escravidão e a possibili<strong>da</strong>de de mobili<strong>da</strong>de social era muito pequena para os negros.<br />
A aversão ao trabalho braçal ain<strong>da</strong> reinava e este adequava-se mais às classes menos<br />
prestigia<strong>da</strong>s, forma<strong>da</strong>s pelos negros. O trabalho intelectual que representava o controle,<br />
o poder e a autori<strong>da</strong>de se direcionava para os socialmente brancos:<br />
A identificação do grupo superior com os brancos é expressa hoje com sentenças como “quem<br />
tem dinheiro é branco” desde quando o conceito de branqui<strong>da</strong>de é simultaneamente relativo ao<br />
tipo físico e à posição social. Uma pessoa de traços negróides atenuados pode ser considera<strong>da</strong><br />
“branca” se é rica ou tem um papel de relevo. Essa a razão por que Guerreiro Ramos afirma que<br />
um preto branqueia-se a medi<strong>da</strong> que se eleva economicamente e adquire as maneiras dos grupos<br />
superiores. Do mesmo modo, a expressão “preto” qualifica não apenas os indivíduos mais<br />
pigmentados mas também as pessoas mais pobres, menos instruí<strong>da</strong>s e de ocupação menos<br />
prestigiosas. Uma destas, mesmo sendo branca na cor e nos traços, pode dizer-se “preta” para<br />
acentuar a sua pobreza e humil<strong>da</strong>de. Pelo mesmo motivo um preto que alcança uma posição<br />
eleva<strong>da</strong> vem a ser tratado como “escuro”, como “roxo”, até mesmo “moreno”, nunca como<br />
“preto” e muito menos como “negro”, que é um termo depreciativo e ofensivo (AZEVEDO,<br />
1996, p.170-171).<br />
Azevedo (1996) conclui que a cor <strong>da</strong> pele era uma questão de status na Bahia. Ele atesta<br />
a discriminação racial como vetor de impedimento <strong>da</strong> ascensão social dos<br />
afrodescendentes, pois estes, além de virem de uma classe sócio-econômica baixa, ain<strong>da</strong><br />
enfrentam resistências por causa <strong>da</strong> cor <strong>da</strong> pele. A sutileza do racismo baiano era tal que<br />
tornava muito difícil perceber à primeira vista o preconceito e problematizar os<br />
antagonismos de classes. A Bahia não conseguiu realizar uma socie<strong>da</strong>de de classes, mas<br />
de “grupos de prestígio” (OLIVEIRA, 2002).<br />
83
2.1.3 RACISMO À MODA DA CASA<br />
Racismo é um termo usado ao longo <strong>da</strong> História com muitos sentidos, mas sobretudo<br />
como a crença <strong>da</strong> superiori<strong>da</strong>de de um grupo humano sobre outro, determinado por<br />
características biológicas. Em nosso estudo, compreendemos que essa palavra tem sido<br />
usa<strong>da</strong><br />
... num sentido ampliado para incorporar práticas, atitudes e crenças; nesse sentido, o racismo<br />
denota todo o complexo de fatores que geram a discriminação racial e designa às vezes, mais<br />
livremente, também aqueles fatores que produzem desvantagens raciais (CASHMORE, 2008,<br />
p.458).<br />
Oculta<strong>da</strong>s sob o discurso hegemônico de que não existe preconceito no país, as<br />
desigual<strong>da</strong>des raciais e a discriminação racial são, na ver<strong>da</strong>de, conseqüências diretas do<br />
racismo:<br />
É um fato que a pobreza no Brasil tem cor negra. Tal afirmação não pode ocultar a existência de<br />
um amplo contingente de pessoas pobres e extremamente pobres que não são negras. To<strong>da</strong>via, a<br />
maioria dos negros não é negra porque é pobre, mas sim é pobre ( ou mais pobre) porque é<br />
negra. Assim, sem deixar de reconhecer os pobres de diferentes cores ou raças e as pessoas<br />
negras de maior poder aquisitivo, o fato é que os motivos <strong>da</strong> sua existência não são os mesmos.<br />
No caso dos negros, a principal causa <strong>da</strong> pobreza vem a ser a persistência do preconceito, <strong>da</strong><br />
discriminação racial e do racismo. Tais mazelas, certamente se associam à discriminação social,<br />
que, entretanto, não se esgota e nem as resume” (PAIXÃO; CARVANO, 2008).<br />
Uma análise do racismo no Brasil não pode ser feita sem a atenção a sua história, que<br />
lhe deu um formato peculiar. Segundo Schwarcz (1998, p.180), “todo brasileiro parece<br />
se sentir, portanto, como uma ilha de democracia racial, cercado de racistas por todos os<br />
lados”. Mas como explicar o fato de que, segundo o Relatório <strong>da</strong>s Desigual<strong>da</strong>des<br />
Raciais no Brasil 2007-2008 (PAIXÃO; CARVANO, 2008, p.189), no ano de 2006<br />
69,8% <strong>da</strong> população brasileira em situação de pobreza absoluta era de cor preta ou<br />
par<strong>da</strong>? Afirma o documento:<br />
84
Em 2005, o IDH dos pretos e pardos (0,753) era equivalente ao que ficava entre o Irã e o<br />
Paraguai, na 95ª posição do ranking mundial. Já o IDH dos brancos (0, 838) correspondia ao de<br />
Cuba, na 51ª posição. O IDH dos pretos e pardos, em 2005, correspondia ao de um país de<br />
médio desenvolvimento humano, 25 posições abaixo <strong>da</strong> posição brasileira no ranking do PNUD.<br />
Já os brancos, no mesmo ano, apareciam com um IDH equivalente ao de um país de alto<br />
desenvolvimento humano, 19 posições acima <strong>da</strong> mesma colocação brasileira. Por conseguinte, o<br />
IDH de ambos estava separado 44 posições no ranking do PNUD (PAIXÃO; CARVANO, 2008,<br />
p. 190).<br />
Para Schwarcz, o racismo brasileiro percebe antes colorações <strong>da</strong> pele do que a raça e é<br />
assimilacionista na cultura. A discriminação é admiti<strong>da</strong> apenas na intimi<strong>da</strong>de e é para o<br />
plano pessoal que se empurra essa discussão. A aparência física é mais importante do<br />
que regras físicas e delimitações geracionais, sendo que os casos de racismo, quando<br />
reconhecidos, são sempre atribuídos ao outro:<br />
Tudo isso indica que estamos diante de um tipo particular de racismo, um racismo silencioso e<br />
sem cara que se esconde por trás de uma suposta garantia de universali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s<br />
leis, e que lança para o terreno do privado o jogo <strong>da</strong> discriminação. Com efeito, em uma<br />
socie<strong>da</strong>de marca<strong>da</strong> historicamente pela desigual<strong>da</strong>de, pelo paternalismo <strong>da</strong>s relações e pelo<br />
clientelismo, o racismo só se afirma na intimi<strong>da</strong>de (SCHWARCZ, 1998, p.182).<br />
O ideal de branqueamento ain<strong>da</strong> persiste na mentali<strong>da</strong>de brasileira, impedindo o avanço<br />
<strong>da</strong> afirmação identitária basea<strong>da</strong> positivamente na negritude e na mestiçagem.<br />
Kabengele Munanga (1999), analisando a mestiçagem no Brasil, considera que o<br />
ideológico manipula o biológico quando se pensam as identi<strong>da</strong>des no país. Os cientistas<br />
e ideólogos negros utilizam a bipolarização preto/branco ou negro/branco, enquanto que<br />
o povo, para se auto-representar, faz uso do binômio claro-escuro. Nesse sistema,<br />
valorizam-se ou não os tons de pele, que são melhores quando mais claros. O<br />
preconceito está na cor e não na origem do indivíduo. A mestiçagem era o elo que<br />
faltava para o branqueamento total do brasileiro. A importância numérica do negro foi<br />
diminuí<strong>da</strong> através <strong>da</strong> miscigenação, baixa nas taxas de fecundi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> população negra<br />
e altas taxas de mortali<strong>da</strong>de, além do aumento de imigrantes no território nacional. Isto<br />
não significa, entretanto, que as uniões inter-raciais sejam bem aceitas. Munanga assim<br />
comenta:<br />
85
O mestiço brasileiro simboliza plenamente essa ambigüi<strong>da</strong>de cuja conseqüência na sua própria<br />
definição é fatal, num país onde ele é indício de indefinido. Ele é “um e outro”, o “mesmo e o<br />
diferente”, “nem um nem outro”, ser e não ser”, “pertencer e não pertencer”. Essa definição<br />
social - evita<strong>da</strong> na ideologia racial norte-americana e no regime do apartheid - , conjuga<strong>da</strong> com<br />
o ideário do branqueamento, dificulta tanto a sua identi<strong>da</strong>de como mestiço, quanto a sua opção<br />
<strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de negra. A sua opção fica hipoteticamente adia<strong>da</strong>, pois espera, um dia, ser “branco”,<br />
pela miscigenação e/ ou ascensão social (MUNANGA, 1999, p.126-127).<br />
Há uma busca pela uni<strong>da</strong>de racial e cultural no Brasil, sustenta<strong>da</strong> pelo discurso <strong>da</strong><br />
miscigenação e sincretismo cultural e é através dela que a presença negra é diluí<strong>da</strong>. A<br />
depender do grau de miscigenação, o mestiço pode atravessar a fronteira, tornando-se<br />
um branco, sem jamais ser rebaixado à categoria de negro, pois este é um<br />
posicionamento ideológico.<br />
Munanga (1999) explica que a dificul<strong>da</strong>de que os movimentos negros enfrentam para se<br />
fortalecer não está na densi<strong>da</strong>de do discurso ou na incapaci<strong>da</strong>de organizacional, mas<br />
sim na ideologia racial elabora<strong>da</strong> pelas elites brasileiras entre o final do século XIX e o<br />
início do XX. Para ele (1999, p.15), “essa ideologia, caracteriza<strong>da</strong> entre outros pelo<br />
ideário do embranquecimento, roubou dos movimentos negros o ditado ‘a união faz a<br />
força’ ao dividir negros e mestiços e ao alienar o processo de identi<strong>da</strong>de de ambos”.<br />
Apesar <strong>da</strong> mobilização política negra no Brasil, ain<strong>da</strong> temos pouquíssimos dirigentes<br />
negros, o que dificulta muitas conquistas. Um grande exemplo são os raríssimos casos<br />
de ocupação de cargos de primeiro escalão por negros no governo federal, mesmo<br />
depois <strong>da</strong> passagem do regime militar para o civil. Registra-se como número máximo<br />
cinco pessoas no primeiro e segundo man<strong>da</strong>to do presidente Luís Inácio Lula <strong>da</strong> <strong>Silva</strong>.<br />
A Fun<strong>da</strong>ção Cultural Palmares (liga<strong>da</strong> ao Ministério <strong>da</strong> Cultura), e a Secretaria Especial<br />
de Políticas de Promoção <strong>da</strong> Igual<strong>da</strong>de Racial - SEPPIR (vincula<strong>da</strong> à Presidência <strong>da</strong><br />
República) são os órgãos federais que se ocupam <strong>da</strong> promoção de equi<strong>da</strong>de racial.<br />
Podemos ilustrar a situação ain<strong>da</strong> descrevendo que, embora a população do segmento de<br />
pretos e pardos representasse em 2006, 49% <strong>da</strong> população, apenas 9% dos deputados<br />
federais eleitos pertenciam a esses dois grupos. Os deputados federais brancos, por sua<br />
vez, representavam 87% <strong>da</strong> Câmara dos Deputados. Embora as mulheres pretas e par<strong>da</strong>s<br />
representassem um peso de 24% na população brasileira, foram eleitas apenas 0,6 % <strong>da</strong>s<br />
deputa<strong>da</strong>s de todo o Brasil. Em 2007, entre os senadores, 93,8% eram brancos, quatro<br />
86
pardos e um preto, do total de 81 representantes do povo no Senado <strong>Federal</strong>. Vale<br />
observar que nenhuma mulher negra está entre eles (PAIXÃO; CARVANO, 2008).<br />
Em Salvador, a presença política negra tem se fortalecido significativamente. A lei<br />
federal 10.639 de 13 de janeiro de 2003 estabeleceu a obrigatorie<strong>da</strong>de do ensino <strong>da</strong><br />
História <strong>da</strong> África e Cultura Afro-Brasileira nas escolas do país. A ci<strong>da</strong>de de Salvador<br />
foi a primeira no país a adotar a educação <strong>da</strong>s Relações Étnico-Raciais como diretriz<br />
curricular do ensino municipal, criando para isso um aparato inicial de formação dos<br />
educadores <strong>da</strong> rede pública soteropolitana. Tal lei federal foi altera<strong>da</strong> em 2008 para lei<br />
11.645/08, acrescentando ao texto <strong>da</strong> anterior a necessi<strong>da</strong>de do ensino <strong>da</strong> História e<br />
Cultura dos povos indígenas do Brasil. Houve também a criação de uma Secretaria<br />
Municipal de Reparação (SEMUR) em 2004, que tem se ocupado <strong>da</strong> promoção <strong>da</strong><br />
igual<strong>da</strong>de racial.<br />
2.2 CULTURA BAIANA: O LUGAR DA O<strong>RI</strong>GEM<br />
A tradicional ci<strong>da</strong>de de Salvador também se rendeu ao mito <strong>da</strong>s três raças como mito<br />
fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> nação brasileira e de si própria. No final dos anos 1940, a capital tentava se<br />
recuperar do longo período de estagnação econômica e de relativo isolamento do resto<br />
do país. Salvador foi a capital brasileira que menos cresceu entre 1850 e 1950 e esse<br />
período passou a ser chamado por alguns de “enigma baiano 4 ”.<br />
A expressão acima foi usa<strong>da</strong> para explicar a razão do atraso econômico <strong>da</strong> Bahia. A<br />
grande questão apresenta<strong>da</strong> é descobrir por que um estado com tantas potenciali<strong>da</strong>des<br />
entrou em franca decadência e não conseguiu acompanhar os avanços capitalistas do<br />
século XX. Alguns autores consideram que o enigma é uma alegoria <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />
baiana, com essa aura de mistério sendo usa<strong>da</strong> para mascarar a ausência de um projeto<br />
político que atualizasse o estado em relação às transformações econômicas pelas quais<br />
passavam o país e o mundo. Seguindo este raciocínio, Moura (2001, p.121) acrescenta<br />
que “o que se chama enigma é a opção de não revelar as limitações gritantes que<br />
4 Segundo Moura (2001), esse termo foi usado a partir <strong>da</strong> reflexão de Manoel Pinto de Aguiar, em 1977.<br />
87
acorrentam esta parte do mundo a seu passado oligárquico, patriarcal e autoritário”. Em<br />
comentário sobre o enigma baiano, Paulo César Miguez de Oliveira (2002) afirma que<br />
Francisco Marques de Góes Calmon, governante <strong>da</strong> Bahia entre 1924 e 1928,<br />
representando legitimamente o discurso <strong>da</strong>s elites baianas, acusava a mestiçagem e o<br />
clima de serem fatores determinantes para o declínio econômico desta terra.<br />
A rigidez <strong>da</strong>s relações sociais na Bahia, basea<strong>da</strong>, sobretudo, em grupos de prestígio – e<br />
não em classes sociais – numa mentali<strong>da</strong>de senhorial, oligárquica, patriarcal e<br />
autoritária também foram preponderantes para esse período. A ascensão social era uma<br />
questão liga<strong>da</strong> à cor e ao berço. De um lado, ricos e brancos, do outro, negros e pobres<br />
(AZEVEDO, 1996; OLIVEIRA, 2002).<br />
A estagnação econômica, a insulari<strong>da</strong>de e o ostracismo político, entretanto,<br />
corresponderam paradoxalmente a um momento de intensas trocas internas que forjaram<br />
um corpus cultural peculiar:<br />
Internamente, há a intensificação dos encontros entre cultura portuguesa – que soube garantir<br />
fortemente a sua influência – e as culturas dos negros bantos (vindos <strong>da</strong> região sub-equatoriana<br />
<strong>da</strong> África) e dos nagôs (<strong>da</strong> África superequatoriana) enraiza<strong>da</strong>s desde os primeiros contatos no<br />
século XVI, além <strong>da</strong> cultura indígena tupi, ain<strong>da</strong> que amesquinha<strong>da</strong> e desloca<strong>da</strong> dos seus<br />
territórios originários. Esta interação fortalece o complexo que identifica Salvador e seu<br />
Recôncavo e serve de sustentação para o “corpus de cultura luso-banto-su<strong>da</strong>nês, e também tupi”<br />
que se caracteriza a singulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong>quilo que identifica-se contemporaneamente como a<br />
“cultura baiana” (MATOS, 2004, p.10).<br />
A Bahia, entre os séculos XIX e a metade do século XX, traçou uma rede de práticas<br />
culturais definidoras <strong>da</strong> especifici<strong>da</strong>de cultural baiana, mas conseguiu ocultar os<br />
conflitos sociais desse processo. Nesses pouco mais de cem anos, aumentou<br />
significativamente o número de jejes, haussás e nagôs trazidos à força e se reduziu a<br />
quanti<strong>da</strong>de de imigrantes europeus. A ressocialização desses povos baseou-se em trocas<br />
interculturais com diferentes culturas africanas que já se encontravam neste território, a<br />
exemplo do povo bantu, oriundo de Angola e Congo, e isso favoreceu certa coesão<br />
cultural. A conexão com suas terras de origem e com o grupo de repertório simbólico-<br />
cultural similar estimulou uma peculiar experiência do espaço urbano soteropolitano,<br />
compactando ain<strong>da</strong> mais esses grupos humanos (MOURA, 2001; OLIVEIRA, 2002):<br />
88
São povos de outros continentes que aportam, trazendo seus mundos e inventando outro mundo,<br />
com a participação do elemento nativo. Trata-se, num certo sentido, de um processo de<br />
mundialização, uma vez que esses sujeitos estão sempre trocando de material com suas terras de<br />
origem e reprocessando-os no confronto com outras matrizes civilizatórias (MOURA, 1998,<br />
p.25).<br />
Cabe-nos recor<strong>da</strong>r que Salvador recebia mais africanos que europeus durante os cem<br />
anos do “enigma baiano”. Mesmo instalados com suas casas comerciais e seus<br />
negócios, estes últimos não tiveram aqui a mesma força que experimentaram em outras<br />
ci<strong>da</strong>des brasileiras. Em lugares como São Paulo, constituíram comuni<strong>da</strong>des como os<br />
bairros do Bexiga ou Móoca, mas não lograram o mesmo êxito na Bahia. Os imigrantes<br />
que chegaram em número expressivo foram os galegos que fugiram <strong>da</strong> Guerra Civil na<br />
Espanha dos anos 1930. Milton Moura (1998) aponta que a ci<strong>da</strong>de nunca deixou de<br />
trocar cultura com o mundo, mas essa dinâmica de integração se firmou mais entre os<br />
que chegaram até o século XIX e se solidificou em muitas déca<strong>da</strong>s. Árabes, franceses,<br />
alemães e outros assimilaram-se rapi<strong>da</strong>mente através <strong>da</strong> mestiçagem.<br />
O relativo isolamento, a ausência de fluxos migratórios e a semelhança entre as línguas<br />
portuguesa e africanas facilitaram a fixação de uma reali<strong>da</strong>de lingüística própria dos<br />
baianos. Mas a ci<strong>da</strong>de se empobrecia presa aos seus arranjos econômicos agrário-<br />
mercantil frágeis e tecnologicamente obsoletos, ao mesmo tempo em que vivia uma<br />
ebulição cultural, fosse nos circuitos aristocráticos, fosse nos terreiros e ruas. Inspira<strong>da</strong><br />
nas mu<strong>da</strong>nças do Rio de Janeiro, Salvador teve um momento modernizante nas<br />
primeiras déca<strong>da</strong>s do século XX, marcado principalmente pela urbanização. Tais<br />
alterações não trouxeram mu<strong>da</strong>nças para a socie<strong>da</strong>de baiana, que continuou baseando as<br />
relações nos grupos de prestígio, mas procurava destruir to<strong>da</strong>s as lembranças materiais<br />
do passado recente colonial. Houve ain<strong>da</strong> a demolição de prédios e monumentos<br />
históricos em nome <strong>da</strong>s transformações urbanas, processo no qual se inclui a demolição<br />
de prédios dedicados às habitações populares (cortiços) existentes na região central <strong>da</strong><br />
ci<strong>da</strong>de.<br />
A cultura oficial <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, segundo Oliveira (2002), não foi toca<strong>da</strong> pelo modernismo<br />
<strong>da</strong>s primeiras déca<strong>da</strong>s do século XX. A ambiência cultural dessa época é marca<strong>da</strong> pela<br />
preocupação dos agentes <strong>da</strong> cultura baiana em afirmar o caráter tradicional de sua terra,<br />
agarrando-se a tal ponto neste ideal que até as novas correntes de pensamento, a<br />
89
exemplo do modernismo, encontravam resistência para ecoar entre os baianos.<br />
Prevalecia uma noção de cultura elitista e conservadora e em meio à ebulição causa<strong>da</strong><br />
pela transformação do perfil colonial para o urbano, desenhavam-se novas relações no<br />
plano <strong>da</strong> política para a produção de uma cultura oficial do Estado. A resistência,<br />
hostili<strong>da</strong>de ou simplesmente indiferença foram as respostas <strong>da</strong><strong>da</strong>s ao novo ideário<br />
modernista. O conservadorismo literário foi defendido por suas elites letra<strong>da</strong>s,<br />
reduzindo a cultura oficial ao elitismo e academicismo do “cultivo <strong>da</strong>s letras”,<br />
mantendo o requinte <strong>da</strong> oratória, ti<strong>da</strong> como traço de distinção:<br />
Predominava na capital baiana o marasmo, o espírito estático do academicismo, que se<br />
comprazia em cultivar a literatura como um luxo de espírito (não por acaso fora um baiano quem<br />
definira a literatura como “o sorriso <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de”) ou como simples divagação lírica ou boêmia,<br />
no encontro ameno dos literatos aconchegados nos cafés que faziam a reputação <strong>da</strong> inteligência.<br />
(...) Vivíamos também no embalo dos saraus <strong>da</strong> “literatura do cafuné”, dócil, sonolenta e<br />
doméstica, vesti<strong>da</strong> de pijama e chinelos após a rotina burocrática <strong>da</strong>s repartições (onde, aliás, se<br />
faziam muitos versos com chave de ouro) (GOMES, 1979b, p.168 apud OLIVEIRA, 2002,<br />
p.148).<br />
As artes visuais também se opuseram ao modernismo. Algumas exposições inspira<strong>da</strong>s<br />
nessa nova estética chegaram a sofrer atos de van<strong>da</strong>lismo. O teatro baiano nem reagiu,<br />
pois era muito inexpressivo e frágil, uma vez que se limitava à existência de algumas<br />
pequenas companhias e grupos amadores, que não conseguiam se estabilizar<br />
profissionalmente. Os dois únicos teatros (o São João e o Polytheama Bahiano) foram<br />
vítimas <strong>da</strong> sanha <strong>da</strong> modernização urbanística, fechando suas portas e essa atmosfera<br />
tradicionalista só permitiu que os ares do movimento modernista entrassem na Bahia<br />
quase duas déca<strong>da</strong>s depois de seu aparecimento no Sul do país (MATOS, 2004).<br />
Enquanto o teatro baiano se tornava praticamente invisível, o cinema crescia, os palcos<br />
dos cine-teatros se multiplicavam na ci<strong>da</strong>de e o cinema falado dos anos 30 contribuiu<br />
decisivamente para esvaziar o teatro. Mas não foi somente o modernismo que enfrentou<br />
a aversão <strong>da</strong> cultura oficial. As manifestações e práticas culturais populares foram<br />
duramente reprimi<strong>da</strong>s, rechaça<strong>da</strong>s e persegui<strong>da</strong>s. Em nome <strong>da</strong> ordem e <strong>da</strong> civilização,<br />
muitas ações foram engendra<strong>da</strong>s contra as expressões culturais e artísticas dos<br />
segmentos menos favorecidos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, trata<strong>da</strong>s inclusive como caso de polícia. Foi no<br />
rádio que as formas musicais populares encontraram espaço. Os músicos negros e<br />
90
mestiços <strong>da</strong> Bahia surgiam como intérpretes ou compositores, participavam de<br />
programas de auditório e na formação de orquestras. O samba encontrou aí total<br />
visibili<strong>da</strong>de.<br />
Proposita<strong>da</strong>mente houve uma maciça investi<strong>da</strong> numa imagem soteropolitana que lhe<br />
afirmava a tradição e o conservadorismo. São emblemáticas as comemorações dos 400<br />
anos <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de do Salvador, em 1949. A Bahia, através de uma programação oficial,<br />
publicação de livros tratando de questões históricas locais, artigos de jornais e<br />
participação popular nos eventos comemorativos se preocupava em personificar a<br />
própria História na medi<strong>da</strong> em que encarnava a origem <strong>da</strong> união pacífica <strong>da</strong>s raças que<br />
forjaram a identi<strong>da</strong>de nacional (MATOS, 2004). Isso não significa, porém, que as<br />
culturas negras e indígenas ganharam espaço positivo nessa representação. Ao contrário,<br />
esses elementos figuravam submissos, como a dócil sustentação e apoio ao domínio do<br />
colonizador português. Por outro lado, as culturas populares ganham certa visibili<strong>da</strong>de.<br />
É de 1949 a fun<strong>da</strong>ção do Afoxé filhos de Gandhi por uma associação de estivadores<br />
negros e do trio elétrico (fobica) de Dodô e Osmar, que representavam novas formas de<br />
ocupação <strong>da</strong>s ruas.<br />
A divulgação que se fazia <strong>da</strong> cultura negra no Brasil não encontrava na Bahia espaço<br />
para uma mu<strong>da</strong>nça estrutural <strong>da</strong> situação de marginalização econômica e social em que<br />
era posta. Salvador continuava a basear suas relações sociais nas hierarquias de classe e<br />
raça. Oficialmente, a cultura baiana era defini<strong>da</strong> pela apologia <strong>da</strong> palavra, demonstra<strong>da</strong><br />
na orali<strong>da</strong>de portuguesa e católica, e o discurso identitário baiano confundia-se<br />
proposita<strong>da</strong>manente com o discurso <strong>da</strong> nação (MATOS, 2004), de tal sorte que a<br />
chega<strong>da</strong> de Tomé de Souza em 1549, marco <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> criação <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de do<br />
Salvador, foi o ponto de parti<strong>da</strong> para as comemorações onde se materializou uma<br />
associação do mito fun<strong>da</strong>dor local com o nacional. Ambos se confundem, pois a Bahia<br />
vive dois momentos de fun<strong>da</strong>ção: um em 1500, com a chega<strong>da</strong> de Pedro Álvares Cabral<br />
e o segundo em 1549, com a chega<strong>da</strong> de Tomé de Souza. A fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> nação<br />
confunde-se com a <strong>da</strong> capital, que nasceu para ser a sede do governo-geral. A ci<strong>da</strong>de de<br />
Salvador, desde sua criação, recebe uma importância que a projeta para além do local e,<br />
através do mito fun<strong>da</strong>dor, reivindica seu lugar de direito na nacionali<strong>da</strong>de: o lugar <strong>da</strong><br />
origem.<br />
91
Entretanto, a mesma ci<strong>da</strong>de que excluiu os principais agentes <strong>da</strong> cultura afro-brasileira,<br />
reconhece posteriormente que esses sujeitos passam a simbolizar também os traços<br />
culturais mais significativos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de do Salvador, isto é, a sua imagem-síntese. Na era<br />
<strong>da</strong> globalização, a ci<strong>da</strong>de de Salvador entrou no mercado de ci<strong>da</strong>des, estabelecendo<br />
competitivi<strong>da</strong>de perversa na qual é compeli<strong>da</strong> a mostrar maior valor aos olhos dos seus<br />
moradores e aos investidores externos, escolhendo o viés cultural para materializar esse<br />
processo. A ci<strong>da</strong>de capital do estado <strong>da</strong> Bahia tem um aporte histórico que lhe assegura<br />
um denso capital simbólico, potencializado pelas características e funções culturais,<br />
bem como no que diz respeito à divulgação de imagens que a afirmam como “rara”. A<br />
Salvador-negritude, a tradição, a alegria <strong>da</strong> festa, a “democracia racial” são vendidos<br />
como produtos raros e autênticos.<br />
Nortea<strong>da</strong> por uma política de desenvolvimento turístico, deflagra<strong>da</strong> especialmente nos<br />
anos 1990, a ci<strong>da</strong>de teve algumas áreas escolhi<strong>da</strong>s como legítimas representantes <strong>da</strong><br />
modernização e afirmação negro-mestiça. A área mais importante foi o Centro Histórico<br />
de Salvador (Pelourinho), lugar onde ocorreu a fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e que, após declínio<br />
econômico foi abandonado pelas classes mais altas e completamente ocupado pelos<br />
menos favorecidos socialmente, os descendentes de escravos. A negritude do<br />
Pelourinho é soma<strong>da</strong> aos resquícios do período áureo colonial, personificado no valioso<br />
conjunto arquitetônico restaurado e reconhecido como patrimônio histórico e artístico<br />
mundial. Da mesma forma, todo um jeito negro de ser passa a ser veiculado como parte<br />
do cotidiano soteropolitano (SANTOS 2005).<br />
A baiani<strong>da</strong>de, “uma espécie de nacionali<strong>da</strong>de que confere aos baianos uma condição tão<br />
própria” (ESPINHEIRA, 2002, p.85), tornou-se o produto para o consumo turístico,<br />
assim como a cultura material e imaterial afro-baiana e a identi<strong>da</strong>de de Salvador. É<br />
interessante notar que o carnaval em Salvador e sua musicali<strong>da</strong>de de matriz afro-<br />
brasileira é o ícone mais forte <strong>da</strong> “nação” soteropolitana. Paradoxalmente, a mesma<br />
baiani<strong>da</strong>de que incorpora, entre outros mitos, os <strong>da</strong> preguiça e <strong>da</strong> felici<strong>da</strong>de, é<br />
desintegra<strong>da</strong> através do expurgo <strong>da</strong> cultura popular e <strong>da</strong> exclusão do povo. Há uma<br />
constante tentativa oficial de desafricanização pelos incrementos <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de turística<br />
na renovação urbana e tecnológica, desfavelização <strong>da</strong>s festas de largo e centro histórico<br />
(ESPINHEIRA, 2002). A baiani<strong>da</strong>de, veicula<strong>da</strong> pelas estratégias de fomento ao<br />
92
turismo, carro chefe <strong>da</strong> política de desenvolvimento adotado pelo Governo do Estado e<br />
do município no final do século XX, não explicita a diversi<strong>da</strong>de soteropolitana. As<br />
ativi<strong>da</strong>des turísticas foram incrementa<strong>da</strong>s por políticas públicas nos anos 90, como<br />
alternativa ao declínio econômico gerado pela decadência dos pólos industriais<br />
petroquímicos <strong>da</strong> Região Metropolitana de Salvador (RMS).<br />
Para Muniz Sodré (1999, p.34), a identi<strong>da</strong>de humana é um “complexo relacional que<br />
liga o sujeito a um quadro contínuo de referências, constituído pela interseção de sua<br />
história com a do grupo onde vive”. Ele ain<strong>da</strong> traz reflexões para o debate sobre a<br />
discriminação racial nos meios de comunicação, ao afirmar que os grandes grupos<br />
econômicos operadores <strong>da</strong> mídia atual descendem de famílias tradicionais <strong>da</strong> elite<br />
patrimonial brasileira e não prestam um serviço de apoio às questões realmente liga<strong>da</strong>s<br />
ao interesse público ou à afirmação <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de cultural, porque são instrumentos de<br />
ideologias <strong>da</strong>s culturas hegemônicas eurocêntrica e norte-americana. Sodré (1999) ain<strong>da</strong><br />
expõe a idéia de que o imaginário racista permanece e se desenvolve através dos<br />
entretenimentos televisivos e outros espetáculos direcionados às massas. Mas recebe<br />
também reforço através de outras contribuições como a negação do racismo, o<br />
recalcamento dos aspectos identitários negros, a estigmatização, a difusão de<br />
estereótipos e a folclorizações em torno do negro, a invisibili<strong>da</strong>de, a indiferença (a seu<br />
ver, a mídia contemporânea compromete-se com questões <strong>da</strong> publici<strong>da</strong>de, do comércio).<br />
O geógrafo Milton Santos (2004) critica a apropriação <strong>da</strong>s técnicas <strong>da</strong> informação por<br />
parte do Estado e de certas empresas em função de objetivos particulares, pois essa<br />
prática acentua as desigual<strong>da</strong>des e confunde. To<strong>da</strong>s as pessoas precisam de informação<br />
na vi<strong>da</strong> cotidiana, mas ela chega manipula<strong>da</strong>, portanto sempre vem como ideologia, no<br />
entanto, é mais fácil comunicar-se com quem está longe do que com o próprio vizinho.<br />
“A informação não vem <strong>da</strong> interação entre as pessoas, mas do que é veicula<strong>da</strong> pela<br />
mídia, uma interpretação interessa<strong>da</strong>, senão interesseira dos fatos” (SANTOS, 2004,<br />
p.41).<br />
Os meios de comunicação foram fun<strong>da</strong>mentais para a constituição <strong>da</strong> imagem de uma<br />
nova ci<strong>da</strong>de, contemporânea, limpa, promissora, refleti<strong>da</strong> em áreas delimita<strong>da</strong>s e<br />
vendáveis como a orla oceânica e o centro histórico de Salvador, o que não representou<br />
de fato uma alteração significativa do espaço urbano para os habitantes de outras<br />
93
egiões <strong>da</strong> metrópole. No interior <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, área em que a miséria predomina na<br />
paisagem <strong>da</strong>s encostas, vales e cumea<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s colinas, é possível perceber os gritantes<br />
contrastes sócio-econômicos e culturais, à deriva do tão preconizado discurso de<br />
inclusão étnico-racial por meio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de de oportuni<strong>da</strong>des num sistema que se diz<br />
democrático. Esse espaço entrelaçado por favelas (invasões) e conjuntos habitacionais<br />
populares de arquitetura deprecia<strong>da</strong> compõe um quadro opositor às imagens-síntese<br />
soteropolitanas. A “negritude” escolhi<strong>da</strong> como marca <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Salvador exclui<br />
desse contexto a população afrodescendente mais empobreci<strong>da</strong>, especialmente aquela<br />
que vive em áreas relativamente novas. O miolo urbano, ocupação do século XX,<br />
reclama seu espaço no texto identitário soteropolitano e <strong>da</strong> baiani<strong>da</strong>de através de um<br />
movimento recente de valorização <strong>da</strong> memória do povo negro <strong>da</strong> região, alicerçado no<br />
reavivamento <strong>da</strong> história dos quilombos de Salvador, <strong>da</strong> existência <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des<br />
litúrgicas de matriz africana e dos movimentos negros. Novos espaços urbanos como os<br />
conjuntos habitacionais populares, embora construídos sob a lógica de espaços de<br />
trânsito, sem a possibili<strong>da</strong>de imediata de constituição identitária (não-lugares 5 ) também<br />
passaram recentemente a disputar a adesão à baiani<strong>da</strong>de. Os moradores de Cajazeiras,<br />
por exemplo, embora reclamem <strong>da</strong> ausência de identi<strong>da</strong>de do bairro, buscam o<br />
“pertencimento” à ci<strong>da</strong>de através <strong>da</strong> valorização de aspectos étnicos, históricos ou<br />
simplesmente pelo consumo de símbolos desse produto turístico. Ultimamente têm<br />
defendido a transformação de lugares como o <strong>da</strong> Pedra do Buraco do Tatu em ponto de<br />
visitação pública e criação de um roteiro étnico para a visitação e conhecimento de<br />
lugares sagrados para os religiosos candomblecistas na Área de Proteção Ambiental<br />
Joanes - Ipitanga.<br />
5 Marc Augé (1994) definiu os não-lugares como espaços de trânsito, passagem, em que os vínculos e experiência<br />
vivi<strong>da</strong> não permitem a sua ligação consistente ao sujeito. Cita como exemplos principais os aeroportos e shopping<br />
centers, que criam sensação de solidão e similitude.<br />
94
TRÂNSITOS...<br />
Ao investigar a construção do discurso identitário de Cajazeiras (bairro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de<br />
Salvador) através de suas lideranças, não podemos ignorar que a relação entre lugar e<br />
identi<strong>da</strong>de, assim como as fronteiras territoriais e locais estão ca<strong>da</strong> vez mais presentes<br />
nas reflexões contemporâneas sobre a socie<strong>da</strong>de. Isso ocorre porque, entre as<br />
características – ou efeitos – desse momento <strong>da</strong> globalização, a rapidez <strong>da</strong> circulação<br />
<strong>da</strong>s informações e dos deslocamentos territoriais (AGIER, 2008) é considerável.<br />
A informação, segundo Santos (2004), é a técnica mais representativa <strong>da</strong> nossa época, já<br />
que permite a comunicação entre as diversas técnicas, algo impossível anteriormente.<br />
Além disso, o uso do tempo é acelerado pela possibili<strong>da</strong>de de convergência dos<br />
momentos e <strong>da</strong> simultanei<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s ações, resultando na aceleração do processo<br />
histórico. Por outro lado, a competitivi<strong>da</strong>de em função do consumo tem se definido<br />
como regra de convivência e está instala<strong>da</strong> no relacionamento <strong>da</strong>s regiões e ci<strong>da</strong>des,<br />
bem como entre as pessoas.<br />
A localização geográfica ganha uma nova importância, uma vez que ela repercute as<br />
motivações de embates, e os conflitos entre os diversos atores e o território estão ca<strong>da</strong><br />
vez mais visíveis e submetidos a lógicas diferentes. Há uma tendência à<br />
compartimentalização generaliza<strong>da</strong> dos territórios, onde se chocam e se associam as<br />
questões planetárias e locais. Paralelamente, há um processo de fragmentação que toma<br />
<strong>da</strong>s coletivi<strong>da</strong>des o controle do seu destino, enquanto os novos atores não possuem<br />
95
instrumentos de regulação que possam interessar à socie<strong>da</strong>de com um todo. Mas a<br />
aparente neutrali<strong>da</strong>de do espaço geográfico é rompi<strong>da</strong> pela sua capaci<strong>da</strong>de de indicar<br />
aos sujeitos maneiras de intervir no transcurso histórico, permitindo ain<strong>da</strong> a criação de<br />
modos de vi<strong>da</strong> (SANTOS, 2004).<br />
Marc Augé (1994, p.36-37) observa que<br />
...no próprio momento em que a uni<strong>da</strong>de do espaço terrestre se torna pensável e em que se<br />
reforçam as grandes redes multirraciais, amplifica-se o clamor dos particularismos; <strong>da</strong>queles que<br />
querem ficar sozinhos em casa ou <strong>da</strong>queles que querem reencontrar uma pátria, como se o<br />
conservadorismo de uns e o messianismo de outros estivessem condenados a falar a mesma<br />
linguagem – a <strong>da</strong> terra e <strong>da</strong>s raízes.<br />
Isso a que chamamos de globalização ou globalitarismo teve seu ponto de partido na<br />
época <strong>da</strong>s grandes navegações, a partir do século XV. Para o geógrafo Milton Santos,<br />
essa época é “de certa forma, o ápice do processo de internacionalização do mundo<br />
capitalista” (SANTOS, 2004, p.23). Este fenômeno não se mostra somente no plano<br />
econômico, mas interfere também no espaço urbano, na sua reestruturação e concepção<br />
de política pública. Os projetos atuais de modernização urbana objetivam a reinserção<br />
<strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des nessa conjuntura. Elas estão articula<strong>da</strong>s aos interesses ditos globais,<br />
proferidos por agentes que se autodenominam neutros, tais como governos locais, redes<br />
mundiais de ci<strong>da</strong>des, agências multilaterais de cooperação (organismos de caráter<br />
internacional e ação global, que atuam como produtores de pensamento, difusão e<br />
financiamento de políticas públicas). As ci<strong>da</strong>des foram transforma<strong>da</strong>s em mercadoria e<br />
participam <strong>da</strong> competição de mercado, conforme orienta o sistema do capitalismo<br />
(SÁNCHEZ, 2001).<br />
Nas reflexões sobre as identi<strong>da</strong>des é necessário considerar que o processo pelo qual os<br />
fenômenos se aceleram e se disseminam pelo globo (a compressão espaço-tempo) é<br />
composto pelo emaranhado de situações e circunstâncias diversifica<strong>da</strong>s. Portanto, as<br />
disputas de poder é que condicionam as diferentes formas de mobili<strong>da</strong>de espacial e<br />
temporal. Mas quem controla essa relação é o grupo do capitalismo transnacional, que a<br />
manipula sempre a seu favor. Embora as classes e grupos subalternos tenham se<br />
movimentado entre as fronteiras nas últimas déca<strong>da</strong>s, ain<strong>da</strong> não conseguem controlar a<br />
96
compressão espaço-tempo. A estes incorpora-se outra categoria que produz o fenômeno:<br />
o turista. Santos (2000, p.24) acrescenta que “a competência global requer, por vezes, o<br />
acentuar <strong>da</strong> especifici<strong>da</strong>de local. Muitos dos lugares turísticos de hoje têm de vincar o<br />
seu caráter exótico, vernáculo e tradicional para poderem ser suficientemente atrativos<br />
no mercado global de turismo”.<br />
Mais do que nunca a ci<strong>da</strong>de de Salvador está inseri<strong>da</strong> nesse contexto. Se no início <strong>da</strong><br />
colonização ela foi um expoente comercial, principal porto do Hemisfério Sul, a<br />
metrópole compete hoje no mercado internacional de ci<strong>da</strong>des como sendo a própria<br />
mercadoria. O elemento mais importante <strong>da</strong> economia soteropolitana é o turismo e em<br />
função dele a capital baiana se definiu como uma mercadoria autêntica e rara,<br />
diferencia<strong>da</strong> e qualifica<strong>da</strong> pelo seu modo próprio de vi<strong>da</strong> e paisagens, nas suas<br />
expressões materializa<strong>da</strong>s de cultura e de identi<strong>da</strong>de. A síntese do produto Salvador é a<br />
idéia de uma democracia racial, onde prevalecem as manifestações artístico-culturais<br />
negras.<br />
Apesar de continuamente empurrar os símbolos de sua marca (os negros) ca<strong>da</strong> vez mais<br />
para áreas de habitabili<strong>da</strong>de precária tais como os vales, encostas e, atualmente, o miolo<br />
urbano, a ci<strong>da</strong>de não conseguiu deixar o povo totalmente alheio às transformações do<br />
mundo, especialmente aquelas que abalaram antigos impérios coloniais no século XX.<br />
Sempre houve intercâmbio, troca de informações e de outros produtos como a mo<strong>da</strong>,<br />
aspectos religiosos e tecnológicos ou a música entre os povos que sofreram<br />
empreendimentos coloniais como a escravidão (SOUZA, 2005).<br />
Desde o Brasil Colônia que a capital <strong>da</strong> Bahia intercambia também outros artigos tais<br />
como as canções, material de culto, tecidos, alimentos e informações. A circulação de<br />
certos textos ou cartas contendo notícias e idéias de liber<strong>da</strong>de difundi<strong>da</strong>s em outras<br />
partes do planeta estimularam diversas formas de mobilização e de alteração nos<br />
padrões estéticos, particularmente a partir dos anos 60. As novas tecnologias e o<br />
impacto <strong>da</strong> informação que circulava agora em múltiplas formas e temporali<strong>da</strong>des<br />
estimulavam a legitimação de expressões negras tradicionais baianas e as que chegavam<br />
pela mídia (MOURA, 2001; SOUZA, 2005). As lutas sociais, assim como situações<br />
específicas de racismo e discriminação racial ecoaram – e ain<strong>da</strong> ecoam – nas<br />
manifestações culturais e políticas do cotidiano negro soteropolitano.<br />
97
A luta pelo fim <strong>da</strong> discriminação racial e o desenvolvimento de estratégias de inclusão<br />
social sempre deram a tônica <strong>da</strong> participação política dos descendentes de africanos.<br />
Essa movimentação de hoje é herdeira, por exemplo, <strong>da</strong>s agremiações cria<strong>da</strong>s<br />
especialmente durante o século XIX com fins abolicionistas ou religiosos. Em Salvador<br />
existe até hoje a Socie<strong>da</strong>de Protetora dos Desvalidos, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1832 pelo negro<br />
ganhador Manoel Victor Serra, a qual na sua fun<strong>da</strong>ção se descrevia como socie<strong>da</strong>de<br />
religiosa de aju<strong>da</strong> mútua.<br />
A necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ressocialização, recreação e lazer também impulsionara a organização<br />
dessas pessoas que eram constantemente impedi<strong>da</strong>s de freqüentar clubes sociais ou<br />
festas de brancos. Thales de Azevedo (1996) revela que os clubes sociais e recreativos<br />
de Salvador eram espaços de difícil acesso para o afrodescendente porque eram<br />
controlados por famílias tradicionais que não admitiam o ingresso de negros em seus<br />
grupos de convívio. A exceção estava na pigmentação <strong>da</strong> pele e na ocupação de extratos<br />
sociais: caso a pessoa fosse mais clara e endinheira<strong>da</strong> (isto é, fosse socialmente branca)<br />
não encontraria tantas barreiras. Caso tivesse a pele mais escura, mesmo sendo rico e<br />
admitido no grupo, continuaria marginalizado. O mesmo ocorria em associações mais<br />
modestas.<br />
Essa situação não se passava apenas na capital <strong>da</strong> Bahia, mas em todo o país. Daí, por<br />
exemplo, a iniciativa de se criarem clubes de futebol, pois os jogadores negros ou<br />
pardos não eram aceitos nos times <strong>da</strong> elite. Só nos anos de 1920 é que certos times<br />
começaram a admitir alguns atletas negros, mas os impedia de serem sócios e até<br />
mesmo de terem acesso aos salões de <strong>da</strong>nça (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO,<br />
2006).<br />
Muitas foram as estratégias de organização e participação política do povo negro. Desde<br />
que o primeiro africano pisou no Brasil como escravo, sabe-se de revoltas contra a<br />
opressão. A constituição de formas religiosas próprias, modos de apropriação do<br />
território urbano e rural, batalhas históricas e outros movimentos coletivos são alguns<br />
exemplos. Após a abolição <strong>da</strong> escravatura, a mobilização continuou forte para garantir a<br />
sobrevivência digna e ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia desses povos. O século XX está repleto de iniciativas<br />
que expressam o empenho na valorização <strong>da</strong> cultura afro-brasileira e numa forma<br />
positiva de ver o negro na identi<strong>da</strong>de mestiça brasileira, a saber: a imprensa negra, o<br />
98
Teatro Experimental do Negro, a Frente Negra Brasileira, além dos movimentos sociais<br />
que se articularam em todos os cantos do país. Como reação, as elites passaram a acusar<br />
os negros de racismo às avessas, pois a seu ver estariam demonstrando preconceito<br />
contra os brancos e ameaçando a democracia racial deste país. Ain<strong>da</strong> assim, a pressão<br />
política negra provocou mu<strong>da</strong>nças profun<strong>da</strong>s no comportamento social dos brasileiros e<br />
algumas conquistas legais, como a aprovação <strong>da</strong> Lei Afonso Arinos, que definia como<br />
contravenção o fato de impedir o acesso de alguém a serviços, educação e emprego<br />
públicos por causa <strong>da</strong> cor <strong>da</strong> pele.<br />
As denúncias de discriminação, to<strong>da</strong>via, passaram a ser ca<strong>da</strong> vez mais freqüentes,<br />
mesmo durante o regime militar instalado em 1964. A abor<strong>da</strong>gem, entretanto, era feita<br />
com base na concepção de que o preconceito racial era uma aberração e não fruto <strong>da</strong>s<br />
relações sociais. Na déca<strong>da</strong> seguinte, a ditadura calava todos aqueles que lutavam por<br />
transformações na socie<strong>da</strong>de brasileira, inclusive os que lutavam pelo fim do racismo.<br />
Mas é nesse mesmo período que o mundo passa por mu<strong>da</strong>nças de paradigmas e novos<br />
movimentos baseados na diferença se fortalecem no mundo inteiro, com a cultura e as<br />
questões identitárias ganhando espaço nas deman<strong>da</strong>s políticas.<br />
Enquanto o regime autoritário se solidificava no Brasil, também outros movimentos<br />
culturais se constituíam e imprimiam em suas ações um viés de politização. Nesse bojo,<br />
muitos grupos de negros se constituíram para defender e valorizar a herança cultural<br />
africana do brasileiro. O movimento político e cultural Black Power 1 , por exemplo,<br />
influenciou o comportamento <strong>da</strong> juventude negra em vários pontos do globo, e o<br />
processo de socialização através de uma cultura marca<strong>da</strong>mente negra estimulou a troca<br />
de experiências e a redefinição <strong>da</strong>s identi<strong>da</strong>des desses jovens oriundos <strong>da</strong> diáspora<br />
africana. Essa convivência levou-os a repensar a condição do negro no Brasil e a<br />
promover organização de outras formas culturais e políticas.<br />
Na periferia <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des, onde se concentrava a maioria negra, também se recebiam<br />
informações sobre a atuação política dos negros, principalmente com relação às lutas<br />
1 Na déca<strong>da</strong> de 1960, surgiu nos Estados Unidos o movimento Black Power, também conhecido como movimento <strong>da</strong><br />
consciência negra ou <strong>da</strong>s artes negras. Ele estimulou o debate em torno <strong>da</strong>s estratégias políticas que os<br />
afrodescendentes deveriam adotar para se afirmar positivamente, como a força <strong>da</strong> organização de grupos. Além de<br />
debates ideológicos, o Black Power ajudou a eleger parlamentares e os primeiros prefeitos negros <strong>da</strong>quele país<br />
(CASHMORE, 2000).<br />
99
pela libertação nacional de alguns países africanos e pelos direitos civis 2 nos Estados<br />
Unidos. As idéias-mestras dessas e de outras movimentações, especialmente as norte-<br />
americanas, chegaram ao Brasil e influenciaram a ação dos militantes e intelectuais<br />
negros, a exemplo do reggae jamaicano, música essencialmente de protesto, nos anos<br />
1970.<br />
Houve, nesse contexto, uma rearticulação <strong>da</strong> mobilização social negra que resultou na<br />
criação do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, em 07 de julho<br />
de 1978, o qual posteriormente passou a se chamar Movimento Negro Unificado, ou<br />
apenas MNU. É importante ressaltar que em nosso trabalho optamos por definir<br />
movimento negro como<br />
100<br />
[...] o conjunto de iniciativas de resistência e de produção cultural e de ação política explícita de<br />
combate ao racismo que se manifesta por via de uma multiplici<strong>da</strong>de de organização em diferentes<br />
instâncias de atuação, com diferentes linguagens, por via de uma multiplici<strong>da</strong>de de organização<br />
espalha<strong>da</strong>s pelo país.<br />
Trata-se, de fato, de um mosaico que tenta sustentar sua identi<strong>da</strong>de no propósito comum de<br />
posicionar-se contra o racismo (DOCUMENTO DO P<strong>RI</strong>MEIRO ENCONTRO NACIONAL DE<br />
ENTIDADES NEGRAS, apud Jornal do MNU, n.18.p.6 apud SOUZA, 2005, p.14).<br />
O MNU nasceu criticando não só a democracia racial brasileira, mas também a idéia <strong>da</strong><br />
esquer<strong>da</strong> de que eliminando a desigual<strong>da</strong>de social através <strong>da</strong> revolução socialista se<br />
eliminaria a discriminação racial. Decorre desse pensamento também a organização<br />
política <strong>da</strong>s mulheres negras, tema de atuação de uma <strong>da</strong>s mais importantes lideranças:<br />
Lélia Gonzalez. Essa mobilização cresceu a ponto de se formar, em 2001, a Articulação<br />
de Organizações de Mulheres Negras, que reúne enti<strong>da</strong>des de todo o país para discutir a<br />
elaboração e implementação de políticas públicas volta<strong>da</strong>s para as mulheres negras.<br />
Atualmente, um dos principais pontos de pauta do movimento negro são os quilombos.<br />
A definição de quilombo hoje estende-se também para a denominação de comuni<strong>da</strong>des<br />
2 Segundo Cashmore (2000), o movimento pelos direitos civis foi deflagrado em 1955 nos Estados Unidos com a<br />
prisão <strong>da</strong> costureira Rosa Parks por ter se recusado a ceder seu lugar no ônibus para um homem branco. Várias<br />
organizações negras protestaram contra essa prisão, o que levou à formação <strong>da</strong> Conferência de Líderes Cristãos do<br />
Sul. Liderado pelo reverendo Martin Luther King, o “movimento pelos direitos civis” articulou uma série de boicotes<br />
aos ônibus, marchas pacíficas e grandes assembléias nas ruas. King foi assassinado, assim como outros líderes, mas<br />
este foi o movimento social mais influente do país, trazendo mu<strong>da</strong>nças concretas como o Ato dos Direitos Civis, em<br />
1964, que instituiu a dessegregação <strong>da</strong> educação pública e a proibição <strong>da</strong> discriminação na contratação de<br />
funcionários a partir de sua cor, raça, origem ou sexo.
oriun<strong>da</strong>s <strong>da</strong> ocupação de terras de fazen<strong>da</strong>s escravistas, terras devolutas e doações de<br />
terras feitas a ex-escravos. Uma de suas maiores vitórias foi o reconhecimento dos<br />
moradores como proprietários legais dessas terras, assegurado na Constituição <strong>Federal</strong>.<br />
A primeira proprie<strong>da</strong>de a receber o título de posse foi a de Boa Vista, no Estado do<br />
Pará, em 1995 (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006).<br />
O movimento negro conseguiu trazer a discussão sobre a questão racial do país,<br />
orientando-a na direção <strong>da</strong> crítica e denúncia do mito <strong>da</strong> democracia racial. O<br />
imaginário sobre o continente africano e seus povos foi estimulado com a circulação de<br />
informações e influenciava a estética e o posicionamento político dos negros<br />
soteropolitanos:<br />
101<br />
Diversificado, necessário e produtivo para a construção de identi<strong>da</strong>des, os movimentos negros no<br />
Brasil têm-se mobilizado para realização de rituais de afirmação como celebração de <strong>da</strong>tas, resgate<br />
de acontecimentos históricos, releitura e organização de arquivos que contestam a pretendi<strong>da</strong><br />
homogenei<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s histórias registra<strong>da</strong>s e resgata<strong>da</strong>s pela memória cultural instituí<strong>da</strong>, a promoção<br />
de atos públicos de protesto e de denúncia com vistas a interferir na base de construção <strong>da</strong><br />
memória, na disposição de forças políticas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e a intervir no desenho <strong>da</strong> auto-imagem do<br />
afro-brasileiro (SOUZA, 2005, p.14).<br />
Na visão do teórico Michel Agier (2008), os movimentos identitários coletivos<br />
contemporâneos surgiram em diferentes pontos do planeta, afirmando um caráter<br />
absoluto, autêntico e atemporal de suas identi<strong>da</strong>des, embora nas ciências sociais tal<br />
essencialismo fosse questionado e combatido. Esse quadro exige uma abertura para a<br />
análise <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de sob uma ótica construtivista, isto é, através de uma perspectiva em<br />
que a reali<strong>da</strong>de é uma construção subjetiva, origina<strong>da</strong> <strong>da</strong>s representações dos atores e<br />
está para além <strong>da</strong> análise do contexto e <strong>da</strong>s disputas: é o próprio processo identitário que<br />
deverá ser investigado. A edificação <strong>da</strong>s fronteiras simbólicas e o processo dessa<br />
edificação são emblemáticos dessa abor<strong>da</strong>gem, pois é “nesse momento de<br />
edificação/justificação <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de a ser construí<strong>da</strong> que se elabora o conteúdo dos<br />
enunciados ou declarações identitárias, os quais, ao fazê-lo, não cessam de receber uma<br />
plurali<strong>da</strong>de de fluxos de informações”(AGIER, 2008).
3.1 DESENHANDO FRONTEIRAS<br />
Os anos 1970 permitiam o desenrolar de profun<strong>da</strong>s transformações no modo de pensar<br />
as questões sociais. Os discursos e os novos movimentos sociais indicavam uma<br />
apologia <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de multicultural: a justaposição e convivência de etnias ou grupos<br />
em determinados espaços urbanos (CANCLINI, 2004). Tais falas anunciavam também<br />
exaltação <strong>da</strong> diferença e a idéia de preservação (ou proteção) <strong>da</strong>s identi<strong>da</strong>des de ca<strong>da</strong><br />
um. Nota-se que o poder de identificação tornou-se objeto de disputa sobretudo nos<br />
Estados-nação modernos, em que as minorias foram silencia<strong>da</strong>s em função de uma<br />
única cultura, a nacional. Esses grupos humanos reivindicam o direito de se apropriar<br />
dos meios <strong>da</strong> definição de identi<strong>da</strong>des de acordo com seus critérios e não sob a<br />
concessão de um grupo dominante (CUCHE, 2002).<br />
A noção de identi<strong>da</strong>de estava liga<strong>da</strong> anteriormente à concepção de um sujeito unificado.<br />
Porém, os impactos causados pela globalização, como as relações sociais extraí<strong>da</strong>s de<br />
seu contexto e reestrutura<strong>da</strong>s ao longo de escalas indefini<strong>da</strong>s de espaço-tempo; a<br />
inexistência de um princípio organizador único; a articulação entre diferentes elementos<br />
e identi<strong>da</strong>des e a característica de uma constante abertura <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de lhe<br />
acrescentaram o aspecto fluido, polissêmico e móvel. É possível identificar-se com<br />
referências culturais distintas, já que a afirmação ou repressão de determina<strong>da</strong>s<br />
características identitárias <strong>da</strong>s culturas diversas passa por uma escolha política. Esses<br />
processos de identificação têm redefinido o sujeito contemporâneo e,<br />
conseqüentemente, as identi<strong>da</strong>des nacionais (HALL, 2005).<br />
Na opinião de Cuche (2002), identi<strong>da</strong>de é o conjunto de vinculações do sujeito em um<br />
sistema de socie<strong>da</strong>de. É o instrumento que permite a articulação do psicológico e do<br />
social em um indivíduo, constituído com base na inclusão e exclusão de características,<br />
numa negociação entre sua auto-identi<strong>da</strong>de e uma hetero ou exo-identi<strong>da</strong>de. Portanto,<br />
ela é forja<strong>da</strong> em uma relação de oposição aos outros grupos com os quais se está<br />
contactando. Cuche complementa indicando que se “admitirmos que a identi<strong>da</strong>de é uma<br />
102<br />
construção social, a única questão pertinente é: ‘como, porque e por quem , em que
momento e em que contexto é produzi<strong>da</strong>, manti<strong>da</strong> ou questiona<strong>da</strong> certa identi<strong>da</strong>de<br />
particular?’(CUCHE, 2002, p.202).<br />
Para Agier (2008), os processos identitários evocam constantemente a identi<strong>da</strong>de étnica,<br />
que é a conexão entre a cultura e a integração aos contextos sociais. O retorno a uma<br />
etnia preexistente, modelo reivindicado pelos movimentos de caráter étnico, pode trazer<br />
inovações culturais e identitárias devido aos percursos articuladores de sua<br />
identificação. Os movimentos negros <strong>da</strong> Bahia podem ilustrar essa situação, uma vez<br />
que se afirmam como filiados à etnia africana ou negra ao mesmo tempo em que<br />
provêm ou circulam nos circuitos mais globalizados. Fabrica-se uma “autentici<strong>da</strong>de” do<br />
universo étnico afro-brasileiro e busca-se impedir a visibili<strong>da</strong>de de influências externas<br />
(fluxo de informações de origens diversas) ao que se considera tradicionalmente negro.<br />
Entre as muitas manifestações culturais e políticas em favor de uma identi<strong>da</strong>de afro-<br />
referencia<strong>da</strong>, ocorreu na Bahia, em 1974, a criação do primeiro bloco afro em um bairro<br />
<strong>da</strong> periferia de Salvador: o Ilê Aiyê, <strong>da</strong> Liber<strong>da</strong>de. É nesse momento, ain<strong>da</strong>, que os<br />
movimentos negros do Brasil buscam maiores laços com a África. Para Pinho (2004), a<br />
África tem sido a maior inspiração <strong>da</strong>s culturas negras espalha<strong>da</strong>s pela diáspora. Ela é a<br />
origem comum desse contingente, que tem permitido a recriação e a criação de<br />
diferentes modos de vi<strong>da</strong>. Esse imaginário é, sobretudo, de uma África que pode ser<br />
dividi<strong>da</strong>, mas sempre será una e fiel aos seus descendentes mesmo que esses não<br />
tenham nascido naquela parte do globo. É a noção de uma África tribal, mítica e<br />
ancestral, referência para uma identi<strong>da</strong>de étnica.<br />
A partir de então, os carnavais <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de passaram a assistir os desfiles de diversos<br />
blocos e afoxés trazendo uma estética “afro” que<br />
103<br />
representa então o elo com a Mãe África, que significa um vínculo tanto com o “original” e o<br />
“fun<strong>da</strong>mental”, representado pelas culturas ditas “tribais”, quanto com a grandeza e o brilho <strong>da</strong>s<br />
grandes civilizações. O que se denomina “afro” no Brasil é baseado num certo sentido de<br />
africani<strong>da</strong>de atribuí<strong>da</strong> a partir de impressão ou intuição. Os objetos que são considerados “afro”,<br />
por exemplo, como determina<strong>da</strong>s roupas, penteados ou adornos não são assim denominados por<br />
terem sido criados na África. O que importa é o sentido de africani<strong>da</strong>de que estes objetos<br />
supostamente carregam. O termo “afro” é então utilizado para determinar aquilo que, apesar de<br />
ter sido criado fora do continente africano, tem a função de se referir à África ou ao que se<br />
imagina dela (PINHO, 2004, p.89-90).
Composto exclusivamente por negros trajados como africanos para o desfile<br />
carnavalesco, o Ilê Aiyê é a maior referência entre os blocos afro. Ao longo de mais de<br />
trinta anos, esse tipo de agremiação tem sido a principal criadora e divulgadora de uma<br />
auto-imagem positiva dos afrodescendentes, além de protagonizar iniciativas de cunho<br />
social no campo <strong>da</strong> educação, por exemplo. Agier (2008), ao analisar o bloco afro Ilê<br />
Aiyê, assinala que “não importa: forçados a procurar no presente as múltiplas imagens e<br />
textos capazes de criar uma identi<strong>da</strong>de negra melhor para se pensar e viver que aquela<br />
imposta pelo racismo, os negros “africanizados” <strong>da</strong> Bahia são profun<strong>da</strong>mente mestiços<br />
culturais”.<br />
To<strong>da</strong> essa efervescência política afro-referencia<strong>da</strong> acontecia justamente na época de<br />
implantação do Complexo Cajazeiras. O bairro recebia moradores de áreas periféricas,<br />
regiões mais pobres <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, desabrigados ou favelados indesejados em outras partes<br />
<strong>da</strong> metrópole e, conseqüentemente, áreas negras <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Mesmo sendo todos pobres,<br />
havia também discriminação racial e os moradores – especialmente os jovens, já<br />
influenciados pelo debate político <strong>da</strong> época – começaram a realizar ações para alterar<br />
esse quadro inicial, como descreve Maísa Flores, moradora há 23 anos, líder do<br />
movimento popular do Loteamento São José, coordenadora <strong>da</strong> Agen<strong>da</strong> 21 de Cajazeiras<br />
e membro <strong>da</strong> Cajaverde:<br />
104<br />
Eu lembro que eu morava na 10, tinha um grupo de meninas que chegaram depois. Mas essas<br />
meninas... Assim: meninas loiras, meninas brancas, elas não falavam com as meninas negras,<br />
entendeu?! Tinha um grupo separado no bairro. Assim, mesmo na periferia, longe de tudo, tinha<br />
a separação. Agora, depois quando foi construído o entorno de Cajazeiras, como Jaguaribe 1<br />
(que foi o pessoal remanescente do Costa Azul, essa gente <strong>da</strong> Gamboa, essa coisa to<strong>da</strong> que tem<br />
na ci<strong>da</strong>de, na reforma do Pelourinho...) então nós começamos a ficar mais cercados de outros<br />
conjuntos, outras pessoas que vinham de outros contextos. Então o bairro começou a escurecer<br />
de novo. Eu acho que tem o fenômeno de clareamento e escurecimento no bairro também do<br />
ponto de vista do pessoal dos conjuntos. Agora, a população <strong>da</strong> 3 sempre foi muito negra, a<br />
população de lá <strong>da</strong>s casas. E muitas dessas pessoas também venderam suas residências pra os<br />
condomínios. Depois, pros condomínios, pras obras públicas que foram ficando mais adentrando<br />
lá pra região <strong>da</strong> Barragem, Boca <strong>da</strong> Mata, no mato, né?<br />
Dinho Melo, morador há 22 anos, militante do MNU e <strong>da</strong> Cajaverde, descreve a ação<br />
dos movimentos negros em Cajazeiras:
105<br />
...O movimento negro aqui nos anos 88, 89, 90, ele já tinha aqui pequenas reuniões, membros<br />
que eram de outros bairros, chegavam aqui e se reunia. Reunião periódica, uma vez no ano, de<br />
seis em seis meses, de vez em quando tinha um evento aqui, ou alguém que vinha de fora e fazia<br />
uma palestra, o pessoal que era do Movimento vinha. Agora nessa déca<strong>da</strong>, existe reunião do<br />
evento isolado, exemplo, existe assim dentro dos terreiros [de candomblé], então existem<br />
pessoas que se reúnem dentro dos terreiros. É como aconteceu com aquilo sobre intolerância<br />
religiosa, houve reuniões aqui, entendeu?<br />
E comenta as atuais estratégias de sensibilização:<br />
Então existe reunião, existe pessoas agrega<strong>da</strong>s, mas não que esteja assim dentro de um, dentro de<br />
um núcleo, ou dentro de uma enti<strong>da</strong>de formal, não! A gente consegue assim, fazer nos últimos<br />
dois anos, nos últimos três anos a gente tem feito uma Caminha<strong>da</strong> no dia 20 de Novembro. Então<br />
nessa caminha<strong>da</strong> a gente ultimamente conseguiu botar duas mil pessoas. Mas pra gente botar<br />
duas mil pessoas a gente teve que contar com o apoio de professores, diretores de escolas, pra<br />
mobilizar estu<strong>da</strong>ntes, porque quando acontece o 20 de Novembro, a população tem que sair pra<br />
trabalhar, e não é feriado em Salvador. O 20 de Novembro em Salvador devia ser feriado, mas<br />
não é, então a gente não consegue mobilizar muito a população porque tem gente que tem que ir<br />
trabalhar, tem que ir pra escola, aquela coisa to<strong>da</strong>. Mas nos últimos dois, três anos a gente tem<br />
conseguido fazer evento, ou seja, no dia 20 de Novembro, dentro <strong>da</strong>s escolas tem feito palestras,<br />
tem sido feito, é, em conjunto Hip Hop, capoeirista, é, o pessoal do culto afro tem feito dentro de<br />
Cajazeiras eventos isolados, isso é importante. Hoje dentro de Cajazeiras, eu acredito que o 20<br />
de Novembro, ele não passa mais em branco, eu acredito que o mês todo de novembro é<br />
dedicado ao movimento negro em si, agora nos anos 90, eu acredito que tínhamos assim,<br />
digamos assim, mais afini<strong>da</strong>de, entendeu? Mais afini<strong>da</strong>de porque a gente conseguia se reunir,<br />
fazer palestras e vinha pessoas de fora, para fazer palestras, mas ultimamente não, tem sido uma<br />
coisa, assim, um pouco de, digamos assim, em torno <strong>da</strong> política tem sido difícil reunir todo os<br />
segmentos, porque sabemos que dentro do movimento tem vários segmentos, várias tendências,<br />
várias ideologias, mas todos estão ligados à Consciência Negra.<br />
A ebulição política em torno <strong>da</strong>s identi<strong>da</strong>des e <strong>da</strong>s diferenças comuns no final dos anos<br />
1970 e dos anos subseqüentes se fez ecoar também na vi<strong>da</strong> dos novos moradores de<br />
Cajazeiras, seja através do grande sucesso que a musicali<strong>da</strong>de negra alcançara<br />
(especialmente a música dos blocos afro), seja com o processo de redemocratização<br />
brasileira e reorganização <strong>da</strong> participação política. Os instrumentos de fala do povo<br />
afrodescendente tornaram-se evidentes e ca<strong>da</strong> vez mais populares. A cultura afro-<br />
brasileira consoli<strong>da</strong>ra-se como uma ferramenta eficaz no processo de afirmação <strong>da</strong>quele<br />
povo sintonizado com as mu<strong>da</strong>nças:
106<br />
É, quando eu cheguei em Cajazeiras quem estava no auge era o Olodum 3 , e as músicas do<br />
Olodum as pessoas cantavam porque o ritmo era bonito, mas as pessoas não sabiam o que vinha<br />
dizer as músicas ou a letra deles, tinha umas letra bonita, que denunciava. Naquele momento a<br />
letra do Olodum denunciava o que estava em volta do mundo. Até o apartheid na África do Sul<br />
ele denunciava, mas em Salvador naquele momento ele denunciava o que acontecia em torno <strong>da</strong><br />
grande metrópole, porque Salvador não é só Salvador. Salvador é to<strong>da</strong> a Região Metropolitana.<br />
Naquele momento a letra deles já denunciava. Mas tinha naquele momento um cantor que não é<br />
de Salvador: Edson Gomes. E ele cantava, as letra dele já tocava mesmo nas feri<strong>da</strong>, porque ele<br />
produzia a letra; ele então cantava reggae e Edson Gomes cantava naquele momento e naquele<br />
momento que a gente estava chegando em Cajazeiras. Cajazeiras era para<strong>da</strong> então a gente tinha<br />
que sair <strong>da</strong>qui pra ir pro ensaio do Olodum, pro ensaio do Ilê Aiyê, e aquela coisa to<strong>da</strong> e ouvia<br />
Edson Gomes. Mas naquele, naquele momento, é, ain<strong>da</strong> pulsava forte aquilo <strong>da</strong> discoteca, o<br />
remanescente <strong>da</strong> discoteca, então as pessoas ouvia, por exemplo, Michael Jackson que estava no<br />
auge. Então naquele momento o auge era Michael Jackson. Mas puxando por fora de tudo isso,<br />
já começava uma situação diferente, porque o movimento negro, quem era realmente do<br />
movimento negro, usava nas suas cores vivas, ou seja, o negro naquele momento ele passava a<br />
usar a cor do movimento negro .<br />
E Dinho Melo continua seu relato, descrevendo a importância <strong>da</strong>s referências dos<br />
artistas negros para a comuni<strong>da</strong>de:<br />
Então eu me lembro que as pessoas usavam no momento touca, a touca que vinha com a cor<br />
vermelha, verde, preto e amarelo, então a cor já identificava. E o sistema naquele momento via<br />
como marginal quem usava o cabelo rastafári e Edson Gomes 4 sustentava o cabelo dele. Gil<br />
usava. Então quando Gil estourou com a música “No barraco 5 ”, aí não <strong>da</strong>va mais para esconder,<br />
porque a música “No barraco” denunciou tudo o que havia, havia sim um alagado e o alagado<br />
naquele momento era simplesmente uma coisa do Subúrbio. Quando estoura “O Alagado 6 ”<br />
naquele momento ele mostra uma parte <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de que ninguém queria saber. (...) Ah - então<br />
naquele momento, aquela música estoura em todo sucesso, é bonita a música, a música de Gil,<br />
“Alagado”, então naquele momento ele comenta mais uma coisa que diz na música, né: “o<br />
governador promete, mas o sistema diz não!” E a usura nesta música?! A gente já usou uma<br />
visão e até hoje é até usado até pelo apresentador Raimundo Varela. Então naquele momento,<br />
“Alagados” ele diz muito a to<strong>da</strong> uma socie<strong>da</strong>de que naquele momento não queria ver que existia<br />
Alagados 7 .<br />
3<br />
O bloco afro Olodum, com sede no Pelourinho, é uma dissidência do Ilê Aiyê. Criado em 1979, é<br />
famoso internacionalmente. Seus músicos já participaram de gravações musicais de astros estrangeiros<br />
como o cantor Michael Jackson.<br />
4<br />
Edson Gomes é um cantor e compositor baiano e negro, famoso no Estado por seus reggaes, pelas letras<br />
de protesto e pela adoção do estilo rastafári.<br />
5<br />
Refere-se à canção “Nos barracos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de”, de Gilberto Gil, cantor e compositor baiano e negro.<br />
6<br />
Refere-se à canção “Alagados”, do grupo brasiliense Paralamas do Sucesso. A música é um protesto<br />
contra a situação <strong>da</strong>s favelas construí<strong>da</strong>s nos manguezais, e cita os exemplos <strong>da</strong> Favela <strong>da</strong> Maré, no Rio<br />
de Janeiro e Alagados, em Salvador.<br />
7<br />
Alagados é localiza<strong>da</strong> no Subúrbio Ferroviário de Salvador. Paupérrima e violenta, suas habitações<br />
foram constituí<strong>da</strong>s de palafitas ergui<strong>da</strong>s sobre o mangue.
A relação com a conjuntura nacional também foi relevante para a população de<br />
Cajazeiras e sua atuação política nas últimas déca<strong>da</strong>s, demonstrando que havia uma<br />
sintonia com as transformações <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira:<br />
107<br />
Então, o movimento negro ele nasce, ele tem o ponto auge ali no final dos anos 90, 89 com a<br />
Eleição Direta, ou seja, no momento em que você tem o título de eleitor que você pode votar,<br />
você faz a diferença. Então a população naquele momento todo, a força política ela é joga<strong>da</strong><br />
contra quem estava no poder há muito tempo e tínhamos o que representava o novo, nesse caso<br />
seria a candi<strong>da</strong>tura de Lula, então todo o Movimento Negro aposta, mas aí perde-se a eleição, é<br />
como se viesse um banho de água fria, a população ain<strong>da</strong> não sabe votar. Então quer dizer, aí<br />
retorna a segun<strong>da</strong> luta, porque naquele momento estava fazendo 100 anos <strong>da</strong> Abolição <strong>da</strong><br />
Escravatura, em 89. Por coincidência a primeira eleição pra presidente pós-ditadura, é no mesmo<br />
ano que faz 100 anos <strong>da</strong> Abolição <strong>da</strong> Escravatura. Mas naquele momento, o movimento negro já<br />
dizia que a Princesa Izabel, já não, a Princesa Izabel, ela não tinha <strong>da</strong><strong>da</strong> a abolição, porque o<br />
negro já era livre nos quilombos e já era dono, já era livre nas suas, digamos assim, nas suas<br />
ideologias, porque o homem ele pode estar preso, mas a mente dele está livre. Então, naquele<br />
momento se firmava pra se... pra se firmar o 20 de Novembro, a morte de Zumbi dos Palmares,<br />
como o Dia <strong>da</strong> Consciência Negra e não o 13 de Maio como põe a todo mundo a população, e<br />
isso só acontecia nos guetos, nas periferias, dentro do movimento negro, dentro dos blocos afros,<br />
e tinha, quando eu digo bloco afro, tem bloco afro, tem o que a gente chama de bloco afro, mas<br />
tem os afoxé. E naquele momento tinha em ca<strong>da</strong> bairro de Salvador. Digamos assim, tinha um<br />
bloco afro, um afoxé, e to<strong>da</strong>s as letras feita pelos cantores <strong>da</strong>quele momento era liga<strong>da</strong> a esse<br />
ponto, ou seja, culminava com o 20 de Novembro, o que devia de ser o 20 de Novembro, a<br />
Consciência Negra, já era um pouco tardia, porque nos outros países como nos Estados Unidos<br />
se <strong>da</strong>va nos anos 50, 60, com Luther King e por aí. Mas aqui ela vem estourar mesmo pela<br />
ditadura nos anos 80 e nos anos 90, e aí já estava culminado com a criação do MNU, o<br />
Movimento Negro Unificado em 78, no tempo <strong>da</strong> ditadura, “em 1970” se não me engano, e nos<br />
anos 80 com as músicas que é estoura<strong>da</strong> pelos compositores negros, por todos eles e vem<br />
culminar com a denúncia do que a gente passa na ci<strong>da</strong>de, ou seja, uma ci<strong>da</strong>de de maioria negra,<br />
mas o negro ain<strong>da</strong> estava relegado simplesmente a um ser inferior como passava a maioria <strong>da</strong><br />
população que tinha o Pelé como negro de alma branca, digamos assim, por exemplo, o Pelé é<br />
um negro de alma branca, é mais ou menos isso (Dinho Melo).<br />
Os negros também se mobilizaram para ocupar os espaços de representação política<br />
como afirma Dinho Melo:<br />
E os outros afrodescendentes muito pouco tinha conseguido lutar, e combina também com a<br />
Constituição, de hoje está fazendo 20 anos ela, com a lei de Carlos Alberto Caó, que é um<br />
deputado carioca que lança a lei de crime, de que se torna crime o preconceito, a discriminação<br />
torna-se crime com a Lei Caó 8 . Tinha naquele momento, Abdias Nascimento <strong>da</strong> lei que eles<br />
lançam o projeto na Constituição, e eu me lembro que naquele momento o movimento aqui em<br />
86, feito a força para eleger alguns afrodescendentes constituintes, não conseguiu. Muitos<br />
afrodescendentes saíram candi<strong>da</strong>tos, para ser, independente se era <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong>, ou se de que<br />
partido era, mas muitos afrodescendentes. Sai candi<strong>da</strong>to Luiz Alberto, sai pelo PT pra ser um<br />
constituinte e não consegue se eleger. Por outro lado também sai muitos nomes, como sai de<br />
todos os partidos, PDT, Antonio Clementino sai pelo PDT, Edvaldo Brito pelo PTB, mas<br />
8 Lei do ano de 1989, resultado <strong>da</strong>s reivindicações do Movimento Negro, que define como crime a<br />
discriminação racial.
108<br />
nenhum deles consegue se eleger, mas ficou marcado na historia que tinha que ter uma luta,<br />
muito, muito grande, e nessa luta só restava o quê? A música, os movimentos, a organização<br />
dentro dos partidos políticos, e na periferia, nos gueto, a luta e a roupa, o vestimento, uma<br />
mu<strong>da</strong>nça muito grande assim, vestir uma roupa diferente, uma roupa colori<strong>da</strong>, amarela,<br />
vermelha, uma calça diferente, o cabelo diferente, o corte de cabelo, o modo de an<strong>da</strong>r, aí aqueles<br />
que tinha, digamos assim, uma consciência. Uma luta, que tinha consciência <strong>da</strong> luta consegue<br />
porque o sistema era cruel, ninguém <strong>da</strong>ria emprego a alguém que tem um corte de cabelo<br />
diferente, ou que vista uma roupa diferente ou que se vista, ou que viva como um negro<br />
realmente use argola, até hoje eu não vi. Porque na África, o negro vive assim, ele usa cabelo<br />
diferente, ele usa cores diferentes, ele vive dessa forma .<br />
Observando atentamente a fala dos sujeitos envolvidos no presente estudo, denotamos<br />
que há uma categorização de si mesmos e dos outros que vai no sentido <strong>da</strong><br />
determinação de um grupo de pertencimento (negros). Tomando por referência o<br />
pensamento de Barth, para o qual “[se] um grupo conserva sua identi<strong>da</strong>de quando os<br />
membros interagem com outros, isso implica critérios para determinar a pertença e<br />
meios para tornar manifestas a pertença e a exclusão” (POUTIGNAT; STREIFF-<br />
FENART, 1998, p.195), ousamos concluir que os limites étnicos ali há muito são<br />
desenhados, como nos indica Honorato Araújo, professor, morador <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Grande<br />
1 desde 1984 e articulador <strong>da</strong> criação de algumas associações de moradores de<br />
Cajazeiras:<br />
Cajazeiras é um bairro de trabalhadores, né? Ela tem a sua particulari<strong>da</strong>de bem afro, como ela<br />
tem também a sua situação de mestiça também. (...) Ela tem tudo aquilo que eu acho que a Bahia<br />
já tem na sua essência, ela tem os seus terreiros de candomblé, ela tem o batuque, tem to<strong>da</strong> essa<br />
história de origem africana, ela tem, vamos dizer, a capoeira. Aqui mesmo nós temos capoeira...<br />
mas ela tem “as músicas” mas ela tem to<strong>da</strong> essa coisa afro, desde a capoeira ao batuque.<br />
A hipótese desse trabalho era de que a construção do discurso identitário de Cajazeiras<br />
estava sendo referencia<strong>da</strong> na apropriação de elementos <strong>da</strong> cultura afro-brasileira. A<br />
noção de cultura afro-brasileira é bastante discuti<strong>da</strong> na obra de Muniz Sodré, para o qual<br />
a originali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> cultura negra “consiste em ter vivido uma estrutura dupla, em ter<br />
jogado com as ambigüi<strong>da</strong>des do poder e, assim, podido implantar instituições paralelas”<br />
(1983, p.132). Obrigados a viver submetidos a um poder constituído, os povos negros<br />
tinham que seguir e obedecer as ver<strong>da</strong>des instituí<strong>da</strong>s pela religião dos dominantes (o<br />
catolicismo) para integrarem-se à socie<strong>da</strong>de global. No entanto, os afrodescendentes<br />
desenvolveram uma cultura de aparências: um lugar onde sempre haverá possibili<strong>da</strong>des<br />
de outros pontos de vista, isto é, uma negação dos valores universalistas (impostos pelo
Ocidente) através <strong>da</strong>s modulações de signos diferentes, mas nem sempre contraditórios.<br />
Durante as descrições de modos de vi<strong>da</strong> em Cajazeiras, eram mencionados<br />
freqüentemente aspectos <strong>da</strong> cultura negra como parte do cotidiano <strong>da</strong>quela população.<br />
Tais características podem também ser chama<strong>da</strong>s de contra-espaços negros ou seja,<br />
territórios simbólicos do não-poder branco, embora nele se permita o contato com não-<br />
negros. São os lugares onde os descendentes dos escravos não sofrem repressão ou<br />
reprovação de suas criações. Sodré (2002) cita como exemplo notável a casa aonde foi<br />
criado o samba, no Rio de Janeiro. Nesse quadro, as fronteira étnicas de Cajazeiras são<br />
constituí<strong>da</strong>s pela afirmação, difusão e reavivamento dos contra-espaços negros<br />
presentes naquela região. Os limites de uma identi<strong>da</strong>de étnica do povo negro do miolo<br />
urbano podem ser delineados com alguns exemplos, tal qual o depoimento de Alfredo<br />
Venceslau, morador desde 1984, presidente <strong>da</strong> Associação de Micro-Empresários de<br />
Cajazeiras:<br />
109<br />
...Nós temos a capoeira que eles se reúnem, praticam aqui, inclusive na praça pública.<br />
Geralmente eles têm um calendário, tem para os adeptos do candomblé, é... Tem alguns<br />
companheiros na questão de... de bloco afro, como é o caso do companheiro Nadinho na questão<br />
do desfile do Congo.Temos várias, várias áreas.<br />
Muniz Sodré (2002) explica que a expressão corporal em rituais, <strong>da</strong>nças e jogos<br />
possibilita a reterritorialização em tempos e espaços civilizatórios distintos, assegura a<br />
penetração desses territórios proibidos, alertando-nos para o fato de que<br />
o território do corpo sempre se mostrou flexibilizante, relativizando a fixação <strong>da</strong> área implica<strong>da</strong><br />
na noção de território físico, fazendo emergir a plurali<strong>da</strong>de dos lugares. E ao relacionar-se<br />
festivamente com o espaço pela <strong>da</strong>nça, pela liberação dos sentidos, o indivíduo modifica sua<br />
energia, sua força pessoal, e seduz a diferença étnica para uma maior sensibilização em face do<br />
mundo (SODRÉ, 2002, p.147).
Foto: Fernando Vivas<br />
FOTO 07 – Grupo de capoeira Zumbi Guerreiro, de Cajazeiras 4<br />
A capoeira hoje é uma prática corporal bastante comum no bairro. Sodré, em A ver<strong>da</strong>de<br />
seduzi<strong>da</strong>, obra na qual se dedica a definir o conceito de cultura negra, comenta a<br />
ambivalência <strong>da</strong> capoeira:<br />
110<br />
Mas a capoeira implicava, como to<strong>da</strong> estratégia cultural dos negros no Brasil, num jogo de<br />
resistência e acomo<strong>da</strong>ção. Luta com aparência de <strong>da</strong>nça, <strong>da</strong>nça que aparenta combate, fantasia<br />
de luta, vadiação, mandinga, a capoeira sobreviveu por ser um jogo cultural. Um jogo de<br />
destreza e malícia, em que finge lutar, e se finge tão bem que o conceito de ver<strong>da</strong>de <strong>da</strong> luta se<br />
dissolve aos olhos do espectador e – ai dele – do adversário desavisado (SODRÉ, 1983, p.205).<br />
A <strong>da</strong>nça afro, difundi<strong>da</strong> em outras regiões <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e nos rituais dos terreiros de<br />
candomblé, se consagrou como um importante viés de agrupamento, de formação de<br />
uma sentimento de pertencimento para os jovens e adolescentes que chegavam a<br />
Cajazeiras, conforme descrição de Maísa Flores:<br />
...a gente criou os nossos mecanismos de se divertir no lugar muito ligado à questão do grupo de<br />
jovem, em torno do grupo de jovem e depois e depois aí nós participamos do grupo de <strong>da</strong>nça<br />
afro lá na comuni<strong>da</strong>de Dois Irmãos, então eles já tinham um trabalho de <strong>da</strong>nça, eles foram do<br />
grupo de King do SENAC, né, eles foram do [Colégio Estadual] Severino Vieira <strong>da</strong>quela época<br />
que tinha os cursos de desportes no Severino e tal, e eu estu<strong>da</strong>va no [Colégio Estadual] Teixeira<br />
de Freitas. Então dois professores eram irmãos, faziam <strong>da</strong>nça afro com o pessoal do SENAC<br />
Pelourinho e levaram pra lá a aula de <strong>da</strong>nça afro, eles moravam lá, então a gente também entrou
111<br />
no grupo Obá Guiné. Nós ficamos fazendo também esse trabalho de <strong>da</strong>nça na comuni<strong>da</strong>de e<br />
fazia apresentação fora de lá, então a gente criou, nós criamos nosso próprio mecanismo de nos<br />
divertir...<br />
O afoxé, cortejo negro carnavalesco, tem estreita ligação com o candomblé. Para o<br />
criador e diretor do Afoxé Filhos do Congo, Ednaldo Santana, conhecido como Nadinho<br />
do Congo, morador <strong>da</strong> Boca <strong>da</strong> Mata há 19 anos e também fun<strong>da</strong>dor e presidente <strong>da</strong><br />
Associação Afoxés <strong>da</strong> Bahia (ASABA),<br />
[o] afoxé é uma palavra mágica. Afoxé é um grupo de pessoas reuni<strong>da</strong>s, é uma palavra que você<br />
acha que não vai fazer ou não pode fazer, mas você consegue fazer, por isso que se chama<br />
Afoxé, é uma palavra mágica, é uma reunião de pessoas cantando e é também um instrumento<br />
chamado Afoxé. E tem um instrumento chamado Afoxé. Então, quando se fala em Afoxé é tudo<br />
isso aí e mais alguma coisa, né? O Afoxé é uma forma de você mostrar a sensibili<strong>da</strong>de musical<br />
pelo toque do Ijexá, pelas <strong>da</strong>nças que são bem sensíveis até para as pessoas que a gente toca.<br />
Então o Afoxé é uma palavra dessa marca.<br />
Nina Rodrigues, apesar de sua filiação às teorias raciológicas vigentes no final do século<br />
XIX, reconhecia o sucesso popular dos afoxés<br />
está em constituírem eles ver<strong>da</strong>deiras festas populares africanas (...) compacta multidão de<br />
negros e mestiços que a ele, pode-se dizer, se haviam incorporado e que acompanhavam<br />
cantando cantigas africanas sapateando as suas <strong>da</strong>nças e vistoriando os seus ídolos ou santos que<br />
lhes eram mostrados no carro do feitiço. Dar-se-ia um candomblé colossal a perambular pelas<br />
ruas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. E de feito, vingavam-se <strong>da</strong> polícia, exibindo em público a sua festa<br />
(ROD<strong>RI</strong>GUES, 1977, p.182 apud MOURA, 2001, p.191).<br />
Embora tenha se originado em 1978 no bairro negro <strong>da</strong> Liber<strong>da</strong>de, um dos principais<br />
afoxés <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de é hoje o Afoxé Filhos do Congo. Ele desfila com cerca de 700<br />
integrantes, e tem sua sede em Cajazeiras, como explica Nadinho do Congo:<br />
Os Filhos do Congo, ele nasceu na Baixa do Curuzu 9 , é em 79 e passamos do Curuzu, <strong>da</strong> baixa<br />
do Curuzu, Maria de Jesus, a gente foi a outros bairros como Fonte do Capim, fomos pra<br />
Suburbana, São Caetano, Fazen<strong>da</strong> Grande do Retiro. Em ca<strong>da</strong> ponto agente ensaiou um ano e em<br />
ca<strong>da</strong> local que agente fazia um trabalho agente deixava alguém preparado pra conhecer parte <strong>da</strong><br />
9 Bairro <strong>da</strong> Liber<strong>da</strong>de
112<br />
cultura, né? Na Santa Mônica, na Caixa D’Água, até que eu recebi minha casa em Cajazeiras,<br />
Boca <strong>da</strong> Mata e aí transferi tudo pra lá, endereço, enfim. E hoje a gente se mantém lá com um<br />
escritoriozinho do lado <strong>da</strong> minha casa, um espaço pra ensaiar música e a parte de canto e do lado<br />
de fora agente faz sempre programações, é, convoca as pessoas.<br />
(...) Bom, eu, na reali<strong>da</strong>de, eu comecei fazendo parte de um bloco, porque minha família era<br />
religiosa, e não me <strong>da</strong>va oportuni<strong>da</strong>de de sair no carnaval. E quando eu comecei a sair no<br />
carnaval, eu vim sair no Desajustado, um bloco <strong>da</strong> Liber<strong>da</strong>de, se tratar que eu morava na Baixa<br />
do Curuzu, Liber<strong>da</strong>de né, então fui sair no Desajustado. E o Desajustado foi a primeira<br />
experiência, porque a primeira vez que sair no carnaval eu me lembro que eu via as agressões<br />
com os blocos de índio e eu ficava preocupado, com medo disso. E então no segundo ano de<br />
minha saí<strong>da</strong> de carnaval, eu resolvi ir pra este bloco que era um bloco falado na Liber<strong>da</strong>de como<br />
eu era parte <strong>da</strong> Liber<strong>da</strong>de sai por 3 ou 4 anos neste bloco. E depois quando surge o Ilê, né, eu<br />
venho participar do Ilê com o finado Apolônio, com a pessoa <strong>da</strong> sua criação e o carneiro,<br />
carneiro do reco-reco que era um grande artista que tocava instrumento, que era o diretor de<br />
bateria e meu compadre. Então me convocou pra sair no Ilê, e eu saí por 2 anos de fun<strong>da</strong>ção do<br />
Ilê-Aiyê, 3 anos. E logo depois de 3 anos, a gente resolveu criar um bloco chamado Fantástico,<br />
né, porque o fantástico estava saindo naquela época, há 35 anos atrás ou mais e eu resolvi mais<br />
ele criar este bloco Fantástico que seria tudo de novo que aparecesse a gente iria colocar. Mas<br />
após 3 anos de saí<strong>da</strong>, é no Fantástico, os dirigentes não queriam o crescimento do bloco, eles<br />
tinha outras tendências, e a minha tendência era a cultura. Aí eu resolvi fazer pesquisas em<br />
livros, e nessa pesquisa em livros no CEAO que era aqui no Pelourinho, no Centro de Cultura<br />
Afro-Oriental, eu fui ver alguns livros e lá eu encontrei alguns nomes como Daomé, Abaomé,<br />
né, Guiné, Congo. E eu achei que o Congo era um nome forte que tocava em mim, sem conhecer<br />
muito <strong>da</strong> origem africana, do país e resolvi botar Congo, mas com algumas interpretações. Eu<br />
achei que se você chega em qualquer estado que não é o seu, alguém pergunta de onde você é<br />
filho, não é de quem você é filho. E eu fiz essa interpretação, vindo o pessoal <strong>da</strong> África a gente<br />
pergunta de onde é que ele é, e ele vai dizer o nome do país dele assim como nós somos filhos<br />
do Brasil, né, que é a naturali<strong>da</strong>de. E aí resolvemos colocar Filhos do Congo, na época não tinha<br />
outro Afoxé com o nome de Filhos a não ser os Filhos de Gandhi, né, e nós resolvemos colocar<br />
Filhos do Congo e fui trabalhando, me parece que foi assim na história.<br />
A musicali<strong>da</strong>de negra é outro ponto forte no bairro, como nos descreve respectivamente<br />
Maísa Flores, Honorato Araújo e Núbia Nascimento (cabeleireira, diretora fun<strong>da</strong>dora e<br />
de cultura <strong>da</strong> UNIÃO, moradora desde 1985):<br />
Cajazeira sempre recebia no São João essa visita de algum samba do Engenho Velho de Brotas,<br />
uma coisa que hoje não existe mais. Cajazeira agora tem um samba que são no próprio bairro;<br />
tem Carnaval na sexta de Carnaval sai dois sambas lá de Cajazeiras. Mais tinha um vizinho<br />
nosso chamado Caçote que ele é do Engenho Velho [de Brotas] ele fazia articulação do samba.<br />
Caçote era do Engenho Velho e levava samba pra Cajazeira também. Então tinha isso em<br />
Cajazeiras. Era certo: São João desciam cinco samba ou dois do Engenho Velho a armar ali na<br />
10; fazia ali aquela movimentação e depois eles pegavam o ônibus ... e iam embora.<br />
Nós tivemos no início dos anos 90 a cultura volta<strong>da</strong> para a questão do Axé. Por que o axé e o<br />
grupo de samba? A gente lembra que surgiu os meninos fazendo, era o quê? Um menino aqui,<br />
como é que era o nome dele?...Pierre!! Trabalhando com grupos de meninos batendo latas... Nós<br />
tivemos aqui também o Dr. Guedes que tinha um grupo de samba, nós tivemos aqui na Boca <strong>da</strong><br />
Mata o Nadinho do Congo, ain<strong>da</strong> também. Então, a questão <strong>da</strong> cultura se <strong>da</strong>va de forma, vamos<br />
dizer, espontânea, conforme a moça<strong>da</strong> tinha necessi<strong>da</strong>de de organizar seus grupos de samba, seu
113<br />
bate-lata, foi na ver<strong>da</strong>de, vamos dizer. A questão de Nadinho é mais liga<strong>da</strong> ao candomblé, então<br />
tudo isso veio de certa forma natural, conforme a necessi<strong>da</strong>de e até do entretenimento visando<br />
uma área que é peculiar nossa, que é o batuque, né? Isso aconteceu bastante aqui, na minha<br />
quadra mesmo, teve o Pierre que “sacou” bastante e teve até o Dr. Guedes que chegou até a<br />
gravar discos, e tal, mas depois se recolheu não sei por que, apareceu a nível nacional, e nesse<br />
grupo, vamos dizer ligado mais ao axé, ao samba...<br />
...convi<strong>da</strong>ram para uma apresentação de mulheres tocando partido alto. Foi uma coisa lin<strong>da</strong><br />
assim que emocionava! Elas são <strong>da</strong>qui de Cajazeiras! Elas são <strong>da</strong>qui e é a primeira vez (...) elas<br />
tocam (...), mas (...) tem vários grupos Partido Alto e que elas foram joga<strong>da</strong>s de lado. No mês<br />
passado, foi muito bonito (...). Imagine aí um grupo de mulheres tocando Partido Alto... ()<br />
Stuart Hall (2003), no artigo “Que ‘negro’ é este na cultura negra?”, nos alerta para o<br />
fato de que, nesse momento histórico a cultura existente nas periferias dos grandes<br />
centros de poder tem sido um espaço bastante produtivo diante <strong>da</strong> conjuntura<br />
internacional de deslocamento ou descentramento do poder <strong>da</strong> cultura européia como<br />
única, do surgimento dos Estados Unidos como núcleo produtor e difusor <strong>da</strong> cultura<br />
global e do exacerbamento <strong>da</strong>s sensibili<strong>da</strong>des descoloniza<strong>da</strong>s, a exemplo <strong>da</strong>s lutas<br />
negras pela mu<strong>da</strong>nça de mentali<strong>da</strong>de. O estudo de textos identitários específicos e novos<br />
como o negro e estrangeiro assume o contraponto quando se reflete sobre as identi<strong>da</strong>des<br />
nacionais, brancas e eurocêntricas A ci<strong>da</strong>de de Salvador, influencia<strong>da</strong> por esses<br />
processos mundiais, tem deixado aflorar nos seus embates políticos cotidianos as<br />
contradições e ambivalências <strong>da</strong>s identi<strong>da</strong>des afro-referencia<strong>da</strong>s e o poder instituído.<br />
Em virtude de seus acontecimentos históricos e culturais, além do panorama econômico<br />
baseado em uma política de potencialização <strong>da</strong>s diferenças étnico-raciais para o turismo<br />
experimenta-se hoje, na capital <strong>da</strong> Bahia, uma auto-estima nunca antes experimenta<strong>da</strong><br />
pela população negra <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Esse fenômeno confirma o pensamento de Hall para<br />
quem a cultura negra é um local de contestação estratégica que pode conquistar diversas<br />
posições, mas sempre será a representação dos modos de vi<strong>da</strong> em que baseiam,<br />
independentemente de serem coopta<strong>da</strong>s ou inautênticas.<br />
Devemos lembrar que as principais fontes dessa pesquisa foram os sujeitos moradores<br />
de Cajazeiras que, além de representarem o bairro nas instâncias políticas e culturais,<br />
têm histórias de vi<strong>da</strong> e relações com o espaço urbano distintas. Esse segmento,<br />
entretanto, tem como denominador comum o fato de ser composto por líderes<br />
reconhecidos em to<strong>da</strong> aquela região. Nas entrevistas realiza<strong>da</strong>s, todos eles assumiam um<br />
discurso de negritude, mas fora essa parte são constantes os posicionamentos contrários
face às questões do cotidiano <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>quela parte <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Essa situação nos remete<br />
a Stuart Hall (2003) quando ele diz que as diferenças raciais não nos constituem<br />
inteiramente porque negociamos de maneiras diversas com outras diferenças e estes<br />
aspectos antagônicos não se alinham, nem se aglutinam em torno de um eixo único de<br />
diferenciação ou se reduzem um ao outro. Ca<strong>da</strong> ponto negociado tem um fun<strong>da</strong>mento<br />
extremamente subjetivo que se desloca entre si. Isto quer dizer que a identi<strong>da</strong>de racial<br />
não traz, necessariamente, uma postura libertadora e progressista para outras dimensões.<br />
3.1.1 LEITURAS IDENTITÁ<strong>RI</strong>AS<br />
A identi<strong>da</strong>de é construí<strong>da</strong> socialmente e desenha escolhas políticas de grupos humanos.<br />
A reivindicação <strong>da</strong>s identificações encontra-se num quadro de dividendos políticos,<br />
sendo necessária uma observação primordial do lugar de fala desses sujeitos<br />
contemporâneos, por isso acentuamos que no presente estudo optamos por trabalhar<br />
com as representações <strong>da</strong>s lideranças comunitárias, que não são a totali<strong>da</strong>de dos<br />
cajazeirenses, mas são aqueles que se apresentam como interlocutores perante a Ci<strong>da</strong>de<br />
do Salvador, além de serem moradores, sujeitos que constituem a história do bairro.<br />
Não podemos ignorar, contudo, que essas declarações identitárias ocorrem em situação<br />
política especial, diferindo <strong>da</strong>s proferi<strong>da</strong>s em períodos totalitários de antes. As políticas<br />
públicas favoráveis à participação e à reparação – que são conseqüências <strong>da</strong> pressão<br />
exerci<strong>da</strong> pelos movimentos sociais – têm estimulado a organização de setores populares<br />
em função <strong>da</strong> inclusão de áreas historicamente preteri<strong>da</strong>s do processo de<br />
desenvolvimento social. Os meios institucionais que operacionalizam esses<br />
instrumentos políticos (conselhos consultivos e esferas do governo federal, estadual e<br />
municipal) também têm sofrido mu<strong>da</strong>nças profun<strong>da</strong>s com o enfraquecimento de<br />
estruturas arcaicas de poder local, a exemplo <strong>da</strong>s oligarquias baianas. Vivemos<br />
atualmente no Estado um momento em que muitos representantes de movimentos<br />
sociais estão integrando o quadro de gestores públicos, fortalecendo deman<strong>da</strong>s<br />
114<br />
anteriores e espaços de interlocução com as comuni<strong>da</strong>des. Portanto, a perspectiva de
melhoria <strong>da</strong>s condições de vi<strong>da</strong> no bairro (ou inclusão na ci<strong>da</strong>de) é bem maior que<br />
antes, pois muitos recortes dessas políticas são feitos direcionando-se às “minorias”,<br />
como no caso <strong>da</strong>s mulheres, dos negros ou dos homossexuais. To<strong>da</strong>via, isto não quer<br />
dizer que o embate pela integração – ou pertencimento – de Cajazeiras à ci<strong>da</strong>de de<br />
Salvador deixe de acontecer. Ao contrário, ele retoma o fôlego.<br />
Ao se reportarem à ci<strong>da</strong>de de Salvador era muito comum ouvirmos dos sujeitos<br />
entrevistados expressões como “lá fora”, “na ci<strong>da</strong>de”, “lá dentro de Salvador”... É como<br />
se, na percepção deles, Cajazeiras não fosse parte de Salvador. Não só pela sua distância<br />
física dos centros econômicos, culturais e políticos, mas, sobretudo, pela história de<br />
exclusão de sua população em relação à ci<strong>da</strong>de. A capital baiana exclui Cajazeiras<br />
porque não tem tido interesse em executar políticas públicas de promoção do<br />
desenvolvimento social desta parte pobre, negra e desprovi<strong>da</strong> de um aparato visual que<br />
lhe confira uma dimensão histórica e artística como a <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de turística. No entanto,<br />
Cajazeiras é, em si, uma continuação <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, espaço resultante <strong>da</strong> vivência histórica<br />
dos povos marginalizados na Bahia.<br />
Essa relação permite o aflorar <strong>da</strong> problemática <strong>da</strong> cultura, pois ela é constantemente<br />
palco dos conflitos e negociações que a transformam. A cultura problematiza a relação<br />
do indivíduo consigo próprio e com o social (a sua cultura) através de conflitos,<br />
alianças, redefinição <strong>da</strong> posição social. As ci<strong>da</strong>des são o palco dessa situação, pois elas<br />
facilitam e induzem o relacionamento de diversos textos identitários. Mas o processo<br />
identitário depende de um Outro. Esse “outro” aqui é a ci<strong>da</strong>de de Salvador aparta<strong>da</strong> de<br />
Cajazeiras, aquela construí<strong>da</strong> pelo imaginário <strong>da</strong> baiani<strong>da</strong>de, pelo marketing do turismo,<br />
como reflete Dinho Melo:<br />
115<br />
Agora o triste é que o sistema usa o negro pra vender a imagem <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de como a maior ci<strong>da</strong>de<br />
negra fora <strong>da</strong> África, atrai o turista pra isso, mas ao mesmo tempo ou no entanto não dá espaço<br />
ao negro assim. Você tem, você nunca teve um Secretário de Turismo -nem na prefeitura, nem<br />
no governo do Estado afrodescendente, um secretário no primeiro escalão. Mas você tem o<br />
negro, a capoeira, o acarajé, to<strong>da</strong> a sua culinária, a cultura e religião, como atrativo para o<br />
turismo, mas você não tem um negro como é, primeiro escalão, como divulgador dessa cultura.<br />
É engraçado, como é que você tem uma população que é usa<strong>da</strong> para atrair o turista, mas você<br />
tem na linha de frente o afrodescendente dizendo como é que ele quer que o turista veja. Aí não<br />
tem, aí é que entra a música de Gilberto Gil, de Edson Gomes, do Ilê Aiyê denunciando tudo. O
116<br />
turista ele pode ver o Olodum, o Ilê Aiyê, mas ele não sabe assim a raiz <strong>da</strong> problemática de que<br />
é.<br />
Manuel Castells reforça que a construção <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de acontece no meio <strong>da</strong>s relações<br />
de poder e sugere três formas e origens desse processo: identi<strong>da</strong>de legitimadora,<br />
identi<strong>da</strong>de de resistência e identi<strong>da</strong>de de projeto (CASTELLS, 2006). A identi<strong>da</strong>de<br />
legitimadora seria aquela legitima<strong>da</strong> pela socie<strong>da</strong>de civil. Em nosso caso, a identi<strong>da</strong>de<br />
legitimadora é a baiani<strong>da</strong>de, discurso oficial <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, visto que foi<br />
...introduzi<strong>da</strong> pelas instituições dominantes <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de no intuito de se expandir e racionalizar<br />
sua dominação em relação aos atores sociais, tema este que está no cerne <strong>da</strong> teoria de autori<strong>da</strong>de<br />
e dominação de Sennett, e se aplica a diversas teorias do nacionalismo (CASTELLS, 2006,<br />
p.24).<br />
A capital <strong>da</strong> Bahia nos anos 1990 consolidou sua condição de ci<strong>da</strong>de enquanto<br />
mercadoria, que entra na disputa do mercado internacional, vendendo sua própria<br />
imagem. Nesta ótica, a metrópole selecionou espaços urbanos para representarem suas<br />
imagens-síntese, reformando-os sem resolver os problemas <strong>da</strong> exclusão social ao qual o<br />
povo negro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de está sujeito. A imagem desse novo produto, o Bahia é o resultado<br />
dos vetores <strong>da</strong> cultura local e <strong>da</strong> estrutura <strong>da</strong> cultura midiática, elementos fun<strong>da</strong>mentais<br />
<strong>da</strong> globalização cultural. O “produto Bahia” insere-se no mercado cultural assegurado<br />
por sua diferenciação (seus agentes / produtos culturais) divulga<strong>da</strong> pela mídia. Mas tudo<br />
foi amparado em uma diretriz política governamental de associação entre política,<br />
comunicação e cultura. É importante frisar que atualmente a presença negra resultante<br />
<strong>da</strong> perseverança <strong>da</strong>s estratégias culturais dos descendentes de africanos figura nesse<br />
cenário como personagem principal: a cultura afro-baiana.<br />
A identi<strong>da</strong>de de resistência, “cria<strong>da</strong> por atores que se encontram em posições/condições<br />
desvaloriza<strong>da</strong>s e/ou estigmatiza<strong>da</strong>s pela lógica <strong>da</strong> dominação, construindo assim,<br />
trincheiras de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que
permeiam as instituições <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, ou mesmo opostos a estes últimos”<br />
(CASTELLS, 2006, p.24) é percebi<strong>da</strong> em Cajazeiras quando notamos a materialização<br />
<strong>da</strong> intenção de responder à situação de não incorporação (ou exclusão) desses<br />
moradores na identi<strong>da</strong>de legitimadora <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Salvador.<br />
As lideranças demonstram uma consciência <strong>da</strong> importância do bairro para o contexto de<br />
ci<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> sua relevância na hora de eleger os representantes <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e de seu<br />
diferencial em relação a outras áreas. Isto é muito claro nas palavras de Kilson Melo,<br />
membro do Conselho de Moradores de Fazen<strong>da</strong> Grande 2, morador há 18 anos e<br />
coordenador <strong>da</strong> Cajaverde, e nas de Alfredo Venceslau, <strong>da</strong> Associação de Micro<br />
Empresários de Cajazeiras:<br />
117<br />
Pra Salvador hoje nós aqui em Cajazeiras, nós temos o maior coeficiente eleitoral <strong>da</strong> Bahia. É,<br />
então isso tem um preço muito grande, um valor muito grande, um valor político muito grande.<br />
E eu penso que os governos municipais que passaram esqueceu muito Cajazeiras, deixou<br />
Cajazeiras muito de lado. E pra Salvador eu penso que é uma parte, né? Nós temos aqui cerca de<br />
40% <strong>da</strong> água que to<strong>da</strong> Salvador bebe. Sai <strong>da</strong>qui do nosso quintal! Uma área vasta ain<strong>da</strong> de Mata<br />
Atlântica preserva<strong>da</strong>, e aí eu falo um pouco <strong>da</strong> questão do Rio Ipitanga, né? Chega a 5 Km de<br />
assoreamento, mas ain<strong>da</strong> tem muito verde que a gente tem que estar aproveitando, né, eu acho<br />
que é o pulmão né, que a gente fala né, de como tem [Parque] Pituaçu que tem uma grande área,<br />
nós temos aqui Cajazeiras que tem uma área maior ain<strong>da</strong> de remanescente <strong>da</strong> Mata Atlântica, né.<br />
Hoje também pegando a questão cultural, é, hoje concentra um dos maiores locais de terreiros,<br />
né, pegando Salvador, um crescimento muito grande de terreiros por conta <strong>da</strong>s áreas verdes<br />
chegaram vários terreiros pra aqui pra Cajazeiras. E a questão cultural também, eu penso que, é<br />
hoje Cajazeiras como as grandes periferias também de Salvador é um caldeirão cultural! Agora<br />
falta, né, políticas públicas pra que Cajazeiras se sinta parte de Salvador .<br />
Agora tem uma coisa que precisa se registrar: não tem na<strong>da</strong> em Cajazeiras hoje... e que<br />
Cajazeiras hoje não é a de ontem, não é a de ontem! É fruto <strong>da</strong> sua luta e fruto do processo<br />
natural <strong>da</strong> condição. Mas não tem na<strong>da</strong> em Cajazeiras que tenha vindo de mão beija<strong>da</strong>, que tenha<br />
vindo aqui porque o Senhor Governador, porque o Senhor Prefeito, porque o Senhor Vereador,<br />
porque o Senhor Presidente <strong>da</strong> República achou que deveria colocar em Cajazeiras, veio e disse,<br />
olha, convocou a comuni<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>í: “Eu estou aqui pra fazer uma surpresa pra vocês: está aqui!<br />
”Não! Na<strong>da</strong> aqui aconteceu dessa forma, tudo veio através de uma luta, até mesmo as empresas<br />
de maior porte foi a comuni<strong>da</strong>de que deslocou, foi lá.<br />
Uma vez que o sentimento de não pertença ou exclusão <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de do Salvador é<br />
bastante comum, há aqueles que reagem em sentido contrário, vislumbrando a total
independência de Salvador. Existe atualmente um grupo de lideranças que defendem<br />
com convicção a emancipação de Cajazeiras, como se pode observar no depoimento de<br />
Ramalho de Souza Barreto, presidente <strong>da</strong> Associação Ambiental e Protetora <strong>da</strong> Pedra do<br />
Ramalho, morador <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Grande 2 há 13 anos:<br />
118<br />
Cajazeiras e Salvador têm uma parceria muito boa. Se combinam muito bem. O que eu acho que<br />
na reali<strong>da</strong>de as recar<strong>da</strong>ções [arreca<strong>da</strong>ções] que podem ser feitas por aqui não ficam aqui, vai pra<br />
lá pra Salvador. Aí o quê que acontece quando se precisa fazer alguma coisa em beneficio <strong>da</strong><br />
comuni<strong>da</strong>de <strong>da</strong>qui? Aí é onde vem as dificul<strong>da</strong>des. Por que vem essas dificul<strong>da</strong>de aí? Porque a<br />
gente não entende o porquê essa situação. Então, no meu entender eu acredito eu que se<br />
emancipar Cajazeiras a população dessa comuni<strong>da</strong>de melhora muito, melhora muito eu<br />
acredito...<br />
3.2 CAJAZEIRAS: A CONSTRUÇÃO DE UM CONCEITO DE PE<strong>RI</strong>FE<strong>RI</strong>A<br />
As características que consideramos nos processos identitários são apenas aquelas mais<br />
significativas segundo os atores e não necessariamente as diferenças mais objetivas.<br />
Durante a história do grupo pode haver alterações, câmbios ou a própria per<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />
significação desses aspectos. Nesse raciocínio, identificamos que uma <strong>da</strong>s<br />
singulari<strong>da</strong>des do discurso identitário de Cajazeiras é a freqüência de termos com<br />
referências espaciais e através deles é possível a expressão de uma identi<strong>da</strong>de do grupo<br />
em torno <strong>da</strong> qual se congrega, se une e defende a conservação de um sentido.<br />
Perseguimos nessa investigação sobre uma identi<strong>da</strong>de de Cajazeiras a incorporação do<br />
contexto ao objeto de estudo, isto é, as interações e situações reais de engajamento dos<br />
atores, e não os elementos escolhidos como representantes <strong>da</strong> cultura e dos ancestrais<br />
sob os quais se julga agir.<br />
Apenas olhando o mapa de Salvador, não conseguiremos entender onde começa e aonde<br />
termina a área geográfica de Cajazeiras. A fala <strong>da</strong>s lideranças entrevista<strong>da</strong>s sobre o<br />
lugar em que vivem parece delinear um conceito. Cajazeiras foi se constituindo aos<br />
poucos em uma noção de periferia, longitude e isolamento. Os seus limites não são<br />
iguais para todos: ora um a limita geograficamente como sendo a reunião <strong>da</strong>s
Cajazeiras, <strong>da</strong>s Fazen<strong>da</strong>s Grande e <strong>da</strong> Boca <strong>da</strong> Mata; ora outro a amplia a ponto de<br />
incluir bairros mais próximos do centro como o Cabula. Percebemos essa diversi<strong>da</strong>de<br />
nas falas de Kilson Melo, morador <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Grande 2 desde 1992, coordenador geral<br />
<strong>da</strong> Cajaverde, Dinho Melo e Ramalho de Souza Barreto:<br />
119<br />
Cajazeiras começa vindo <strong>da</strong> BR, pegando Águas Claras; vindo por Castelo Branco também, uma<br />
outra delimitação. Águas Claras começando as Cajazeiras de 2, Cajazeiras 5, 7, 5, 6, 8 e lá de<br />
Águas Claras descendo também pegando Cajazeiras 5 até o final tem outros extremos que é<br />
Cajazeiras 11, né, finalzinho de Cajazeiras e Boca <strong>da</strong> Mata outro extremo. Tem também saí<strong>da</strong><br />
pelo lado <strong>da</strong> Estra<strong>da</strong> Velha do Aeroporto, que aí são Fazen<strong>da</strong> Grande 4, 3 e outras Cajazeiras<br />
também.<br />
Cajazeiras, ela vem de um projeto que eu acredito de construir, lá nos anos 70, de construir o<br />
Castelo Branco. E to<strong>da</strong> essa região, Cajazeiras, se chama porque era abun<strong>da</strong>ntemente a árvore<br />
que tinha aqui, né, a árvore cajazeira, o suco de cajazeiras, a gente chama cajá que dá o<br />
frutozinho, né! É bom. Essa região, ela vem de Castelo Branco pra aqui, então Castelo Branco<br />
eles deram procedimentos aqui às cinco, e aí foram construindo os conjuntos, começa eu acho<br />
de Roberto Santos, governador, depois vem Antonio Carlos Magalhães, depois João Durval, que<br />
foi quem fez a última, né?! No governo Figueiredo, né, o último dos generais, do presidente.<br />
Mas aqui, antigamente em Cajazeiras só tinha um acesso que era pela Estra<strong>da</strong> Velha do<br />
Aeroporto, chamava Estra<strong>da</strong> velha do Aeroporto que é Estra<strong>da</strong> Velha do Aeroporto que tinha o<br />
remanescente, quem era o remanescente? O remanescente era a chácara e sitio de pessoas que<br />
vinham pra cá, que tinham uma região, que digamos assim, chácara e sitio e a Estra<strong>da</strong> Velha do<br />
Aeroporto é que <strong>da</strong>va acesso, ou por Brasilgás, ou por Itapuã, digamos assim, né. que ligava ali o<br />
aeroporto, essa era Cajazeiras, essa região, foi escolhi<strong>da</strong> aí, foi desapropria<strong>da</strong> e nasceu o<br />
conjunto habitacional Cajazeiras, digamos assim, Cajazeiras dividi<strong>da</strong> em nove ou dez Cajazeiras,<br />
porque a última construí<strong>da</strong> aqui foi a 11. então, quer dizer, agora ca<strong>da</strong> Cajazeiras é dividi<strong>da</strong> em<br />
cinco setor, Fazen<strong>da</strong> Grande 1 vai quadra A, B, C, D, E, F, a Cajazeiras 5 aqui, ela tem seis<br />
quadras, então quando a pessoa vê falar Cajazeiras 5, ela tem seis quadras, Fazen<strong>da</strong> Grande 1,<br />
ela tem seis setores, a Cajazeiras 10, ela tem três setores e aí são as região. É por isso que as<br />
pessoas às vezes diz assim, como é que tem 600 mil habitantes? Porque ca<strong>da</strong> quadra mora no<br />
mínimo 30 mil, ou mora, digamos assim, ca<strong>da</strong> Cajazeiras, ela tem, vamos supor, 60, 50 mil<br />
habitante, dividi<strong>da</strong> em cinco, seis quadras, ca<strong>da</strong> quadra mora, é, seis à oito mil habitante, aí no<br />
total é que dá essa população to<strong>da</strong>. Mas hoje, quando, é porque é quadra. Ah, Cajazeiras 10 tem<br />
quanto habitante? Ah, tem 40 à 50 mil habitante dividido em três, quatro quadras. Fazen<strong>da</strong><br />
Grande 1, e por aí vai, cinco, seis quadras, assim de habitante, né. Você vê que a gente determina<br />
assim, Fazen<strong>da</strong> Grande 2 do Chiclete com Banana, porque o Chiclete com Banana tem uma<br />
quadra lá na Fazen<strong>da</strong> Grande, Fazen<strong>da</strong> Grande 2 <strong>da</strong> Telebahia, porque já é um outro ponto de<br />
referência, e aí, isso aí vai.<br />
...Cajazeiras é muito grande porque a área de Pirajá é uma área que tá dentro de Cajazeiras é uma<br />
área... Mata Escura é uma área que tá dentro de Cajazeiras, então é uma área muito grande<br />
Cajazeiras. Agora, pra te dizer a reali<strong>da</strong>de é que com certeza Cajazeiras começou em Cajazeiras<br />
mesmo. Agora, só que acredito eu que por ser por ter sido uma fazen<strong>da</strong> essa coisa to<strong>da</strong> e que diz<br />
que era muito grande essa fazen<strong>da</strong> aí ficou nessa situação que chegou até Pirajá e Mata Escura e<br />
vai pra lá pra esse lado de lá.
O que essas áreas têm em comum, além do fato de estarem no miolo de Salvador?<br />
Talvez a resposta esteja na história recente <strong>da</strong> ocupação do solo de Salvador. No século<br />
XX, houve a construção de alguns conjuntos habitacionais e loteamentos populares e a<br />
expansão desenfrea<strong>da</strong> <strong>da</strong>s ocupações nas encostas e vales. O crescimento demográfico,<br />
ocorrido nos anos 1940 e 1950, causado também pela migração, levou ao aumento <strong>da</strong><br />
deman<strong>da</strong> por moradia. A ci<strong>da</strong>de já modificava sua estrutura e novas áreas começaram a<br />
substituir suas funções, a exemplo do centro. A população de alta ren<strong>da</strong> <strong>da</strong>li se<br />
transferiu e o povo de menor poder aquisitivo se apropriou <strong>da</strong>quelas habitações. Novas<br />
habitações passaram a ser exigi<strong>da</strong>s, e o povo mais pobre começou a ocupar os fundos de<br />
vales não drenados e invadir terrenos para morar. A primeira invasão soteropolitana foi<br />
a do Corta Braço, em 1946, atual bairro Pero Vaz. A expansão do sistema viário nos<br />
anos sessenta causou a abertura <strong>da</strong>s aveni<strong>da</strong>s de vale, aumentando o valor <strong>da</strong>s terras<br />
próximas e isso fez com que um número expressivo de assentamentos de pobres fossem<br />
erradicados desses vales até então inacessíveis. Na área reserva<strong>da</strong> ao turismo (a orla<br />
marítima) extirparam-se as invasões. A nova centrali<strong>da</strong>de de Salvador é marca<strong>da</strong> por<br />
empreendimentos privados e públicos dos anos oitenta, tais como a Aveni<strong>da</strong> Paralela, o<br />
Centro Administrativo <strong>da</strong> Bahia, a nova Estação Rodoviária e o Shopping Iguatemi<br />
(ANDRADE; BRANDÃO, 2006). Seu impacto orientou o sentido do desenvolvimento<br />
<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, interferindo na produção do espaço urbano com a configuração de três<br />
vetores de crescimento <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de: a Orla Marítima norte, o miolo urbano e o Subúrbio<br />
Ferroviário (CARVALHO; PEREIRA, 2006).<br />
120
Fonte: Carvalho; Pereira , 2006, p.102<br />
A orla marítima é a área nobre <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, que retém maior riqueza, serviços e lazer,<br />
local de moradia, assim como de investimentos públicos e privados em equipamentos<br />
coletivos. O Subúrbio Ferroviário cresceu em torno <strong>da</strong> linha férrea ain<strong>da</strong> no século XIX.<br />
É uma <strong>da</strong>s regiões mais problemáticas, concentra uma população extremamente pobre e<br />
além <strong>da</strong> carência de serviços e estrutura tem convivido com altos índices de violência.<br />
No centro geográfico do município, encontra-se o miolo urbano, ocupado por conjuntos<br />
habitacionais, loteamentos e favelas. A variação na descrição dos limites de Cajazeiras é<br />
121<br />
talvez motiva<strong>da</strong> por ela ter se tornado uma região emblemática desse modo recente de
ocupação do espaço urbano soteropolitano que teve a urbanização referencia<strong>da</strong> na<br />
edificação de conjuntos habitacionais populares. Cajazeiras e Subúrbio são as regiões<br />
com as mais precárias condições de habitabili<strong>da</strong>de, menor oferta de serviços e estrutura<br />
urbanas. São as mais pobres e também as mais negras <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de.<br />
3.2.1 UM PALITO PRA QUEBRAR É FÁCIL, AGORA TODOS EM UMA CAIXA É<br />
MUITO DIFÍCIL! 10<br />
Viver em Cajazeiras estimulou a participação política de muitas pessoas. O bairro<br />
recebeu pessoas de diversos lugares, sem nenhum vínculo entre si. Aos poucos, os elos<br />
de ligação com o espaço e com o outro foram se fortalecendo e ações coletivas<br />
começaram a ser articula<strong>da</strong>s, em função <strong>da</strong> resolução de problemas emergentes, sem<br />
necessariamente passar por uma formação política, partidária ou teórica , como explica<br />
Alfredo Venceslau, coordenador <strong>da</strong> Associação de Micro-Empresários de Cajazeiras:<br />
122<br />
Olha, é... Não tinha liderança, não tinha líder, é... Os moradores e moradoras movidos pela<br />
necessi<strong>da</strong>de, movidos pela carência plena é... Todos numa condição basicamente de autodi<strong>da</strong>ta.<br />
Foram discutindo, falando por acaso sobre as dificul<strong>da</strong>des e aí começaram a <strong>da</strong>r sugestões, mas<br />
como começar, por onde ir? E aí vinha sempre vinha uma sugestão de um e de outro e <strong>da</strong>í<br />
começou enfim é... a organização dos moradores de Cajazeiras, foi assim que se deu, movidos<br />
pelas necessi<strong>da</strong>de, pela carência...<br />
Cajazeiras foi urbaniza<strong>da</strong> durante a ditadura militar e no início dessa pesquisa, notamos<br />
um grande paradoxo do movimento popular nessa região. Mesmo com um histórico de<br />
reivindicações e intensas mobilizações a favor dos direitos e <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, percebe-se<br />
que muitas lideranças encontram-se ain<strong>da</strong> hoje comprometi<strong>da</strong>s politicamente com os<br />
mesmos grupos que dominavam o poder durante o regime autoritário. Descobrimos que<br />
esse fenômeno se deve ao fato de que o acesso às moradias se <strong>da</strong>va oficialmente por<br />
sorteio, e extra-oficialmente também por indicação de políticos. Daí o estabelecimento<br />
de uma dívi<strong>da</strong> de gratidão dos primeiros beneficiados para com os cedentes do<br />
10 Frase de Alfredo Venceslau ao comentar a mobilização dos moradores <strong>da</strong> região.
enefício, que na ver<strong>da</strong>de sempre foi um direito conquistado, não um favor.<br />
Inicialmente, as moradias era muito simples, como relata Alfredo Venceslau:<br />
123<br />
...essas casas era na sua maioria era de zero quarto, um quarto. Tinha um embrião chamado zero<br />
quarto, não tinha quarto, é... Não tinha quarto, era sala, cozinha e banheiro. Outras tinham de um<br />
quarto, sala banheiro e poucas dois quartos, poucas com dois quartos. Então pra <strong>da</strong>í as pessoas<br />
sem condição, ninguém tinha condição, não tinha reboco, não tinha piso, nem as casas, nem os<br />
apartamentos. Os sanitários eram no bloco, todos por bloco, tinha um... a pia <strong>da</strong> cozinha de<br />
granito, não, não era granito, era de... parecido com granito, tinha muita diferença, era de<br />
cimento liso com as pedrinhas por cima que pareciam granito mas na ver<strong>da</strong>de era de cimento a<br />
pia, era isso mesmo. Não tinha porta no quarto, só a porta <strong>da</strong> frente e a porta do banheiro.To<strong>da</strong>s<br />
as uni<strong>da</strong>des foram entregues dessa maneira e as pessoas, elas tinham como base de teto três<br />
salários, dois salários, e a maior parte tudo família. Então um pai de família, mãe de família,<br />
família grande, e sem condições de ampliar, sem condições naquele momento de construir, isso<br />
tinha as suas questões evidente.<br />
Algumas uni<strong>da</strong>des habitacionais ficaram tranca<strong>da</strong>s e vazias por um longo tempo, pois<br />
seus proprietários se recusavam a vir morar em um lugar com condições tão ruins de<br />
habitabili<strong>da</strong>de. Então muitas famílias invadiram essas casas, tornando-se proprietárias à<br />
força. Os primeiros moradores eram funcionários públicos municipais e estaduais num<br />
tempo em que não havia regulamentação para concursos públicos e as contratações<br />
eram feitas seguindo critérios de favorecimentos políticos e pessoais. Deste modo,<br />
pode-se entender a relação clientelista estabeleci<strong>da</strong>: brigava-se por elementos pontuais,<br />
mas a fideli<strong>da</strong>de aos benfeitores acabou prevalecendo diante <strong>da</strong>s primeiras conquistas<br />
coletivas.<br />
Ca<strong>da</strong> setor entregue à população recebia uma sede para o Conselho de Moradores, que<br />
recebia verbas governamentais e as administrava. As eleições eram acompanha<strong>da</strong>s e<br />
organiza<strong>da</strong>s pela própria Urbis e não demorou para que houvesse uma oposição a isso,<br />
visto que o processo eleitoral dos primeiros representantes dos moradores era<br />
extremamente orientado e controlado pelo Governo do Estado. A criação de<br />
Associações de Moradores foi a grande reação, pois essas enti<strong>da</strong>des eram desvincula<strong>da</strong>s<br />
<strong>da</strong> Urbis e, portanto, mais propícias à organização de um movimento social forte, com<br />
poder de mobilização e liber<strong>da</strong>de de opinião. Desde então essa população vem tentando<br />
inserir e vali<strong>da</strong>r os meios democráticos de participação política na gestão dessa parte <strong>da</strong><br />
ci<strong>da</strong>de. Os processos eleitorais dos representantes continuam sendo palco de grandes<br />
disputas. Ain<strong>da</strong> hoje vemos as lideranças sustenta<strong>da</strong>s por políticos (vereadores,
deputados e aspirantes), especialmente os mais conservadores, descendentes <strong>da</strong>s<br />
oligarquias baianas que a todo custo tentam se manter no poder.<br />
A visão difundi<strong>da</strong> do papel dessas enti<strong>da</strong>des nas comuni<strong>da</strong>des é a <strong>da</strong> cristalização de<br />
uma forma assistencialista de li<strong>da</strong>r com a coletivi<strong>da</strong>de. Elas acabam por mediar favores<br />
individuais como consultas médicas, empregos, doação de alimentos ou enterros em<br />
troca do apoio ao “caridoso” parlamentar. Algumas associações não se sentem<br />
constrangi<strong>da</strong>s ao assumir que “trabalham com” algum político. Outros conseguem até<br />
benefícios maiores como o asfaltamento de uma rua, mas limitam suas ações a essa<br />
conquista, muitas vezes personalizando o movimento. O líder se torna um embaixador e<br />
porta-voz do parlamentar apoiado, agregando para si o símbolo de grande poder frente à<br />
prefeitura ou Assembléia Legislativa e reduzindo a possibili<strong>da</strong>de de uma articulação<br />
coletiva em função do bem de to<strong>da</strong> a Cajazeiras.<br />
Esse bairro tem o maior coeficiente eleitoral <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, mas não possui um<br />
representante na Câmara dos Vereadores. Em períodos eleitorais, suas lideranças<br />
dividem-se no apoio aos candi<strong>da</strong>tos de outros bairros ou mesmo em diversas<br />
candi<strong>da</strong>turas locais à vereança. Apenas uma vez conseguiu-se eleger um morador de<br />
Cajazeiras como vereador, mas ele não conseguiu fazer um segundo man<strong>da</strong>to. A grande<br />
referência política para a esquer<strong>da</strong> dessa região foi a presença de um ex-guerrilheiro do<br />
Araguaia, Jaime Bonfim, já falecido, que havia sido preso e perseguido político durante<br />
a ditadura militar. Deste modo, os livros que possuía eram precavi<strong>da</strong>mente escondidos,<br />
mas essa literatura esquerdista nutriu vários jovens cajazeirenses nos anos oitenta.<br />
Bonfim também foi o principal mobilizador em Cajazeiras <strong>da</strong>s primeiras eleições<br />
presidenciais e montou o comitê do então candi<strong>da</strong>to Luís Inácio Lula <strong>da</strong> <strong>Silva</strong>, em 1989.<br />
Em torno desse comitê uma nova corrente de pensamento se firmava em Cajazeiras,<br />
estimulando a militância nos Partidos dos Trabalhadores (PT), Partido Comunista do<br />
Brasil (PCdoB) e nos movimentos sociais em geral.<br />
Com a intensi<strong>da</strong>de dos movimentos populares reaviva<strong>da</strong> na abertura democrática do<br />
país e nas questões específicas de Cajazeiras, tais como a ausência de transporte e<br />
telefone público, as lideranças locais resolveram criar uma enti<strong>da</strong>de que aglutinasse<br />
to<strong>da</strong>s as outras associações para aumentar seu poder de negociação face aos órgãos<br />
124<br />
públicos. Começaram fun<strong>da</strong>ndo o Fórum <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia de Cajazeiras, registrado até em
cartório, no entanto, esse Fórum teve uma breve vi<strong>da</strong> política devido às disputas<br />
internas. Substituíram-no pela União <strong>da</strong>s Associações de Moradores e Enti<strong>da</strong>des<br />
Representativas de Cajazeiras e Adjacências (União), que representa mais de trinta e<br />
cinco enti<strong>da</strong>des entre conselhos e associações de moradores, clube de mães e<br />
organizações não-governamentais. A União foi cria<strong>da</strong> em 1993, mas a consulta aos<br />
documentos dessa enti<strong>da</strong>de (livro de Atas de reuniões, estatuto e resoluções dos<br />
simpósios) nos foi nega<strong>da</strong> por seu presidente, que concentra praticamente todo o poder<br />
de decisão. A organização está sob a presidência <strong>da</strong> mesma pessoa praticamente desde<br />
sua fun<strong>da</strong>ção. Percebemos que é uma enti<strong>da</strong>de incontestavelmente representativa sob o<br />
ponto de vista oficial, embora sua organici<strong>da</strong>de pareça um tanto quanto precária. Os<br />
membros <strong>da</strong> diretoria têm pouco contato entre si e raros foram aqueles entrevistados que<br />
tinham como contactar os demais colegas <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de. Tudo parece centralizado na<br />
figura do seu presidente, que também não tinha contato com todos os seus diretores.<br />
Fomos informados de que realizam reuniões periódicas e Congressos, mas não pudemos<br />
consultar os documentos relativos a esses encontros. A União reúne-se quando há algum<br />
projeto a ser desenvolvido na comuni<strong>da</strong>de e a discussão política parece vir em segundo<br />
plano. Além disso, mantém um curso de informática para adolescentes e está<br />
empenha<strong>da</strong> no desenvolvimento de um projeto de ação cultural envolvendo os jovens <strong>da</strong><br />
região, patrocinado por órgãos públicos, o CajaArte.<br />
Durante as entrevistas, com exceção <strong>da</strong> Cajaverde, ninguém assumiu suas preferências<br />
políticas e nem seu envolvimento com a militância de partidos políticos, principalmente<br />
os ligados ao carlismo 11 , que se enfraqueceu após a vitória do Partido dos Trabalhadores<br />
(PT) nas eleições presidenciais de 2002. O presidente eleito, Luís Inácio Lula <strong>da</strong> <strong>Silva</strong><br />
desfrutava de igual prestígio e carisma que Antônio Carlos Magalhães (ACM) entre as<br />
classes populares de Salvador e os números <strong>da</strong>s eleições demonstravam que Lula e<br />
ACM, posicionados ideologicamente em lados opostos, eram lideranças aclama<strong>da</strong>s pelo<br />
povo soteropolitano.<br />
Em 2006 o PT elegeu o seu primeiro governador na Bahia, o que mudou radicalmente<br />
as atitudes <strong>da</strong> maioria dos representantes de moradores. De estigmatizados e isolados,<br />
11 O termo carlismo designa o grupo de apoiadores de Antônio Carlos Magalhães, político conservador,<br />
autoritário e muito influente no Estado, falecido em 2007.<br />
125
os esquerdistas passaram a ser respeitados como prováveis captadores de benesses para<br />
a região.<br />
Fonte: Arquivo Cajaverde<br />
FOTO 08 – 2ª Marcha <strong>da</strong> Consciência Negra de Cajazeiras, em 2007<br />
A Cajaverde parece ter se tornado um reduto do pensamento <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> de Cajazeiras,<br />
conseguindo reunir pessoas liga<strong>da</strong>s ao PT e ao PCdoB, militantes de movimentos<br />
sociais (movimentos negro, estu<strong>da</strong>ntil, popular, ambientalista, de mulheres) e<br />
representantes de moradores. A Cajaverde – Organização Ambiental e Cultural de<br />
Cajazeiras é uma organização-não governamental, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 20 de setembro de 2005,<br />
na Fazen<strong>da</strong> Grande 2. Seus objetivos e finali<strong>da</strong>des são:<br />
126<br />
I) Defender o e proteger o meio ambiente e recursos naturais, preservando áreas ecologicamente<br />
importantes, conservando a biodiversi<strong>da</strong>de e estimulando a criação de uni<strong>da</strong>des de conservação;<br />
II) Estimular e desenvolver o pleno exercício <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia através <strong>da</strong> qualificação profissional<br />
através <strong>da</strong> educação e do resgate <strong>da</strong>s tradições culturais <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de;<br />
III)Promoção e geração de ren<strong>da</strong> comunitária;<br />
IV)Promover a assistência social beneficente nas áreas de meio ambiente, infância, adolescência<br />
e educação para pessoas carentes e minorias;<br />
V)Difundir ativi<strong>da</strong>des educativas, culturais e científicas realizando pesquisas, conferências,<br />
seminários, cursos, treinamentos, editando publicações , vídeos, processamento de <strong>da</strong>dos,<br />
assessoria técnica nos campos ambiental, educacional e associado- cultural, bem como<br />
comercialização de publicações, vídeos, serviços e assessoria, programas de informática,<br />
camisetas, adesivos, materiais destinados a divulgação e informação sobre o objeto do Cajaverde
127<br />
-ORGANIZAÇÃO AMBIENTAL E CULTURAL DE CAJAZEIRAS desde que o produto desta<br />
comercialização reverta para a realização desses objetos.<br />
VI) Estimular a parceria, diálogo local e soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de entre os diferentes segmentos sociais,<br />
participando junto a outras ativi<strong>da</strong>des que visem interesses comuns. (ESTATUTO SOCIAL DA<br />
CAJAVERDE..., 2005, p.01)<br />
A Cajaverde retomou a antiga proposta de uma enti<strong>da</strong>de que discutisse e representasse a<br />
coletivi<strong>da</strong>de dos movimentos populares <strong>da</strong>quela área e vem tentando articular o Fórum<br />
Cajazeiras desde 2005, sem muito sucesso. Porém, tem conseguido atrair diversas<br />
enti<strong>da</strong>des para apoiar suas campanhas de mobilização como as Caminha<strong>da</strong>s do Dia <strong>da</strong><br />
Consciência Negra, Dia <strong>da</strong> Água e Pelo Parque Ecológico de Cajazeiras. A logomarca<br />
<strong>da</strong> Cajaverde é a Pedra do Buraco do Tatu.<br />
3.2.2 IDAS E VINDAS<br />
No início, o discurso reivindicatório de Cajazeiras se centrou nas diferentes relações que<br />
a ci<strong>da</strong>de travava entre os ricos e pobres. Os moradores exigiam ser respeitados como<br />
trabalhadores e ter acesso aos seus direitos, às condições básicas para uma<br />
habitabili<strong>da</strong>de satisfatória naquela região, a exemplo do transporte público. A região se<br />
isolava do resto <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de porque não havia ônibus que circulasse em Cajazeiras ou<br />
conduzisse seus moradores a outras partes <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de.<br />
A limitação do ir e vir dessas pessoas nos remete a uma pequena lembrança histórica.<br />
No tempo <strong>da</strong> escravidão, o cativo era proibido de viajar distâncias maiores de que duas<br />
léguas de distância <strong>da</strong> casa do seu senhor e os libertos tinham muita dificul<strong>da</strong>de de<br />
deslocamento porque corriam o risco de serem seqüestrados e re-escravizados caso não<br />
comprovassem seu status civil (SODRÈ, 2002). Os códigos de conduta que os<br />
municípios organizaram pós-abolição visavam primordialmente o controle sobre a<br />
mobili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> população afrodescendente, com a Lei <strong>da</strong> Vadiagem, de 1888. Tal lei<br />
obrigava a comprovação de trabalho e domicílio dos negros e mestiços e ain<strong>da</strong> hoje são<br />
visíveis os resquícios dessas práticas, seja na segregação espacial basea<strong>da</strong> na raça, seja<br />
na freqüente abor<strong>da</strong>gem dos jovens negros pela polícia, que lhes exige documentos de
comprovação de emprego (carteira de trabalho assina<strong>da</strong>). Caso contrário poderão ser<br />
presos sob acusação de vadiagem ou de suspeita de autoria de algum crime (SOUZA,<br />
2005; SODRÉ, 2002).<br />
A primeira grande batalha venci<strong>da</strong> por quem mora em Cajazeiras foi pelo direito de ir e<br />
vir. Trabalhadores foram confinados em Cajazeiras, sem que pudessem se deslocar para<br />
outras áreas e muitos eram obrigados a omitir o endereço na hora de procurar um<br />
emprego, informando um endereço de um amigo ou parente morador de outros bairros<br />
menos isolados. Morar em Cajazeiras significava estar associado à marginali<strong>da</strong>de social<br />
(à miséria e à violência); era não ter a certeza do tempo que se levaria para chegar ao<br />
trabalho, que em geral se localizava em áreas muito distantes <strong>da</strong>li. Portanto, morar nessa<br />
região estigmatizava negativamente qualquer ci<strong>da</strong>dão. Mesmo com as lutas populares<br />
pelo transporte público deflagra<strong>da</strong>s nas déca<strong>da</strong>s de 1980 e 1990, até hoje essa área não<br />
possui sistema de transporte adequado à deman<strong>da</strong>. O bairro não tinha transporte para as<br />
outras partes <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de como hoje tem, como relata Alfredo Venceslau:<br />
128<br />
...foi um ponto assim chave, número 1, foi o transporte de Cajazeiras e a gente foi a prefeitura,<br />
depois foi implantado o terminal... o Terminal Eva que na ver<strong>da</strong>de parecia um... - Eu um dia até<br />
numa entrevista falei sobre isso: mais parecia um campo de concentração, porque era uma<br />
situação aterrorizante -. Os passageiros pareciam morcegos, era super... superlotação! Todo<br />
mundo tinha que ir dependurados como se morcegos fossem, no sentido claro que figurado, né?!<br />
Internamente se tirasse, se levantasse o pé não teria mais o lugar pra repor. É na porta, é na<br />
janela...Parava na estação e entrava pelas janelas, entrava pela porta, você poderia ficar neutra<br />
é... que as pessoas te colocavam até o banco do carro. Agora, na<strong>da</strong> tem a ver com a educação <strong>da</strong><br />
gente. Na<strong>da</strong> tem a ver com qualquer um outro fator de comparação, na<strong>da</strong> disso! Todo mundo<br />
muito bem... as pessoas, pais e mães de famílias, pessoas é... adolescentes, mas era carência<br />
necessi<strong>da</strong>de era lei pela sobrevivência! E na<strong>da</strong> tem a ver com educação, não é que fôssemos<br />
deseducados, tal... não, na<strong>da</strong> disso! Era a situação mesmo, do poder público que por um lado fez<br />
uma... cumpriu seu papel, mas por outro não deu um mínimo de condição de sobrevivência.<br />
Então forçou que as pessoas enfim começassem a buscar isso pela lei <strong>da</strong> selva. E, é... o<br />
transporte tinha essa coisa to<strong>da</strong>, não era lugar que você pudesse se sentir nem sequer à vontade<br />
com confiança, depois <strong>da</strong>í é que veio o ENE.(...)<br />
ENE era uma estação, uma estação... Vamos dizer um protótipo <strong>da</strong> estação de transbordo que<br />
hoje é a Estação Pirajá, veio é... veio é o ENE, a Estação Nova Esperança né? E depois veio a<br />
estação Pirajá que hoje serve estação de integração de transbordo. Nós começamos nos reunir<br />
fizemos para<strong>da</strong>s aqui, fizemos passeatas, depois fizemos reuniões, simpósios, congressos,<br />
fizemos um congresso de transporte em 1992 no Centro de Convenções <strong>da</strong> Bahia, me parece<br />
acho que dia 20 de agosto de 2002, e esse congresso ele foi assim... um ponto muito positivo,<br />
muito alto, pro fechamento <strong>da</strong>s questões de transporte, é que deu base até mesmo para hoje nós<br />
termos é.... quando a comuni<strong>da</strong>de se reuniu, fez pesquisas, discutiu amplamente. As lideranças,<br />
as enti<strong>da</strong>des que nessa altura já existiam muitas e a í foi implantando o transporte. Nós tivemos<br />
uma ro<strong>da</strong><strong>da</strong> de reuniões com a prefeitura municipal e foram acho que cerca de oitenta e duas<br />
reuniões e contando com as reuniões de lá é... junto a secretária e as reuniões <strong>da</strong>qui na<br />
comuni<strong>da</strong>de, nessa ro<strong>da</strong><strong>da</strong> foram oitenta e duas e não foi oitenta e duas reuniões pra implantar o<br />
transporte não, foi só uma ro<strong>da</strong><strong>da</strong>, pra você ver como foi exaustiva a luta, foi cansativa...
Atualmente, mesmo com linhas de ônibus, há muitas dificul<strong>da</strong>des para se deslocar de<br />
um ponto a outro dentro do próprio bairro. A distância entre uma cumea<strong>da</strong> e outra é<br />
relativamente curta, mas torna-se demasia<strong>da</strong>mente longa caso o indivíduo deseje chegar<br />
a outra parte de ônibus. Além de os veículos serem escassos nas transversais <strong>da</strong>s<br />
aveni<strong>da</strong>s principais, espera-se até uma hora e vinte minutos para que o ônibus chegue e<br />
faça o trajeto que dura, por exemplo, não mais que quinze minutos (distância entre o<br />
final <strong>da</strong> linha de ônibus <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Grande 1 e 2 e a Fazen<strong>da</strong> Grande 2). É que ain<strong>da</strong> se<br />
deve contar com a boa vontade dos motoristas que nem sempre estão dispostos a entrar<br />
nas transversais, embora as empresas aleguem fiscalizar. A sensação de desolamento e<br />
abandono é muito grande, pois até o serviço de táxi é difícil, mesmo após o surgimento<br />
<strong>da</strong> empresa de táxi Cajatáxi, especialista em transporte no bairro. Desse modo, para se<br />
chegar a outras partes do bairro, é mais comum an<strong>da</strong>r a pé ou de bicicleta. As para<strong>da</strong>s<br />
de ônibus são, antes de qualquer coisa, pontos de encontro, já que a espera pelo<br />
transporte coletivo é compensa<strong>da</strong> pelas conversas entre os moradores. Também é<br />
comum a reunião dessas pessoas próximas desse ponto para as competições de jogos<br />
como <strong>da</strong>mas ou dominó. Em áreas mais centrais e mais freqüenta<strong>da</strong>s há sempre alguém<br />
vendendo doces ou cigarros. Com um número de veículos insuficiente para atender à<br />
deman<strong>da</strong>, percebe-se que a relação entre os motoristas, cobradores de ônibus e usuários<br />
é extremamente cordial, principalmente nos finais de linha, em que os funcionários<br />
descem e aguar<strong>da</strong>m o horário de retomar a viagem.<br />
3.2.3 O 13 DE MAIO DE 1988 EM CAJAZEIRAS<br />
Em 13 de maio de 1888 o país presenciava a assinatura <strong>da</strong> Lei Áurea, que abolia o<br />
trabalho escravo no Brasil, porém a instituição do trabalho livre não representou para as<br />
cama<strong>da</strong>s negras uma absorção nos novos postos de trabalho, tampouco lhes garantiu<br />
espaço nos setores dinâmicos <strong>da</strong> economia.<br />
Um século depois, descendentes de africanos escravizados se organizaram para<br />
129<br />
construir um centro comercial que expressasse uma condição de vi<strong>da</strong> livre e bem
situa<strong>da</strong> socialmente. Significativamente, em treze de maio de 1988, ocorreu a primeira<br />
ocupação de terreno para o comércio em Cajazeiras. Segregados na ci<strong>da</strong>de e movidos<br />
pela necessi<strong>da</strong>de de trabalho e ren<strong>da</strong>, moradores se organizaram também para montarem<br />
a sua área comercial, consoli<strong>da</strong>ndo sua participação como consumidores e ci<strong>da</strong>dãos no<br />
sistema capitalista.<br />
Embora já tivessem procurado as vias oficiais para que os conjuntos habitacionais<br />
pudessem abrigar áreas dedica<strong>da</strong>s ao comércio, os meios legais <strong>da</strong>quele tempo só<br />
dificultavam a ação dos pequenos comerciantes, exigindo-lhes um esforço político bem<br />
maior para alcançarem algum resultado, segundo a explicação de Alfredo Venceslau:<br />
130<br />
As pessoas estavam aqui ilha<strong>da</strong>s (...). Não tinha comércio, não tinha como... Não tinha<br />
supermercado perto <strong>da</strong>qui, com essa luta to<strong>da</strong>, com esse problema todo de transporte (...) Então<br />
não se tinha como fazer comércio, como construir um comércio, essas pessoas. Mas tinha<br />
algumas pessoas que de outros bairros ou pessoas que vinham pra aqui; mas tinha origem de<br />
comércio, que tavam tentando conseguir espaço mas não tinha área. Depois de an<strong>da</strong>r muito para<br />
a URBIS, quando alguns funcionários solidários com a nossa penitência, chegaram e disseram:<br />
“Olha vocês estão an<strong>da</strong>ndo, an<strong>da</strong>ndo mas será muito difícil vocês conseguirem!” Mas por que<br />
vocês estão falando isso pra conseguir? “Olha não adianta! Isso aí é processo de licitação<br />
pública, é uma questão de lei e pra isso depende de decisão de governo, man<strong>da</strong>ndo projeto pra<br />
Assembléia Legislativa pra poder modificar a Legislação pra <strong>da</strong>í poder fazer a ven<strong>da</strong> direta,<br />
porque só através de licitação pública, só através de... dessa maneira!” E tiveram uns dois que<br />
nos fizeram confidências, ci<strong>da</strong>dã. Sem evidentemente com isso ferir a condição de funcionários<br />
públicos, de... Nos orientou bem e <strong>da</strong>í nós começamos a pensar nesse assunto. Pensamos,<br />
pensamos e chegamos a uma conclusão, conclusão essa que passaria por uma organização.Nessa<br />
organização <strong>da</strong> qual eu participei nasceu a primeira ocupação comercial é aí que nasce a história<br />
do comércio em Cajazeiras. A primeira ocupação! Mas nós somos os plebeus, somos os que...<br />
que na época não existia os sem-teto. O que se faz? Não se tem força política, não tem respeito<br />
<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de na questão social, como é que faz? Vamos nos unir, um palito pra quebrar é fácil,<br />
agora todos em uma caixa é muito difícil, com dois deles e adotando esse princípio,o que é que<br />
faz?<br />
E continua a descrição do movimento de ocupação comercial:<br />
E concluímos que nós deveríamos buscar um apoio político, ain<strong>da</strong> que de maneira discreta, nós<br />
deveríamos fazer um esboço de um projeto, o que é que queríamos, o que é que faríamos e como<br />
faríamos, isso foi feito. Fizemos um... juntamente com uma pessoa, e aí fizemos um mini-projeto<br />
dos boxes, o tamanho, a numeração, decidimos o que colocar com base nas nossas necessi<strong>da</strong>des,<br />
as coisas que mais se tinha carência, aí decidiu. Então você... Primeiro foi isso, o que faria e o<br />
que é que seria colocado, com a situação de quais eram as ativi<strong>da</strong>des com base nas nossas<br />
necessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong>ndo priori<strong>da</strong>des, pra depois saber quem ficaria como o quê. Buscamos um apoio<br />
jurídico, é uma pessoa nossa, conheci<strong>da</strong>, eu procurei, conversei com a pessoa sobre a nossa<br />
situação, que a gente não tinha condição nenhuma, mas que prestaríamos esse apoio político<br />
poderia precisar lá na frente é... E aí a questão é econômica, não se tinha dinheiro pra fazer,
131<br />
tivemos quem para escolher, e aí passou a seguir os critérios. O critérios foram: não poderia se<br />
pegar mais de um, só um. Porque nós tínhamos a consciência, a nitidez que ali não seria um<br />
meio de ganância, não seria algo para... fonte econômica de bens, e sim pra sobrevivência e ao<br />
mesmo tempo atender a carência <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de, então não poderia pegar... todos com seis<br />
metros de largura, não poderia ain<strong>da</strong> que não fosse <strong>da</strong> mesma pessoa, repetir a ativi<strong>da</strong>de e a<br />
questão alguns falaram a respeito <strong>da</strong> sua condição financeira quem podia fazer, aí... fazia e é...<br />
se preparou pra fazer e quem não podia disse eu não posso, aí houve a cooperação de alguns<br />
emprestando crédito pra comprar o material, conseguindo o profissional de pedreiro pra<br />
construir, pagando ou então pra pagar depois. Então tudo foi feito...(...)<br />
E aí a gente fizemos as portas. E quem pôde aju<strong>da</strong>r com isso, quem pôde aju<strong>da</strong>r com aquilo...e aí<br />
fomos pro calendário. E a gente analisando a conjuntura política: era um governo democrático,<br />
era o governo do Valdir Pires e aí a gente acreditou nesse momento político em relação a<br />
represália, em relação a ação e depois faltava por fim a <strong>da</strong>ta. A <strong>da</strong>ta, o dia, o horário,<br />
encontramos: 13 de maio 1988, uma sexta feira. Aí na quinta feira, às dezessete horas, tava todo<br />
mundo a postos. Começou chegar o material, às dezessete horas em ponto, porque nesse horário<br />
não havia mais como os prepostos <strong>da</strong> URBIS aparecerem, já que nós tínhamos pela frente um<br />
feriado longo, sexta-feira era feriado. Então tudo isso nós analisamos e aí em seqüência chegou o<br />
material. Chegando o material: enxa<strong>da</strong>, pá, facão, bloco, areia e começamos limpar, aí só foi já<br />
medindo de acordo com... vamos dizer, a planta né? Que na ver<strong>da</strong>de foi um desenho, a planta,<br />
número... aí por número. Aí um saiu com uma fita métrica e medindo certinho, numerando e já<br />
tinha... sim tinha feito o sorteio, o sorteio foi feito na... foi feito na quarta-feira. Foi feito na<br />
quarta feira o sorteio, por número. Aí ca<strong>da</strong> um assumiu o seu e todos trabalharam. Era condição<br />
primordial de na segun<strong>da</strong>-feira amanhecer com as portas abertas e com mercadoria, na segun<strong>da</strong>feira...<br />
Mesmo que aquelas pessoas não se auto-declarassem imediatamente negras, a escolha<br />
<strong>da</strong> <strong>da</strong>ta de 13 de maio como dia <strong>da</strong> ocupação comercial tinha um propósito muito claro<br />
para eles:<br />
Olha teve dois pontos, dois pontos. Um foi o ponto que <strong>da</strong> questão que nós precisávamos de<br />
tempo, precisávamos de um feriado, de mais do que sábado e domingo. (...) mas a gente tinha<br />
que ter algo que sintetizasse, que simbolizasse, que identificasse com objetivo exatamente como<br />
uma luta. E aí a gente encontramos outra <strong>da</strong>ta, mas que não <strong>da</strong>va essa força que era a libertação,<br />
que era a independência, né? Aí a gente disse: “Olha vamos adiar um pouco para a <strong>da</strong>ta 13 de<br />
maio.” Inclusive uma <strong>da</strong>ta que a gente devemos... tem tudo a ver como propósito e devemos ter<br />
essa <strong>da</strong>ta como mais uma reverência. Então foi aí que foi escolhido o dia 13 de maio, por causa<br />
desses dois pontos, o ponto que o feriado alongado e a questão <strong>da</strong> luta de to<strong>da</strong> história que nós<br />
não vamos aqui repetir a história falar sobre o 13 de maio, mas tem tudo haver uma coisa com a<br />
outra em termos assim, foi por isso que foi 13 de maio, o qual nós adotamos como a <strong>da</strong>ta do<br />
Comércio de Cajazeiras, porque aí nasceu aí o comércio de Cajazeiras. Depois disso existiram<br />
outras ocupações nesse mesmo sentido comercial (...) agora, de maneira coletiva e organiza<strong>da</strong><br />
essa foi a primeira que eu tenho conhecimento, que a gente tem notícia foi a primeira.
Foto: Fernando Vivas<br />
FOTO 09 – Comércio de Cajazeiras<br />
No início, havia muita dificul<strong>da</strong>de de integração dos moradores, especialmente entre os<br />
mais jovens. A temática do transporte agregava primeiramente os mais velhos e adultos,<br />
trabalhadores e chefes de família. Os jovens e adolescentes ficavam sem alternativas de<br />
encontro, pois também havia o conflito entre aqueles que tinham a pele mais clara e os<br />
de epiderme mais escura, rivali<strong>da</strong>de entre os Conjuntos. Ela aparecia principalmente em<br />
épocas de eleição, quando os candi<strong>da</strong>tos patrocinavam festas no bairro e o público<br />
acabava brigando muito entre si.<br />
Esse quadro foi alterado com o surgimento de algumas agremiações juvenis nos anos<br />
1980, quando se fundou-se o grupo Renascer, formado por jovens católicos que se<br />
reuniam para preparar as missas e discutir outras questões pertinentes à juventude e ao<br />
bairro. Era aberto a pessoas de outras religiões e auxiliava o Conselho de Moradores de<br />
Cajazeiras 10 nas suas ativi<strong>da</strong>des, a exemplo <strong>da</strong> distribuição de vales-leite <strong>da</strong> Legião<br />
Brasileira de Assistência - LBA. Enquanto as mulheres aguar<strong>da</strong>vam o benefício, os<br />
jovens faziam palestras sobre planejamento familiar, drogas e outros assuntos.<br />
Iniciativas como a organização de festas, grupos de <strong>da</strong>nça, campeonatos esportivos,<br />
reforço escolar de crianças foram outros instrumentos encontrados para se estimular a<br />
soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de e a convivência. Assim como os adultos, os jovens também “construíram”<br />
132<br />
campos de futebol que se tornaram quadras esportivas improvisa<strong>da</strong>s. Escolhiam o
terreno, em segui<strong>da</strong> o capinavam e administravam os horários e regras de uso. Outro<br />
grupo de jovens importante na época foi o Grujéia, grupo católico e a ação desses dois<br />
grupos foi o embrião para o pensamento de esquer<strong>da</strong> na região, de tal sorte que as<br />
principais lideranças comunitárias de hoje, liga<strong>da</strong>s aos setores dos movimentos sociais,<br />
iniciaram sua formação política no âmbito <strong>da</strong> mobilização <strong>da</strong> juventude.<br />
Os anos 1980 foram um momento especial nesse contexto. Em 1987, o bloco afro<br />
Olodum escolheu como a Deusa do Olodum uma moradora de Cajazeiras, o que<br />
representou motivo de um grande orgulho para os cajazeirenses. O tema do bloco foi<br />
“Os tesouros de Tutancâmon” e nesse ano, uma canção do bloco fez um estrondoso<br />
sucesso, marcando o momento divisor de águas na produção musical baiana. Tratava-se<br />
<strong>da</strong> música “Faraó-divin<strong>da</strong>de do Egito”, que retomava a cultura egípcia como uma<br />
cultura negra e seu compositor, Luciano Gomes dos Santos, mora atualmente em<br />
Cajazeiras.<br />
A canção “Faraó” representa para a ci<strong>da</strong>de o divisor de águas na cultura baiana<br />
contemporânea já que além de afirmar a identi<strong>da</strong>de negra proporcionou um novo<br />
capítulo na indústria fonográfica local, tornando-se a principal referência para a<br />
produção musical do Estado. Seu estrondoso sucesso é devido a força <strong>da</strong> resistência<br />
cultural afro-baiana, expressa na letra que exalta a civilização egípcia e na melodia do<br />
samba-reggae (o ritmo predominante nos blocos afro), criação dos negros baianos.<br />
Embora o Olodum tenha sua sede no Pelourinho, o principal cartão-postal <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de,<br />
seu trabalho – assim como o dos demais blocos afro mobilizava todo o povo negro<br />
soteropolitano, levando o movimento negro a fortalecer e reforçar a sociabili<strong>da</strong>de em<br />
to<strong>da</strong> a periferia de Salvador.<br />
Os campeonatos de futebol ain<strong>da</strong> hoje dispõem de uma organização rígi<strong>da</strong> e<br />
constantemente têm apoio e patrocínio de políticos ligados às associações de moradores.<br />
Mas encontramos entre os times de futebol dois curiosos nomes: os times Kênia (nome<br />
de um país africano) e o Treze de Maio (<strong>da</strong>ta <strong>da</strong> assinatura <strong>da</strong> Lei Áurea), denominações<br />
liga<strong>da</strong>s à herança africana, que têm o sentido de força e resistência. Afinal, a<br />
africani<strong>da</strong>de é uma referência de força e resistência inclusive física para aqueles atletas.<br />
133
Cajazeiras inicialmente sintetizava a vi<strong>da</strong> nas periferias <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Salvador, uma vez<br />
que seus moradores provinham de todos os cantos e mantinham suas ligações com os<br />
lugares de origem, outros bairros negros como a Liber<strong>da</strong>de e isso resultou hoje na<br />
manutenção <strong>da</strong>s raízes e a ampliação de manifestações culturais presentes em outras<br />
regiões <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de como o samba junino ou a capoeira.<br />
3.2.4 EM DEFESA DA MEMÓ<strong>RI</strong>A: A PEDRA DO BURACO DO TATU<br />
Para Poutignat e Streiff-Fenart (1998) é na história comum que se formam os traços<br />
culturais diferenciadores de um grupo humano. Por sua vez, a memória coletiva os<br />
transmite e interpreta solidificando símbolos representativos de uma identi<strong>da</strong>de étnica<br />
no imaginário social, fortalecendo a idéia de uma origem comum e orientando-a para o<br />
passado. Essa fala de afiliação original (ancestrali<strong>da</strong>de africana) tem sido ca<strong>da</strong> vez mais<br />
recorrente entre os habitantes <strong>da</strong> nossa área de estudos. Não é só o movimento negro<br />
que coloca a afrodescendência no centro do discurso, mas outros setores têm sido<br />
atraídos para essa afirmação.<br />
Há um interesse crescente em reconstituir e reavivar uma memória positiva <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> dos<br />
negros em Cajazeiras. De modo variado, disperso, mas nem por isso pouco legítimo,<br />
esses moradores têm sido sensibilizados a serem pesquisadores e guardiães de sua<br />
própria história e cultura e o emblema dessa movimento é, sem dúvi<strong>da</strong> , a pedra do<br />
Buraco do Tatu. Essa pedra, como já falamos em outro momento, recebeu diferentes<br />
nomes e, entre eles, o mais importante é aquele que dá referência ao Quilombo do<br />
Buraco do Tatu. O reconhecimento no bairro dessa parte histórica <strong>da</strong> resistência dos<br />
negros tem se <strong>da</strong>do através de transmissão oral. A rocha ficava escondi<strong>da</strong> no meio <strong>da</strong><br />
mata até que nos anos 2004-2005 sofreu a ameaça de implosão devido às obras de<br />
construção <strong>da</strong> Aveni<strong>da</strong> Assis Valente (ANEXO F), o que gerou grande mobilização em<br />
sua defesa. É interessante notar que a localização do referido quilombo é reivindica<strong>da</strong><br />
pela população do bairro de Itapuã, celebra<strong>da</strong> intensamente nos grupos do movimento<br />
negro local como o bloco afro Malê de Balê entre outros. A enorme pedra em Cajazeiras<br />
é apenas o marco <strong>da</strong> entra<strong>da</strong>, uma espécie de portal <strong>da</strong>quele território de liber<strong>da</strong>de que<br />
se espalhava numa área que abarcaria parte desses dois grandes bairros e que possuía<br />
uma estratégia militar de defesa muito avança<strong>da</strong>.<br />
134
Símbolo de resistência negra, a Pedra do Quilombo do Buraco do Tatu e seu aporte<br />
histórico incentivou um posicionamento mais contundente e articulado acerca <strong>da</strong> defesa<br />
<strong>da</strong> memória e cultura dos negros (ANEXO G). A maioria <strong>da</strong>s lideranças que proferem<br />
hoje discursos mais agressivos e de oposição à forma como os poderes públicos agem<br />
(ou não agem) naquela região são, em sua maioria, os filhos dos primeiros beneficiados<br />
do Complexo. É uma fala mais autônoma, influencia<strong>da</strong> pela formação política dos<br />
movimentos sociais como estu<strong>da</strong>ntil (grêmios estu<strong>da</strong>ntis), ambiental, negro (MNU,<br />
terreiros de candomblé, hip hop...), católico (Pastoral <strong>da</strong> Juventude, Comuni<strong>da</strong>des<br />
Eclesiais de Base), artístico-cultural (roqueiros, poetas, companhias teatrais...), sindical,<br />
feminista entre tantas outras alternativas de participação política dissemina<strong>da</strong>s<br />
vigorosamente nos anos 1980 e 1990 na periferia soteropolitana.<br />
Por mais que às vezes se oponham uns aos outros, a persistência <strong>da</strong> questão dos negros<br />
fez com que isso se tornasse um ponto de ações consensuais entre os mais novos e os<br />
mais tradicionais representantes de Cajazeiras. Para os mais velhos, fica evidente que a<br />
negritude se apresenta como elemento importante na relação com a ci<strong>da</strong>de de Salvador.<br />
Para os mais novos, a cultura afro-brasileira é um instrumento de integração na ci<strong>da</strong>de e<br />
na economia. E esses sujeitos hoje se colocaram como interlocutores quando a questão é<br />
a defesa do patrimônio afro-brasileiro como a Pedra do Buraco do Tatu.<br />
Podemos citar aqui algumas ações que determinaram a manutenção <strong>da</strong> pedra intacta:<br />
desde articulações políticas de campos ideológicos, religiosos e partidários diversos<br />
com setores do governo estadual (o responsável pela obra), até manifestações públicas<br />
que impediram a continui<strong>da</strong>de do trabalho de homens e máquinas no local. Alguns se<br />
vangloriam de terem sido os responsáveis diretos pela não demolição porque<br />
conseguiram sensibilizar o governador do Estado <strong>da</strong> época, o geólogo Paulo Souto, ou<br />
algum outro político que teria ordenado a manutenção <strong>da</strong> rocha; outros, por terem sido<br />
os primeiros a se movimentar em prol <strong>da</strong> Pedra. O fato é que, mantido o rochedo no<br />
local, outras disputas continuam a ocorrer em torno do terreno que a circun<strong>da</strong>.<br />
Associações como a Associação Brasileira de Preservação <strong>da</strong> Cultura Afro Ameríndia –<br />
AFA – que atua na organização de candomblecistas e a Mude, Salvador!, liga<strong>da</strong> ao<br />
movimento popular na periferia soteropolitana também entraram na disputa pela<br />
articulação dos destinos <strong>da</strong>quela porção de terra. O projeto dessas duas enti<strong>da</strong>des era a<br />
135<br />
criação de uma creche e uma área de lazer, o que nunca se realizou. Ambas afirmavam
que o zelador espiritual <strong>da</strong> pedra era o Ilê Axé Layê Lubo, situado na região de<br />
Cajazeiras, e com o qual não conseguimos contato. A Associação Ambiental e Protetora<br />
Pedra do Ramalho também projetou uma área de lazer no entorno e tentou intervir na<br />
Conder durante as obras (ANEXO H). Por fim, a Conder colocou uma placa indicando a<br />
“Pedra do Quilombo do Buraco do Tatu” e construiu um pequeno quiosque, mas em<br />
segui<strong>da</strong> a plaquinha desapareceu do local.<br />
Durante nossa pesquisa, procuramos a Conder, responsável pela execução de obras no<br />
bairro, mas não nos foi possível obter informação alguma. Em nossa compreensão, os<br />
documentos de uma instituição pública como essa são de caráter público, com consulta<br />
garanti<strong>da</strong> por parte de qualquer ci<strong>da</strong>dão. Porém, durante nossa pesquisa de campo,<br />
obtivemos apenas respostas vagas sobre as questões que envolviam to<strong>da</strong> aquela área de<br />
Cajazeiras. Funcionários antigos evitavam falar ou <strong>da</strong>r qualquer informação consistente<br />
como <strong>da</strong>dos estatísticos sobre obras e urbanização <strong>da</strong>quela região. Não tivemos acesso<br />
nem às plantas, nem aos projetos dos conjuntos habitacionais e obras similares. O<br />
silêncio, porém, não veio somente dos funcionários públicos, e muitos entrevistados não<br />
permitiram gravar seus depoimentos sobre o processo <strong>da</strong> urbanização do bairro, sobre a<br />
posse <strong>da</strong>s habitações, representação política, entre outros pontos. Não é para menos esse<br />
clima de apreensão. Durante muitos anos, esses conjuntos habitacionais populares têm<br />
sido o principal instrumento de barganha de políticos na periferia de Salvador. Eram<br />
esses parlamentares que “sorteavam” as moradias, indicavam lideranças e em muitos<br />
casos burlavam eleições <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des representativas de moradores em troca de votos.<br />
Embora praticamente todos as lideranças comunitárias entrevista<strong>da</strong>s se declarem como<br />
“descobridores” <strong>da</strong> Pedra e seus mais leais e competentes defensores, não foi possível<br />
identificar como sendo “um sujeito” o único responsável pelo impedimento <strong>da</strong><br />
derruba<strong>da</strong>, mas ficou claro que essa foi uma conquista coletiva. A grande movimentação<br />
envolveu diversos atores, desde parlamentares até enti<strong>da</strong>des representativas de<br />
moradores, passando por pautas nacionais em conselhos populares de meio ambiente,<br />
cultura ou igual<strong>da</strong>de racial.<br />
Não podemos ignorar que, uma vez que a pedra se manteve inteira, outras questões<br />
vieram à tona. Uma delas é a importância <strong>da</strong> difusão dos valores e conceitos do<br />
136<br />
patrimônio cultural afro-brasileiro. Há um conflito explícito nesse ponto, pois se para
uns ela deve ser reserva<strong>da</strong> ao culto afro-brasileiro, outros abominam tal idéia exigindo<br />
desses agentes sociais maior empenho na divulgação <strong>da</strong> história dos negros na<br />
socie<strong>da</strong>de. A realização <strong>da</strong> 2ª Marcha <strong>da</strong> Consciência Negra de Cajazeiras em 2007 teve<br />
como tema a Pedra do Buraco do Tatu e contou na sua base organizadora com enti<strong>da</strong>des<br />
como a União e a Cajaverde, além <strong>da</strong>s escolas estaduais e municipais.<br />
Fonte: Arquivo Cajaverde<br />
FOTO 10 – Estu<strong>da</strong>ntes na Pedra do Buraco do Tatu durante 2ª Marcha <strong>da</strong> Consciência<br />
Negra de Cajazeiras<br />
O lado inverso dessa situação é o demonstrado pela Associação Ambiental e Protetora<br />
<strong>da</strong> Pedra do Ramalho presidi<strong>da</strong> por Ramalho de Souza Barreto. Ela defende a pedra por<br />
sua beleza natural sem ressaltar a sua importância na afirmação <strong>da</strong> cultura negra. A<br />
organização tem se ocupado, entre outras coisas, de promover a limpeza <strong>da</strong> rocha, pois<br />
em sua visão as oferen<strong>da</strong>s religiosas de candomblecistas sujam o ambiente, como<br />
podemos observar na fala de Ramalho de Souza Barreto, presidente <strong>da</strong> Associação<br />
Ambiental e Protetora <strong>da</strong> Pedra do Ramalho, morador <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Grande 2 há 13 anos:<br />
137<br />
Agora eu acredito eu que hoje a situação que a pedra passa é muito difícil, porque o pessoal<br />
coloca muito oferen<strong>da</strong>, muito bozó. Eu passei lá agora de tarde na reali<strong>da</strong>de me deu até vontade<br />
de chorar pelo descaso que tá acontecendo com a Pedra. As pessoas procura muito sujar<br />
colocando oferen<strong>da</strong>, bozó e outras coisas mais que de qualquer de maneira as pessoas passam lá
138<br />
e faz. então eu não acho que tá certo. Mas a gente tá procurando aí, é justamente essa coisa,<br />
parceria e apoio pra que se retome essa situação pra limpar e fazer a limpeza geral <strong>da</strong> Pedra e de<br />
Cajazeiras. Nós temos esse interesse total.<br />
(...)...As oferen<strong>da</strong> que às vezes eles colocam na Pedra eu acredito que eles deviam ter um local<br />
específico pra fazer isso, mas no local aonde o povo visita e tem os seus cui<strong>da</strong>do... eu não acho<br />
isso de acordo eu acho isso muito... sei lá muito difícil, a gente não pode aceitar essa situação<br />
muito difícil ...<br />
(...) E as pessoas deve ter um local, essas pessoas que fazem isso, deve ter um local determinado<br />
pra que se coloque a oferen<strong>da</strong>, se de qualquer maneira eles fazem é porque acham bom essa<br />
situação, essa situação. Então, se acham bom porque não fazem essas coisas e num colocam nos<br />
seus quintal, no fundo <strong>da</strong>s casa, ou até no cantinho <strong>da</strong> casa assim do lado? Já que a coisa é boa<br />
porque fazem e deixam lá?<br />
A proteção à pedra também desencadeou uma campanha popular naquele bairro em<br />
defesa <strong>da</strong>s áreas verdes, especificamente pela criação do Parque Ecológico de<br />
Cajazeiras. Para muitos, essas áreas verdes em Cajazeiras estão ca<strong>da</strong> vez mais raras e<br />
são preserva<strong>da</strong>s essencialmente em proprie<strong>da</strong>des de religiosos do candomblé. A<br />
enti<strong>da</strong>de que mais tem capitalizado esse segundo momento é a Cajaverde.<br />
Mas essa discussão traz ain<strong>da</strong> pontos críticos a serem estu<strong>da</strong>dos pela comuni<strong>da</strong>de e por<br />
órgãos públicos, tais como a denúncia de existência de comuni<strong>da</strong>des negras tradicionais<br />
no entorno de Cajazeiras. Alguns depoimentos citam a presença de remanescentes de<br />
comuni<strong>da</strong>des quilombolas naquela região de Salvador e alguns dizem que essas pessoas<br />
se deslocaram para áreas de difícil acesso, em direção ao interior <strong>da</strong> APA Joanes-<br />
Ipitanga, tais como Cleide Avelino, coordenadora <strong>da</strong> Mude, Salvador!, moradora <strong>da</strong><br />
Boca <strong>da</strong> Mata<br />
... eu conheci uma família que tem cem anos que mora ali, né (...)Eles saem de madruga<strong>da</strong> dia de<br />
sábado pra levar as coisas a Feira de São Joaquim . E vende. Por isso chama Boca <strong>da</strong> Mata né?<br />
Porque tem muita mata mesmo, tem matos... o que tem assim de... de nativos e de plantas<br />
medicinais, e eles vão vender, e de plantas <strong>da</strong> cultura, <strong>da</strong> cultura negra. Mais eles fazem<br />
pamonha, beiju, to<strong>da</strong>s aquelas coisa que o negro vende hoje em dia pra sobreviver, aí eles fazem.<br />
Bom, dizem que na época que foi dizimado os quilombos essas famílias que restaram, né, foram<br />
caminhando em torno do rio pra fugir, né?! E uns foram ficando, né?<br />
A reivindicação <strong>da</strong> criação do parque ecológico naquela região se baseia no argumento<br />
do desenvolvimento sustentável. Sendo Salvador uma ci<strong>da</strong>de turística, aquela região se<br />
considera detentora de espaços possíveis de exploração como a APA Joanes-Ipitanga,<br />
criando um roteiro de turismo ambiental e étnico. Não há somente a Pedra do Buraco do
Tatu enquanto espaço de potenciais turísticos como a linha étnica, há outros lugares<br />
ain<strong>da</strong> pouco explorados no meio <strong>da</strong> mata que são referências espaciais de adeptos do<br />
culto afro-brasileiro.<br />
É inegável a contribuição do caso <strong>da</strong> quase destruição <strong>da</strong> pedra para a afirmação de uma<br />
identi<strong>da</strong>de étnica em Cajazeiras. Além de um orgulho que a comuni<strong>da</strong>de tem<br />
experimentado em função do desfecho dessa história, várias ações vem acontecendo<br />
tendo ao fundo o desenho de traços de um discurso identitário negro. A Agen<strong>da</strong> 21 do<br />
bairro encaminhou à SEMUR o pedido de tombamento <strong>da</strong> Pedra do Quilombo do<br />
Buraco do Tatu como patrimônio histórico e ambiental de Cajazeiras em maio de 2008;<br />
o IPHAN recebeu pedido de tombamento por parte de integrantes <strong>da</strong> Mude, Salvador!no<br />
ano anterior; a Fun<strong>da</strong>ção Gregório de Matos, <strong>da</strong> Prefeitura Municipal, também começou<br />
a estu<strong>da</strong>r medi<strong>da</strong>s de proteção após articulação com a Cajaverde.<br />
Alguns professores têm realizado trabalhos escolares com a temática <strong>da</strong> Pedra e o<br />
movimento estu<strong>da</strong>ntil já realizou ações junto com o Hip Hop em algumas uni<strong>da</strong>des<br />
escolares para divulgação e preservação do monumento e todo o seu aporte histórico. A<br />
Cajaverde, por sua vez, adotou a pedra como sua logomarca, enquanto as instâncias de<br />
controle social <strong>da</strong>s políticas públicas como as conferências e conselhos dos últimos anos<br />
têm colocado a proteção à pedra nos pontos de pauta, deliberação ou moções de apoio.<br />
Durante a I Conferência Municipal de Meio Ambiente, realiza<strong>da</strong> em 2005, deliberou-se<br />
“Conservar e tombar como Quilombo Urbano a área do Buraco do Tatu, no Bairro de<br />
Cajazeiras. (...) Criação <strong>da</strong> Uni<strong>da</strong>de de Conservação na área <strong>da</strong> Pedra <strong>da</strong> Onça,<br />
localiza<strong>da</strong> no bairro de Cajazeiras, considerando-a como Patrimônio Histórico e<br />
Ambiental” (PREFEITURA MUNICIPAL DO SALVADOR, 2005, p.17-18). No<br />
orçamento Participativo de 2004, aprovou-se a de se revitalizar e tombar a pedra, assim<br />
como foi proposta aprova<strong>da</strong> também a proposta de seu tombamento, como acervo do<br />
patrimônio histórico e cultural no Planejamento Participativo do Governo Estadual em<br />
2007. Tal mobilização rendeu a Cajazeiras a condição de palco <strong>da</strong>s principais ações <strong>da</strong>s<br />
comemorações do Novembro Negro, em 2007, evento promovido pelo governo estadual<br />
em parceria com enti<strong>da</strong>des e instituições oficiais de promoção <strong>da</strong> eqüi<strong>da</strong>de racial. O dia<br />
20 de novembro, dia <strong>da</strong> consciência negra, naquele ano foi comemorado de forma<br />
inédita no bairro, trazendo artistas negros de renome nacional e local para a celebração,<br />
como relata o coordenador geral <strong>da</strong> Cajaverde, Kilson Melo:<br />
139
140<br />
O encerramento foi a SEPROMI, com discussões lá junto com terreiros e enti<strong>da</strong>des. A<br />
Cajaverde estava presente, o Sindicato dos Músicos, e outras, ficou de se estar fazendo o<br />
encerramento do mês <strong>da</strong> consciência negra em Salvador, né! Foi tirado Salvador. Ia fazer no<br />
centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e nas discussões lá, a gente falou <strong>da</strong> importância de Cajazeiras teria junto lá<br />
com o secretário [estadual de Promoção <strong>da</strong> Igual<strong>da</strong>de Racial] Luiz Alberto e outras enti<strong>da</strong>des e<br />
outras enti<strong>da</strong>des, né! Sindicato dos Músicos na presença do Sidney e várias outras enti<strong>da</strong>des lá,<br />
né! Palavras de mulheres, vários terreiros de Cajazeiras e de Salvador e a gente falou sobre isso.<br />
O secretário se sensibilizou e disse que ia trazer a Margareth Menezes para tá fazendo show aqui<br />
e tá fazendo um show no centro. Mas só que aí fez o encerramento aqui em Cajazeiras com<br />
Ci<strong>da</strong>de Negra, com Margareth Menezes..., Leci Brandão e Mariene de Castro, teve mais<br />
atrações. Foi uma ativi<strong>da</strong>de muito bonita, muito rica, né! E iniciou essa ativi<strong>da</strong>de fazendo<br />
homenagem à Capoeira, né! Foi grupo <strong>da</strong>qui local que se apresentou né! Capoeira e as duas<br />
Mães de Santo, Mãe Lia e Mãe Zil. Nesse dia foi um dia muito bonito com presença aqui do<br />
secretário [Municipal] de reparação, presença de vários políticos, foi uma festa muito plural,<br />
muito bonita e rica. Então Cajazeiras já começou a ganhar respeito, um outro olhar, isso aí foi<br />
em novembro, dia 30 de novembro se não me engano.<br />
Diante do contexto descrito e considerando a definição <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de como o conjunto<br />
de representações internas e externas ao grupo ou indivíduo, entendemos que o bairro de<br />
Cajazeiras desfruta atualmente de uma construção imaginária que o determina como<br />
sendo negro. Seu texto identitário recente têm se afirmado em elementos <strong>da</strong> cultura<br />
afro-brasileira e possui como maior símbolo a pedra do Buraco do Tatu.
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Fonte: Arquivo Cajaverde<br />
FOTO 11 – Faixa <strong>da</strong> 2ª Marcha <strong>da</strong> Consciência Negra de Cajazeiras<br />
O presente trabalho se dedicou a investigar a construção de um discurso identitário por<br />
parte de lideranças comunitárias de Cajazeiras, periferia soteropolitana, referenciado na<br />
cultura negra. A partir do problema de como tem se <strong>da</strong>do a construção dos discursos<br />
identitários nesse bairro de Salvador, buscou-se compreender em que medi<strong>da</strong> os<br />
elementos <strong>da</strong> cultura afro-brasileira presentes na região e na ci<strong>da</strong>de como um todo<br />
influenciam esses construtos.<br />
Ao estu<strong>da</strong>rmos esses processos identitários, esperamos fortalecer os debates sobre as<br />
culturas e as identi<strong>da</strong>des, interferindo inclusive na elaboração de políticas públicas que<br />
incluam os diferentes modos de vi<strong>da</strong> na representação e organização do espaço urbano.<br />
O respeito aos vínculos dos moradores com o espaço vivido, suas histórias e<br />
percepções, pode contribuir enormemente para relacionamentos mais solidários,<br />
contrapondo-se à ordem de competição instala<strong>da</strong>.<br />
141
Não ambicionamos a emitir a palavra final sobre a questão examina<strong>da</strong>, mas apenas<br />
evidenciar os pontos de vista de um grupo que, embora não represente a totali<strong>da</strong>de dos<br />
moradores, é um segmento importante <strong>da</strong>quela população: os seus principais líderes<br />
comunitários. Eles não só representam os interesses do bairro e habitam o local, mas<br />
suas próprias histórias de vi<strong>da</strong> determinam comportamentos, mentali<strong>da</strong>des e ações. São<br />
os interlocutores entre a região em que vivem e a ci<strong>da</strong>de do Salvador e por causa desse<br />
trânsito precisam declarar quem são e de onde vêm, conscientemente ou não.<br />
Partimos do pressuposto de que essa comuni<strong>da</strong>de busca atualmente construir um<br />
discurso identitário negro referenciado principalmente na defesa <strong>da</strong> Pedra do Buraco do<br />
Tatu e percebemos a ocorrência de algumas ações que se transformaram em marcadores<br />
de pertencimento de uma origem comum (a origem africana).<br />
Compreendendo a identi<strong>da</strong>de como um processo, observamos que os habitantes <strong>da</strong><br />
cita<strong>da</strong> região periférica soteropolitana têm buscado o fortalecimento do referencial<br />
negro, criando mecanismos e dinâmicas de afirmação, tais como: valorização <strong>da</strong>s<br />
iniciativas culturais negras como a capoeira, o movimento hip hop, a musicali<strong>da</strong>de, as<br />
religiões de matriz africana; a recuperação, defesa e divulgação de marcos históricos do<br />
povo negro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Salvador presentes naquela região, entre outros. Essas seriam<br />
algumas <strong>da</strong>s fronteiras étnicas cria<strong>da</strong>s pela população para determinar a pertença, bem<br />
como manifestá-la ou excluí-la (POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998).<br />
Esse fortalecimento <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de negra também confere aos moradores desse bairro o<br />
sentimento de pertença à ci<strong>da</strong>de de Salvador, que veicula como símbolo próprio a<br />
imagem <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de-negritude, embora exclua a população afrodescendente (que<br />
predomina em Cajazeiras) <strong>da</strong>s condições de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia. É nesse cenário que sujeitos<br />
soteropolitanos marginalizados almejam inserir-se num discurso identitário que afirma<br />
sua ancestrali<strong>da</strong>de comum – a negra – mas que na reali<strong>da</strong>de os deixa à margem <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong>de. O direito de pertencer à ci<strong>da</strong>de hoje é materializado não somente nas lutas<br />
pela quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> população, mas em um desejo de ser reconhecido como parte<br />
integrante <strong>da</strong> marca Salvador.<br />
142
Buscamos analisar as implicações <strong>da</strong> afirmação de uma identi<strong>da</strong>de negra e <strong>da</strong><br />
construção identitária referencia<strong>da</strong> na alteri<strong>da</strong>de (no caso, a parte <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Salvador<br />
não incluí<strong>da</strong> no território de Cajazeiras). Ao assumir uma identi<strong>da</strong>de étnica, as<br />
lideranças de Cajazeiras fazem um caminho de integração à ci<strong>da</strong>de: para uns, é a<br />
estratégia de se acoplar a dinâmica <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de-mercadoria, para outros mais envolvidos<br />
com o movimento negro, é o desejo <strong>da</strong> reparação justificado. O fato é que a negritude<br />
sempre esteve presente no cotidiano dos habitantes dessa região, mas ultimamente tem<br />
estado mais nos discursos, resultado do contexto histórico, social e político <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e<br />
do país.<br />
A valorização <strong>da</strong> herança africana em Salvador tem estimulado a exigência de<br />
reafirmação do patrimônio histórico e cultural dessa população, sem representar,<br />
entretanto, um total comprometimento com a afirmação <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de étnica. Afirma-se<br />
a identi<strong>da</strong>de do bairro, do lugar, através de elementos simbólicos <strong>da</strong> cultura afro-<br />
brasileira como a Pedra do Quilombo do Buraco do Tatu, porém se percebe, que o<br />
maior estimulador desse processo é ain<strong>da</strong> o desejo dos moradores de Cajazeiras de<br />
poder participar do movimento <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de-mercadoria, alterando seu posto de bairro<br />
esquecido e excluído de Salvador.<br />
Embora esse discurso tenha se fortalecido em função <strong>da</strong> oposição a um “outro”, à<br />
ci<strong>da</strong>de turística, ao encontrar pontos comuns como a africani<strong>da</strong>de e o potencial turístico,<br />
os sujeitos se apropriam de todo o aporte que tornou a ci<strong>da</strong>de um produto único e raro.<br />
Nesse contexto, “ser negro” para as pessoas e lugares que têm sido constantemente<br />
excluídos do conjunto de imagens que determinam a síntese de Salvador é uma forma<br />
de vivenciar a idéia <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de una.<br />
Mas cabe aqui ain<strong>da</strong> a seguinte reflexão: seria esse processo de identificação uma per<strong>da</strong><br />
de identi<strong>da</strong>de original <strong>da</strong>queles moradores? Acredito que não, pois sendo a identi<strong>da</strong>de<br />
uma escolha política, há a possibili<strong>da</strong>de de se articularem várias identi<strong>da</strong>des ao mesmo<br />
tempo. Cajazeiras experimenta com o discurso afro-referenciado uma auto-estima nunca<br />
antes experimenta<strong>da</strong> em relação à ci<strong>da</strong>de. A identi<strong>da</strong>de de proletários se funde com a <strong>da</strong><br />
negritude soteropolitana e uma não precisa se subsumir na outra. Desta forma, as<br />
143<br />
características básicas dessa população não são perdi<strong>da</strong>s, ao contrário: elas se
fortalecem enquanto referência positiva e como a identi<strong>da</strong>de é sempre aberta, transitória<br />
e problemática, a possibili<strong>da</strong>de de câmbio desse discurso negro é também muito grande.<br />
A necessi<strong>da</strong>de de delimitação do estudo e a especifici<strong>da</strong>de do objeto de investigação, se<br />
por um lado impõe limites na abor<strong>da</strong>gem e nas análises, por outro também sugerem a<br />
emergência de diversos objetos de pesquisa que circun<strong>da</strong>m ou tangenciam o foco do<br />
presente trabalho. Assim sendo, abrem-se novas perspectivas para análise de temas<br />
como raça, território, espaço urbano, políticas públicas, afrodescendência, etc., que<br />
poderão justificar futuros trabalhos investigativos, por este ou outros autores. Enquanto<br />
isso, outros textos identitários vão sendo articulados ao longo <strong>da</strong> produção <strong>da</strong>s<br />
subjetivi<strong>da</strong>des na ci<strong>da</strong>de de Salvador. Deixamos aqui, para a reflexão do leitor, a letra<br />
<strong>da</strong> canção Salvador Negro Amor, de Sérgio Guerra e Peri, na qual se afirma uma<br />
identi<strong>da</strong>de negro-mestiça para a capital baiana:<br />
Somos a maré<br />
Somos o vento secular<br />
A luz <strong>da</strong> alegria,<br />
Um oceano de amor<br />
Uma nação e sua fé<br />
Que tudo pode transformar<br />
Somos Salvador Negro Amor<br />
Somos do Benin<br />
Da Nigéria e de Angola<br />
De sangue iorubá, bantu, jêje, nagô<br />
Como o branco e com o índio<br />
Nós fizemos a história<br />
Somos Salvador Negro Amor<br />
Na pele negra, negra emoção<br />
Mestiço é o coração<br />
Dessa ci<strong>da</strong>de<br />
Pulsando todo dia<br />
Ao largo <strong>da</strong> Bahia<br />
Bahia negra<br />
Negra identi<strong>da</strong>de<br />
Na igreja, no trabalho e no terreiro<br />
O negro é guerreiro<br />
Na palavra e no tambor<br />
Lutando todo dia<br />
Por uma nova democracia<br />
Somos Salvador<br />
Negro amor<br />
144
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ANEXOS<br />
155
ANEXO A – Mapa do Quilombo do Buraco do Tatu<br />
Fonte: ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p.132<br />
156
157
ANEXO B – Mapa de Salvador:<br />
Estrutura político-administrativa<br />
158
159
ANEXO C – Mapa de Salvador:<br />
Administração Regional XIV - Cajazeiras<br />
160
161
ANEXO D – Distribuição dos terreiros de candomblé em Cajazeiras<br />
162
163
ANEXO E – Distribuição dos terreiros de candomblé em Salvador<br />
164
165
ANEXO F – Prospecto do Governo <strong>da</strong> Bahia<br />
Obras <strong>da</strong> nova aveni<strong>da</strong> <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Grande<br />
166
167
168
ANEXO G – Prospecto <strong>da</strong> Cajaverde<br />
169
170
171
ANEXO H – Reportagem sobre as obras na Aveni<strong>da</strong> Assis Valente<br />
172
173
ANEXO I – Transcrições de entrevistas<br />
174
TRANSC<strong>RI</strong>ÇÃO DA ENTREVISTA COM ALFREDO VENCESLAU<br />
<strong>Nelma</strong> (N): Nove de julho de 2008, a gente vai conversar com Alfredo Venceslau, que é<br />
<strong>da</strong> associação de micro empresários...<br />
Alfredo Venceslau (A): ...e Comerciantes de Cajazeiras e adjacências. Inclusive fomos<br />
nós que fun<strong>da</strong>mos a APLEIAD, Associação dos Comerciantes de Cajazeiras porém, no<br />
momento eu estou afastado e mantenho a minha condição de liderança.<br />
(N): Você tá afastado há quanto tempo, você tá afastado a quanto tempo de lá?<br />
(A): Um ano... Mais de um ano, mais continuamos...<br />
(N): Como é o nome dela?<br />
(A): Apleiad.<br />
(N): Apleiad.<br />
(A): Apleiad, Associação dos Comerciantes de Cajazeiras e Adjacências, porém a gente<br />
continua evidentemente desenvolvendo o trabalho representando o comércio, dirigentes.<br />
Agora ,é não estou a frente <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des.<br />
(N): Qual seu nome completo?<br />
(A): Alfredo de Jesus Venceslau.<br />
(N): Sua i<strong>da</strong>de?<br />
(A): 51 anos.<br />
(N): Mora há quanto tempo aqui em Cajazeiras?<br />
1
(A): Eu diria... Se eu posso usar alguma coisa para simbolizar, vim junto com os tratores<br />
(risos). Mas na ver<strong>da</strong>de conhecer Cajazeiras, conheço ela porque antes não era<br />
Cajazeiras é... antes do projeto basicamente..<br />
(N): É?<br />
(A): É. E logo após uma vivência de perto aqui, tudo era mato, caminhos, estra<strong>da</strong>s e<br />
logo depois foi que foi implantado o loteamento Parque São José e na época nós<br />
tínhamos um convênio por conta <strong>da</strong> minha profissão, que eu sou corretor de imóveis,<br />
credenciado já a trinta e poucos anos e na ocasião deste loteamento eu trabalhei aqui<br />
que foi a Eraque Aran<strong>da</strong>s empreendimentos imobiliários que implantou o loteamento<br />
Parque São José que é <strong>da</strong> fazen... <strong>da</strong> família Aldena.<br />
(N): Fernan<strong>da</strong> Aldena esse pessoal né?<br />
(A): Isso! Na ver<strong>da</strong>de Luís... Mário Luís Aldena o dono <strong>da</strong>s terras e que a imobiliária<br />
incorporou, né? Eu trabalhei como corretor, isso nos anos 70.<br />
(N): E como é que era Cajazeiras, o que era falar em Cajazeiras nessa época?<br />
(A): Não se falava. E nem poderia!<br />
(N): Por quê?<br />
(A): É... Porque naquela época apenas existia... existiam as terras aqui em Cajazeiras, e<br />
Cajazeiras isso seria basicamente por etapas. É a questão antes conjunto, que isso<br />
passa de um projeto, de uma elaboração do projeto e tal, do governo do estado, depois aí<br />
vem é... o conjunto em si e as terras, as terras que já vem de longas <strong>da</strong>tas e nós temos<br />
alguns registros como Estado a quem interessar possa, é... a questão dentro <strong>da</strong> origem<br />
mais ou menos de 1800, eu não tenho muito tempo até porque seria pra questão de<br />
tempo e tal, por falta de tempo de minha parte seria pra eu estar com esses estudos,<br />
essas análises bem avança<strong>da</strong>s mais eu interrompi por questão de disponibil... de<br />
indisponibili<strong>da</strong>de de tempo, é... mas em 1800 pra cá a gente tem uma parte... Agora eu<br />
quero registrar já no início <strong>da</strong> nossa conversa é... Eu não vou dizer um desapontamento,<br />
2
mas é... Eu tenho colaborado na medi<strong>da</strong> do possível inclusive com meus... com meu<br />
pequeno conhecimento, mas aqui em Cajazeiras nessa região, é... as pessoas não tinham<br />
um ponto de parti<strong>da</strong>, quem é Cajazeiras, o conjunto, como é que é essa coisa, ninguém<br />
sabia de na<strong>da</strong>, de na<strong>da</strong>, de na<strong>da</strong> e o governo que deveria independente de gestor é...<br />
disponibilizar esses <strong>da</strong>dos já que o conjunto em si ele é... tem a origem do poder público<br />
estadual, então na<strong>da</strong> disso foi feito, como também há outras coisas, então nós o povo<br />
que... uma gente que não tem na<strong>da</strong>, não tem um ponto de referência, um ponto de<br />
parti<strong>da</strong> fica uma coisa meia solta e é bem ver<strong>da</strong>de que nós temos a nossa identi<strong>da</strong>de<br />
como, como <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Salvador, <strong>da</strong> Bahia, do Brasil. Mas a nossa locali<strong>da</strong>de aqui<br />
pra quem nasceu, quem tá nascendo, e... então não tinha um ponto referencial então<br />
nós tomamos algumas providências em termos de estu<strong>da</strong>ndo, levantando e tal. Então<br />
nós fomos ... os primeiros a fornecer <strong>da</strong>dos a respeito de Cajazeiras nas suas mais<br />
diversas áreas. E....<br />
(N): Fornecer pra quem ?<br />
(A): Para facul<strong>da</strong>de, prefeitura em si, colégios, é... escolas de um modo geral e foi feito<br />
um trabalho que por sinal eu parabenizo pela... parece que foi pela <strong>Universi<strong>da</strong>de</strong><br />
Católica.<br />
(N): O site?<br />
(A): É. E esses <strong>da</strong>dos, uma boa parte desses <strong>da</strong>dos foram nós que fornecemos, aqui,<br />
então só que na fonte ... todo mundo, seria interessante uma grande justiça que não<br />
citasse o meu nome, mas citasse a comuni<strong>da</strong>de ou então o sedimento empresarial, se ele<br />
quiser citar. Então eu achei que sonegar isso foi um desmerecimento para a<br />
comuni<strong>da</strong>de, como <strong>da</strong> aliança a qual eu pertenço e que deveria ter registrado até como<br />
um... mostrando que a comuni<strong>da</strong>de, existe dentro dela, no seio dela existam pessoas que<br />
se preocupam e que tem é... tem um trabalho voltado até pra essa área né? E não foi<br />
citado isso, então eu peço a você que dessa vez que, ain<strong>da</strong> que você não cite o meu<br />
nome, mas cite que algumas informações nasceram, elas vieram <strong>da</strong> própria comuni<strong>da</strong>de.<br />
(N): Não, é... mas já tá dito que vem <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de essas informações, eu não posso<br />
modificar...<br />
3
(A): Não mas... não na...<br />
(N): Inclusive eu vou marcar pra apresentar pra vocês.<br />
(A): É mais não foi... cita o governo nas suas diversas áreas, cita o Jornal A Tarde, etc.<br />
mas não cita na<strong>da</strong> <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de, no caso não tô me referindo a você.<br />
(N): Não! Provavelmente não vai ter não... Qualquer coisa... Esse problema não vai ter<br />
não. Agora... É o seguinte você falou... Como é que era Cajazeiras, o que... você vinha<br />
de onde, você veio de onde pra chegar em Cajazeiras?.<br />
(A): Não. É ver<strong>da</strong>de é que eu sou um dos primeiros moradores <strong>da</strong>qui.<br />
(N): É mesmo?<br />
(A): Eu vim pr’ aqui em março de 1984. falar em Cajazeiras é preciso também registrar<br />
que foi feito um conjunto... que foi implantado o conjunto Cajazeiras 5 é... como em<br />
fase experimental, nem só em relação ao projeto, mas também tipo de construção, tanto<br />
é que aqueles prédios de Cajazeiras 4, de Cajazeiras 5, são prédios pré-mol<strong>da</strong>dos.<br />
(N): Hum! Mais é diferente?<br />
(A): É.<br />
(N): Isso foi em 84 ain<strong>da</strong>, né? E depois?<br />
(A): Não!<br />
(N): Deram material?<br />
(A): Não. Em 84 foi quando o governo foi retomado a sua construção que houve<br />
alteração de projeto e aí teve a sua... o seu projeto enfim acelerado, deu uma outra<br />
4
dimensão, foi justamente quando entregou em 84, isso quer dizer que esse projeto foi<br />
retomado antes 81, 82...<br />
(N): Então, aí você seria... Haviam comuni<strong>da</strong>des aqui, alguns grupos de algumas<br />
pessoas que moravam aqui, como é que era? Já tinha gente ou isso aqui era um ermo<br />
total?<br />
(A): Olha, se você quiser falar de Cajazeiras começando desse ponto a gente fala, agora<br />
me parece que o conjunto em si, pra ser implantado teve algo que antecedeu né?<br />
(N): Ahan!<br />
(A): E aí veio a questão pré-conjunto, a questão <strong>da</strong>s terras, por exemplo, é... quem<br />
construiu conjunto, como é que foi, é... a origem de tudo, quem eram os donos, o que...<br />
quais eram as ativi<strong>da</strong>des que tinham em Cajazeiras nessas terras, que hoje são do<br />
Conjunto Cajazeiras. Então tem to<strong>da</strong> um... to<strong>da</strong> uma história, tem todo um haver que<br />
antecede a questão do conjunto. Aí você vê o que você quer que se fale...<br />
(N): Pode falar.<br />
(A): Que se fale um pouco... a respeito dessa parte ou se a gente fala do conjunto em si.<br />
(N): Pode falar!<br />
(A): Que esse conjunto em si é como eu tava falando que é... que teve na.... Foi<br />
implantado em fase experimental, não só em relação ao conjunto, porque isso faz parte<br />
do conjunto Cajazeiras, é... faz parte de um é...redirecionamento <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Salvador<br />
em si. Então não é... não foi um conjunto que nasceu por conta de implantar um núcleo<br />
habitacional, é mais do que isso. Por questão <strong>da</strong> deman<strong>da</strong> recebi<strong>da</strong>, a ci<strong>da</strong>de é... é<br />
precisando se expandir com a exigência do Pólo Petroquímico de Camaçari, é... aí tem<br />
todo um planejamento <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e por conta disso vem questão do projeto Caji, é... o<br />
5
Projeto Cajazeiras e o projeto Narandiba, ali na região de Narandiba. Aí que se deram as<br />
apropriações e <strong>da</strong>í foram implantando os conjuntos de forma integra<strong>da</strong> que tem a ver<br />
inclusive com o conjunto Cajazeiras, não deixa de não ter a ver com a questão do Pólo<br />
Petroquímico de Camaçari porque é uma outra história, conversa longa.<br />
(N): Mas aqui, as pessoas <strong>da</strong>qui <strong>da</strong> região, moravam pessoas aqui, na...<br />
(A): Na ...como ain<strong>da</strong> tem muitos remanescentes.<br />
(N): Como era esses remanescentes aqui nativos?<br />
(A): Eles tão aí, tão aqui moram tem uns... é numa área aqui que chama Serra Pela<strong>da</strong>,<br />
apeli<strong>da</strong><strong>da</strong> de Serra Pela<strong>da</strong> de Estra<strong>da</strong> Velha do Aeroporto, é... tem muito deles em<br />
Cajazeiras 8, os quais todos nós temos relacionamento, tem aqui no... aqui na via<br />
próximo ao Bradesco é tem alguns tem alguns parentes dos donos, dos antigos donos<br />
que moram em Cajazeiras 11, loteamento Santo Antônio, então não tem pessoas. Agora<br />
diga-se de passagem que essa Cajazeiras foi implanta<strong>da</strong> sob terras que não pertenceu<br />
em si a um só dono, pertenceu a donos diversos, então não foi só um a área, , não foi só<br />
uma fazen<strong>da</strong>. Então essas pessoas que... a maioria delas continuam residindo em<br />
Cajazeiras elas pertencem aos proprietários, são herdeiros, são parentes dos<br />
proprietários de uma <strong>da</strong>s fazen<strong>da</strong>s.<br />
(N): E esses tais remanescentes, você fala desses remanescentes dessas famílias ou...?<br />
(A): Dessas famílias!<br />
(N): Tem de outras famílias...?<br />
(A): Não, dessas famílias.<br />
(N): Qual era a cor dessas famílias, cor?<br />
(A): Eu desconheço uma outra a não ser negra.<br />
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(N): Então eram famílias negras.<br />
(A): É no caso <strong>da</strong>s famílias que continuam aqui, os remanescentes <strong>da</strong>qui. Agora por<br />
exemplo a fazen<strong>da</strong> Boa União, aí já uma outra vertente, é uma outra história que<br />
inclusive é... é dos... família dos Coutinhos, a Fazen<strong>da</strong> Boa União. A fazen<strong>da</strong> Coqueiro<br />
Grande ela já pertence a família dos Portelas e a fazen<strong>da</strong> é... a Fazen<strong>da</strong> Grande que<br />
parte dela é a mesma fazen<strong>da</strong> Jaguaripe em cima, então essas fazen<strong>da</strong>s é que tem a<br />
maior parte dos seus parentes aqui ain<strong>da</strong> em Cajazeiras, que são os Leocádios de Jesus.<br />
(N): E você sabe <strong>da</strong> existência de algum quilombo aqui na região?<br />
(A): Olha nós começamos fazer um trabalho em mil novecentos.... nos anos noventa é...<br />
sobre essa situação, constatamos alguns indícios. Nós fun<strong>da</strong>mos um jornal, fun<strong>da</strong>mos o<br />
Jornal Tribuna de Cajazeiras e nessa outra oportuni<strong>da</strong>de não só em termos jornalísticos<br />
mas também em... é, na busca de <strong>da</strong>dos e aí nós inclusive encontramos indícios de<br />
colonos, enfim de... de remanescentes aqui, ali perto <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Grande 4, é... no<br />
sentido ali já indo pra... pra.... para a estra<strong>da</strong> do Seasa, nós encontramos.<br />
(N): E vocês ain<strong>da</strong> têm isso documentado nos jornais ain<strong>da</strong>?<br />
(A): Não, o jornal nós que fun<strong>da</strong>mos o jornal. Um jornal bom, onde nós tínhamos<br />
nome registrado, é... jornalista responsável, uma tiragem de 10 mil exemplares, vinte<br />
folhas. Então um jornal onde nós tínhamos impressões não só <strong>da</strong>qui do bairro mais <strong>da</strong><br />
ci<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> prefeitura de Salvador, outras prefeituras, de empresas. Um jornal bem<br />
estruturado, um jornal... mas contra as nossas vontades, as subjetivas, as forças ocultas,<br />
chama<strong>da</strong>s né? Espero que essas coisas enfim, elas não podem vingar, porque isso dá<br />
liber<strong>da</strong>de, isso <strong>da</strong> voz a comuni<strong>da</strong>de, nós sabemos que isso aí existe, é uma outra<br />
história e por isso o jornal não está aí circulando, mas a editora, a empresa continua<br />
registradinha, continua tudo direitinho.<br />
(N): Vocês tem arquivos guar<strong>da</strong>dos?<br />
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(A): Nós tomamos to<strong>da</strong>s as providências de ordem legal junto ao governo, junto a<br />
instituição estadual, instituição municipal, tudo direitinho.<br />
(N): Hum! Mas esses arquivos ain<strong>da</strong> restam?<br />
(A): Temos! Não está... não estão aqui, mas temos.<br />
(N): Depois eu vejo.<br />
(A): Tudo bem.<br />
(N): E aí finalmente montou o Conjunto Cajazeiras?<br />
(A): Conjunto Cajazeiras.<br />
(N): Como é que começou a mobilização política em torno do conjunto, vocês<br />
chegavam... Você que tem uma trajetória política aqui no bairro, como é que começou<br />
essa mobilização política?<br />
(A): Olha, se você quiser... Para brincar de um pouco e pra sair do sério, se você<br />
precisar encontrar alguma pessoa, em qualquer parte do Estado ou <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e você não<br />
souber onde ela está, antes de você perder tempo, procure em Cajazeiras. Aí está mais<br />
ou menos a origem do bairro. Então o conjunto em si ele é... foi construído pelo<br />
governo do Estado, isso as terras foram desapropria<strong>da</strong>s em 1975 pelo governo do<br />
Estado, na gestão de... do professor Roberto Santos e faz parte de uma área de 16<br />
milhões de metros quadrados. É, na ver<strong>da</strong>de ela tem início nas imediações <strong>da</strong> BR 324 e<br />
vem é... por fim aqui na Estra<strong>da</strong> Velha do Aeroporto, já aqui, é na altura do bairro de<br />
Cajazeiras. Então, vem cortando muitas dessas áreas aí desses miolos que pertencem ao<br />
conjunto, a esses... a essas desapropriação do governo do Estado onde foi implantado o<br />
Conjunto Cajazeiras. É... em 1984, foi quando foi entregue Fazen<strong>da</strong> Grande 1,<br />
Cajazeiras 10, 11... Cajazeiras 10, 11, 8 é... é isso aí, me parece que foi isso aí. Não tô<br />
lembrando... mas foi essas aí, foi quando foi retomado o conjunto, então nessa época já<br />
existia a Cajazeiras como eu lhe falei, as Cajazeiras 5 e 4, então já tinha ônibus que<br />
ro<strong>da</strong>va primeiro pela empresa Liber<strong>da</strong>de e quando houve... quando houve a... a<br />
8
separação <strong>da</strong>s duas empresas a Transol ficou com essa linha <strong>da</strong>qui, então a Transol<br />
ficou ro<strong>da</strong>ndo até a Cajazeiras 5 e Cajazeiras... A Cajazeiras foi entregue sem<br />
transporte, não tinha transporte não tinha na<strong>da</strong>, na<strong>da</strong>, mesmo. Ah! Não tem que dizer<br />
“Ah! Mais tinha isso, mais tinha...” Não tinha na<strong>da</strong>.<br />
(N): Só as casas?<br />
(A): Só as casas. A infra-estrutura no que diz respeito ao saneamento básico, ao asfalto,<br />
o esgoto, os prédios, alguns prédios de... de... é... para colégios, creches, isso aí tinha<br />
não todos como tem hoje mas outra coisa não foi aí que seus moradores começaram é...<br />
habitar as uni<strong>da</strong>des, e eu lhe diria se eu posso sintetizar isso hipotéticamente né? Que o<br />
primeiro transporte de Cajazeiras foi na carona, tinha um motorista <strong>da</strong> loja A Provedora,<br />
que tinha um carro baú, que quando ele vinha já tinha os horários certo e esse carro<br />
vinha cheio. Tinha um ci<strong>da</strong>dão que tinha uma Kombi, tinha um outro que tinha um<br />
fusca e todo mundo ficava aguar<strong>da</strong>ndo e foi mais ou menos assim que começou. Parecia<br />
coisa de fé, aquela... Aquela procissão simbolicamente, aquele povão de noite de<br />
manhã, chovendo, de manhã cedo, indo pra Cajazeiras 5. Depois de muito tempo, aí foi<br />
que a empresa Transul, uma empresa municipal, começou a ro<strong>da</strong>r pra Cajazeiras,<br />
lembro como se hoje fosse... O ônibus, o itinerário, a primeira viagem, tudo eu lembro<br />
como foi que aconteceu. A primeira linha foi para o Comércio via Sete Portas, passando<br />
pelo túnel, foi a primeira linha, a primeira viagem, aí foi implantado o transporte<br />
coletivo, em tese, por que de lá pra cá!<br />
(N): Isso foi feito em que ano?<br />
(A): Oitenta e quatro. oitenta e quatro. Agora, falar... Como você falou como é que o<br />
povo, a questão do processo político, o processo de organização, o processo em si <strong>da</strong><br />
sociologia, o processo organizativo, é isso que você quer saber né? Como é que se deu<br />
né?<br />
(N): É, sim.<br />
(A): Olha, é... Não tinha liderança, não tinha líder, é... os moradores e moradoras<br />
movidos pela necessi<strong>da</strong>de, movidos pela carência plena é... todos numa condição<br />
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asicamente de autodi<strong>da</strong>ta, é... foram discutindo, falando por acaso sobre as<br />
dificul<strong>da</strong>des e aí começaram a <strong>da</strong>r sugestões, mas como começar, por onde ir? E aí<br />
vinha sempre vinha uma sugestão de um e de outro e <strong>da</strong>í começou enfim é... a<br />
organização dos moradores de Cajazeiras, foi assim que se deu, movidos pelas<br />
necessi<strong>da</strong>de, pela carência, em primeiro lugar do transporte, foi um ponto assim chave,<br />
número 1, foi o transporte de Cajazeiras e a gente foi a prefeitura, depois foi implantado<br />
o terminal... o Terminal Eva que na ver<strong>da</strong>de parecia que um... Eu um dia até numa<br />
entrevista falei sobre isso, mais parece um campo de concentração, porque era uma<br />
situação aterrorizante. Os passageiros pareciam morcegos, é super... superlotação, todo<br />
mundo tinha que ir dependurados como se morcegos fossem, no sentido claro que<br />
figurado, né? Internamente se tirasse... se levantasse o pé não teria mais o lugar pra<br />
repor. E na porta, é na janela parava na estação e entrava pelas janelas, entrava pela<br />
porta, você poderia ficar neutra é... que as pessoas te colocavam até o banco do carro,<br />
agora na<strong>da</strong> tem a ver com a educação <strong>da</strong> gente, na<strong>da</strong> tem a ver com qualquer um outro<br />
fator de comparação, na<strong>da</strong> disso! Todo mundo muito bem... as pessoas pais e mães de<br />
famílias, pessoas é... adolescentes, mas era carência necessi<strong>da</strong>de era era lei pela<br />
sobrevivência, e na<strong>da</strong> tem a ver com educação, não é que fossemos deseducados, tal...<br />
não, na<strong>da</strong> disso! Era a situação mesmo, do poder público que por um lado fez uma...<br />
cumpriu seu papel, mas por outro não deu um mínimo de condição de sobrevivência.<br />
Então forçou que as pessoas enfim começassem a buscar isso pela lei <strong>da</strong> selva. E, é... o<br />
transporte tinha essa coisa to<strong>da</strong>, não era lugar que você pudesse se sentir nem sequer à<br />
vontade com confiança, depois <strong>da</strong>í é que veio o ENE. Depois <strong>da</strong> empresa Transul veio a<br />
empresa....<br />
(N): “ENE”, o que é isso?<br />
(A): É uma estação, uma estação... Vamos dizer um protótipo <strong>da</strong> estação de transbordo<br />
que hoje é a Estação Pirajá, veio é... veio é o ENE, a Estação Nova Esperança né? E<br />
depois veio a estação Pirajá que hoje serve estação de integração de transbordo. Nós<br />
começamos nos reunir fizemos para<strong>da</strong>s aqui, fizemos passeatas, depois fizemos<br />
reuniões, simpósios, congressos, fizemos um congresso de transporte em 1992 no<br />
Centro de Convenções <strong>da</strong> Bahia, me parece acho que dia 20 de agosto de 2002, e esse<br />
congresso ele foi assim... um ponto muito positivo, muito alto, pro fechamento <strong>da</strong>s<br />
questões de transporte, é que deu base até mesmo para hoje nós termos é.... quando a<br />
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comuni<strong>da</strong>de se reuniu, fez pesquisas, discutiu amplamente. As lideranças, as enti<strong>da</strong>des<br />
que nessa altura já existiam muitas e a í foi implantando o transporte. Nós tivemos uma<br />
ro<strong>da</strong><strong>da</strong> de reuniões com a prefeitura municipal e foram acho que cerca de oitenta e duas<br />
reuniões e contando com as reuniões de lá é... junto a secretária e as reuniões <strong>da</strong>qui na<br />
comuni<strong>da</strong>de, nessa ro<strong>da</strong><strong>da</strong> foram oitenta e duas e não foi oitenta e duas reuniões pra<br />
implantar o transporte não, foi só uma ro<strong>da</strong><strong>da</strong>, pra você ver como foi exaustiva a luta,<br />
foi cansativa... É, aí veio a luta teve a luta pela AR, a administração regional que não se<br />
abria uma reunião, não se encerrava uma reunião sem falar é... Era a palavra de ordem a<br />
AR em Cajazeiras, como também era palavra de ordem é... a delegacia. A delegacia<br />
aqui pertencia a Delegacia de Pau <strong>da</strong> Lima, a 10ª Delegacia. Então nós lutamos muito,<br />
muito mesmo pelo Batalhão, que na ver<strong>da</strong>de nós... o que Cajazeiras precisava e<br />
continua precisando é de um Batalhão e nessa... conseguimos o batalhão basicamente<br />
depois de uma negociação, terminou sendo implanta<strong>da</strong> a Companhia de Polícia, mas<br />
pra Cajazeiras era um Batalhão. É conseguimos a AR que o governo foi implanta<strong>da</strong> já<br />
no finalzinho do governo de Lídice <strong>da</strong> Mata por algumas questões políticas é... mas foi<br />
no governo de <strong>da</strong> Mata que foi implanta<strong>da</strong>, uma grande vitória pra comuni<strong>da</strong>de essa AR<br />
e que precisa de alguns ajustes e que ela não está atendendo ao seu papel primordial no<br />
atendimento as necessi<strong>da</strong>des do ci<strong>da</strong>dão, no seu papel de ser um posto <strong>da</strong> Prefeitura <strong>da</strong><br />
comuni<strong>da</strong>de. Mas, nós acreditamos que isso vai se resolver, vai melhorar essa<br />
interlocução, é... quanto a Companhia de Polícia o retrato de segurança no Brasil, na<br />
Bahia ela não é muito diferente em Cajazeiras, é quase um só. Aí a gente vai é...<br />
salientar um ponto que é <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de, a comuni<strong>da</strong>de de Cajazeiras não é mais aquela<br />
de dez anos, de cinco anos é... que a gente ficava com portas abertas isso não é<br />
mentira é ver<strong>da</strong>de mesmo, a gente aqui tinha um pe<strong>da</strong>cinho do céu, digamos assim um<br />
pe<strong>da</strong>cinho do Brasil. Nosso pe<strong>da</strong>cinho do Brasil aqui em termos de tranqüili<strong>da</strong>de, em<br />
termos de respirar puro e outros pontos essenciais para o ci<strong>da</strong>dão, para o ser humano é...<br />
Então Cajazeiras tinha sua gente e ain<strong>da</strong> tem na sua essência, porque com o processo <strong>da</strong><br />
sociologia isso é natural, então vem mu<strong>da</strong>ndo, se dá a mu<strong>da</strong>nça natural, a mu<strong>da</strong>nça né?<br />
E essa mu<strong>da</strong>nça que vem acontecendo, não quero também com isso dizer que as pessoas<br />
que começaram vim pra Cajazeiras, que vem pra Cajazeiras, que tem direito também de<br />
vim que elas em si foram ou são violentas, é... e que Cajazeiras hoje não tem aquele<br />
clima de tranqüili<strong>da</strong>de por conta <strong>da</strong>s pessoas que chegaram, não na... Na sua totali<strong>da</strong>de<br />
não é isso, agora é claro que ela começou a se modificar a partir <strong>da</strong>í, mas é natural<br />
também outras incidências de outras naturezas. Então se não fosse isso Cajazeiras hoje<br />
11
seria um caldeirão, porque a presença, a segurança institucional, sem com isso querer<br />
responsabilizar o delegado, a pessoa do delegado titular, a pessoa do coman<strong>da</strong>nte <strong>da</strong><br />
Companhia, a pessoa de um é... que diz respeito a uma outra, a uma outra área<br />
diretamente, não! Não é isso. É a estrutura em si, e nem tão pouco a gestão que aqui<br />
está, e sim todo um aparato, quando nós falamos de Segurança Pública, falamos de<br />
segurança, nós sabemos que a segurança ela não está só na questão do aparato policial,<br />
tem todo um haver, desde a questão social como a questão de outros componentes que,<br />
por exemplo, a iluminação pública faz parte <strong>da</strong> segurança, é... como um lugar como<br />
Cajazeiras que tem é... lugares, trechos diria assim vagos, que se tem mato, que não á<br />
iluminado, a questão do menor, a questão do juizados, é tudo isso e outras situações.<br />
Ações do Estado independente que seja <strong>da</strong> questão <strong>da</strong> Segurança Pública, ação <strong>da</strong><br />
Prefeitura em determina<strong>da</strong>s áreas, do Governo <strong>Federal</strong>, então tudo isso vem compor a<br />
questão <strong>da</strong> segurança do ci<strong>da</strong>dão, é... assegurar até mesmo que o Corpo de Bombeiros<br />
que aqui não tem, é... em todos os sentidos. Então a segurança quando se fala em<br />
segurança, todos nós sabemos que a segurança não é propriamente a figura <strong>da</strong>... a<br />
presença <strong>da</strong> polícia limpa, <strong>da</strong> polícia preventiva e a polícia judiciária, no caso <strong>da</strong> polícia<br />
civil e que em si ela não tem também a... a questão de equipamento, um aparato de<br />
equipamento, o pessoal em si, é remuneração, tudo isso vem compor a questão <strong>da</strong><br />
segurança. Então a segurança é... no seu universo, em Cajazeiras não é diferente e ela<br />
não... a situação não é grave aqui porque a sua gente, os seus moradores, são pessoas<br />
pacatas, são pessoas ordeiras, são pessoas que vivem aqui num clima basicamente de<br />
irman<strong>da</strong>de, mas se não fosse isso hoje estaria numa situação crítica em Cajazeiras <strong>da</strong><strong>da</strong><br />
a ... já que nós estamos acima de 550 mil moradores e dispõe de uma delegacia é...<br />
Dentro desse contexto mal aparelha<strong>da</strong>, não com um número suficiente de policiais,<br />
equipamentos ... como eu já falei ... e uma companhia de polícia não poderia <strong>da</strong>r conta<br />
500 mil pessoas.<br />
(N): Como é que vocês começaram a se organizar politicamente aqui?<br />
(A): Politicamente, passa pela questão comunitária, né? A política comunitária é a<br />
primeira, né? A política sócio comunitário, depois vem a questão do comércio em si que<br />
tem uma história fabulosa, a questão do comércio, é uma coisa assim que nasceu, que<br />
nós fomos, na ver<strong>da</strong>de fizemos história e história que muita gente desconhece e história<br />
que foi copia<strong>da</strong> e que as pessoas não sabem que ela partiu <strong>da</strong>qui de Cajazeiras, no que<br />
12
diz respeito ao comércio. A questão comunitária, o embrião dela é essa aí: foi a<br />
carência, a questão <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de, foi <strong>da</strong>í que veio a questão altruísta, a questão do...<br />
<strong>da</strong>... Do autodi<strong>da</strong>tismo, as pessoas foram autodi<strong>da</strong>tas em termos de tá praticando isso.<br />
Aí foi <strong>da</strong>í que começou a se perguntar como é? Como é que se fun<strong>da</strong>, como é que se<br />
cria uma enti<strong>da</strong>de, uma associação pra se organizar? Teve o Conselho <strong>da</strong> 10 que foi um<br />
dos pioneiros aqui em Cajazeiras do Conselho de Moradores de Cajazeiras 10. Que a<br />
gente no primeiro momento independente, foram criados o Clube de Mães. No primeiro<br />
passo ain<strong>da</strong> sem registro, mais a gente nos organizávamos, os órgãos públicos<br />
começaram também a nos receber independente dessa questão de formali<strong>da</strong>de legal, o<br />
Conselho <strong>da</strong> 10 é... Tomou corpo pela sua localização e logo foi feito um como<strong>da</strong>to<br />
onde foi construído o prédio e aí a gente se reunia lá, as lideranças...<br />
(N): Você mora nas Cajazeiras 10?<br />
(A): Se eu moro em Cajazeiras 10?<br />
(N): É.<br />
(A): Não. Não, mais Cajazeiras 10 é logo aqui. E aí a gente começou a se reunir, <strong>da</strong>í<br />
foram cria<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s, <strong>da</strong>í foram cria<strong>da</strong>s. Não foi só... Não foi também na Cajazeiras 10, a<br />
Cajazeiras 10 pela sua localização, por dispor de um equipamento já construído em<br />
forma de como<strong>da</strong>to pelo Estado, é... já reivindicação <strong>da</strong> própria comuni<strong>da</strong>de, então a<br />
gente se reunia mais na Cajazeira 10, aí foram nascendo, nasceram as lideranças de<br />
Cajazeiras, foi nesse primeiro momento ca<strong>da</strong> uma numa locali<strong>da</strong>de, ca<strong>da</strong> pessoa<br />
discutindo, ca<strong>da</strong> pessoa reivindicando. Eu por exemplo, eu diria que o primeiro ato meu,<br />
como liderança nesse contexto, se deu sem eu perceber, eu não sabia, eu nem sabia que<br />
eu estava naquele momento me transformando numa liderança que foi no... Exatamente<br />
quando começou a ro<strong>da</strong>r o ônibus, quando a linha foi implanta<strong>da</strong> pro Comércio e nós,<br />
eu numa fila interminável, ficamos desde cedo acor<strong>da</strong>dos esperando esse ônibus, que<br />
basicamente ia e voltava pra nos pegar, vamos dizer assim. Aí ficamos um tempo<br />
aguar<strong>da</strong>ndo, quando chegou o primeiro ônibus, não chegou um ônibus chegou uma<br />
coisa assim, inusita<strong>da</strong>, coisa rara!<br />
(N): Por que?<br />
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(A): Porque, precisava do ônibus, tava ali a horas, dependendo. Então foi com muita<br />
alegria, com muita satisfação pôr aquele ônibus. Não era um ônibus, era uma nave<br />
espacial! excelentíssimo senhor doutor motorista <strong>da</strong> empresa Transul, depois que ficou<br />
muito tempo sentado e a gente pobres mortais na fila ele... É bom que eu diga que eu<br />
lembro os gestos dele do tipo... Daqueles carros com motor na frente, na cadeira com os<br />
pés em cima do motor, ficou, ficou... Quando eu não agüentei tomei iniciativa de ir lá<br />
falar com ele a respeito do carro e ele disse que: é... “tava fazendo horário” , horário? É<br />
brincadeira, horário. Dispenso comentário. Depois de muito tempo ele resolveu abrir a<br />
porta. Abriu a porta, entramos todo mundo, aquela coisa e tal. Depois que entramos no<br />
carro, ele continuou “fazendo horário”. Depois de muito tempo, todo mundo ali, calor,<br />
aquela coisa, todo mundo comprimido como se tivesse numa garrafa. Aí eu tornei ir lá<br />
falar com ele: Motorista a gente não agüenta mais! E eu cheguei cedo deixei<br />
compromisso, deixei meu trabalho pela metade pra vim, pra ir sentado como se tivesse<br />
na ver<strong>da</strong>de sentado numa poltrona, com motorista. E aí eu fui consegui entrar...<br />
Primeiro escolhi <strong>da</strong> ponta de dedo a minha poltrona, minha! E fui sentei, depois ele<br />
chegou e disse que o carro não iria mais, que iria aguar<strong>da</strong>r outro carro porque ele...<br />
Chegou o horário dele, que ele não ia mais e que viria outro carro, aí eu peguei e disse a<br />
ele: Olha tudo bem! Chegou teu horário, não vejo porque você deva trabalhar, agora é<br />
muito fácil, em vez de nós chegarmos esperarmos um outro carro pra <strong>da</strong>qui nós sairmos<br />
do carro... Então é muito fácil, então mu<strong>da</strong>, ou então quem quer que seja pegar o carro e<br />
nos conduzir. Ah! Isso não foi fácil assim!<br />
(N): O que?<br />
(A): Isso não foi fácil assim! Isso foi como se de repente se tivesse pedindo que a<br />
empresa fosse... que a Transul ou então ocupando... pedisse o carro do prefeito,<br />
dissesse seu prefeito nós queremos seu carro, porque foi como se fosse isso. Não, não<br />
teve jeito! Não teve jeito! Que... Depois chegou o despachante, não foi um despachante!<br />
Foi uma autori<strong>da</strong>de <strong>da</strong> maior patente que pode existir que chegou, não foi um<br />
despachante e ca<strong>da</strong> hora chegava um, finalmente é... Nós dissemos que não ia sair, foi<br />
aí que eu falei com o pessoal, que decidimos que não iríamos sair do carro e que depois<br />
de esperarmos, que depois disso, que depois <strong>da</strong>quilo... Que era só pegar o motorista e o<br />
motorista levar o carro. Disseram que era pra nós descermos eu terminei dizendo que<br />
14
não iríamos descer, o pessoal concordou comigo e ele resolveu pegar o carro. Foi lá<br />
pegou o carro e conduziu. Quando chegamos na Rótula do Abacaxi, viemos pelo túnel<br />
chegou na Rótula do Abacaxi, ele encostou o carro e já existia o módulo <strong>da</strong> Rótula do<br />
Abacaxi. Eu senti que ele ia parar o carro, aí eu levantei rápido com o pessoal e disse:<br />
Pessoal vamos nos unirmos, é... Vamos falar uma só língua, e vamos ver quem vai nos<br />
representar, ver uma pessoa pra falar, no máximo duas pessoas, porque ele vai... tá<br />
parando no Módulo Policial e esses policiais bem fácil que se a gente não conversar<br />
direito, eles possam achar que somos pessoas baderneiras, que somos pessoas fora <strong>da</strong> lei<br />
e não vai <strong>da</strong>r certo. Aí falei rápido as pessoas entenderam e disseram: “Não!”. Aí eu<br />
falei você não quer não? Você não quer não? E aí disseram: “Não você mesmo fica,<br />
você mesmo fala”. Eu disse: então vocês me apõem eu vou relatar o que aconteceu, aí<br />
subiu um pela porta <strong>da</strong> frente, outro pela porta do fundo, e ficaram me parece que dois<br />
policiais embaixo.<br />
(N): Escoltando vocês?<br />
(A): Não, subiram no carro, ele parou o carro e aí esses policias subiram e agente ...<br />
Pronto, eu falei a ver<strong>da</strong>de, o que aconteceu. Aí teve um, que sempre tem,<br />
lamentavelmente, que quis não entender e quis ficar a favor do maior que era a<br />
empresa, né, que era a Prefeitura. Mas os outros foram convencidos, e entenderam<br />
principalmente que eu disse pra eles na ver<strong>da</strong>de: Olha na ver<strong>da</strong>de, na ver<strong>da</strong>de, nós<br />
estamos aqui na condição que vocês estão aí trabalhando e quando chegar o horário e<br />
querem ir pra casa, nós aqui somos pais e mães de família e todo mundo quer ir pra<br />
casa, estamos cansados, não agüentamos mais e aconteceu tudo isso que nós já falamos,<br />
então por favor vocês vejam a situação <strong>da</strong> gente, inclusive pra gente ir pra casa. Com<br />
essas palavras realmente a gente conseguiu sensibilizá-los e eles disse: “Olha nós não<br />
temos condição de resolver essa situação aqui, isso é coisa pra própria empresa<br />
resolver.”Aí nos levaram para Tancredo Neves, para o Beiru. Ain<strong>da</strong> chamava Beiru,<br />
ain<strong>da</strong> tava recente aquela questão vamos levar pro Beiru, Tancredo Neves, quando<br />
chegou lá em Tancredo Neves ele simplesmente, lá estavam outros despachantes...<br />
(N): Foram pra empresa?<br />
15
(A): Não desceram pra empresa não, era o fim de linha de Tancredo Neves, então<br />
Beiru... Eles não levaram pra Cajazeiras não! E chegaram lá o que eles não fizeram,<br />
não conseguiram fazer no Terminal <strong>da</strong> França, o que eles não fizeram na Rótula do<br />
Abacaxi, eles iam fazer lá no Beiru conosco, foi um outro embate. Foi aí que os todos<br />
nós fomos unânimes dissemos nós não vamos sair <strong>da</strong>qui, ninguém levanta. Com muito<br />
trabalho entramos num processo de negociação, parece até que a gente tava negociando<br />
para um grande cargo, uma posição na socie<strong>da</strong>de, parece que tava reivindicando uma<br />
parte <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e não! Pra ir pra casa! Simplesmente ir pra casa! Então tudo isso<br />
aconteceu com o transporte de Cajazeiras com a comuni<strong>da</strong>de de Cajazeiras. Então <strong>da</strong>í<br />
quando eles viram que não tinha jeito, eu conversei com todos os passageiros e fui até<br />
perto <strong>da</strong> porta, pra não <strong>da</strong>r oportuni<strong>da</strong>de deles me arrastarem <strong>da</strong> porta e aí tentamos...<br />
negociamos, negociamos, negociamos e finalmente chegamos a um entendimento,<br />
queriam nos trazer pra Cajazeiras. Olha o entendimento de nos trazer pra Cajazeiras, pra<br />
nosso endereço, porque não queriam levar... queriam nos deixar lá e aí veio um outro<br />
carro e que eles disseram que era pra iro pro outro carro, foi aí que assumi a posição<br />
conversei com o pessoal, disse: Olha gente a essa altura nós não temos segurança de ir<br />
pra esse carro. Aí combinei, disse tudo bem! Vai de um a um, você abre a porta... Eles<br />
queriam que nós descêssemos todos. Aí eu achei que poderia ser uma cila<strong>da</strong> eu falei pro<br />
pessoal, o pessoal concordou, em descer de um a um e entrando, sentando...<br />
(N): Era guerrilha?<br />
(A): É, pra poder ser liberado. Eles por sua vez começaram... O motorista disse que não<br />
levaria, alegando medo <strong>da</strong> gente, por mais que a gente passasse que apenas nós<br />
queríamos ir pra casa e que todos eram pessoas ci<strong>da</strong>dã e que longe de qualquer tipo<br />
violência, longe de tudo. Não sei se com pretexto e eles depois no final concordou foi...<br />
é... foi decidido por eles que iria o motorista, o cobrador e um policial. Aí finalmente<br />
chegamos, chegamos!<br />
(N): Que horas?<br />
(A): Ah!Tarde.<br />
(N): Da noite? A história começou de manhã?<br />
16
(A): Não, começou ao anoitecer, começou de tardinha, começou de tardinha.<br />
Finalmente chegamos, né? Parece até uma viagem, parece uma história é... Das mais<br />
fantasiosas, mais foi isso que aconteceu. Então isso faz parte <strong>da</strong> história de Cajazeiras,<br />
no que diz respeito ao transporte, isso vem sintetizar a dificul<strong>da</strong>de como é que foi. Mas<br />
não parou por aí, a mesma coisa com o transporte se <strong>da</strong>va em relação a outras... a<br />
outros benefícios, a outras coisas então foi tudo assim. Então eu diria que no que diz<br />
respeito a ação comunitária, a liderança em Cajazeiras e região nasceu naquele dia,<br />
referente a minha pessoa. Porque eu mesmo não sabia, eu agi em auto defesa, isso aí fiz<br />
bem, é... bem.<br />
E é claro que então a partir <strong>da</strong>li nós começamos a entender que precisava realmente a<br />
gente se reunir procurei outras pessoas, um ia procurando o outro, ia conversando,<br />
chamando, catequizando pra ir pras reuniões <strong>da</strong>í nasceram as lideranças de Cajazeiras<br />
nesse processo. Umas... ca<strong>da</strong> uma de uma forma, mas nasceram assim, todos falam a...<br />
Basicamente autodi<strong>da</strong>ta to<strong>da</strong>s as lideranças são autodi<strong>da</strong>tas aqui na sua maioria. Hoje já<br />
tem, que vieram de sindicatos vieram de enti<strong>da</strong>des diversas, de ONGs, mas no primeiro<br />
momento não! No primeiro momento não foi <strong>da</strong> base <strong>da</strong> carência, <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de.<br />
(N): É... Então você disse que haviam uma diferenciação de tratamento dos moradores<br />
de Cajazeiras do resto <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, é isso?<br />
(A): Olha se você naquele tempo, porque eu não sei se é o seu porque você parece muito<br />
menina. Se naquele tempo... Da ficha que não era currículo, chamava ficha, né, um<br />
emprego, numa empresa, se você fizesse essa famosa ficha e colocasse o endereço de<br />
Cajazeiras você não queria na<strong>da</strong>, deveria simplesmente pegar as nuvens com as mãos,<br />
porque seria impossível você conseguir um emprego dizendo que era de Cajazeiras, isso<br />
raro era o procedimento contrário, era assim mesmo, não tinha emprego pra quem era de<br />
Cajazeiras, por melhor qualificado que você fosse. Então, você pode conversar com<br />
pessoas <strong>da</strong>quele tempo, <strong>da</strong>quele momento, que não foi muito tempo, mas<br />
principalmente nós estamos conversando, claro que vão dizer: “Olha quem... eu não...<br />
Dei o endereço do meu pai, <strong>da</strong> minha irmã do parente do centro, e tal mas endereço de<br />
Cajazeiras, não!” Não tinha telefone aqui sabe? Também foi uma luta muito grande pra<br />
17
nós implantarmos aqui, eu pessoalmente como uma <strong>da</strong>s lideranças fiz várias reuniões<br />
com a<br />
Telebahia, hoje Telemar, muitas reuniões para implantar um sistema de telefone que<br />
chamava de CPC, que na ver<strong>da</strong>de era um telefone, uma forma assim... uma central<br />
compartilha<strong>da</strong> onde tinha um telefone que atendia a vários ramais e que quando um tava<br />
falando, tava ocupado, fora isso... Resumindo era o tal CPC disputado... disputado como<br />
se tivesse atual na corri<strong>da</strong> pra Serra Pela<strong>da</strong>, no seu momento que aconteceu, era assim.<br />
E pra implantar foi difícil, foram várias reuniões, nós temos as fotografias, as<br />
correspondências as reuniões, as fotografias de reuniões aqui, cheias, quorum altíssimo<br />
que era a implantar o CPC. Eu fui um dos primeiros a ter telefone em Cajazeiras, é...<br />
Aqui nessa área do comércio, por exemplo, é... foi... Fomos nós, é o Colégio Sol<br />
Nascente vem depois, é... o Supermercado Santa Rosa e a Casa de Carne, é... o Mercado<br />
de Carne de Cajazeiras, nós que tínhamos telefone aqui. O nosso telefone nós tínhamos<br />
livros de recado, várias pessoas tinha seu livro de recados, que era pra anotar recado<br />
para as pessoas. Pessoas e negócios, hoje, por exemplo, tem uma determina<strong>da</strong> empresa<br />
muito bem sucedi<strong>da</strong> aqui em Cajazeiras, empresa essa que tem filiais em várias partes<br />
do Brasil, em vários Estados, atua em várias áreas desde a agropecuária a indústrias,<br />
comércio, graças a Deus fruto de muitas lutas, muito bem sucedi<strong>da</strong> e que usava o nosso<br />
telefone e tinha também o livro de recados.<br />
(N): Me diga uma coisa, quais são as principais manifestações culturais de Cajazeiras?<br />
(A): Se você me permitir, é... Vamos falar sobre essa questão, mas você me disse que<br />
ficou interessa<strong>da</strong> pela história do comércio.<br />
(N): Tudo bem!<br />
(A): Não foi diferente com o comércio, as pessoas estavam aqui ilha<strong>da</strong>s, se assim eu<br />
posso dizer pra representar o sentido, não tinha comércio, não tinha como... não tinha<br />
supermercado perto <strong>da</strong>qui, com essa luta to<strong>da</strong>, com esse problema todo de transporte,<br />
em trazer um pouco todos os dias dos mais diversos pontos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e essas pessoas<br />
mesmo começaram a procurar a Urbis, hoje é...<br />
(N): Conder.<br />
18
(A): Não é bem Conder, a Conder que está substituindo, ela está em extinção, em<br />
processo de corporação, vamos dizer assim. Então a Urbis, ela depois de todo mundo<br />
an<strong>da</strong>ndo para conseguir espaço que são previstos no... no projeto, área comercial, áreas<br />
comerciais pra implantar estabelecimentos comercias, mas só que na prática isso não<br />
aconteceu, que o que devia ter acontecido, assim como equipamentos públicos e de<br />
serviços de primeira... de primeira necessi<strong>da</strong>de, então seria para ser feito, cedi<strong>da</strong> essas<br />
áreas, vendi<strong>da</strong>s essas áreas para empresários, para comerciantes, pessoas interessa<strong>da</strong>s,<br />
pra <strong>da</strong>í nascerem os comércios. não, não aconteceu isso não. ...essas casas era na sua<br />
maioria era de zero quarto, um quarto. Tinha um embrião chamado zero quarto, não<br />
tinha quarto, é... Não tinha quarto, era sala, cozinha e banheiro. Outras tinham de um<br />
quarto, sala banheiro e poucas dois quartos, poucas com dois quartos. Então pra <strong>da</strong>í as<br />
pessoas sem condição, ninguém tinha condição, não tinha reboco, não tinha piso, nem<br />
as casas, nem os apartamentos. Os sanitários eram no bloco, todos por bloco, tinha um...<br />
a pia <strong>da</strong> cozinha de granito, não, não era granito, era de... parecido com granito, tinha<br />
muita diferença, era de cimento liso com as pedrinhas por cima que pareciam granito<br />
mas na ver<strong>da</strong>de era de cimento a pia, era isso mesmo. Não tinha porta no quarto, só a<br />
porta <strong>da</strong> frente e a porta do banheiro.To<strong>da</strong>s as uni<strong>da</strong>des foram entregues dessa maneira<br />
e as pessoas, elas tinham como base de teto três salários, dois salários, e a maior parte<br />
tudo família. Então um pai de família, mãe de família, família grande, e sem condições<br />
de ampliar, sem condições naquele momento de construir, isso tinha as suas questões<br />
evidente. As pessoas estavam aqui ilha<strong>da</strong>s (...). Não tinha comércio, não tinha como...<br />
Não tinha supermercado perto <strong>da</strong>qui, com essa luta to<strong>da</strong>, com esse problema todo de<br />
transporte (...). Então não se tinha como fazer comércio, como construir um comércio,<br />
essas pessoas. Mas tinha algumas pessoas que de outros bairros ou pessoas que vinham<br />
pra aqui; mas tinha origem de comércio, que tavam tentando conseguir espaço mas não<br />
tinha área. Depois de an<strong>da</strong>r muito para a URBIS, quando alguns funcionários solidários<br />
com a nossa penitência, chegaram e disseram: “Olha vocês estão an<strong>da</strong>ndo, an<strong>da</strong>ndo mas<br />
será muito difícil vocês conseguirem!” Mas por que vocês estão falando isso pra<br />
conseguir? “Olha não adianta! Isso aí é processo de licitação pública, é uma questão de<br />
lei e pra isso depende de decisão de governo, man<strong>da</strong>ndo projeto pra Assembléia<br />
Legislativa pra poder modificar a Legislação pra <strong>da</strong>í poder fazer a ven<strong>da</strong> direta, porque<br />
só através de licitação pública, só através de... dessa maneira!” E tiveram uns dois que<br />
nos fizeram confidências, ci<strong>da</strong>dã. Sem evidentemente com isso ferir a condição de<br />
19
funcionários públicos, de... Nos orientou bem e <strong>da</strong>í nós começamos a pensar nesse<br />
assunto. Pensamos, pensamos e chegamos a uma conclusão, conclusão essa que passaria<br />
por uma organização. Nessa organização <strong>da</strong> qual eu participei nasceu a primeira<br />
ocupação comercial é aí que nasce a história do comércio em Cajazeiras. A primeira<br />
ocupação! Mas nós somos os plebeus, somos os que... que na época não existia os sem-<br />
teto. O que se faz? Não se tem força política, não tem respeito <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de na questão<br />
social, como é que faz? Vamos nos unir, um palito pra quebrar é fácil, agora todos em<br />
uma caixa é muito difícil, com dois deles e adotando esse princípio,o que é que faz? E<br />
concluímos que nós deveríamos buscar um apoio político, ain<strong>da</strong> que de maneira<br />
discreta, nós deveríamos fazer um esboço de um projeto, o que é que queríamos, o que é<br />
que faríamos e como faríamos, isso foi feito. Fizemos um... juntamente com uma<br />
pessoa, e aí fizemos um mini-projeto dos boxes, o tamanho, a numeração, decidimos o<br />
que colocar com base nas nossas necessi<strong>da</strong>des, as coisas que mais se tinha carência, aí<br />
decidiu. Então você... Primeiro foi isso, o que faria e o que é que seria colocado, com a<br />
situação de quais eram as ativi<strong>da</strong>des com base nas nossas necessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong>ndo<br />
priori<strong>da</strong>des, pra depois saber quem ficaria como o quê. Buscamos um apoio jurídico, é<br />
uma pessoa nossa, conheci<strong>da</strong>, eu procurei, conversei com a pessoa sobre a nossa<br />
situação, que a gente não tinha condição nenhuma, mas que prestaríamos esse apoio<br />
político poderia precisar lá na frente é... E aí a questão é econômica, não se tinha<br />
dinheiro pra fazer, tivemos quem para escolher, e aí passou a seguir os critérios. O<br />
critérios foram: não poderia se pegar mais de um, só um. Porque nós tínhamos a<br />
consciência, a nitidez que ali não seria um meio de ganância, não seria algo para... fonte<br />
econômica de bens, e sim pra sobrevivência e ao mesmo tempo atender a carência <strong>da</strong><br />
comuni<strong>da</strong>de, então não poderia pegar... todos com seis metros de largura, não poderia<br />
ain<strong>da</strong> que não fosse <strong>da</strong> mesma pessoa, repetir a ativi<strong>da</strong>de e a questão alguns falaram a<br />
respeito <strong>da</strong> sua condição financeira quem podia fazer, aí... fazia e é... se preparou pra<br />
fazer e quem não podia disse eu não posso, aí houve a cooperação de alguns<br />
emprestando crédito pra comprar o material, conseguindo o profissional de pedreiro pra<br />
construir, pagando ou então pra pagar depois. Então tudo foi feito.<br />
(N): Com o comerciantes aju<strong>da</strong>ndo é isso?<br />
(A): Como?<br />
20
(N): Com os comerciantes aju<strong>da</strong>ndo, foi isso?<br />
(A): As pessoas, não eram comerciantes ain<strong>da</strong>!<br />
(N): Quer dizer, os futuros comerciantes começaram a aju<strong>da</strong>r, inclusive a construir os<br />
boxes...<br />
(A): Isso! Tudo foi dessa maneira, tudo foi dessa maneira. Tudo foi dessa forma é... E aí<br />
a gente fizemos as portas. E quem pôde aju<strong>da</strong>r com isso, quem pôde aju<strong>da</strong>r com<br />
aquilo...e aí fomos pro calendário. E a gente analisando a conjuntura política: era um<br />
governo democrático, era o governo do Valdir Pires e aí a gente acreditou nesse<br />
momento político em relação a represália, em relação a ação e depois faltava por fim a<br />
<strong>da</strong>ta. A <strong>da</strong>ta, o dia, o horário, encontramos: 13 de maio 1988, uma sexta feira. Aí na<br />
quinta feira, às dezessete horas, tava todo mundo a postos. Começou chegar o material,<br />
às dezessete horas em ponto, porque nesse horário não havia mais como os prepostos <strong>da</strong><br />
URBIS aparecerem, já que nós tínhamos pela frente um feriado longo, sexta-feira era<br />
feriado. Então tudo isso nós analisamos e aí em seqüência chegou o material. Chegando<br />
o material: enxa<strong>da</strong>, pá, facão, bloco, areia e começamos limpar, aí só foi já medindo de<br />
acordo com... vamos dizer, a planta né? Que na ver<strong>da</strong>de foi um desenho, a planta,<br />
número... aí por número. Aí um saiu com uma fita métrica e medindo certinho,<br />
numerando e já tinha... sim tinha feito o sorteio, o sorteio foi feito na... foi feito na<br />
quarta-feira. Foi feito na quarta feira o sorteio, por número. Aí ca<strong>da</strong> um assumiu o seu e<br />
todos trabalharam. Era condição primordial de na segun<strong>da</strong>-feira amanhecer com as<br />
portas abertas e com mercadoria, na segun<strong>da</strong>-feira...<br />
(N): E amanheceu?<br />
(A): Amanhecemos. Segun<strong>da</strong>-feira todo mundo estava com sua penca de banana na<br />
prateleira, seu sua linha na prateleira com seu botão na prateleira, de acordo com as<br />
carências, suas necessi<strong>da</strong>des. O açougue, é o freezer lá com a carne, tudo apareceu! Aí<br />
se tomou dinheiro emprestado, se fez tudo que tinha pra se fazer, pra poder na segun<strong>da</strong>-<br />
feira não poderia... Inclusive aquele que não fizesse seria responsabilizado se por isso<br />
acontecesse alguma coisa com todos. Então todos estavam bem conscientes, foi uma<br />
coisa discuti<strong>da</strong>, uma coisa analisa<strong>da</strong>, coisa com o tempo, sim! O Conselho de<br />
21
Moradores, então na ver<strong>da</strong>de na coordenação estava o Conselho de Moradores, que o<br />
Conselho de Moradores entrava com a questão <strong>da</strong> representação...<br />
(N): Conselho de onde?<br />
(A): Da Fazen<strong>da</strong> Grande 2, de Fazen<strong>da</strong> Grande 2, a primeira etapa. Então o Conselho<br />
entrava com a representação popular, o advogado com assistência jurídica se necessário,<br />
a pessoa política entraria com a articulação para não acontecer a derruba, tem essa<br />
hipótese...<br />
(N): Quem ?<br />
(A): Eu não sei se eu poderia dizer ou não. Essa pessoa faz parte <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> de Cajazeiras<br />
talvez ela nem tenha a dimensão do que ela fez, umas duas vezes falei com ela mas ela<br />
teve papel relevante nesse momento importante pra Cajazeiras, evidente que ela não<br />
mandou, não disse “Olha faça faça, vocês façam lá, vocês inva<strong>da</strong>m!” Não, hora<br />
nenhuma ela disse isso, essa pessoa, hora nenhuma ela incitou a esse ato, apenas depois<br />
que a gente é... Conseguimos o advogado, conseguimos a questão do Conselho pra fazer<br />
isso, a questão... todos os pontos foram amarrados nós achamos que tinha um ponto,<br />
talvez o mais importante que era uma interlocução política e aí nós a procuramos e essa<br />
pessoa não se negou, disse: “Olha eu não vou dizer a vocês que façam e nem vou<br />
garantir na<strong>da</strong> a vocês, dizer assim vocês vão lá e façam, eu não faço isso agora tem um<br />
detalhe vocês tão me procurando com uma causa justa, com uma coisa que é social.<br />
Então, se vocês fizerem como estão dizendo, vocês conseguirem erguer, então aí eu<br />
assumo o compromisso de interceder pra não derrubar, isso aí eu assumo!”<br />
(N): Deixa eu falar uma coisa pra você, o dia 13 de maio foi proposital ou foi por acaso?<br />
(A): Não! Foi proposital, teve todo um contexto.<br />
(N): Por quê?<br />
(A): Olha teve dois pontos, dois pontos. Um foi o ponto que <strong>da</strong> questão que nós<br />
precisávamos de tempo, precisávamos de um feriado, de mais do que sábado e<br />
22
domingo. Então no caso o feriado caia na sexta-feira, nós tínhamos já quinta-feira desde<br />
às dezessete horas, a noite to<strong>da</strong> até, viramos direto, a noite to<strong>da</strong>, todos trabalhamos. Na<br />
segun<strong>da</strong>-feira inclusive amanhecemos o dia trabalhando esse foi um ponto. E nós<br />
precisávamos mesmo, se fosse outro feriado a gente teria que fazer, mas a gente tinha<br />
que ter algo que sintetizasse, que simbolizasse, que identificasse com objetivo<br />
exatamente como uma luta. E aí a gente encontramos outra <strong>da</strong>ta, mas que não <strong>da</strong>va essa<br />
força que era a libertação, que era a independência, né? Aí a gente disse: “Olha vamos<br />
adiar um pouco para a <strong>da</strong>ta 13 de maio.” Inclusive uma <strong>da</strong>ta que a gente devemos... tem<br />
tudo a ver como propósito e devemos ter essa <strong>da</strong>ta como mais uma reverência. Então foi<br />
aí que foi escolhido o dia 13 de maio, por causa desses dois pontos, o ponto que o<br />
feriado alongado e a questão <strong>da</strong> luta de to<strong>da</strong> história que nós não vamos aqui repetir a<br />
história falar sobre o 13 de maio, mas tem tudo haver uma coisa com a outra em termos<br />
assim, foi por isso que foi 13 de maio, o qual nós adotamos como a <strong>da</strong>ta do Comércio<br />
de Cajazeiras, porque aí nasceu aí o comércio de Cajazeiras. Depois disso existiram<br />
outras ocupações nesse mesmo sentido comercial, porque já existiam ocupações<br />
residenciais, nós sabemos disso, mas de cunho comercial, foi a primeira aqui, pelo<br />
menos que se tem notícia, pelo menos que eu tenho noticia foi a primeira que aconteceu,<br />
já aconteceu, já vi acontecera é... coisas dessa natureza, mas de maneira isola<strong>da</strong>,<br />
individual, de alguém entrar numa área por ganância ou por qualquer um outro outra...<br />
individual, agora de maneira coletiva e organiza<strong>da</strong> essa foi a primeira que eu tenho<br />
conhecimento, que a gente tem notícia foi a primeira, agora foi uma coisa que nós não<br />
tínhamos interesse em divulgar no primeiro momento e basicamente não se fala sobre<br />
esse assunto até porque todos os meus companheiros <strong>da</strong> época infelizmente não estão<br />
mais aqui saíram, e eu fui o que continuei como liderança, muitos deles não eram<br />
lideranças, a maior deles nem eram lideranças, eles foram comerciantes... Pessoas que<br />
se tornaram comerciante mas que agora... Eu já... já, digamos assim, lutava pelo bairro,<br />
e aí a gente de vez em quando a gente fala sobre isso, que eu acho que não pertence a<br />
mim. Faz parte, bonita ou não rica ou pobre, mais faz parte <strong>da</strong> história de Cajazeiras,<br />
faz parte <strong>da</strong> sua história e eu não tenho direito de não repassar isso. Então de vez em<br />
quando estou repassando isso para quem interessa possa.<br />
(N): Qual é a cor de Cajazeiras?<br />
(A): Qual a cor? É a cor <strong>da</strong> Bahia, é a cor do Brasil.<br />
23
(N): A gente tava falando sobre as manifestações culturais, só pra gente fechar.<br />
(A): Sim. As Manifestações culturais. Olha, existe uma carência muito grande, isso<br />
devido à ausência do poder público, já que nós necessitaríamos não de amuleto, não<br />
de... de repente, ficar na dependência, mas do mínimo que compete ao poder público.<br />
Mas quando eu falo em poder público eu falo de poder público em seus diversos níveis:<br />
municipal, estadual, federal, nos seguimentos do poder legislativo, executivo e<br />
judiciário quando é o caso. Então existe uma ausência muito grande aqui nas Cajazeiras,<br />
mais ain<strong>da</strong> assim a sua gente, ain<strong>da</strong> assim os seus moradores e hipoteticamente o seu<br />
povo tem as suas manifestações. Nós temos a área <strong>da</strong> capoeira, que inclusive... cê tá<br />
falando sobre a cultura né? Cê não tá falando <strong>da</strong> educação, você tá falando <strong>da</strong> cultura<br />
em si, né? Então a cultura, ...Nós temos a capoeira que eles se reúnem, praticam aqui,<br />
inclusive na praça pública. Geralmente eles têm um calendário, tem para os adeptos do<br />
candomblé, é... Tem alguns companheiros na questão de... de bloco afro, como é o caso<br />
do companheiro Nadinho na questão do desfile do Congo.Temos várias, várias áreas.<br />
(N): Manifestações negras?<br />
(A): Tem, tem tido... Tem tido caminha<strong>da</strong>s aqui em relação a Consciência Negra, que<br />
não deixa de ser uma forma de... Uma presença, uma expressão do sentimento, é... Têm<br />
algumas realizações, algumas ações <strong>da</strong> própria comuni<strong>da</strong>de nesse sentido! É... já temos,<br />
por exemplo, tem pessoas aqui que... que fazem artesanato e etc., agora não temos<br />
espaço, que nessa parte exatamente que eu falo do poder público, porque nós<br />
precisaríamos de um centro cultural, que o qual nós estamos reivindicando, estamos<br />
lutando a muito tempo por um núcleo de integração social aqui em Cajazeiras. Porque<br />
falar em Cajazeiras é bom que se registre, é bom que se lembre que nós tamos falando,<br />
vamos dizer assim, duma parte <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, estamos falando... e a parte cultural, porque<br />
Cajazeiras ela não tem ain<strong>da</strong> uma cultura, mas a cultura que eu me refiro não é a<br />
acadêmica, a cultura que eu me refiro é digamos um referencial própria, como alguns<br />
lugares assim, alguns bairros, que você fala sobre aquele bairro e associa a algo <strong>da</strong>quele<br />
bairro, né? Então Cajazeiras ela ain<strong>da</strong> não tem, justamente porque a sua gente aqui veio<br />
de várias partes, ca<strong>da</strong> uma de uma maneira, ca<strong>da</strong> um... E muitas delas ain<strong>da</strong> tem seus<br />
24
laços, as suas raízes, nós estamos trabalhando nesse sentido é... Que passa pelo cartório<br />
de registro civil que não tem aqui. Então, a formação <strong>da</strong> cultura, a consciência, o apelo<br />
por suas coisas, passa pelo cartório, passa pela materni<strong>da</strong>de (graças a Deus tem hoje não<br />
só atende Cajazeiras, mas como atende a região) passa pelo cartório eleitoral, temos<br />
uma série de fatores, e passa pelo cemitério, então tudo isso tem haver com os vínculos<br />
de Cajazeiras e tem haver também com o processo <strong>da</strong> sociologia nós sabemos disso, aí o<br />
poder público, se nós tivéssemos aqui alguns espaços voltado pra cultura nos seus mais<br />
diversos pontos, então isso aju<strong>da</strong>ria bastante a Cajazeiras. Nós estamos lutando... Nós<br />
temos, nós temos pautado junto ao governador reivindicações e quando falo nós, temos<br />
por parte <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de, tenho por minha parte como um membro dessa comuni<strong>da</strong>de,<br />
como um simples representante, mais eu tenho reivindicado para... Tenho protocolando<br />
junto ao governo do Estado, junto à prefeitura <strong>da</strong>qui, junto ao governo federal, por<br />
exemplo, nós temos pleito, por exem... No que diz respeito ao INSS é um pleito junto ao<br />
governo do Estado, tem tudo haver com Cajazeiras. Então tem é vári... diversos<br />
pontos, então a gente sempre tamos reivindicando, agora tem evoluído. Agora tem uma<br />
coisa que precisa-se registrar, não tem na<strong>da</strong> em Cajazeiras hoje... e que Cajazeiras hoje<br />
não é a de ontem, não é de ontem. É fruto <strong>da</strong> sua luta e fruto do processo natural <strong>da</strong><br />
condição, mas não tem na<strong>da</strong> em Cajazeiras que tenha vindo de mão beija<strong>da</strong>, que tenha<br />
vindo aqui porque o Senhor Governador, porque o Senhor Prefeito, porque o Senhor<br />
Vereador, porque o Senhor Presidente <strong>da</strong> República achou que deveria colocar em<br />
Cajazeiras, veio e disse, olha, convocou a comuni<strong>da</strong>de <strong>da</strong>í: “Eu estou aqui pra fazer uma<br />
surpresa pra vocês, está aqui! ” Não! Na<strong>da</strong> aqui aconteceu dessa forma, tudo veio<br />
através de uma luta, até mesmo as empresas de maior porte foi a comuni<strong>da</strong>de que<br />
deslocou, foi lá. O Paes Mendonça, antigo Paes Mendonça, hoje Bom Preço foi, apesar<br />
que eles tinham terras aqui, e criaram posses aqui, eles tinham terras criaram uma posse<br />
e não montaram um supermercado. Depois a gente, nós fomos... alguns companheiros<br />
meu, eu não estava nessa reunião e que foi lá mostrar... Paes Mendonça, a ele mesmo<br />
que Cajazeiras, como presidente <strong>da</strong> rede, que Cajazeiras era viável. Mas também se deu,<br />
cê nem imagina a questão de banco, nós temos registrado aqui tudo, as comunicações,<br />
as reuniões, ver<strong>da</strong>deiras penitências, ver<strong>da</strong>deira penitência nós fizemos, fizemos<br />
levantamentos aqui de quantos estabelecimentos mais ou menos por alto, com os<br />
próprios recursos <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de em relação a ren<strong>da</strong> per capta, qual capital que<br />
circulava em Cajazeiras na área do comércio, a questão que tinha em torno, mostrando<br />
que isso viria atender basicamente de São Cristovão a to<strong>da</strong> Pirajá, tudo isso atendia aqui<br />
25
que estava dentro do circuito. Então nós fizemos com o banco... com o Bradesco, Caixa<br />
Econômica, Banco do Brasil, Econômico, é tão econômico, é... Banco Real, com todo<br />
mundo. Eu mesmo que no caso sempre representei o comércio, então eu fiz esse<br />
trabalho a gente... Nós temos agen<strong>da</strong>do as reuniões, com quem teve a reunião com ca<strong>da</strong><br />
banco, o horário, todo projeto de comunicação...as manifestações que foram feitas nesse<br />
sentido, conseguimos um posto avançado <strong>da</strong> Caixa Econômica aqui, em 1993, por aí<br />
assim, é... que contou... Esse contou com a participação de Edval Passos... Olha já que<br />
eu falei sobre o deputado Edval Passos do PT, eu vou ter que falar, já que foi um<br />
benefício, então eu vou ter que falar sobre o outro bem feitor, foi Orlando Lessa quando<br />
vereador.<br />
(N): Qual o partido dele?<br />
(A): Orlando Lessa, na oportuni<strong>da</strong>de me parece que era PMDB.<br />
(N): Ah! Então era o PT <strong>da</strong> época.<br />
(A): Era, era o PT <strong>da</strong> época, era, PMDB.<br />
(N): Acho que vou ter que terminar porque eu tenho que ir pra lá falar com as meninas.<br />
O que significa Pronaica ?<br />
(A): Pronaica?<br />
(N): É o que?<br />
(A): Olha você me fez uma pergunta e que basicamente foi uma <strong>da</strong>s poucas perguntas<br />
que eu não tive a resposta sobre Cajazeiras, agora eu posso te explicar o objetivo, agora<br />
a palavra Pronaica, que nós entendemos que é uma...<br />
(N): Uma sigla.<br />
(A): Uma sigla. Então eu não tenho... Eu esqueci o nome, Pronaica o que é que<br />
significa. Agora posso lhe dizer a origem do... do coisa. Aí vai ficar fácil. Então o nome<br />
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por extenso fica sem a devi<strong>da</strong> importância porque o que importa, o que vale salientar é a<br />
questão do objetivo. A Pronaica, o governo de Itamar Franco...<br />
(N): Sim.<br />
(A): A gente na oportuni<strong>da</strong>de falávamos de... Da questão de Cajazeiras, e alcançamos<br />
um estágio que começou, isso se repercutir junto ao município, junto a ci<strong>da</strong>de e fora<br />
<strong>da</strong>qui também. O grau de organização <strong>da</strong> gente... Sobre o grau de organização <strong>da</strong><br />
comuni<strong>da</strong>de de Cajazeiras, uma comuni<strong>da</strong>de carente, uma comuni<strong>da</strong>de que de repente<br />
estava encontrando seus caminhos e dentro disso, é... Nas nossas reivindicações,<br />
terminou o Presidente <strong>da</strong> República sendo sensível e trazendo pr’aqui uma uni<strong>da</strong>de, que<br />
essa uni<strong>da</strong>de que parece até uma incoerência sobre o que nós estávamos falando<br />
anteriormente, a voltarem justamente para a cultura. Era um espaço cultural, um espaço<br />
que deveria ter oficinas, que deveria ter espaço para a comuni<strong>da</strong>de se reunir, é... Em<br />
várias mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des, várias mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des que viesse atender a comuni<strong>da</strong>de. Entretanto<br />
tiveram dois governantes que amaram demais Cajazeiras que sempre declarou amor de<br />
maneira alucinante por Cajazeiras, pegou e não deu o devido apoio a comuni<strong>da</strong>de. A<br />
comuni<strong>da</strong>de em si por mais boa vontade, por mais entendimento que ela tenha, mas não<br />
tinha (como não tem até hoje) recursos e terminou o equipamento não atendendo na sua<br />
essência o seu objetivo. Aí é... Simplesmente, o governo do Estado foi lá e fez não sei<br />
se como<strong>da</strong>to, não sei se um convênio com o governo federal, que foi na gestão de<br />
Itamar Franco, só que esse ato foi depois. Aí passou a ser uma escola, na<strong>da</strong> contra a<br />
escola. Precisamos de mais escola em Cajazeiras e como...<br />
(N): Como é o nome <strong>da</strong> escola que tem na 10?<br />
(A): É, Escola Pronaica. Então na<strong>da</strong> contra... sobre a escola, e nós precisamos de escola.<br />
Precisávamos e continuamos precisando de escola. Agora de qualquer sorte nós<br />
tínhamos precariamente...<br />
(N): Estadual?<br />
(A): Estadual. Nós tínhamos algumas escolas na época, então... Mais o espaço só<br />
tínhamos aquele, e hoje inclusive é preciso, eu, por exemplo, vou tomar iniciativa não<br />
27
de fechar a escola e sim do governo do Estado construir uma escola pra poder substituir<br />
o espaço ali, pra devolver a comuni<strong>da</strong>de. Porque na ver<strong>da</strong>de aquele espaço é o espaço<br />
voltado para a cultura e não para a educação e que a educação o governo do Estado deve<br />
construir um espaço, mais um espaço, nós precisamos de mais escola pra poder<br />
desocupar a escola. Porque também fechar a gente não aceitamos, porque exatamente<br />
chegar e deixar os alunos... Deixar os estu<strong>da</strong>ntes sem escola também não dá.<br />
(N): Não adianta.<br />
(A): Não adianta. Então a Pronaica é isso.<br />
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TRANSC<strong>RI</strong>ÇÃO DA ENTREVISTA COM DINHO MELO<br />
NELMA (N): Salvador, 20 de junho de 2008. Mora aqui há quanto tempo?<br />
DINHO (D): Já há 22 anos. Era uma casa como Cajazeiras: construí<strong>da</strong> pra funcionário<br />
público, né? Minha mãe, meus pais funcionário público, e minha mãe veio pra aqui, lá em 84,<br />
86 a gente se mudou, viemos pra aqui. Praticamente, as pessoas que vieram pra Cajazeiras,<br />
vieram de outro bairro, né. Esse bairro que eu morava, San Martin, era <strong>da</strong>quela região de San<br />
Martin, Liber<strong>da</strong>de que cursava tudo aquilo ali, a região. E o Movimento Negro estava alojado<br />
na Liber<strong>da</strong>de, que era o bairro mais negro, onde todos tinham uma identi<strong>da</strong>de, uma luta já<br />
pelo, digamos assim, tardia, mas onde o movimento cursava to<strong>da</strong> aquela, pelo próprio nome<br />
<strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, dos direitos dos afrodescendentes, né. Politicamente, tinha já o MNU, o<br />
Movimento Negro Unificado, tinha os companheiros que lutavam pelos partidos de esquer<strong>da</strong>,<br />
afirmação também, lutando já contra a ditadura, final <strong>da</strong> ditadura, to<strong>da</strong> aquela luta. A eleição<br />
de Valdir Pires em 86, ali começa a adotar todos , digamos assim, todos nossos anseios<br />
também. Agora tinha dois outros pontos”: o Ilê aiyê e o Olodum, que estoura com suas<br />
músicas e os movimentos que era, que explodia naquele momento. Mais ou menos saiu, eu<br />
sou fruto disso aí, um garoto que gostava de Olodum e Ilê aiyê e o movimento negro em si.<br />
Isso aí 86 pra cá, já faz 22 anos.<br />
(N): O que foi pra esse garoto sair de lá <strong>da</strong> São Martins e vir pra cá, pra Cajazeiras?<br />
(D):É, tecnicamente um início de uma luta (...) porque Cajazeiras, o transporte coletivo não<br />
tinha. Aí a luta era pelo transporte coletivo, você tinha que ir para um estação que chamava<br />
Eva, que era (...)e era uma bagunça, praticamente 250 mil pessoas pra, dividido por uma<br />
empresa de serviço público, Transul é, início <strong>da</strong> gestão de Mário Kertezs, naquele momento.<br />
Então uma luta pra se firmar pra que se estivesse ônibus pra Lapa, pra outros terminal, que<br />
todos os outros bairros tinha e aqui não tinha. Então, quer dizer, naquele momento a gente<br />
começa uma luta, e aí se firma to<strong>da</strong> a luta política em Cajazeiras em cima do transporte<br />
coletivo. Então, quer dizer, é, essa mu<strong>da</strong>nça que a gente saía e quando chegava aqui, é, pra<br />
chegar, sair de lá do trabalho pra aqui era um sufoco, era “praticamente” uma bagunça, não<br />
tinha como definir assim não, (...) Como diz aquele antropólogo Darcy Ribeiro, que o Brasil<br />
1
queimava, queimou negros e índios, então, basicamente, o transporte coletivo queimava<br />
também a população de Cajazeiras, era uma queimação mesmo. Pra chegar aqui, se você fosse<br />
pra uma festa, quando <strong>da</strong>va nove, dez horas, você tinha que voltar porque não tinha como<br />
retornar, ou então você tinha que ficar lá até de manhã, basicamente isso. Então a luta, ali por<br />
ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia começa pelo transporte, é uma luta que todo o mundo, mas dentro desta luta aí<br />
desperta, cadê a escola de 2° grau? Não tinha. Cadê o banco? Não tinha. Cadê o cartório?<br />
Cadê o supermercado? Cadê? É, não tinha na<strong>da</strong> praticamente, na<strong>da</strong>, na<strong>da</strong>, (...) Simplesmente<br />
construíram um conjunto e você veio morar e não deu nenhumas estruturas, na<strong>da</strong> que você<br />
pensar aqui se tinha, hoje se tem tudo.<br />
(N): Graças à luta de vocês.<br />
(D):É, graças a essa luta, né? Lógico, o empresariado vem, o supermercado chega aqui, Paes<br />
Mendonça em 90, é, quer dizer, o Paes Mendonça empreendedor, viu que tinha a população e<br />
veio em 90. Que pra fazer compras se tinha que sair <strong>da</strong>qui, eu me lembro que eu ia com<br />
minha mãe na Baixa do Sapateiro, num supermercado que tinha lá dia de sábado e vinha pra<br />
aqui, isso aí é o ponto (...). E diversão não tinha na<strong>da</strong>, só tinha quando a gente reunia e<br />
invadia um apartamento ou uma casa abandona<strong>da</strong>, botava luz e fazia uma discoteca, uma<br />
quadra pra gente distrair porque não tinha mais na<strong>da</strong>, só isso.<br />
(N): Vocês invadiam os apartamentos vazios, é isso?<br />
(D):É, porque os apartamentos estavam vazios, o dono não estava, e a gente usava pra <strong>da</strong>r<br />
uma festa. Tinha uma casa vazia, a gente ia lá, botava uma iluminação, uma caixa de som e<br />
fazia a festa no dia de sábado. Porque ninguém queria vir morar em Cajazeiras, porque era<br />
longe, hoje não, hoje todos os apartamentos já estão ocupados. Mas não fomos nós que<br />
invadimos só, agora nós invadimos pra <strong>da</strong>r festa e outras pessoas que também não foram<br />
contempla<strong>da</strong>s porque não eram funcionário público vieram e invadiram esses apartamentos.<br />
Mas na ver<strong>da</strong>de quem recebeu o apartamento não quis ir morar porque era longe e não tinha<br />
na<strong>da</strong>, ou às vezes não tinha a necessi<strong>da</strong>de, né, aí passou por essa transformação. Quer dizer,<br />
hoje Cajazeiras passa por outra transformação, os terrenos que tinha em Cajazeiras que a<br />
Urbis não morou porque não tinha necessi<strong>da</strong>de de ocupar, porque era de difícil acesso, ou<br />
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porque era uma pirambeira como chama aqui uma desci<strong>da</strong>, não tinha condições de virar casa,<br />
hoje as pessoas invadiram para morar. Como tem algumas região dessa, a Fazen<strong>da</strong><br />
Independência, Mangabeira, outras regiãos que hoje são ocupação e a própria, depois a<br />
própria Urbis que deixou de ser Urbis, hoje é Conder, vieram e construiu casas pras pessoas<br />
que morava em encostas e houve desabamento e hoje mora em Cajazeiras. Essa é uma região,<br />
quer dizer, aquele conjunto que saiu <strong>da</strong> prancheta do arquiteto, do engenheiro, hoje já não é<br />
mais o mesmo. A topografia mudou e hoje existe aqui já 600, 700 mil habitantes.<br />
(N): O que é Cajazeiras? Onde é Cajazeiras? Me explique, onde começa, onde termina, como<br />
é que chega?<br />
(D):Cajazeiras, ela vem de um projeto que eu acredito de construir, lá nos anos 70, de<br />
construir o Castelo Branco. E to<strong>da</strong> essa região, Cajazeiras, se chama porque era<br />
abun<strong>da</strong>ntemente a árvore que tinha aqui, né, a árvore cajazeira, o suco de cajazeiras, a gente<br />
chama cajá que dá o frutozinho, né! É bom. Essa região, ela vem de Castelo Branco pra aqui,<br />
então Castelo Branco eles deram procedimentos aqui às cinco, e aí foram construindo os<br />
conjuntos, começa eu acho de Roberto Santos, governador, depois vem Antonio Carlos<br />
Magalhães, depois João Durval, que foi quem fez a última, né?! No governo Figueiredo, né, o<br />
último dos generais, do presidente. Mas aqui, antigamente em Cajazeiras só tinha um acesso<br />
que era pela Estra<strong>da</strong> Velha do Aeroporto, chamava Estra<strong>da</strong> velha do Aeroporto que é Estra<strong>da</strong><br />
Velha do Aeroporto que tinha o remanescente, quem era o remanescente? O remanescente era<br />
a chácara e sitio de pessoas que vinham pra cá, que tinham uma região, que digamos assim,<br />
chácara e sitio e a Estra<strong>da</strong> Velha do Aeroporto é que <strong>da</strong>va acesso, ou por Brasilgás, ou por<br />
Itapuã, digamos assim, né. que ligava ali o aeroporto, essa era Cajazeiras, essa região, foi<br />
escolhi<strong>da</strong> aí, foi desapropria<strong>da</strong> e nasceu o conjunto habitacional Cajazeiras, digamos assim,<br />
Cajazeiras dividi<strong>da</strong> em nove ou dez Cajazeiras, porque a última construí<strong>da</strong> aqui foi a 11.<br />
então, quer dizer, agora ca<strong>da</strong> Cajazeiras é dividi<strong>da</strong> em cinco setor, Fazen<strong>da</strong> Grande 1 vai<br />
quadra A, B, C, D, E, F, a Cajazeiras 5 aqui, ela tem seis quadras, então quando a pessoa vê<br />
falar Cajazeiras 5, ela tem seis quadras, Fazen<strong>da</strong> Grande 1, ela tem seis setores, a Cajazeiras<br />
10, ela tem três setores e aí são as região. É por isso que as pessoas às vezes diz assim, como é<br />
que tem 600 mil habitantes? Porque ca<strong>da</strong> quadra mora no mínimo 30 mil, ou mora, digamos<br />
assim, ca<strong>da</strong> Cajazeiras, ela tem, vamos supor, 60, 50 mil habitante, dividi<strong>da</strong> em cinco, seis<br />
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quadras, ca<strong>da</strong> quadra mora, é, seis à oito mil habitante, aí no total é que dá essa população<br />
to<strong>da</strong>. Mas hoje, quando, é porque é quadra. Ah, Cajazeiras 10 tem quanto habitante? Ah, tem<br />
40 à 50 mil habitante dividido em três, quatro quadras. Fazen<strong>da</strong> Grande 1, e por aí vai, cinco,<br />
seis quadras, assim de habitante, né. Você vê que a gente determina assim, Fazen<strong>da</strong> Grande 2<br />
do Chiclete com Banana, porque o Chiclete com Banana tem uma quadra lá na Fazen<strong>da</strong><br />
Grande, Fazen<strong>da</strong> Grande 2 <strong>da</strong> Telebahia, porque já é um outro ponto de referência, e aí, isso<br />
aí vai. Mas atualmente a Cajazeiras, 600 mil habitantes, o problema do transporte coletivo<br />
hoje ain<strong>da</strong> é o mesmo do <strong>da</strong>quele tempo que a gente chegou, porque 600 mil habitante, o<br />
pessoal ficou esperando que o metrô viesse resolver o problema. Hoje ain<strong>da</strong> não saiu e essa<br />
população continua sofrendo <strong>da</strong>quela mesma situação. Porque o que as nossas lutas, que nós<br />
conseguimos com o povo foi ultrapassa<strong>da</strong>s, então 600 mil habitante dentro de um complexo,<br />
que pra você sair <strong>da</strong>qui, se tiver uma greve de ônibus ninguém sai, porque não tem como sair,<br />
porque fica fechado. É diferente de como eu morava na fazen<strong>da</strong> Grande do Retiro que a gente<br />
ia an<strong>da</strong>ndo pra Liber<strong>da</strong>de, pro Largo do Tanque e aqui ninguém tem pra onde ir an<strong>da</strong>ndo, tem<br />
que ficar preso. Pra pessoa ir pra Itapuã aqui pegar praia, vai de uma topic, vai em uma van<br />
pela Estra<strong>da</strong> Velha do Aeroporto, que é uma calami<strong>da</strong>de, quase que as pessoas às vezes<br />
desistem de ir pra uma praia porque não tem um transporte pra chegar à praia de Itapuã que é<br />
perto. Então essa é uma situação que a gente hoje passa, vexatória, ela tem conseguido a vi<strong>da</strong><br />
própria dela em Cajazeiras nesses últimos dois anos.<br />
Por exemplo, a gente conseguia alguma coisa, é, digamos assim, as escolas aqui, elas só iam à<br />
8° série, hoje o governo em vez de construir escola, botou com que ela fosse o 2° grau, então<br />
os alunos não têm que pegar transporte, estu<strong>da</strong> o 2° grau por aqui, mesmo assim, a deman<strong>da</strong><br />
de aluno é maior, porque muitos alunos ain<strong>da</strong> têm que ir pra outros colégios fora de<br />
Cajazeiras terminar o antigo 2° grau. E as pessoas hoje, nós fomos contemplados com o SAC,<br />
que tem já, fazer 10 anos que o SAC resolve to<strong>da</strong> esse rede, todos os problemas assim, o<br />
único projeto que tem de inclusão social aqui dentro pra mim foi o SAC, porque você tira<br />
todos os tipos de documentos e resolve por aqui. Então a pessoa vai an<strong>da</strong>ndo pro SAC e<br />
resolve algum documento, tudo, resolve to<strong>da</strong> a sua documentação no SAC, foi uma benção o<br />
SAC ain<strong>da</strong> aqui. É o único projeto de inclusão social, foi o SAC. Hoje, já com a implantação<br />
<strong>da</strong>s lotéricas que as pessoas recebem o Bolsa Família por aqui, que é um projeto de inclusão<br />
social também, o Bolsa Família, o Pró-Jovem, o Bolsa-Escola, tudo isto se resolve na Loteria<br />
e a gente hoje conseguiu já o banco, o Bradesco que foi uma luta de 15 anos, o Bradesco veio<br />
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e há 2 ou 3 meses atrás, veio o Banco do Brasil. Então se a pessoa tinha que ir pro Banco do<br />
Brasil agência, se tinha que ir pra Itapuã, ou pro Porto seco Pirajá, mas com esses dois bancos<br />
a Cajazeiras começa a ter a vi<strong>da</strong> própria dela independente, nessa, nessa conjuntura do lado<br />
econômico, financeiro dela começa, ela a ter essa visibili<strong>da</strong>de de, “mu<strong>da</strong>” a última vitória, por<br />
exemplo, hoje em Cajazeiras tem um campus de uma facul<strong>da</strong>de particular, quer dizer, já é<br />
uma vitória pra Cajazeiras porque ela passa a ter uma opção maior. Mesmo assim, diante do<br />
poder econômico <strong>da</strong> população, pagar 400 em um curso, em uma facul<strong>da</strong>de, ou 300, é caro,<br />
nem todo mundo consegue. Então, quer dizer, é o que a gente quer hoje, que o pessoal luta<br />
pelo um campus <strong>da</strong> UNEB. Tem ci<strong>da</strong>de de 50, 100 mil habitante que tem um campus <strong>da</strong><br />
UNEB, então porque Cajazeiras que tem 500, 600 mil habitantes não têm um campus, quer<br />
dizer, essa luta agora, é a maior luta que nós temos agora, aqui dentro, é uma <strong>da</strong>s lutas de<br />
Cajazeiras. A segun<strong>da</strong> luta é que pra preservar aquilo que quando a gente chegou aqui, o<br />
bairro pra fazer jus ao nome de Cajazeiras, era uma área verde, por todo lado tinha pé de<br />
cajazeira aqui, muito, hoje pra você ver um pé de cajazeira aqui é uma rari<strong>da</strong>de. Porque<br />
alguns deles foram derrubados pra se construir casas, ocupação ou invasão. E as áreas verdes<br />
que nós tínhamos, hoje nós não temos mais porque a população cresceu, teve a especulação<br />
imobiliária, as ocupação, construiu novos blocos de apartamentos, tecnicamente só ficou no<br />
nome, naquele paraíso verde, as áreas verdes que nós temos, não temos mais, pra onde a gente<br />
olhar, a gente vê casa, e ca<strong>da</strong> dia nasce mais, ou conjunto construído pela Urbis ou pela<br />
CONDER, ou pelas ocupação ou loteamento, nós não temos mais. A grande preocupação de<br />
hoje que nós temos diante do que a gente vê, diante do mundo, que é o aquecimento global, a<br />
gente luta para ficar o remanescente <strong>da</strong> Mata Atlântica, que vem pela Estra<strong>da</strong> Velha do<br />
Aeroporto, que era praticamente to<strong>da</strong> verde, já não tem mais, como o conjunto que está<br />
nascendo lá, o Alphaville, né? Tem, terminou ali, acabando com o que seria nossa grande<br />
sonho de manter aquela área pra manter um campus <strong>da</strong> UNEB, pra manter um sub distrito<br />
industrial com pequenas empresas não poluentes. E a Barragem de Ipitanga, que ela está lá no<br />
final de Cajazeiras 11, na Boca <strong>da</strong> Mata, <strong>da</strong> Embasa, que é administra<strong>da</strong> pela Embasa, que<br />
fornece, como as pessoas que moram em Cajazeiras (oh, em Salvador !) não sabem que tem<br />
uma barragem, que a última barragem que fornece a água para consumo humano é a<br />
Barragem de Ipitanga, nossa luta para construir o Parque Ecológico, que é uma luta que se<br />
tem dentro de Cajazeiras agora pela Cajaverde, abraça<strong>da</strong> pela Cajaverde, uma instituição que<br />
nasceu aí há quatro, cinco anos e que hoje luta dentro de todos os órgãos do estado e<br />
5
municipal, para que ali seja criado um parque ecológico para preservar a barragem, para que<br />
não venha acontecer como outras barragens que tinha, que já tinha em Salvador, como a do<br />
Cobre e hoje não tem mais água para consumo humano, como a de Mata Escura que acabou<br />
né, devido à especulação, né? E a gente luta para que ela seja preserva<strong>da</strong>, para que se<br />
mantenha água, para o uso humanos, né, o consumo humano, e também preservar to<strong>da</strong> aquela<br />
área <strong>da</strong>quela barragem, e as matas auxiliares que está ao entorno dela e para que também não<br />
haja uma especulação imobiliária desordena<strong>da</strong> onde as pessoas ocupa ela e muitas vezes a<br />
canalização dos distritos, dos esgotos sejam jogado nela e venha a morrer. Principalmente se<br />
acabar o consumo humano <strong>da</strong> água, certamente a barragem, ela morre de qualquer forma.<br />
Então a nossa, a nossa, a nossa grande luta é hoje para remanescer o que é remanescente <strong>da</strong>s<br />
águas, <strong>da</strong>s matas auxiliares, <strong>da</strong> remanescente <strong>da</strong> Mata Atlântica e uma conscientização de que<br />
Cajazeiras com 600 mil habitantes, que <strong>da</strong>qui há mais dois, cinco ou dez anos terá 800 ou um<br />
milhão de habitantes, como é que vai viver essa população se viver dentro de uma selva de<br />
pedras? Aí pode se transformar em uma grande favela, os conjuntos habitacional sem<br />
manutenção, os blocos de apartamentos sem manutenção, ela poderá viver, digamos assim,<br />
to<strong>da</strong>s as doenças, to<strong>da</strong>s as seqüelas de uma grande metrópole, de um grande, digamos<br />
conjunto habitacional se não tiver preservação <strong>da</strong> Mata Atlântica, se não tiver um projeto<br />
habitacional, se não tiver um estudo ou de um planejamento <strong>da</strong>s áreas, o que serão dessas<br />
pessoas?<br />
Como viverão as futuras geração? As doenças que podem causar? E ain<strong>da</strong> mais de com uma<br />
população de maioria negra mesmo, é você sabe que os afro-descendentes por si têm suas<br />
doenças, não só aquela que chama de Hipertensão, Anemia Falciforme, mas outras dos novos<br />
tempos que está vindo do aquecimento global, essa população pode sofrer uma grande<br />
projeto, principalmente pro lado, digamos assim, <strong>da</strong> administração pública, que hoje o posto<br />
médico não dá pra atender to<strong>da</strong> a população. Então o idoso, pra ele tirar uma pressão, porque<br />
ele teve uma falta de ar, como vive esses idosos hoje, tem que sair <strong>da</strong>qui para ir para outro<br />
posto médico se tratar. Como é que uma mãe vai levar um filho para atender uma criança de<br />
dois anos, fora de Cajazeiras, praticamente o caos que vive a Saúde no momento né? E que<br />
nós vemos aí de conhecimento geral. É necessário que a gente tenha a tudo, tudo lutar por<br />
uma quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>, essa quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> passa por uma consciência coletiva, primeiro<br />
plano que eu, a gente vem a discutir é o número de escolas se é suficiente para os alunos, o<br />
6
posto médico se é suficiente pra população de Cajazeiras, e o que eu acho que tem é que... a<br />
gente possa, que tenha curto prazo e a média a longo prazo pra gente projetar pra Cajazeiras,<br />
porque queira sim queira não, eu acho que as pessoas vê falar em Cajazeiras ain<strong>da</strong> como<br />
aquele local que era há dez, quinze anos atrás, um local que tinha, assim, uma visão meia<br />
bucólica, uma ci<strong>da</strong>de do interior, ou um subúrbio, isso. A reali<strong>da</strong>de não é essa não, a reali<strong>da</strong>de<br />
que as pessoas ficam, vivem aqui, está dentro de uma grande metrópole, e passa por todos os<br />
problemas que ela passa, ou seja, na Saúde, na Educação, na Violência, tudo isso passa, do<br />
Desemprego, do Mercado Informal, to<strong>da</strong> essa população vive. E todos os poderes públicos só<br />
lembra de Cajazeiras, assim, em um planejamento, em um projeto para o futuro e diz assim:<br />
“Cajazeiras saiu <strong>da</strong> prancheta do arquiteto, do engenheiro, não tem nenhum problema”. Não é<br />
ver<strong>da</strong>de, ela tem todos os problemas que outro bairro tem, ou até mais, devido ao número <strong>da</strong><br />
população, só aí, aí já é um problema que, digamos assim, os poderes públicos, estadual,<br />
municipal, ele não quer discutir, não quer sentar pra discutir, teve ou pra você ver uma coisa<br />
super superficial, só isso na<strong>da</strong> mais do que isso. E o agravante disso é que to<strong>da</strong> uma<br />
população negra, quando você pega to<strong>da</strong> uma população negra de Salvador, é uma população<br />
negra, a maioria <strong>da</strong> população de Cajazeiras, 80% é de afro descendente e aí a gente pega todo<br />
o legado que ficou durante a construção <strong>da</strong> História <strong>da</strong> Escravidão, dos Direitos dos Afro<br />
descendentes, <strong>da</strong>s Políticas Públicas, <strong>da</strong> Política de Reparação, todos esses agravantes vem<br />
para essa região de Cajazeiras. É como se você visse dentro de Cajazeiras, digamos assim,<br />
600 mil habitantes, você visse todo um, uma problemática de socioeconômica que a<br />
população de Cajazeiras vive. Ou seja, Cajazeiras, o jovem de Cajazeiras se você olhar esse<br />
horário, três, quatro horas, ele não tem assim, um Centro Social Urbano, ele não tem um<br />
Centro Cultural, ele não tem na<strong>da</strong> oferecido pelo governo municipal, estadual que possa vim<br />
“reparação” to<strong>da</strong> essa exclusão social.<br />
Na ver<strong>da</strong>de, o problema de Cajazeiras, é de exclusão social, se você for olhar assim, dizer<br />
assim, aonde o jovem vem a aprender uma profissão, ele não tem, aonde um jovem, uma<br />
profissão, qualquer profissão o jovem de Cajazeiras não ele não tem aonde aprender, se você<br />
for olhar assim, aonde ele pode aprender a tocar um instrumento musical, ele também não<br />
tem. Então ele não tem aonde aprender uma profissão e nem onde aprender a tocar um<br />
instrumento musical, aonde fazer um trabalho socioeconômico, ele não tem, na<strong>da</strong>, na<strong>da</strong> a<br />
juventude de Cajazeiras tem. Entendeu? Você ouve falar, os jovens estu<strong>da</strong>m, mas não<br />
estu<strong>da</strong>m, ele simplesmente tira a 8° série, o 2° grau acabou ali, <strong>da</strong>li ele não tem mais na<strong>da</strong>.<br />
7
Uma perspectiva de aprender um curso, na<strong>da</strong>, na<strong>da</strong>, na<strong>da</strong>, na<strong>da</strong> a juventude de Cajazeiras não<br />
tem. O que ele tem ele pode fazer por conta própria, ou seja, ou ele pratica um esporte<br />
jogando na escolinha de futebol, uma liga esportiva, na<strong>da</strong> mais do que isso. A situação de<br />
Cajazeiras é tão triste que aonde o jovem tinha, o assim, um campo de futebol, nos últimos<br />
anos nós estamos perdendo os campos de futebol que foi uma coisa que tinha nos anos 90, nós<br />
estamos perdendo porque ca<strong>da</strong> vez que constrói novos conjuntos de bloco, de apartamento,<br />
assim, digamos assim, é dentro de um campo de futebol, aí aquela área que era de lazer, ele<br />
perde. Então, quer dizer, é uma tristeza, mas é uma reali<strong>da</strong>de.<br />
(N): Como é que foram construídos os campos de futebol aqui?<br />
(D):Não, os campos de futebol é criado pela comuni<strong>da</strong>de em uma área que eles tinha, que a<br />
topografia aju<strong>da</strong>va e ele foi e construiu aquele campo de futebol. Mas no momento que<br />
construiu o campo de futebol, como tinha, hoje construiu o SAC, atrás do SAC construiu um<br />
conjunto habitacional, aonde era um campo de futebol, na Boca <strong>da</strong> Mata tinha um campo de<br />
futebol, construiu um bloco de apartamento. Mas ninguém veio discutir com, nem a<br />
CONDER nem a Urb, e nem o governo federal, nem o governo do estado nem municipal, o<br />
que nós teríamos de contra-parti<strong>da</strong>. Se você perder esse campo de futebol, a gente vai<br />
construir outro aonde? Vão construir outro aqui? Não, simplesmente perdeu o campo de<br />
futebol. Então, quer dizer, a gente ficou sem o campo de futebol. Eu moro, é, tem um local,<br />
quadra B, na Fazen<strong>da</strong> Grande 1, tem uma grande quadra esportiva, a população conseguiu ela<br />
há 20 anos atrás, hoje ela está to<strong>da</strong> acaba<strong>da</strong> e a gente não sabe a quem pedir, pediu a todos os<br />
órgãos pra recuperar ela e não conseguiu recuperar esse campo de futebol. Nós temos um<br />
campo que foi construído há 10 anos, chamado Complexo Esportivo Paulo Souto, hoje está<br />
todo deteriorado, acabado e até hoje a população luta para acabar, para reconstruir ou para a<br />
revitalização e ele não conseguia. Era antigamente aonde tinha o forró, a festa, o carnaval que<br />
fica ali próximo à materni<strong>da</strong>de e aquele campo está todo acabado, e ninguém conseguiu<br />
recuperar os (...) vivemos na promessa de recuperação desse, dessa, desse quadra esportiva e<br />
nós não conseguimos. Mas na ver<strong>da</strong>de, é que quando a Cajazeiras foi construí<strong>da</strong>, naquele<br />
momento o governo federal não construía mais centro social urbano e Cajazeiras carece,<br />
assim, ou de um centro social urbano ou de um centro cultural, como se fosse, assim, uma<br />
concha acústica, um projeto aonde você pudesse trabalhar com, se hoje um artista quiser ou o<br />
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governo, sabe se lá, eu vou em Cajazeiras e vou colocar um empresário, (...) Eu vou lá e vou<br />
<strong>da</strong>r um show pra mil, 2 mil população. Ele não tem porque ele não tem uma área fecha<strong>da</strong><br />
aonde ele pode. Mesmo querendo cobrar o ingresso, o ingresso, não tem. E um grande<br />
empresário, ele não vai construir um centro, um centro, uma casa de lazer aqui devido à<br />
população ser de baixa ren<strong>da</strong>, está muito distante. Então, como é que ele vai botar uma casa<br />
de show, cobrar 20 reais numa entra<strong>da</strong>, talvez ele acha que não vale a pena fazer esse<br />
investimento, ou só <strong>da</strong>r um show uma vez por mês, ou então o empresariado talvez ele não<br />
invista nessa região. Então, aí entra, quando falta o setor empresarial, devia entrar os poderes<br />
públicos e construir um centro, e, cultural dentro de Cajazeiras. Nós não temos, isso pra mim<br />
é um ponto, é Cajazeiras carece muito disso. Ou seja, quem construiu esqueceu disso.<br />
(N):O que representa Cajazeiras pra você?<br />
(D):Cajazeiras, ela representa uma ci<strong>da</strong>de. E como uma ci<strong>da</strong>de ela tem to<strong>da</strong> problemática de<br />
uma ci<strong>da</strong>de. Porque você diz uma ci<strong>da</strong>de assim, Cajazeiras City, digamos assim, a ci<strong>da</strong>de de<br />
Cajazeiras, ela representa, porque você passa 22 anos, você cria vínculos com ela e Cajazeiras<br />
hoje já tem aquelas pessoas que hoje nasceram em Cajazeiras e pode dizer, eu sou<br />
cajazeirense porque eu nasci aqui. Então essa juventude que tem 20 anos, é realmente, tem<br />
vínculo com essa ci<strong>da</strong>de. Então ela, você tem vínculo, você tem um laço afetivo com ela, você<br />
viu ela nascer, você an<strong>da</strong>va pela rua dez horas <strong>da</strong> noite não tinha ninguém, hoje você passa<br />
dez horas é uma ci<strong>da</strong>de como outra comum, você vê que tem pessoas, um fluxo de pessoas<br />
muito grande. Então você tem vínculo. Mas a maior identi<strong>da</strong>de dela é você olhar e ver ela se,<br />
está deteriorizando, se acabando publicamente, de um lado, só o lado comercial avançando e o<br />
lado social dela sendo destruído, acabando. Então esse é um poder aquisitivo e pode acontecer<br />
o inverso, a pessoa que tem um poder aquisitivo maior, abandonar o bairro. Se as pessoas que<br />
tem um poder, um poder aquisitivo maior, aquelas pessoas que são fazedoras de opinião,<br />
aquelas pessoas que tem uma visão sócio-política do sistema que os nós vivemos hoje, for<br />
morar em outro bairro, abandonar Cajazeiras, porque os poderes públicos não investe nela, ela<br />
se transformará em quê, essa ci<strong>da</strong>de se transformará? E isso pode ocorrer em Cajazeiras, ela<br />
se tornará, simplesmente assim, <strong>da</strong>qui há uma déca<strong>da</strong>, uma grande favela, entendeu? Sem<br />
perspectiva, ou sem futuro. Os blocos e os apartamentos construído por Cajazeiras, como foi<br />
bloco e apartamento, digamos assim, de segun<strong>da</strong>, que não é um bloco construído para (...)<br />
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funcionário público, <strong>da</strong>qui há 20 anos, como é que estará esse bloco se ele não for recuperado,<br />
revitalizado hoje? Então é necessário que os poderes públicos, como a Conder, ela venha e<br />
recupere todos esses conjuntos habitacional, antes que a população deixe esse bairro,<br />
abandone, passe a abandonar o bairro por falta de infra-instrutura.<br />
Hoje, Cajazeiras ela não tem, o fluxo de carro hoje, ela gera um engarrafamento tão duro que<br />
você hoje pra sair de Cajazeiras, cinco, sete horas de manhã na hora do pico você gasta 30<br />
minutos só dentro de Cajazeiras, pra sair com ela. Aí pra você chegar ao local de trabalho, ou<br />
sair de Cajazeiras, você gasta quase 40 minutos dentro de Cajazeiras no engarrafamento, isso<br />
é uma tristeza, uma vergonha, digamos assim. Porque não foi construí<strong>da</strong> novas vias de acesso.<br />
É necessário que se construa novas vias de acesso para que se tenha um trânsito rápido, mais<br />
rápido, um trânsito flua mais rápido, digamos assim, na hora do pico as pessoas possa ter<br />
acesso. Aí só tem uma via de acesso, é ligando a Cajazeiras 5 à Cajazeiras 8, só tem uma via,<br />
ligando a Cajazeiras 8 ao Largo do chamado Largo <strong>da</strong> Feirinha, só tem uma via. Então é<br />
necessário que se construa novas vias de acesso, é uma reivindicação de, de longos <strong>da</strong>ta. A<br />
gente queria assim: a revitalização <strong>da</strong> Estra<strong>da</strong> Velha do Aeroporto, a duplicação dela, nós não<br />
conseguimos isso até hoje. E é, a Estra<strong>da</strong> Velha do Aeroporto é uma estra<strong>da</strong> que foi tomba<strong>da</strong><br />
pela sua história, pela sua historia nela, ela foi tomba<strong>da</strong>.<br />
(N): Qual história?<br />
(D):é pela história que ela resolveu, ela foi construí<strong>da</strong> durante a 2° Guerra Mundial, nos anos<br />
40 e de lá pra cá ela foi abandona<strong>da</strong> devido à construção <strong>da</strong> Paralela, e nunca mais foi<br />
revitaliza<strong>da</strong>, a Estra<strong>da</strong> Velha do aeroporto.<br />
(N):Qual o valor dela?<br />
(D):O valor histórico dela é um valor, digamos assim, pelo o que ela representou nos anos, é,<br />
50, 60, inclusive lá existe alguns terreiros de candomblé que foi tombado historicamente, que<br />
as pessoas não sabe dela, que não sabem disso. Antigamente, aqui, era antes de Cajazeiras,<br />
to<strong>da</strong> essa região foi um quilombo, as pessoas também, tem um remanescente do quilombo que<br />
tem uma história muito bonita. É, teve também aqui alguns engenhos de cana de açúcar, essa<br />
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história tem. Então aquela Estra<strong>da</strong> Velha do Aeroporto, ela tem esse valor histórico pra gente<br />
que é preciso resgatar Cajazeiras desse ponto de parti<strong>da</strong>, porque aí tem uma parte <strong>da</strong> história<br />
de Salvador também, entendeu? Pra se chegar à base do aeroporto, à base aérea tinha que<br />
passar pela Estra<strong>da</strong> Velha do Aeroporto, além disso, os terreiros de candomblé que é uma<br />
história muito bonita, que ela existe antes de Cajazeiras e o pessoal esquece disso que é a<br />
cultura afro e além <strong>da</strong> cultura afro dentro dos antigos terreiros de candomblé que existem<br />
aqui, os antigos engenhos de cana de açúcar, existe também uma remanescente <strong>da</strong> Cajazeiras,<br />
que são aquelas pessoas que quando cajazeiras foi construí<strong>da</strong> já estavam aqui, que são essas<br />
pessoas, são descendentes de escravos, né?<br />
A gente vê dentro de Cajazeiras as pessoas, essas pessoas estão perdendo as suas casas, os<br />
seus sítios, é digamos assim, sítios dos remanescentes dos quilombos, porque a especulação<br />
imobiliária compra essas casas, indeniza, digamos assim, os que chamamos assim colonos,<br />
que por aqui vivia e o remanescente de quilombo ela (...) até se, s outras construção que está<br />
acontecendo fere a Constituição porque o remanescente do quilombo pela Constituição é<br />
tombado, as pessoas não podem ser remaneja<strong>da</strong>s, não pode sair, isso é uma agressão até à<br />
história. Mas a especulação imobiliária, ela vai e compra e retira essas pessoas. Muito desse<br />
remanescente do quilombo, elas tiraram e tiraram pra quê? Pra o comércio, porque aonde tem<br />
600 mil habitante, é necessário que se tenha to<strong>da</strong> uma infra-estrutura, o comércio funciona<br />
com to<strong>da</strong>s as suas lojas, como todos os seus supermercados, com to<strong>da</strong>s as suas estruturas,<br />
materiais de construção, supermercados e tudo, isso faz com que essas pessoas ven<strong>da</strong>m a suas<br />
casas à especulação imobiliária, ao o comercio que se estabelece na área para atender a<br />
população de 600 mil habitante. Então isso faz com que essas pessoas perca essa imobiliária,<br />
isso vai acontecer também com a Estra<strong>da</strong> Velha do Aeroporto, porque a especulação<br />
imobiliária simplesmente vai construir o que a gente, vê a construir, digamos assim, no<br />
centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, aonde tinha um casarão, que as pessoas diziam, não aquele casarão morou<br />
não sei quem, uma personali<strong>da</strong>de que fez parte <strong>da</strong> história, de repente o casarão é<br />
desmanchado para construir um edifício, né, no chamado verticalização <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e de repente<br />
aqui na Estra<strong>da</strong> Velha do Aeroporto, as chácaras, os sítios ou os terreiros de candomblé, ou<br />
outros terreiros que se tinha, ou outros sítios ecológicos, será dá espaço a um conjunto<br />
imobiliário, ou digamos, como é que se pode chamar assim, uma, um, uma construção<br />
moderna, né, nessa área.<br />
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Ela será como o Alphaville que está vindo agora, um condomínio fechado. Então tudo isso vai<br />
acontecer entorno <strong>da</strong> Estra<strong>da</strong> Velha do Aeroporto. E o que a gente sonhava pra Estra<strong>da</strong> Velha<br />
ela não vai viver pra isso, então amanhã, a gente pode ver <strong>da</strong>qui no futuro, ou amanhã, ela ser<br />
to<strong>da</strong> lotea<strong>da</strong> e aí perde uma história <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, ela será perdi<strong>da</strong>. E com a perdição dela virá a<br />
mata, o restante <strong>da</strong> Mata atlântica, o que restou <strong>da</strong> Mata Atlântica, do remanescente <strong>da</strong> Mata<br />
Atlântica será de certa forma destruído ou será, é digamos assim, uma devastação, e será<br />
também, é o sonho <strong>da</strong> gente, preservar o que era o restante <strong>da</strong> Mata Atlântica, ela será<br />
destruí<strong>da</strong> de certa forma com to<strong>da</strong> uma história que se tem, e além de disso, a flora e a fauna<br />
será desmancha<strong>da</strong>, a flora e a fauna que eu falo é o seguinte, o que tinha de mico, um macaco,<br />
um passarinho, isso será acabado e o córrego, os rio, que chama assim o rio, a nascente de um<br />
rio também será destruí<strong>da</strong> por isso e isso com o tempo <strong>da</strong> história virá naquilo que a gente<br />
pode temer hoje que o aquecimento global, além dessa história <strong>da</strong> flora e <strong>da</strong> fauna a gente<br />
perde, perderemos também é, digamos assim, uma história que fez parte <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, né.<br />
(N): Eu queria que você falasse mais sobre essa parte do remanescente de quilombo aqui.<br />
(D):Olha, o que a gente tem conhecimento do que se conta a história que aqui era um<br />
quilombo, chamava Quilombo do Urubu, que vinha <strong>da</strong>, <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> Pirajá, que pega <strong>da</strong>li, <strong>da</strong><br />
Campina de Pirajá pra cá, que era, foi coman<strong>da</strong>do por uma moça, chama<strong>da</strong>, por uma ex-<br />
escrava chama<strong>da</strong> Serafina. E aí, chamado Quilombo do Urubu, que era to<strong>da</strong> essa região, não<br />
me lembro o século agora, era remanescente do quilombo. Mas com o passar do tempo, tudo<br />
o que era um ciclo, digamos assim, um ciclo ecológico, ele é destruído devi<strong>da</strong> a construção de<br />
conjunto habitacional, mas quando eu me cheguei aqui, em Cajazeiras, eu ain<strong>da</strong> via falar que<br />
tinha ain<strong>da</strong> grande parte desse ciclo ecológico aqui e todo o remanescente, ali é o terreiro tal,<br />
ali é o terreiro tal, ali foi o terreiro de candomblé tal, aquela família é ou era remanescente do<br />
quilombo, tudo isso. Hoje, a gente não pode ver mais, porque os descendentes desta família<br />
foram vendendo ou loteando essas terras e já não se tem mais esse ciclo ecológico. O que a<br />
gente tem na história, é que, digamos assim, antigamente pela Estra<strong>da</strong> Velha do Aeroporto<br />
você chegava ao engenho tal que pertenceu ao fulano, ao proprietário tal, e na outra parte era<br />
o remanescente do quilombo, essa parte, essa história ela está se perdendo, do Porto Seco<br />
Pirajá pra cá se fala que era todo remanescente do quilombo, aí por exemplo, assim, hoje você<br />
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vê o bairro chamado Águas Claras, mas o rio Águas Claras, o córrego Águas Claras, já não<br />
existe mais, então você não tem um ponto de parti<strong>da</strong> geográfica pra você medir até onde ia o<br />
quilombo, os Quilombos do Urubu.<br />
Hoje você já não tem mais como dismear assim, como não tem, só aprofun<strong>da</strong>ndo na História,<br />
ou na Geografia, pra você ver aonde é que é que começa isso. Mas to<strong>da</strong> a região de Cajazeiras<br />
era ou o engenho ou o remanescente dos Quilombos do Urubu, essa é uma história e tinha<br />
uma saí<strong>da</strong> aqui, que ia pela a chama<strong>da</strong> Estra<strong>da</strong> do Coqueiro Grande que <strong>da</strong>va acesso à Estra<strong>da</strong><br />
Velha do Aeroporto, aonde a população saía ou a população que aqui se tinha. Você sabe que<br />
num passado muito grande, isso aqui também foi uma fazen<strong>da</strong>, tinha uma área que era<br />
fazen<strong>da</strong> depois do loteamento se tornou chácara e sitio até ser desapropriado para Cajazeiras.<br />
Mas a história bem provável aqui que a gente tem, é a Pedra do Ramalho, ou Pedra do Buraco<br />
do Tatu, ou Pedra do que se tinha, que a gente lutou a poucos tempos quando construiu a<br />
Estra<strong>da</strong> “Assis Valente” onde queria passar o trator nessa pedra e no que restou do<br />
remanescente do quilombo, é, para se construir uma pista e para construir é, o chamado Bacia<br />
Coletora, Pinicão, que pinicão é aonde os dejetos é jogado dos conjunto, e aí construiu atrás<br />
do SAC um, novos conjuntos de bloco e apartamento foi construído e essa área foi bastante<br />
agredi<strong>da</strong>, né. Isso é, só em Cajazeiras tem bacia coletora, bacia coletora que a população<br />
denominou de Pinicão, é aonde corre todos os dejetos de todos os conjuntos de Cajazeiras,<br />
to<strong>da</strong>s as Cajazeiras tem o esgoto sanitário, é jogado para uma bacia coletora e essas, é uma<br />
nossa grande medo que venha construir novas bacias coletora e aí agrava-se todo o<br />
ecossistema, digamos assim, porque os córregos, o rio remanescente é <strong>da</strong> flora e <strong>da</strong> fauna é<br />
agredido com isso. Então, quer dizer, o projeto aqui <strong>da</strong> CONDER ou <strong>da</strong> Urbis, <strong>da</strong> CONDER<br />
antiga Urbis, ou do governo do estado ou <strong>da</strong> prefeitura é construir novos blocos de<br />
apartamento, já que Salvador ela não pode ser nasci<strong>da</strong> por lá, devido à Baía de Todos os<br />
Santos, devido ao mar. Então só resta construir casa por essa região e tudo o que restou do<br />
ciclo dos quilombos e <strong>da</strong> Estra<strong>da</strong> Velha do Aeroporto, ela será agredi<strong>da</strong> pela construção de<br />
novas casas e de apartamentos, né.<br />
E haja visto que aqui com as fronteiras com Lauro de Freitas, com Simões Filho, é, aqui é a<br />
última instância, Cajazeiras e Valéria, Águas Claras é o último, digamos assim, a fronteira<br />
com Simões Filhos e com Lauro de Freitas, então quer dizer, não tem mais como crescer por<br />
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essa região e o que ultimamente eu tenho visto nesses últimos anos, quando a gente chegou<br />
aqui já existia uma luta muito grande do pessoal de Itapuã para a preservação de to<strong>da</strong> essa<br />
região, mas como o pessoal de Itapuã foi vencido, né, pela especulação imobiliária, temo que<br />
Cajazeiras também seja venci<strong>da</strong> por essa especulação imobiliária que é grande, é devastadora,<br />
aqui dessa região. Mas ficou na nossa mente, na nossa mentali<strong>da</strong>de, na nossa vi<strong>da</strong>, que a gente<br />
lutando hoje por quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>, se a gente não for arregaçar essa história do remanescente<br />
dos quilombos, <strong>da</strong> cultura afro de preservação, porque o pessoal <strong>da</strong> religião afro, do culto<br />
afro, eles tem sempre uma simbologia com a natureza, ou seja, ele preserva a natureza. Se<br />
você chegar em um terreiro, você vê que o terreiro está dentro de uma, dentro de uma área<br />
verde, até porque no passado, a religião afro era proibi<strong>da</strong>, então os remanescentes, digamos<br />
assim, o afro descendente, ele tinha que praticar o seu culto distante do centro, devido ao<br />
preconceito e a discriminação, então ele vinha pra fora <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, do centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, mas<br />
com a especulação imobiliária, chegou-se aos terreiros, digamos assim, e até aos ciclos<br />
ecológicos. Então aquilo que é sagrado para o culto afro foi de certa forma dilapi<strong>da</strong>do pela<br />
especulação imobiliária durante, digamos essas déca<strong>da</strong>s pra não dizer séculos.<br />
E Cajazeiras chegou aqui também, existe por exemplo, aqui um terreiro de Mãe Ziu que é<br />
uma senhora idosa, uma senhora, digamos assim, que tem, que está aqui antes de Cajazeiras,<br />
se você olhar o terreiro dela está, que fica ali praticamente na entra<strong>da</strong> de Cajazeiras 11, na<br />
Rótula, está envolta do conjunto habitacional, cercaram ela e ela ficou no centro, o terreiro<br />
dela, ficou assim. E os outros também, terreiros serão como o dela, terá sido, sofrerá essa<br />
agressão e são dentro desses terreiros que a gente pode ver to<strong>da</strong> uma história que se tem e dá,<br />
sobre o remanescente do quilombo, sobre o culto afro está dentro de Cajazeiras. Lógico, que<br />
hoje com a nova administração, com a nova mu<strong>da</strong>nça política, é, tem sido criado secretarias e<br />
políticas públicas pra isso, como é o caso <strong>da</strong> lei que agora ensina as crianças a, no primário a<br />
História <strong>da</strong> Cultura Afro. Então aí já vemos uma luz no fundo do túnel, no fim do túnel e<br />
vemos essa luz no momento em que essas, as leis são cumpri<strong>da</strong>s, mas não bastam só as leis<br />
até ter sido conscientizado to<strong>da</strong> a uma população e isso dá trabalho, por que dá trabalho?<br />
Porque no dia-a-dia, a pessoa luta pra ter uma casa própria, o ser humano ele precisa de uma<br />
casa, ele precisa ter uma casa, não vamos dizer que o ser humano não tem casa, se tem que ter<br />
uma casa e dessa habitacional é muito grande e então até você conscientizar a população do<br />
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que é a história, ou o que é o legado <strong>da</strong> sua história, do seu povo, <strong>da</strong> sua gente, é, a<br />
especulação imobiliária chega mais rápido. Exemplo, hoje se fala em um turismo ecológico,<br />
hoje se fala de um turismo, digamos assim, é urbano aqui dentro de Cajazeiras. Eu vejo que os<br />
terreiros de candomblé, a cultura afro, ela já é visita<strong>da</strong> como um fato turístico há déca<strong>da</strong>s<br />
atrás, mas ninguém via isso como turismo, até porque um afro descendente viajando pela<br />
ci<strong>da</strong>de, ou pra outros bairros ou pra dentro do país, o negro afro descendente não é visto como<br />
turista, turista é visto como um branco que vem de fora do país ou que venha de outra região,<br />
o afro descendente ele ain<strong>da</strong> não é visto como turista, mas existe dentro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, é, dentro<br />
do país ou dentro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de o turista afro, ou seja, aquele afro que saí atrás <strong>da</strong> sua cultura de<br />
conhecer o seu passado, ele faz turismo e existe também grande parte <strong>da</strong> população brasileira<br />
ou fora do país vem conhecer a cultura afro e faz turismo. Hoje é que está sendo divulgado<br />
isto e está sendo usado uma coisa boa, talvez isso venha a aju<strong>da</strong>r preservar mais, é, o que<br />
restou do ciclo, é, digamos assim, <strong>da</strong> cultura afro e do remanescente do quilombo.<br />
Por outro, outro fator importante é que o turismo ecológico, ele pode ser usado, digamos<br />
assim, nós temos aqui uma barragem, essa barragem no futuro ela planeja<strong>da</strong> e ela bem<br />
preserva<strong>da</strong>, ela pode ser, usar como turismo ecológico, porque dentro de Salvador, eu me<br />
lembro que o Dique do Tororó era uma coisa que ninguém queria conta porque estava todo<br />
poluído então depois despoluíram ele, fizeram um projeto e hoje você vê até pessoas<br />
pescando. Então aquilo é bonito, você passar e ver que aquele Dique do Tororó está<br />
preservado, então eu acredito que todo que for de lago, de lagoa dentro de SSA pode ser<br />
preservado e a barragem de Ipitanga, ela ain<strong>da</strong> é preserva<strong>da</strong>, porque ain<strong>da</strong> tem água, a água ali<br />
é retira<strong>da</strong> para o consumo humano e se preservar o que está ao entorno dela, a mata auxiliar,<br />
ela pode ser usa<strong>da</strong>. Imagine que hoje você pode usar uma lagoa, uma barragem <strong>da</strong>quela pra se<br />
criar peixe. Então é uma coisa que amanhã pode até gerar ren<strong>da</strong> para uma população, é um<br />
fato importante que a gente tem que se preparar para isso, agora isso é, a gente tem que fazer<br />
um política hoje com os poderes públicos, prefeitura, governo do estado, Embasa, é, um<br />
planejamento porque se não a especulação, a especulação imobiliária, ela não vai deixar isso<br />
acontecer, ela é mais rápi<strong>da</strong>, o capitalismo ele corre mais rápido que os nossos projetos e a lei,<br />
porque a gente tem a lei, mas a lei não se cumpre.<br />
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Eu duvido, hoje é muito, muito, muito difícil, você ver assim, é, a Justiça, é, o ambientalista,<br />
ele luta visto a preservar uma determina<strong>da</strong> área, uma lagoa, mas na briga com a Justiça é, a<br />
especulação imobiliária sempre vence, entendeu? O capitalismo é mais forte e aí se perde, e aí<br />
se você for olhar nas últimas déca<strong>da</strong>s quantas lagoas foi entulha<strong>da</strong> em Salvador, grande parte<br />
dela a gente perdeu, não há um lago. A gente só vê a reportagem que fica na Justiça brigando,<br />
mas o prédio é construído e aí se perdeu o que era lagoa, o que era um lago, o que era a<br />
história. Não ali tinha uma lagoa, tinha um lago e acabou, né? Eu vi no jornal a pouco tempo<br />
foto de Dorival Caymmi na Lagoa do Abaeté, aí Dorival Caymmi que cantou Lagoa do<br />
Abaeté e hoje eu vejo na Lagoa do Abaeté e vejo casa em volta dela, vejo muita casas em<br />
volta dela. Até um ambientalista que lutava por ela foi assassinado, quer dizer, aí a situação a<br />
gente vê que tem limite.<br />
(N): Muito bem assassinado inclusive, né?<br />
(D):Não é? Aí você vê que tem limite, então tem limite, que a lei fica acima <strong>da</strong>quilo. Quem é<br />
que vai se opor contra a especulação imobiliária? A gente não vai, né, é naquele momento em<br />
que você vê assassinado, que você vê. Como diz a música do forró <strong>da</strong> festa junina, né: “Nem<br />
Chico Mendes, sobreviveu”. Então quer dizer, você vê que a especulação imobiliária, ela é<br />
grande e é muito forte mesmo, ela passa por cima de tudo, é uma situação muito triste.<br />
(N): Eu queria que você contasse como é que essa discussão racial com cultura negra chega,<br />
como chega aqui em Cajazeiras? Ou então como você viu isso aqui em Cajazeiras, tomando<br />
corpo, como é que, como é que aconteceu isso?<br />
(D):É, quando eu cheguei em Cajazeiras quem estava no auge era o Olodum e as músicas do<br />
Olodum as pessoas cantavam porque o ritmo era bonito, mas as pessoas não sabiam o que<br />
vinha dizer as músicas ou a letra deles, tinha umas letra bonita, que denunciava. Naquele<br />
momento a letra do Olodum denunciava o que estava em volta do mundo. Até o apartheid na<br />
África do Sul ele denunciava, mas em Salvador naquele momento ele denunciava o que<br />
acontecia em torno <strong>da</strong> grande metrópole, porque Salvador não é só Salvador. Salvador é to<strong>da</strong><br />
a Região Metropolitana. Naquele momento a letra deles já denunciava. Mas tinha naquele<br />
momento um cantor que não é de Salvador: Edson Gomes. E ele cantava, as letra dele já<br />
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tocava mesmo nas feri<strong>da</strong>, porque ele produzia a letra; ele então cantava reggae e Edson<br />
Gomes cantava naquele momento e naquele momento que a gente estava chegando em<br />
Cajazeiras. Cajazeiras era para<strong>da</strong> então a gente tinha que sair <strong>da</strong>qui pra ir pro ensaio do<br />
Olodum, pro ensaio do Ilê Aiyê, e aquela coisa to<strong>da</strong> e ouvia Edson Gomes. Mas naquele,<br />
naquele momento, é, ain<strong>da</strong> pulsava forte aquilo <strong>da</strong> discoteca, o remanescente <strong>da</strong> discoteca,<br />
então as pessoas ouvia, por exemplo, Michael Jackson que estava no auge. Então naquele<br />
momento o auge era Michael Jackson. Mas puxando por fora de tudo isso, já começava uma<br />
situação diferente, porque o movimento negro, quem era realmente do movimento negro,<br />
usava nas suas cores vivas, ou seja, o negro naquele momento ele passava a usar a cor do<br />
movimento negro. Então eu me lembro que as pessoas usavam no momento toca, a toca que<br />
vinha com a cor vermelha, verde, preto e amarelo, então a cor já identificava, e o sistema<br />
naquele momento via como marginal quem usava o cabelo rastafári e Edson Gomes<br />
sustentava o cabelo dele, Gil usava. Então quando Gil estourou com a música “No barraco”,<br />
aí não <strong>da</strong>va mais para esconder, porque a música “No barraco” denunciou tudo o que havia,<br />
havia sim um alagado e o alagado naquele momento era simplesmente uma coisa do subúrbio,<br />
quando estoura o alagado naquele momento ele mostra uma parte <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de que ninguém<br />
queria saber, então.<br />
(N):E quem é esse alagado?<br />
(D):O alagado quem cantou foi Gil e não sei se é de Herbert Vianna, dos Paralamas do<br />
Sucesso.<br />
(N): “Alagados Trenchtown, na favela <strong>da</strong> maré”?? Ahh!<br />
(D): (...) Ah - então naquele momento, aquela música estoura em todo sucesso, é bonita a<br />
música, a música de Gil, “Alagado”, então naquele momento ele comenta mais uma coisa que<br />
diz na música, né: “o governador promete, mas o sistema diz não!” E a usura nesta música?!<br />
A gente já usou uma visão e até hoje é até usado até pelo apresentador Raimundo Varela.<br />
Então naquele momento, “Alagados” ele diz muito a to<strong>da</strong> uma socie<strong>da</strong>de que naquele<br />
momento não queria ver que existia Alagados<br />
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Então, o movimento negro ele nasce, ele tem o ponto auge ali no final dos anos 90, 89 com a<br />
Eleição Direta, ou seja, no momento em que você tem o título de eleitor que você pode votar,<br />
você faz a diferença. Então a população naquele momento todo, a força política ela é joga<strong>da</strong><br />
contra quem estava no poder há muito tempo e tínhamos o que representava o novo, nesse<br />
caso seria a candi<strong>da</strong>tura de Lula, então todo o Movimento Negro aposta, mas aí perde-se a<br />
eleição, é como se viesse um banho de água fria, a população ain<strong>da</strong> não sabe votar. Então<br />
quer dizer, aí retorna a segun<strong>da</strong> luta, porque naquele momento estava fazendo 100 anos <strong>da</strong><br />
Abolição <strong>da</strong> Escravatura, em 89. Por coincidência a primeira eleição pra presidente pós-<br />
ditadura, é no mesmo ano que faz 100 anos <strong>da</strong> Abolição <strong>da</strong> Escravatura.<br />
Mas naquele momento, o movimento negro já dizia que a Princesa Izabel, já não, a Princesa<br />
Izabel, ela não tinha <strong>da</strong><strong>da</strong> a abolição, porque o negro já era livre nos quilombos e já era dono,<br />
já era livre nas suas, digamos assim, nas suas ideologias, porque o homem ele pode estar<br />
preso, mas a mente dele está livre. Então, naquele momento se firmava pra se... pra se firmar<br />
o 20 de Novembro, a morte de Zumbi dos Palmares, como o Dia <strong>da</strong> Consciência Negra e não<br />
o 13 de Maio como põe a todo mundo a população, e isso só acontecia nos guetos, nas<br />
periferias, dentro do movimento negro, dentro dos blocos afros, e tinha, quando eu digo bloco<br />
afro, tem bloco afro, tem o que a gente chama de bloco afro, mas tem os afoxé. E naquele<br />
momento tinha em ca<strong>da</strong> bairro de Salvador.<br />
Digamos assim, tinha um bloco afro, um afoxé, e to<strong>da</strong>s as letras feita pelos cantores <strong>da</strong>quele<br />
momento era liga<strong>da</strong> a esse ponto, ou seja, culminava com o 20 de Novembro, o que devia de<br />
ser o 20 de Novembro, a Consciência Negra, já era um pouco tardia, porque nos outros países<br />
como nos Estados Unidos se <strong>da</strong>va nos anos 50, 60, com Luther King e por aí. Mas aqui ela<br />
vem estourar mesmo pela ditadura nos anos 80 e nos anos 90, e aí já estava culminado com a<br />
criação do MNU, o Movimento Negro Unificado em 78, no tempo <strong>da</strong> ditadura, em 1970 se<br />
não me engano, e nos anos 80 com as músicas que é estoura<strong>da</strong> pelos compositores negros, por<br />
todos eles e vem culminar com a denúncia do que a gente passa na ci<strong>da</strong>de, ou seja, uma<br />
ci<strong>da</strong>de de maioria negra, mas o negro ain<strong>da</strong> estava relegado simplesmente a um ser inferior<br />
como passava a maioria <strong>da</strong> população que tinha o Pelé como negro de alma branca, digamos<br />
assim, por exemplo, o Pelé é um negro de alma branca, é mais ou menos isso.<br />
18
E os outros afrodescendentes muito pouco tinha conseguido lutar, e combina também com a<br />
Constituição, de hoje está fazendo 20 anos ela, com a lei de Carlos Alberto Caó, que é um<br />
deputado carioca que lança a lei de crime, de que se torna crime o preconceito, a<br />
discriminação torna-se crime com a Lei Caó. Tinha naquele momento, Abdias Nascimento <strong>da</strong><br />
lei que eles lançam o projeto na Constituição, e eu me lembro que naquele momento o<br />
movimento aqui em 86, feito a força para eleger alguns afrodescendentes constituintes, não<br />
conseguiu. Muitos afrodescendentes saíram candi<strong>da</strong>tos, para ser, independente se era <strong>da</strong><br />
esquer<strong>da</strong>, ou se de que partido era, mas muitos afrodescendentes. Sai candi<strong>da</strong>to Luiz Alberto,<br />
sai pelo PT pra ser um constituinte e não consegue se eleger. Por outro lado também sai<br />
muitos nomes, como sai de todos os partidos, PDT, Antonio Clementino sai pelo PDT,<br />
Edvaldo Brito pelo PTB, mas nenhum deles consegue se eleger, mas ficou marcado na<br />
historia que tinha que ter uma luta, muito, muito grande, e nessa luta só restava o quê?<br />
A música, os movimentos, a organização dentro dos partidos políticos, e na periferia, nos<br />
gueto, a luta e a roupa, o vestimento, uma mu<strong>da</strong>nça muito grande assim, vestir uma roupa<br />
diferente, uma roupa colori<strong>da</strong>, amarela, vermelha, uma calça diferente, o cabelo diferente, o<br />
corte de cabelo, o modo de an<strong>da</strong>r, aí aqueles que tinha, digamos assim, uma consciência. Uma<br />
luta, que tinha consciência <strong>da</strong> luta consegue porque o sistema era cruel, ninguém <strong>da</strong>ria<br />
emprego a alguém que tem um corte de cabelo diferente, ou que vista uma roupa diferente ou<br />
que se vista, ou que viva como um negro realmente use argola, até hoje eu não vi. Porque na<br />
África, o negro vive assim, ele usa cabelo diferente, ele usa cores diferentes, ele vive dessa<br />
forma . Agora o triste é que o sistema usa o negro pra vender a imagem <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de como a<br />
maior ci<strong>da</strong>de negra fora <strong>da</strong> África, atrai o turista pra isso, mas ao mesmo tempo não dá espaço<br />
ao negro assim. Você tem, você nunca teve um secretário de turismo nem na prefeitura, nem<br />
no governo do estado afro descendente, um secretário no primeiro escalão. Mas você tem o<br />
negro, a capoeira, o acarajé, to<strong>da</strong> a sua culinária, a cultura e religião, como atrativo para o<br />
turismo, mas você não tem um negro como é, primeiro escalão, como divulgador dessa<br />
cultura. É engraçado, como é que você tem uma população que é usa<strong>da</strong> para atrair o turista,<br />
mas você tem na linha de frente o afrodescendente dizendo como é que ele quer que o turista<br />
veja, (...) aí não tem, aí é que entra a música de Gilberto Gil, de Edson Gomes, do Ilê Aiyê<br />
denunciando tudo. O turista ele pode ver o Olodum, o Ilê Aiyê, mas ele não sabe assim a raiz<br />
<strong>da</strong> problemática de que é. Por exemplo, como é que alguém vai saber se um dia no Pelourinho<br />
19
viveu ou morou afro descendentes que trabalhava como artesão, como capoeirista, pintor,<br />
com tudo, se essa população teve que sair de lá, porque o turista tinha que entrar lá, quer<br />
dizer, o turista foi lá pra ver o quê? Como é que essas pessoas foram tira<strong>da</strong>s por que o<br />
Pelourinho tinha que ser revitalizado? Ele tinha que ser revitalizado, mas as pessoas tinham<br />
que continuar lá e elas foram tira<strong>da</strong>s e a maioria dessas pessoas vieram para Cajazeiras. Então<br />
to<strong>da</strong>s essas pessoas que viviam naquele tempo em torno <strong>da</strong>s grandes ci<strong>da</strong>des e como na<br />
contorno, elas foram tira<strong>da</strong>s e essas pessoas vieram para a periferia, como Cajazeiras, e isso é<br />
uma tristeza. E os cantores só restou denunciar. Hoje nós temos dentro do Hip Hop, uma coisa<br />
que veio do gueto, é, que nasceu do gueto para a periferia, ela denuncia, as músicas do Hip<br />
Hop é que denuncia to<strong>da</strong> essa problemática. A nova geração está usando o Hip Hop para<br />
denunciar to<strong>da</strong>s as mazelas sofri<strong>da</strong>s pela juventude negra. E isso é uma situação, por exemplo,<br />
hoje mesmo nós vivemos numa socie<strong>da</strong>de aonde é denunciado em todos os cantos o genocídio<br />
<strong>da</strong> juventude negra. Mas é uma coisa escondi<strong>da</strong>, (...)não mas isso sempre existiu, sempre<br />
existiu e porque sempre existiu vai continuar existindo? É uma coisa, como se no Brasil<br />
tivesse pena de morte e as pessoas tivessem que ser executa<strong>da</strong>s, quer dizer, o Hip Hop<br />
denuncia isso de to<strong>da</strong>s as maneiras, eu me lembro que Sine Calmon como cantor, ele fez uma<br />
música assim, eu não sei se é Sine Calmon, ele diz assim, quatro, não, “dois na periferia, isso<br />
é mano ou filosofia, quatro, três oitão, dentro <strong>da</strong>s periferias só ouvia essa canção: ‘pú’, ‘pú’!”,<br />
quer dizer, a música, já denuncia de Sine Calmon, que na periferia só vê “pou”, “pou”, “pou”,<br />
quer dizer, é tiro pra tudo lado, quer dizer, não isso sempre existiu, sempre existiu? Oh, então<br />
quer dizer, a gente vive como? A vi<strong>da</strong> banalizou, perdeu o valor, mas essas denúncias elas já<br />
tem sido feita desde dos anos 80 pra cá, são 20 anos de denúncia.<br />
Mas eu gostaria de dizer que fazendo 20 anos <strong>da</strong> Constituição, a Constituição ela existe, mas<br />
ela nunca foi cumpri<strong>da</strong>. Mas a Constituição que fez, ela é muito ci<strong>da</strong>dã, porque ela teve uma<br />
participação importante <strong>da</strong> população, do movimento negro, dos deputados lá, que chegaram<br />
lá, fizeram uma contribuição, mas ela não foi na sua plenitude, é, coloca<strong>da</strong> em prática. E eu<br />
chego a dizer que nos 20 anos dessa Constituição, nós ficamos assim, tido como uma<br />
população, assim, digamos assim, de segun<strong>da</strong> ou terceira classe e as políticas públicas não<br />
chegou à periferia, digamos assim. O que se teme hoje é que uma metrópole como Salvador<br />
de 3 milhão de habitante, porque não pode falar de Salvador sem a ci<strong>da</strong>de que está em torno<br />
dela, ela vem a se tornar, digamos assim, <strong>da</strong>qui há déca<strong>da</strong>s sem essas políticas públicas ou<br />
20
sem a lei, assim de fato, assim implanta<strong>da</strong>, é uma banalização do que é que a gente vivia<br />
talvez na I<strong>da</strong>de Média, de onde o ci<strong>da</strong>dão vivia dentro de um castelo, preso, e ao lado vivia<br />
os, que chamava vassalos, os homens que vivia e venha a acontecer aquilo que se acontecia<br />
novamente, na Revolução Francesa, que as pessoas ain<strong>da</strong> tinha que viver, lutando pra dizer<br />
pão, paz e liber<strong>da</strong>de, o que dizia a bandeira <strong>da</strong> Revolução Francesa. Eu acho que hoje na<br />
tônica <strong>da</strong> periferia, nós ain<strong>da</strong> queremos aquilo que foi lutado na Revolução Francesa. Mas as<br />
lutas do movimento negro sempre disso isso, e o Hip Hop hoje é quem fala essa língua, é<br />
quem diz isso, o que o Olodum disse nos anos 80, hoje o Hip Hop fala com to<strong>da</strong> a<br />
proprie<strong>da</strong>de. Se você for olhar uma música de Edson Gomes, “Criminali<strong>da</strong>de” é uma<br />
atualização, aquela música de Edson Gomes é uma atuali<strong>da</strong>de, é bastante. E a música dele no<br />
jornal há pouco tempo fala <strong>da</strong>, do mercado de informal, (...) no jornal A Tarde fala, e aquilo é<br />
uma reali<strong>da</strong>de, quer dizer, houve uma (...) em Cajazeiras os ônibus do pólo industrial ou do<br />
CIA vinham trazer os operários, hoje não entra mais, porque o pólo do CIA acabou, tinha 15<br />
mil habitantes, tinha 15 mil trabalhador no pólo, hoje não tem mais do que 36, a tecnologia<br />
venceu, as pessoas não foram prepara<strong>da</strong>s, qualifica<strong>da</strong>s pra isso, pra isso, digo assim, o afro<br />
descendente, digamos assim, ele não, o sistema não o qualificou ele de um forma que ele<br />
pudesse viver diante <strong>da</strong>, diante <strong>da</strong> tecnologia. E a ci<strong>da</strong>de de SSA, ela a beira-mar, quando ela<br />
foi construí<strong>da</strong> pelo próprio (...), do século passado, XX, agora XXI, ela não preparou a sua<br />
população para viver como ela, esta ci<strong>da</strong>de ela deve ser, entendeu? Hoje você vê a ci<strong>da</strong>de, ela,<br />
você saí na ci<strong>da</strong>de e você compra um rádio ou uma ferramenta na mão de um camelô que vem<br />
do Paraguai e que veio <strong>da</strong> China, e to<strong>da</strong> essa tecnologia e tudo isso que a China faz, a ci<strong>da</strong>de,<br />
o Brasil devia fazer, ou a Bahia devia fazer.<br />
Por que você não pode fazer um rádio portátil em Salvador? Por que você não pode fazer uma<br />
chave de fen<strong>da</strong> em Salvador? Porque no passado nós tinha to<strong>da</strong>s essas fábrica aqui entorno, eu<br />
na ver<strong>da</strong>de eu nasci em Itapagipe. E em Itapagipe tudo ali era fábrica de tudo, você tinha as<br />
fábricas de tudo, entorno de Salvador você tinha fábrica de tudo, ferramenta, você tinha to<strong>da</strong>s<br />
as fábricas, as ferramentas era feita em Salvador, mas hoje você não tem uma fábrica, lógico,<br />
existe também a situação do imposto, você vai comprar uma chave de fen<strong>da</strong> em um material<br />
de construção ele custa 10 reais, mas no camelô você compra 5 por 10 reais, então é melhor<br />
você comprar 5 no camelô do que você comprar uma por 10. O ci<strong>da</strong>dão tem o dinheiro dele<br />
porque ele compra aquilo que é mais barato, então também tem o lado <strong>da</strong> economia, tem o<br />
21
lado econômico <strong>da</strong> população, a, a nós passamos pra atrás. Eu diria que na licitação de<br />
fábricas e indústrias, a ci<strong>da</strong>de, o estado, ele ficou pra atrás diante <strong>da</strong> tecnologia que avançou.<br />
Então hoje tudo o que a gente usa, você usa até do Paraguai, <strong>da</strong> China, entendeu? Todo o<br />
equipamento é usado, que a gente usa hoje, brinquedo, tudo do Paraguai, mas se você olhar<br />
nós tivemos fábricas de brinquedo, mas hoje brinquedo eletrônico não é problema nenhum,<br />
você pode fazer o brinquedo eletrônico, você pode dentro de Cajazeiras ter um sub distrito<br />
industrial, e construir tudo isso, não tem problema nenhum, a área nós temos em Cajazeiras,<br />
nós temos na Estra<strong>da</strong> Velha a área que pode ser to<strong>da</strong> ela industrializa<strong>da</strong> e construir uma<br />
fábrica de peça, uma fábrica de instrumento, é triste você olhar e dizer que uma fitinha do<br />
Senhor do Bonfim vem de fora <strong>da</strong>qui, que o pandeiro do samba vem de fora, que o<br />
instrumento que os bloco usa vem de fora, porque que tudo isso não é industrializado aqui?<br />
Então, quer dizer, nós ficamos pra atrás, a sonhando o quê? Que simplesmente o turismo vai<br />
resolver 100%, não, o turismo é uma parte, mas a industrialização, ela é necessária, pra que se<br />
tenha uma parte de uma população que ser o operário <strong>da</strong> indústria e <strong>da</strong> fábrica, mas isso ain<strong>da</strong>,<br />
as políticas nesse sentido a gente ain<strong>da</strong> não conseguiu ver, de uma forma. A gente, por<br />
exemplo, teve o avanço <strong>da</strong> Ford, já que a Ford ia <strong>da</strong>r 50, é, 50 mil empregos direto e<br />
indiretamente, 50 mil, eles não dá 5. Com a tecnologia que dá hoje, uma fábrica de 5 mil, de 5<br />
mil funcionários é direto e indiretamente, porque uma fábrica ter 50 mil operários direto e<br />
indiretamente não existe, só se for todo um complexo, ou uma ci<strong>da</strong>de industrial.<br />
(N): Qual a sua profissão?<br />
(D):No momento eu estou desempregado, eu estava trabalhando ultimamente como<br />
representante comercial, agora eu estou desempregado.<br />
(N):O movimento aqui em Cajazeiras, como é que se formou o movimento negro aqui?<br />
(D):...O movimento negro aqui nos anos 88, 89, 90, ele já tinha aqui pequenas reuniões,<br />
membros que eram de outros bairros, chegavam aqui e se reunia. Reunião periódica, uma vez<br />
no ano, de seis em seis meses, de vez em quando tinha um evento aqui, ou alguém que vinha<br />
de fora e fazia uma palestra, o pessoal que era do Movimento vinha. Agora nessa déca<strong>da</strong>,<br />
22
existe reunião do evento isolado, exemplo, existe assim dentro dos terreiros [de candomblé],<br />
então existem pessoas que se reúnem dentro dos terreiros. É como aconteceu com aquilo<br />
sobre intolerância religiosa, houve reuniões aqui, entendeu?<br />
Então existe reunião, existe pessoas agrega<strong>da</strong>s, mas não que esteja assim dentro de um, dentro<br />
de um núcleo, ou dentro de uma enti<strong>da</strong>de formal, não! A gente consegue assim, fazer nos<br />
últimos dois anos, nos últimos três anos a gente tem feito uma Caminha<strong>da</strong> no dia 20 de<br />
Novembro. Então nessa caminha<strong>da</strong> a gente ultimamente conseguiu botar duas mil pessoas.<br />
Mas pra gente botar duas mil pessoas a gente teve que contar com o apoio de professores,<br />
diretores de escolas, pra mobilizar estu<strong>da</strong>ntes, porque quando acontece o 20 de Novembro, a<br />
população tem que sair pra trabalhar, e não é feriado em Salvador. O 20 de Novembro em<br />
Salvador devia ser feriado, mas não é, então a gente não consegue mobilizar muito a<br />
população porque tem gente que tem que ir trabalhar, tem que ir pra escola, aquela coisa to<strong>da</strong>.<br />
Mas nos últimos dois, três anos a gente tem conseguido fazer evento, ou seja, no dia 20 de<br />
Novembro, dentro <strong>da</strong>s escolas tem feito palestras, tem sido feito, é, em conjunto Hip Hop,<br />
capoeirista, é, o pessoal do culto afro tem feito dentro de Cajazeiras eventos isolados, isso é<br />
importante.<br />
Hoje dentro de Cajazeiras, eu acredito que o 20 de Novembro, ele não passa mais em branco,<br />
eu acredito que o mês todo de novembro é dedicado ao movimento negro em si, agora nos<br />
anos 90, eu acredito que tínhamos assim, digamos assim, mais afini<strong>da</strong>de, entendeu? Mais<br />
afini<strong>da</strong>de porque a gente conseguia se reunir, fazer palestras e vinha pessoas de fora, para<br />
fazer palestras, mas ultimamente não, tem sido uma coisa, assim, um pouco de, digamos<br />
assim, em torno <strong>da</strong> política tem sido difícil reunir todo os segmentos, porque sabemos que<br />
dentro do movimento tem vários segmentos, várias tendências, várias ideologias, mas todos<br />
estão ligados à Consciência Negra.Devido ao fato <strong>da</strong> intolerância religiosa, é que aconteceu,<br />
outras, digamos assim, os fatos acontecidos, que são fatos, nós conseguimos então, contra a<br />
intolerância religiosa, reunir até alguns grupos, algumas pessoas para discutir o 20 de<br />
Novembro devido ao problema <strong>da</strong> intolerância religiosa e devido ao fato <strong>da</strong>s novas leis que<br />
são cria<strong>da</strong>s, como a lei do ensino nas escolas <strong>da</strong> história do afro, <strong>da</strong> cultura afro, assim<br />
conseguimos nos reunir. Mas digamos, aqui dentro de Cajazeiras tem enti<strong>da</strong>des, existe afoxé<br />
aqui dentro, como o Afoxé Filho do Congo, existe dentro de Cajazeiras, (...) existe um pré-<br />
23
vestibular grátis aqui na Igreja Católica, na Cajazeiras 5, é chamado, o pré-vestibular chama-<br />
se Quilombo do Urubu, que é ligado para afro descendente, entende? Então existe várias<br />
enti<strong>da</strong>des que temos aqui. A Cajaverde ela é uma associação cultural, mas ela tem abrangido,<br />
tem <strong>da</strong>do foco ao, ao, movimento negro, à luta <strong>da</strong> consciência negra.<br />
(N): E o pré-vestibular é ligado a quem?<br />
(D):O pré-vestibular ?<br />
(N): É <strong>da</strong> Cajaverde?<br />
(D): Não, não é liga<strong>da</strong> à Cajaverde, ela é liga<strong>da</strong>, ela é dentro <strong>da</strong> igreja católica, ain<strong>da</strong> acredito<br />
que tenha outros pré-vestibulares com esta intenção, mas esse é o mais conhecido, chama-se<br />
Quilombo do Urubu, ela funciona na casa do (...) que é uma instituição <strong>da</strong>...<br />
(N): Padre Luiz?<br />
(D): Isso, não, do finado Padre Luiz, né? Casa do Sol. Então lá tem o pré-vestibular, ele já<br />
deve ter alguns anos de funcionamento, que desenvolve também um trabalho de<br />
conscientização, né, é bonito o trabalho que ele realiza.<br />
(N): Como é a sua história de vi<strong>da</strong>? Você pertence a algum movimento, algum partido, como<br />
é que?<br />
(D):Eu hoje estou filiado, estou filiado, sempre fui filiado ao PT, filiado ao PT e dentro do PT<br />
eu já tenho aí mais ou menos de 88 pra cá uns 20 anos, é o partido que eu entrei que eu<br />
conheci pela luta, pela temática, até pelos companheiros que eram ligado ao movimento<br />
negro, eu especulava e pela minha consciência eu fui para o PT, desde que eu cheguei em<br />
Cajazeiras, eu tinha essa visão e aqui eu encontrei outros companheiros que já lutavam, que já<br />
faziam este trabalho e eu continuei fazendo esse trabalho, o trabalho, a militância, essa<br />
militância, mas não ocupo nenhum cargo dentro do partido.<br />
24
(N): E como é a Cajaverde? Como é? Como funciona a Cajaverde?<br />
(D): “Óia” (olha), a Cajaverde ela tem uma, ela é um centro, ela é uma organização não<br />
governamental e ela é uma organização assim cultural, né, agora dentro dela existe várias<br />
comissão. Eu participei <strong>da</strong>, desde a fun<strong>da</strong>ção dela, <strong>da</strong>s primeiras reunião, e dentro <strong>da</strong>, fui <strong>da</strong><br />
comissão étnica dentro dela, mas aqui pra gente por, por a gente tinha o projeto, o plano, os<br />
ideais, mas é por falta de recurso, por falta de, <strong>da</strong>s condições, a gente é, tem tido uma luta<br />
ideológica, assim, né, uma luta de consciência, é, dentro dela e é praticamente uma semente<br />
que a gente está plantando e hoje já dá algum fruto, agora, ela é cultural, porque ela faz, é,<br />
feira ecológica, ela faz, é, reunião também, é dentro <strong>da</strong>s escolas, ela tem tido to<strong>da</strong> essa, essa<br />
luta.<br />
Agora, ela é dividi<strong>da</strong> por comissão, entendeu? E tem Kilson por coordenador geral dela e tem<br />
to<strong>da</strong> uma coordenação que se reúne para poder definir as políticas que a gente faz, agora ela<br />
tem sido um fator ponderante, porque ela tem conseguido atrair a juventude de Cajazeiras, e a,<br />
digamos assim, os professores, que são fazedores de opinião que está dentro <strong>da</strong> escola, então é<br />
um fator positivo. Acho que o nosso maior legado é isso, e temos também conseguido agregar<br />
todo o pessoal ligado à cultura afro e à religião afro para a Cajaverde e outro problema, nós já<br />
temos conseguido levar a conhecimento de todos os poderes públicos e a Cajaverde ela tem<br />
um projeto e o maior projeto <strong>da</strong> nossa, é a menina dos nossos olhos é a criação do Parque<br />
Ecológico, porque essa é digamos assim, uma coisa que a gente não pode perder de vista<br />
porque se não a gente seria, digamos assim, ultrapassados pela especulação, né, pela<br />
devastação, a gente estaria perdendo.<br />
Eu acho que se a gente consegue implantar o Parque Ecológico de Cajazeiras, a gente estará,<br />
digamos assim, <strong>da</strong>ndo um passo importante para abrir todos os outros, os nossos horizontes,<br />
inclusive a luta do, <strong>da</strong> consciência do afro descendente pelo aquilo que espera ele no futuro,<br />
que é não só o aquecimento global, mas a doença que é do afro descendente e sabendo do<br />
jeito que está hoje o caos na saúde, e na, digamos assim, na globalização, se a gente não partir<br />
<strong>da</strong>í, do lado ecológico, do lado <strong>da</strong> conscientização do ci<strong>da</strong>dão e <strong>da</strong> nova geração que vem, e<br />
que está dentro de Cajazeiras, que nasceu em Cajazeiras, a gente éramos assim, digamos<br />
assim, é, pecado ou não teria sido iniciado to<strong>da</strong>s as lutas, até de companheiros do passado, a<br />
25
gente nesse legado a gente tem que deixar pra futura geração. Mas eu acho que atualmente, a<br />
Cajaverde ela tem um ponto importante porque ela tem conseguido mobilizar to<strong>da</strong> uma<br />
população de Cajazeiras, independente <strong>da</strong> religião, <strong>da</strong> ideologia política, independente de ser<br />
ateu ou não ser, ele tem a consciência de que é necessário ter um planejamento para<br />
Cajazeiras do lado ecológico, do lado cultural, e do lado, digamos assim, habitacional, porque<br />
se não tiver uma política habitacional, uma política cultural e uma política, digamos assim,<br />
para a saúde pública como um todo, porque o problema ecológico vem <strong>da</strong>, na saúde pública<br />
pelo o que a gente vai ver, de políticas públicas, a gente está dentro de um conjunto com 1<br />
milhão de habitante perdido sem saber o que vai fazer. E o erro, <strong>da</strong>, os, digamos assim, os<br />
poderes púbicos ele pode ter um planejamento, um projeto, mas se a gente não for pra cima<br />
cobrar, a gente sabe que nunca saí no papel, o <strong>da</strong> gente não está no centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, está um<br />
pouco afastado na periferia e sabemos que para as coisas pra chegar aqui demoram e<br />
demoram muito. A gente tem 10 anos lutando por algumas coisas e hoje é que a gente pode<br />
ter conseguido isso.<br />
(N): No plano <strong>da</strong> cultura, você acha que avançou a relação com as instituições? Com a<br />
prefeitura?<br />
(D): A gente avançou porque hoje funcionário do estado, ele já vem participar <strong>da</strong> nossa<br />
caminha<strong>da</strong>, no Dia <strong>da</strong> Água a gente comemora, no Dia <strong>da</strong> Água a gente faz uma caminha<strong>da</strong><br />
aqui pela manhã, fazemos pela manhã pra não chocar com as que têm no centro. Então, os<br />
funcionários do estado, do CRA e dos outros órgãos do estado, <strong>da</strong> Embasa, já vem, é,<br />
participar, às vezes até patrocina, dá uma aju<strong>da</strong> e vem solidário com a nossa caminha<strong>da</strong> e<br />
participa <strong>da</strong> caminha<strong>da</strong>, é uma caminha<strong>da</strong> que a gente faz do Largo <strong>da</strong> Feirinha até a<br />
Cajaverde, terminando com o café <strong>da</strong> manhã e as escolas aqui entorno dela já tem os alunos,<br />
já vem participar <strong>da</strong> caminha<strong>da</strong> no dia 22 de Março, que é o Dia <strong>da</strong> Água , mas antes dessa<br />
caminha<strong>da</strong> nós fazemos palestras nas escolas, em associações de moradores, fazemos assim,<br />
digamos, é, digamos assim, uma peregrinação porque a gente, às vezes falta recursos para<br />
fazer no estande ou para fazer uma explanação mais assim, mais aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong>, mas alguns<br />
diretores com alguns professores também já aju<strong>da</strong>m nessa conscientização dos alunos. E<br />
sabendo que está geração é quem vai tocar a bola frente, já deixa a gente um pouco<br />
confortável.<br />
26
Mas é bom e importante que nessa gestão, os poderes públicos tem sido um já, um pouco<br />
consciente do papel dela, e tem <strong>da</strong>do uma aju<strong>da</strong> a gente, agora a gente tem sofrido, o medo<br />
que a gente tem quanto a isso é porque foi aprovado o PDDU e esse PDDU dá praticamente<br />
carta branca, o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano dá carta branca para que a<br />
especulação imobiliária passe por cima de tudo, praticamente isso. Sabemos que isso começa<br />
pela Orla, mas depois <strong>da</strong> orla chega à periferia, e chega à Estra<strong>da</strong> Velha do Aeroporto, como é<br />
os projetos que tem aí.<br />
27
1<br />
TRANSC<strong>RI</strong>ÇÃO DA ENTREVISTA COM KILSON SANTANA DE MELO<br />
<strong>Nelma</strong> (N): Salvador, 20 de Junho de 2008. Kilson, você pode definir o que é<br />
Cajazeiras?<br />
Kilson (K): Cajazeiras, Cajazeiras eu vejo como um miolo de Salvador, chamado de<br />
miolo, um espaço que foi criado para as pessoas dormirem, um bairro dormitório, né.<br />
Foi criado com esse conceito, né, para as pessoas que trabalhavam no estado. Uma área<br />
geográfica imensa que hoje tem, como o pessoal fala, vi<strong>da</strong> própria. Cresceu, se<br />
desenvolveu ao lado dos conjuntos que foram criados, é, foram cria<strong>da</strong>s várias<br />
ocupações, né. E hoje, Cajazeiras eu vejo como uma ci<strong>da</strong>de dentro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de<br />
Salvador. Já com algumas conquistas com as lutas dos moradores, mas ain<strong>da</strong> falta muita<br />
infra-estrutura, para a reali<strong>da</strong>de do tamanho que nós temos né, o tamanho do mundo que<br />
é Cajazeiras.<br />
(N): E quais são os limites de Cajazeiras, onde é Cajazeiras? Onde fica Cajazeiras, onde<br />
começa, onde termina?<br />
(K): Cajazeiras começa vindo <strong>da</strong> BR, pegando Águas Claras; vindo por Castelo Branco<br />
também, uma outra delimitação. Águas Claras começando as Cajazeiras de 2, Cajazeiras<br />
5, 7, 5, 6, 8 e lá de Águas Claras descendo também pegando Cajazeiras 5 até o final tem<br />
outros extremos que é Cajazeiras 11, né, finalzinho de Cajazeiras e Boca <strong>da</strong> Mata outro<br />
extremo. Tem também saí<strong>da</strong> pelo lado <strong>da</strong> Estra<strong>da</strong> Velha do Aeroporto, que aí são<br />
Fazen<strong>da</strong> Grande 4, 3 e outras Cajazeiras também.<br />
(N): E o que representa Cajazeiras pra você?<br />
(K): Pra mim hoje, eu tenho meu filho nasceu aqui em Cajazeiras com 15 anos, tem 15<br />
anos meu filho, eu já há 18 aqui. Cajazeiras hoje faz parte <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong>, eu vejo como,<br />
eu nasci né? Em São Caetano fui nascido e criado até os 18, depois passei por alguns<br />
bairros e vim pra Cajazeiras. Então, hoje eu penso que minha mãe enterrou meu umbigo<br />
lá, mas eu penso que a minha reali<strong>da</strong>de, o meu umbigo pela minha visão está em<br />
1
Cajazeiras, que é, faz parte <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong>, <strong>da</strong> minha luta, do meu esperar, do meu viver.<br />
Cajazeiras para mim hoje como o meu filho faz parte <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong>.<br />
(N): E pra Salvador, o que é Cajazeiras?<br />
(K): Pra Salvador hoje nós aqui em Cajazeiras, nós temos o maior coeficiente eleitoral<br />
<strong>da</strong> Bahia. É, então isso tem um preço muito grande, um valor muito grande, um valor<br />
político muito grande.E eu penso que os governos municipais que passaram, é esqueceu<br />
muito Cajazeiras, deixou Cajazeiras muito de lado. E pra Salvador eu penso que é uma<br />
parte, né!Nós temos aqui cerca de 40% <strong>da</strong> água que to<strong>da</strong> Salvador bebe. Sai <strong>da</strong>qui do<br />
nosso quintal! Uma área vasta ain<strong>da</strong> de Mata Atlântica preserva<strong>da</strong>, e aí eu falo um<br />
pouco <strong>da</strong> questão do Rio Ipitanga, né! Chega a 5 Km de assoreamento, mas ain<strong>da</strong> tem<br />
muito verde que a gente tem que estar aproveitando, né, eu acho que é o pulmão né, que<br />
a gente fala né, de como tem [Parque] Pituaçu que tem uma grande área, nós temos aqui<br />
Cajazeiras que tem uma área maior ain<strong>da</strong> de remanescente <strong>da</strong> Mata Atlântica, né. Hoje<br />
também pegando a questão cultural, é, hoje concentra um dos maiores locais de<br />
terreiros, né, pegando Salvador, um crescimento muito grande de terreiros por conta <strong>da</strong>s<br />
áreas verdes chegaram vários terreiros pra aqui pra Cajazeiras. E a questão cultural<br />
também, eu penso que, é hoje Cajazeiras como as grandes periferias também de<br />
Salvador é um caldeirão cultural! Agora falta, né, políticas públicas pra que Cajazeiras<br />
se sinta parte de Salvador.<br />
(N): Cajazeiras não se sente parte de Salvador, é isso?<br />
(K): Penso que sim, porque pelo esquecimento né, dos governos municipal, estadual<br />
também. Eu penso que agora, né, com essa nova visão pode melhorar, mas ain<strong>da</strong> não<br />
chegou essa é, essa melhoria pra Cajazeiras.<br />
(N): Quando você fala que Cajazeiras não se sente parte, você fala como Kilson<br />
morador de Cajazeiras somente, ou Kilson morador e liderança política-comunitária de<br />
Cajazeiras? Como é que? Quem está falando isso? Quem fala mais forte nisso?<br />
(K): Eu acho que os dois, o Kilson por se sentir aqui, sentir a reali<strong>da</strong>de né, que nós<br />
vivemos aqui, dificul<strong>da</strong>des com transporte, é, estrutura, mais uma vez vou falar a<br />
2<br />
2
questão, <strong>da</strong> questão cultural-esportiva, é, os calçamentos de rua, né, as grandes<br />
ocupações né, que tem aqui sem estrutura nenhuma. A gente fala hoje de saneamento<br />
básico, a gente tem que ter saneamento de quali<strong>da</strong>de, mas nem o básico se tem hoje<br />
nessas ocupações, né? E o Kilson liderança política é a questão <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, a gente tá<br />
vendo <strong>da</strong>s lutas que a gente trava, no dia-a-dia por melhorias no transporte e de<br />
quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> no geral.<br />
(N): Como é que começou essa trajetória política? Você pode descrever um pouquinho?<br />
(K): É, Cajazeiras, é, fiz parte do Conselho de Moradores <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Grande 2. É,<br />
falando com as Cajazeiras né, porque a vi<strong>da</strong> política começou lá atrás, com o<br />
movimento <strong>da</strong> anarco – punk tátátá, essa coisa to<strong>da</strong>.<br />
(N): Conte aí, como é que foi a anarco - punk?<br />
(K): É? Então, aí pros ídos de 80 eu participava lá no São Caetano do movimento, né,<br />
punk, né, junto com o meu primo. A gente começou a tá lendo, né? E, lendo e<br />
discutindo a questão. Alguns livros aí, o que mais se aproximou <strong>da</strong> nossa reali<strong>da</strong>de, né,<br />
do grupo Farpa que foi criado na época, foi a questão anarquista, né. A gente começou,<br />
criou uma ban<strong>da</strong>. Revolução Proletária, o nome <strong>da</strong> ban<strong>da</strong>, que até hoje ain<strong>da</strong> toca por aí,<br />
várias músicas. E aí, nós, eu sendo o vocal, iniciei sendo o baterista, mas na hora não<br />
deu certo, né? Trocamos, formulamos as coisas lá, e aí, mudei, fui pra voz <strong>da</strong> ban<strong>da</strong> e aí<br />
participamos, é, começamos a participar ativamente do movimento anarquista de<br />
Salvador e lá na frente, passamos a adotar o movimento anarco-punk, né, onde discutia<br />
né, política, né, de modo geral, debates e aí era no São Caetano e depois foi criando<br />
outros núcleos em vários bairros, né, dentro desse núcleo <strong>da</strong> aparência urbana, tinha<br />
fanzines né, na época, a gente sempre tocava. Começou a fazer discussão até com outros<br />
países, né. Trouxemos algumas ban<strong>da</strong>s de... <strong>da</strong> Suíça pra cá, e foi uma coisa muito boa<br />
naquele tempo, né. Apanhei muito de polícia, né, que a gente ia pras ruas no Dois de<br />
Julho e Sete de Setembro pregar o voto nulo, falar sobre o nosso material sobre a nossa<br />
visão. E fui até, participei <strong>da</strong>s escolas onde eu passei participei de grêmios, to<strong>da</strong>s elas,<br />
né, com a visão anarquista, né, isso aí até 90, 89, 90 e. E lá na ban<strong>da</strong>, mas eu já mudei<br />
de concepção política, filie a um partido político. Daí pra cá...<br />
3<br />
3
(N): Qual foi?<br />
(K):PC do B, Partido Comunista do Brasil. Daí pra cá mudou algumas coisas na linha,<br />
em 92, né, mudei pra Cajazeiras, é, ain<strong>da</strong> fiquei, continuei na ban<strong>da</strong> até 92 por aí, mas aí<br />
já afastei mas por conta de outras lutas. Chegando em Cajazeiras, passei a fazer parte do<br />
Conselho de Moradores <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Grande 2, até mais ou menos, quer dizer, como<br />
membro do Conselho de Moradores chegou em 97 mais ou menos, em 97 passei a ser<br />
vice-presidente e em 2002 passei a ser presidente do Conselho dos Moradores, aí já<br />
fazendo parte de outras discussões, né. Nesse meio tempo a gente fez muito debate,<br />
discussão, questão de ônibus, né, a luta naquele momento era essa né, a questão do<br />
transporte em Cajazeiras, a gente debatia muito. Buscamos tá fazendo discussão,<br />
participei de outras enti<strong>da</strong>des do bairro de Cajazeiras, é, União de Moradores, teve a<br />
questão <strong>da</strong> faca, foca, não lembro direito, nós fizemos várias discussões junto com a<br />
comuni<strong>da</strong>de, tentamos fazer um, criar uma outra enti<strong>da</strong>de, mas não deu certo no<br />
caminho. Criamos também uma enti<strong>da</strong>de pra falarmos sobre a questão ambiental, que<br />
quando eu passei a ser presidente do Conselho fiz um seminário de planejamento, onde<br />
a gente discutiu né? Dentro dos temas a questão <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>, a questão do Rio<br />
Ipitanga, a questão do verde, aí chamamos a imprensa pra mostrar a questão do meio-<br />
ambiente aqui em Cajazeiras e aí foi gerado um processo ação civil pública, né, que<br />
hoje foi desmembra<strong>da</strong> pra 8 ações civis pública, <strong>da</strong>í veio a criação <strong>da</strong> Cajaverde, que é a<br />
ONG ambiental e cultural, né, onde a gente trava várias lutas hoje, faz parte do<br />
Comando do Conselho Municipal do Meio-Ambiente, <strong>da</strong> Conder, Conselho Estadual de<br />
Recursos Hídricos, onde fala sobre a questão <strong>da</strong> política <strong>da</strong>s águas <strong>da</strong> Bahia, e o<br />
COMAN sobre a questão ambiental, né, de Salvador, dentre outras enti<strong>da</strong>des que a<br />
gente faz parte, discute a questão ambiental e também cultural.<br />
(N): Que outras enti<strong>da</strong>des?<br />
(K): Sim, é...<br />
(N): A gente quem?<br />
(K): A gente, Cajaverde, né, Cajaverde e outros membros também <strong>da</strong> Cajaverde, União<br />
de Moradores, Agen<strong>da</strong> 21 de Cajazeiras, Agen<strong>da</strong> 21 de Itapuã, outras Agen<strong>da</strong>s 21 que<br />
4<br />
4
nós fazemos parte, a COE, que é a Comissão Organizadora Estadual de Meio-ambiente<br />
e a COM (Comissão Organizadora Municipal de Meio-ambiente). Então, to<strong>da</strong>s essas<br />
discussões nós fazemos parte, né, entramos como membros de organizadores <strong>da</strong> questão<br />
ambiental.<br />
(N): Qual a relação com Itapuã?<br />
(K): Itapuã é por conta <strong>da</strong> questão aqui do Jaguaripe, do Rio Jaguaripe, porque<br />
Cajazeiras fica entre os dois rios, de um lado o Ipitanga e do outro o Jaguaripe, fica no<br />
meio, então teve, tem ain<strong>da</strong> uma relação muito forte ain<strong>da</strong> com a questão de Itapuã por<br />
conta do Rio Jaguaripe. Aí nós nos aproximamos, né, então quando tem ativi<strong>da</strong>de em<br />
Itapuã a gente vai pra lá e quando tem em Cajazeiras o pessoal <strong>da</strong> Agen<strong>da</strong> 21 vem pra<br />
cá. Então, tem uma relação muito forte.<br />
(N): Vem pra cá aonde?<br />
(K): Vem pra cá, pra Cajazeiras, a Agen<strong>da</strong> 21 vem pra cá pra Cajaverde, pras ativi<strong>da</strong>des<br />
de rua, Cajaverde tem um calendário onde discute né, são 4 ativi<strong>da</strong>des grandes que nós<br />
fazemos no ano. O dia <strong>da</strong> Água, que é o dia 22 de março; o dia do Meio-ambiente, dia 5<br />
de junho; O dia <strong>da</strong>, o aniversário <strong>da</strong> Cajaverde que é em setembro e o Dia <strong>da</strong><br />
Consciência Negra, que a gente faz a Semana <strong>da</strong> Consciência Negra, a Semana <strong>da</strong><br />
Água, a Semana do Meio-ambiente e na Semana do Aniversário <strong>da</strong> Cajaverde a gente<br />
faz uma semana cultural, no aniversário <strong>da</strong> Cajaverde que coincidentemente caí com a<br />
abertura <strong>da</strong> Primavera e também com a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong>, acho que é o Dia Mundial <strong>da</strong> Juventude,<br />
se não me engano... É no meu aniversário, eu não sabia, pensava que era em setembro,<br />
mas é alguma coisa que tem em setembro. E aí a gente faz uma ativi<strong>da</strong>de cultural, né,<br />
com as, com música, poesia... na questão desse caldeirão que existe em Cajazeiras a<br />
gente bota pra tocar e aí é um mundo de coisas que acontece, com grafite, hip-hop,<br />
reggae, forró, né, o que Cajazeiras tem de melhor a gente bota nesse caldeirão cultural.<br />
(N): O que é esse melhor de Cajazeiras?<br />
(K): A questão <strong>da</strong> cultura, a poesia, é, <strong>da</strong>nça, vários estilos de <strong>da</strong>nça, música, pega esses<br />
vários estilos de música, poesia já falei, a questão, é, quando falo música, aí vem rock,<br />
5<br />
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vem forró, vem hip-hop, o que a juventude mais pede, quer dizer Cajaverde é uma<br />
enti<strong>da</strong>de.<br />
6<br />
(N): Pagode?<br />
(K): Pagode também, plural, não é o meu gosto, mas pagode... eu sou mais chegado no<br />
fundo de quintal. Mas é aberta pra tudo né? É uma coisa bastante eclética e plural.<br />
(N): E a questão <strong>da</strong> consciência negra aqui aqui no seu bairro?<br />
(K): Tanto a consciência negra quanto a questão ambiental, a gente pega a questão <strong>da</strong>s<br />
escolas, temos parcerias com a CR, que é a Coordenação Regional <strong>da</strong>s Escolas<br />
Municipal, ontem tive uma reunião já com o pessoal <strong>da</strong>s escolas estaduais, né, estive<br />
falando com Solange, lá <strong>da</strong> SEC, Secretaria de Educação discutindo essa questão <strong>da</strong>s<br />
parcerias, né, nós temos uma parceria já com as escolas municipal, a gente busca, né, é,<br />
os professores e alunos para tá fazendo uma semana <strong>da</strong> consciência negra, com palestra,<br />
discussão, uma semana de meio-ambiente nas escolas municipais, né, aí pega o público<br />
de 6 a 16 anos, a 14 anos que é a média e também dentro <strong>da</strong>s escolas estaduais. Têm 3<br />
escolas, que a gente já tem ativi<strong>da</strong>de no caso <strong>da</strong>s estaduais, que é a Escola Oliveira<br />
Brito, Edivaldo Brandão e Leonor Calmon, onde a gente tem um trabalho mais efetivo,<br />
a gente tá buscando agora pegar to<strong>da</strong>s as escolas de Cajazeiras pra tá conscientizando,<br />
né, sobre a questão do meio-ambiente e <strong>da</strong> consciência negra. Então a gente faz esse<br />
trabalho nas escolas e chega no dia 20, né, é, a gente fecha essa semana com,<br />
geralmente pela manhã, né, a Caminha<strong>da</strong> <strong>da</strong> Consciência Negra, saindo <strong>da</strong> Rótula que é<br />
o centro de Cajazeiras, até a Pedra do Buraco do Tatu.<br />
(N): Por que a Pedra do Buraco do Tatu?<br />
(K): Inclusive é o que é o símbolo <strong>da</strong> Cajaverde, a pedra, né, questão, nós achamos que<br />
é um símbolo de resistência, né, pela história que ela tem de Cajazeiras. Essa é uma<br />
marca que a gente, nós <strong>da</strong> Cajaverde, pensamos que é uma marca de resistência, de<br />
cultura ou de, os terreiros <strong>da</strong>qui cultuam, né, e é um símbolo de resistência de<br />
Cajazeiras.<br />
(N): De onde veio essa informação?<br />
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(K): Aí né, dos dizeres populares, né, e a gente leu um pouquinho, pesquisou um pouco,<br />
e as pessoas falam né, que a pedra era o esconderijo dos escravos quando viam fugidos,<br />
os escravos mergulhavam pela pedra e aí os capitães pensavam que tinham, os escravos<br />
tinham morrido, era coberta por água até um certo limite e aí voltavam, e os negros<br />
mergulhavam, o que o pessoal conta e saiam do outro lado, e aí o pessoal pensava que<br />
tinha, que os negros tinham morrido.<br />
(N): Quem é o pessoal que conta?<br />
(K): As pessoas mais velhas aqui de Cajazeiras, as pessoas com 80, 70 anos, que os pais<br />
dessas pessoas passaram pra elas e elas passaram pra gente, sempre passa. Antes <strong>da</strong><br />
Cajaverde nós fizemos um jornalzinho do Conselho de Moradores onde pegamos as<br />
pessoas mais velhas de Cajazeiras e fizemos uma pesquisa, uma entrevista com essas<br />
pessoas e também as pessoas que estavam chegando, né. As pessoas pra falar o que é<br />
que Cajazeiras precisa, o que é que tem, o que é que a pessoa acha, qual a história de<br />
Cajazeiras, e dentro dessa pesquisa que nós fizemos com algumas pessoas aí, as pessoas<br />
falaram sobre a história <strong>da</strong> Pedra.<br />
(N): E quantos pontos, ah, como é que foi a recepção, a receptivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Caminha<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />
Consciência Negra em Cajazeiras? Como é que foi, vocês se encontraram muito tempo,<br />
não encontraram, quem foram os parceiros, de onde veio essa idéia?<br />
(K): Esse ano nós, o ano passado nós fizemos a 2° Caminha<strong>da</strong>, fizemos, foi em 2006 e<br />
2007. O pessoal, é, essa a primeira, né, foi um número de pessoas, cerca de 150<br />
pessoas,.<br />
(N): Em que ano foi isso? – foi em 2006. Essa em 2007 foi muito boa, muito boa, nós<br />
temos fotos, os terreiros participaram, né, as escolas municipais em sua maioria, cerca<br />
de 9, 11 escolas municipais participaram, nós conseguimos ônibus né, junto com a<br />
prefeitura, as escolas estaduais participaram, essas 3 que eu falei e teve. O público em<br />
geral gostou muito porque foi uma caminha<strong>da</strong> muito grande, muitas pessoas<br />
participando, deu uma engarrafa<strong>da</strong> em Cajazeiras, né? É que saímos do centro, o centro<br />
de Cajazeiras que é a Rótula <strong>da</strong> Feirinha. Foi uma caminha<strong>da</strong> com uma participação<br />
muito grande, né, os professores, as pessoas falando no meio <strong>da</strong> caminha<strong>da</strong>, a população<br />
7<br />
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em geral gostou, quando a gente passava o pessoal aplaudia falando que era isso<br />
mesmo. Viemos tocando algumas músicas, e eu penso que foi muito produtivo, vários<br />
professores se pronunciaram no percurso, fizemos uma para<strong>da</strong> na desci<strong>da</strong> do Bradesco,<br />
que é a desci<strong>da</strong> onde desce pra Pedra <strong>da</strong> Onça, Pedra do Buraco do Tatu, Pedra do<br />
Ramalho, Pedra de Xangô, são várias denominações e até a desci<strong>da</strong> né, vários<br />
estu<strong>da</strong>ntes também se pronunciando, várias lideranças participaram e chegando lá na<br />
Pedra abriu pra várias pessoas, vários parceiros. A única dificul<strong>da</strong>de que nós tivemos foi<br />
a questão de estrutura, né, mas conseguimos, né, driblar isso e tivemos uma caminha<strong>da</strong><br />
expressiva com a quanti<strong>da</strong>de de pessoas muito grande.<br />
(N): Quando você fala na questão negra, sobre a consciência, quais são os principais<br />
parceiros dentro de Cajazeiras?<br />
(K): Nós contamos com alguns comerciantes, né, que pra, pra você vê uma caminha<strong>da</strong><br />
como essa precisa de faixa, precisa de água, carro de som, camisa, né, e aí a secretaria<br />
do SEPROMI contribuiu com camisas e faixas, a secretaria SEMARH também<br />
contribuiu, né, a gente tem uma parceria grande com a secretaria de meio-ambiente que<br />
também contribui com faixas, alguns comerciantes locais com a água, faixas e aju<strong>da</strong>ndo<br />
na estrutura com lanche, né, <strong>da</strong>s crianças.<br />
(N): E os parceiros políticos <strong>da</strong>qui?<br />
(K): Os parceiros políticos, aqui contamos né, com as enti<strong>da</strong>des do bairro, vários<br />
conselho de moradores <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Grande 2, conselho de moradores Cajazeiras 11,<br />
União de Moradores, a Micro, que é a associação de micro e pequenos empresários,<br />
alguns, os partidos né, aqui no caso o PT e PC do B juntos na marcha, vários<br />
integrantes, o conjunto né, prefeitura com papel pra gente fazer os panfletos, né, então<br />
esse foi o apoio político que nós tivemos.<br />
(N): Então eu posso pensar então que essa questão é uma questão meio de consenso<br />
dentro de Cajazeiras ou não?<br />
(K): Sim, sim de consenso, né, porque...<br />
8<br />
8
(N): A disputa é menor ou maior?<br />
(K): Bem menor, bem menor, existe naturalmente disputa e ciúmes, são naturais, mas<br />
conseguimos estar aglutinando to<strong>da</strong>s as pessoas, é muito plural e agrega a todos os<br />
segmentos.<br />
(N): Me diga uma coisa Kilson, o que é ser de Cajazeiras, no movimento de bairro de<br />
Cajazeiras perante os órgãos estaduais? Como é chegar no governo? Como é chegar na<br />
prefeitura? Como é, como tem sido essa negociação, a representação de Cajazeiras e<br />
prefeitura e governo do Estado, como é que tem sido isso?<br />
(K): Olha, veja bem, o movimento comunitário passou por um desgaste muito grande,<br />
né, período aí de 80 pra 90, então, isso aí as periferias, muita gente na minha visão se<br />
vendeu por uma coisa ou por outra, então houve um desgaste muito grande, mas dentro<br />
dessa conjuntura hoje, atual, ser de Cajazeiras pra visão do, a visão institucional, eu<br />
penso que hoje já olham pelas lutas com mais respeito, por conta de algumas lutas que<br />
foram trava<strong>da</strong>s aí ao longo do tempo, né, mas é muito difícil, é difícil, mas, as pessoas<br />
já olham com mais respeito. É se criou uma expectativa muito grande em torno do<br />
governo municipal, né, onde a gente tem cobrado muito e não tem respondido essa<br />
reali<strong>da</strong>de. Na questão do governo estadual, hoje nós tivemos o encerramento <strong>da</strong><br />
Consciência Negra <strong>da</strong> Bahia em Cajazeiras, então eu acho que o olhar já modifica, acho<br />
que já, que Cajazeiras hoje as pessoas já olham com mais respeito, com a visão<br />
diferencia<strong>da</strong>.<br />
(N): Como é que foi o encerramento?<br />
(K): O encerramento foi a SEPROMI, com discussões lá junto com terreiros e<br />
enti<strong>da</strong>des. A Cajaverde estava presente, o Sindicato dos Músicos, e outras, ficou de se<br />
estar fazendo o encerramento do mês <strong>da</strong> consciência negra em Salvador, né! Foi tirado<br />
Salvador. Ia fazer no centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e nas discussões lá, a gente falou <strong>da</strong> importância<br />
de Cajazeiras teria junto lá com o secretário [estadual de Promoção <strong>da</strong> Igual<strong>da</strong>de Racial]<br />
Luiz Alberto e outras enti<strong>da</strong>des e outras enti<strong>da</strong>des, né! Sindicato dos Músicos na<br />
presença do Sidney e várias outras enti<strong>da</strong>des lá, né! Palavras de mulheres, vários<br />
terreiros de Cajazeiras e de Salvador e a gente falou sobre isso. O secretário se<br />
sensibilizou e disse que ia trazer a Margareth Menezes para tá fazendo show aqui e tá<br />
9<br />
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fazendo um show no centro. Mas só que aí fez o encerramento aqui em Cajazeiras com<br />
Ci<strong>da</strong>de Negra, com Margareth Menezes..., Leci Brandão e Mariene de Castro, teve mais<br />
atrações. Foi uma ativi<strong>da</strong>de muito bonita, muito rica, né! E iniciou essa ativi<strong>da</strong>de<br />
fazendo homenagem à Capoeira, né! Foi grupo <strong>da</strong>qui local que se apresentou né!<br />
Capoeira e as duas Mães de Santo, Mãe Lia e Mãe Zil. Nesse dia foi um dia muito<br />
bonito com presença aqui do secretário [Municipal] de reparação, presença de vários<br />
políticos, foi uma festa muito plural, muito bonita e rica. Então Cajazeiras já começou a<br />
ganhar respeito, um outro olhar, isso aí foi em novembro, dia 30 de novembro se não<br />
me engano. A abertura do Carnaval esse ano foi feita aqui em Cajazeiras, acho que foi<br />
bem importante, né, o olhar, com a presença aí do governador e do prefeito, então foi<br />
muito importante pra Cajazeiras. Fizemos protestos lá com a questão do PDDU, no<br />
carnaval, na abertura <strong>da</strong> quinta-feira, muito acho que foi muito plural e muito bonito<br />
também. Então o olhar é, Cajazeiras hoje acho que tem mais respeito então a gente já<br />
pode estar chegando, né, com to<strong>da</strong> essa, essa coisa que houve aí durante os anos, né,<br />
mas ain<strong>da</strong> tem pessoas, nas lideranças políticas que tem respeito lá fora, lá fora que eu<br />
falo em Salvador, né?<br />
(N): Salvador é fora de Cajazeiras?<br />
(K): É a visão que a gente fala, nós sempre falamos, vai pra onde? Vão pro centro? Vai<br />
pra Salvador ? Então, a gente tem esse olhar um pouco barrista.<br />
(N): Quais são os argumentos que vocês usaram pra trazer novembro negro pra<br />
Cajazeiras?<br />
(K): É a capital de Salvador, oh, a capital <strong>da</strong> Bahia hoje tem cerca de 80%, 82% <strong>da</strong><br />
população negra. Cajazeiras comprova<strong>da</strong> em <strong>da</strong>dos tem cerca de 90 e alguma coisa %<br />
<strong>da</strong> população de Cajazeiras negra. Então esses foram os argumentos, além <strong>da</strong> questão do<br />
grande número de terreiros, né, falamos <strong>da</strong> questão <strong>da</strong> Pedra, né. E a população, acho<br />
que a maioria <strong>da</strong> população, né, 90 alguma coisa % de Cajazeiras são negros, então<br />
isso...<br />
(N): Onde é que está escrito isso?<br />
10<br />
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(K): Esse é um <strong>da</strong>do do IBGE.<br />
(N): <strong>Nelma</strong>: Você tem o artigo?<br />
(K): Eu tenho um material.<br />
(N): Você me passa isso?<br />
(K): Eu passo, eu tenho o material que fala sobre isso, sobre essa questão, pegando<br />
questão de valores econômicos, né, de Cajazeiras, tátátá, essa coisa to<strong>da</strong>. Então, aí esse<br />
foi um dos argumentos que nós usamos pra tá trazendo o novembro negro. Foi uma<br />
festa muito legal!<br />
(N): Qual foi o significado desse evento aqui para Cajazeiras? Pra quem mora aqui?<br />
(K): Eu penso que valorização e respeito, pega só dessas duas coisas. Eu acho que as<br />
pessoas, nós passamos a ficar mais valorizado e sentir respeitado, valorizado, com um<br />
olhar diferenciado, né? Quando é que tinha isso aqui em Cajazeiras, uma ativi<strong>da</strong>de<br />
desse tamanho, desse peso, com grandes atrações, com grandes, é, falamos sobre a<br />
questão racial, né, não lembro durante esse período todo. Nem Cajazeiras nem Salvador,<br />
né, não tem uma festa desse cunho, desse peso pra ta falando <strong>da</strong> questão racial. Então, a<br />
1° que tem, ser aqui, num bairro como esse, né, eu acho que é essa questão mesmo, é o<br />
respeito, é respeitado e valorizado.<br />
(N): Quais foram as principais conquistas de Cajazeiras nesse tempo todo que você<br />
mora aqui, do povo?<br />
(K): Do povo em geral, o transporte melhorou, apesar <strong>da</strong> dificul<strong>da</strong>de, né, é grande; a<br />
questão <strong>da</strong> delegacia, pequenininha ain<strong>da</strong> sem infra-estrutura que nós tamos brigando.<br />
Temos uma reunião agen<strong>da</strong><strong>da</strong> esse mês ain<strong>da</strong> com o secretário de segurança pública<br />
para estar discutindo essa questão <strong>da</strong> segurança, mas delegacia, né, a 13ª Companhia,<br />
oh! 3° Companhia <strong>da</strong> Polícia Militar; Banco do Brasil, né, vitória nossa! O transporte já<br />
falei, né? E alguns equipamentos, né, <strong>da</strong> materni<strong>da</strong>de Cajazeiras, tem o Hospital<br />
também que é privado, Hospital Jaar Andrade é um grande hospital aqui. Algumas<br />
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escolas, municipal, estadual. Agora eu penso que tem que ter escola maior, com mais<br />
equipamentos que possa estar, é, os alunos possas estar estu<strong>da</strong>ndo aqui com mais<br />
tranqüili<strong>da</strong>de, uma escola com mais quali<strong>da</strong>de, com mais instrumentos. Acho que é isso,<br />
é essas conquistas aí.<br />
(N): Quais são as pautas, qual é a pauta política de Cajazeiras hoje?<br />
(K): A pauta política é o grito, né, por, falam em emancipação, eu acho que pode ser<br />
mais <strong>da</strong>qui uns 10 anos, penso que Cajazeiras ain<strong>da</strong> tá, precisa-se estruturar, né, pra<br />
poder estar reclamando. Apesar do que pede o tamanho geográfico e a questão<br />
populacional, mas eu penso que tem que, ain<strong>da</strong> tem que se estruturar com indústrias,<br />
que não polua, claro, é, com grandes empresas, com uma facul<strong>da</strong>de pública, né, e outras<br />
coisas. Agora, eu penso que, ain<strong>da</strong> fala, ain<strong>da</strong> tem um apelo muito grande, eu penso que<br />
as vias de acesso tem que ver outras vias de acesso pra Cajazeiras, tipo Boca <strong>da</strong> Mata,<br />
Estra<strong>da</strong> Velha do Aeroporto, Cajazeiras 11 – BR, Águas Claras – BR, né, sentido, tem<br />
uma estra<strong>da</strong> que passa por trás de Águas Claras, não tem Águas Claras e Castelo<br />
Branco? Acho que desobstruir ali pra BR, pra já folgar...<br />
(N): Do matadouro?<br />
(K): É a do matadouro e aí já folgar aquela, as vias de aceso, eu penso que é importante,<br />
fazendo isso, porque Cajazeiras hoje, quando chega, de 6:30 <strong>da</strong> manhã até às 7 horas é<br />
um caos o engarrafamento. De manhã na saí<strong>da</strong> de 18 ás 19, então um engarrafamento<br />
grande, né, acho que tem que ver outras vias de acesso. Cajazeiras reclama também,<br />
acho que um, esqueci o nome, fórum não, é, esqueci, fugiu aqui, agora, é, eu penso que<br />
um Centro Cultural Cajazeiras, isso foi uma pauta que desde o governo de Imbassahy,<br />
batemos na questão <strong>da</strong> discussão do orçamento participativo. Nós discutimos essa<br />
questão de centro cultural, um centro poliesportivo, né, pra tirar esses jovens <strong>da</strong>í <strong>da</strong> mão<br />
dos traficantes. Eu penso que com a cultura e com o esporte, a gente pode estar fazendo<br />
isso. Centro Cultural, Centro Poliesportivo, né, que nós já estamos debatendo isso, né,<br />
com o governo do estado, junto com a Secretaria de Trabalho, Emprego, Ren<strong>da</strong> e<br />
Esporte, né? Temos uma pauta, estamos discutindo até local pra ser viabilizado isso.<br />
Centro Cultural também, nós temos discutido com o pessoal <strong>da</strong> Cultura do município,<br />
12<br />
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né, que houve até uma mu<strong>da</strong>nça brusca, tiraram um homem <strong>da</strong> cultura pra botar uma<br />
advoga<strong>da</strong>, uma coisa.<br />
(N): Paulo Lima saiu?<br />
(K): Paulo Lima, Professor Paulo Lima.<br />
(N): Saiu?<br />
(K): Saiu <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Gregório de Mattos.<br />
(N): E entrou quem?<br />
(N): Uma advoga<strong>da</strong>, não sei nem o nome, eu acho um absurdo. E também, Cajazeiras<br />
reclama também essa questão de um nome pra Cajazeiras, pelo tamanho, né, hoje tem<br />
um grito, um apelo muito grande sobre a questão de se ter alguém de Cajazeiras que<br />
seja vereador de Cajazeiras, tem um apelo muito grande. Isso Cajazeiras já teve<br />
Geraldão que passou aí 4 anos com votos <strong>da</strong>qui e não soube, não teve visão política, né,<br />
pra poder estar se reelegendo e hoje tem um apelo muito forte <strong>da</strong>s pessoas pra que se<br />
tenha um representante <strong>da</strong>qui.<br />
(N): Como é que está esse movimento <strong>da</strong> disputa política pra ser vereador por<br />
Cajazeiras e pela emancipação? Como é que isso se conjuga por aqui?<br />
(K): Eu vou falar enquanto Kilson, minha opinião, né, enquanto a emancipação, eu no<br />
momento sou contra.<br />
(N): O que você tem visto?<br />
(K): Agora as pessoas, tem muita união de moradores, grita, briga, fala que é importante<br />
essa questão <strong>da</strong> emancipação pelo tamanho geográfico, na reali<strong>da</strong>de populacional. Tem,<br />
e muita gente, algumas escolas a gente vê debates que a gente faz no dia-a-dia e as<br />
pessoas falam sobre essa questão <strong>da</strong> emancipação, faz apelo, apelo forte, tem muita<br />
13<br />
13
gente que pede, que grita por cajazeiras. Mas nós temos que saber que não vai ser uma<br />
coisa fácil, né.<br />
(N): Desde quando acontece isso?<br />
(K): Desde quando eu me entendo, desde <strong>da</strong>s brigas por transporte que o pessoal fala<br />
pelo tamanho que Cajazeiras que tinha que ser emancipado, tátátá. Hoje, Cajazeiras<br />
cresceu, tem um comércio forte, mas só tem isso, a gente não vê uma outra coisa assim.<br />
Tem a facul<strong>da</strong>de de Cajazeiras, que é uma facul<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong>, mas e aí, o quê que<br />
Cajazeiras tem mais pra poder se auto sustentar? Eu penso que tem que ter mais outros<br />
elementos que venham estar agregando e Cajazeiras se auto sustentar. A questão <strong>da</strong><br />
disputa, - <strong>Nelma</strong>: Tem algo mais atrás desse debate ou você acha que é só parte dos<br />
arroubos mesmo? – não, não, tem, é um mundo né, como eu já falei, comecei falando<br />
sobre a questão do peso, né, que tem, hoje é o maior, a 8° Zona, é a maior <strong>da</strong> Bahia, né,<br />
será que Salvador vai querer perder, assim, tão fácil?<br />
(N): Quais são, quem são as principais lideranças eleitas aqui?<br />
(K): Olha, um mundo viu, passou por esse, Cajazeiras passaram várias, alguns já se<br />
foram, outros continuam aí, mas a gente tem, hoje tem Nilson Bahia, né, que começou a<br />
fazer um trabalho muito bom aqui, hoje ta morando em Castelo Branco. – <strong>Nelma</strong>:<br />
Partido? – Ele era, Nilson Bahia era do PT, hoje ta no PDT, uma figura assim, uma<br />
política, é política que combatia mesmo.<br />
(N): <strong>Nelma</strong>: Ele defende a emancipação?<br />
(K): Defende, defende, ele defende a emancipação de Cajazeiras, hoje tem aqui o<br />
Alfredo, - <strong>Nelma</strong>: Mas não mora mais aqui em Cajazeiras? – não, mora aqui do lado em<br />
Castelo Branco, que a gente, na minha opinião, eu falo como complexo, faz parte do<br />
complexo. É, tem o Alfredo Venceslau, ele não sei se ain<strong>da</strong> tá com a mesma opinião,<br />
mas, tinha essa visão também de emancipação, né, de Cajazeiras. É comerciante,<br />
também uma grande liderança aqui, filiado ao Partido dos Trabalhadores. É, o Dinho<br />
Melo, que é uma figura assim, que na minha opinião ... é a pessoa mais centra<strong>da</strong>, e fala<br />
com uma visão mais aberta dentro do Partido dos Trabalhadores aqui na 8° Zona. Uma<br />
14<br />
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figura assim que tem uma visão muito ampla, né, um visionário em termo de política,<br />
em termo de Cajazeiras, figura assim que eu tenho um respeito muito grande por ele.<br />
Tem aqui Luiz Carlos que também não compartilha com, dessa visão do Partido dos<br />
Trabalhadores. Tem Evanir Borges que é <strong>da</strong> União, que é a favor <strong>da</strong> emancipação de<br />
Cajazeiras. Tem Nadinho do Congo que se debruça pra questão cultural, tem o Filho do<br />
Congo, já com 20 poucos anos, né, Filhos de Congo aí que é a favor <strong>da</strong> emancipação de<br />
Cajazeiras. Tem Jorge Eduardo, né, que é Conselho do Moradores <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Grande<br />
2, do PC do B, também compartilha com a mesma opinião que a minha, né, tem que se<br />
estruturar primeiro pra depois, Jorge Eduardo hoje é gestor do Centro Social Urbano de<br />
Castelo Branco. Cleide Avelino, também compartilha que Cajazeiras deve ser<br />
emancipa<strong>da</strong> <strong>da</strong> Mude, Salvador!, o próprio Avelino que é o esposo de Cleide também<br />
compartilha com dessa opinião. Tem Irmã Sabina que é <strong>da</strong> igreja de Águas Claras,<br />
compartilha com essa opinião também que deve ser. Isso tudo são pessoas que tirando<br />
Jorge Eduardo e Dinho Melo, são pré-candi<strong>da</strong>tos aqui de Cajazeiras, Irmã Sabina já foi<br />
candi<strong>da</strong>ta por 3 vezes,<br />
(N): Cleide vai ser candi<strong>da</strong>ta?<br />
(K): Cleide na última reunião que teve, que a gente teve ela disse que seria, foi também<br />
na eleição passa<strong>da</strong>. É uma mistura assim de opiniões muito grande enquanto essa<br />
questão de emancipação.<br />
(N): E nas outras pautas <strong>da</strong>s lutas comunitárias, como é que se configura isso, já que<br />
tem a emancipação...e as lutas comuns, como é que vocês se articulam pra fazer?<br />
(K): Olha, a gente tem algumas pessoas que busca estar integrando né, essas lutas,<br />
puxando, é, nós chegamos a estar discutindo aqui um fórum de enti<strong>da</strong>des e lideranças<br />
desde de, acho que 2002 que a gente vem tentando buscar essa uni<strong>da</strong>de, pra estar<br />
fazendo esse fórum, né.<br />
(N): Quando você fala conseguimos, é a Cajaverde que está puxando?<br />
(K): Cajaverde, Conselho de Moradores <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Grande 2, Conselho de Moradores<br />
<strong>da</strong> 11, algumas pessoas <strong>da</strong> União, alguns empresários, a gente senta, os partidos aqui,<br />
15<br />
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PT, PC do B, PDT, é, PSB, a gente senta, começa, mas não ta terminando por conta do<br />
ciúmes, <strong>da</strong>s brigas, aí não consegue estar fazendo isso. Eu penso que esse, o fórum pra<br />
aqui seria uma coisa ideal, né, seria uma coisa plural, né, com várias idéias, mas que a<br />
gente não consegue tirar do papel, né. Já tentamos por diversas vezes desde 92.<br />
(N): O quê que emperra que ocorra?<br />
(K): Ciúmes, as brigas, as disputas, né, aí não consegue, né.<br />
(N): Como é que você descreve esse tipo, essas disputas, a disputa pelo o quê?<br />
(K): Veja bem, é geralmente as reuniões, essas reuniões a gente chama ou na casa do<br />
trabalhador, ou na sede <strong>da</strong> Cajaverde, na sede do PC do B aqui em Cajazeiras. Então,<br />
nessas, nas discussões, aí a gente, nós pensamos, oh, vamos fazer aquela coisa plural,<br />
vamos tirar aqui uma comissão pra estar colocando 5 pessoas pra estar nessa frente.<br />
Essas 5 pessoas vão estar tocando esse fórum e aí a gente vai chamar to<strong>da</strong>s as enti<strong>da</strong>des<br />
aqui pra poder estar discutindo. Então, eu tô falando essa última reunião que teve, né,<br />
que aí não saiu porque ficou briga, 5 e umas 9 lideranças e aí teve briga, né, e aí<br />
desandou, não foi pra frente por conta disso. Dentre outras são coisas pequenas que eu<br />
acho que a gente pode estar resolvendo e aí, as coisas travam. E eu acho que esse fórum,<br />
ele ia integrar mais, porque tem a União, mas a União não consegue estar por conta de<br />
algumas coisas do passado se relacionando com algumas, é demais pessoas.<br />
(N): Que tipo de coisa?<br />
(K): É porque teve o governo passado, os governos passados a União, eu acho que se<br />
atrelou demais na questão dos governos que passaram e aí afastou muitas pessoas que<br />
tem uma visão mais, é, mais avança<strong>da</strong>, mais à esquer<strong>da</strong> e aí travou. Daí pra cá, as coisas<br />
aí quando se fala de União, as pessoas vê mais pro lado<br />
(N): Quando você fala União, você fala União de Moradores <strong>da</strong> Associação? – É isso,<br />
União <strong>da</strong> Associação dos Moradores de cajazeiras, aí fica emperrado, né. Nessa<br />
discussão mesmo que nós tivemos, eu defendi que teria que ter alguém <strong>da</strong> União, ou o<br />
próprio Evanir ou outra pessoa, e é isso que o pessoal falou: “não porque o cara<br />
16<br />
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caminhou pro lado de lá”. E por isso mesmo que a gente tem que estar chamando pro<br />
nosso lado. Mas aí as pessoas, a maioria foi contra, disse “que acha que não, que tem<br />
que ser uma coisa só”. Eu disse não, a gente vai fazer uma coisa mais volta<strong>da</strong> pro geral,<br />
não pra linha mais nossa, que é a linha de esquer<strong>da</strong>, né. Aí, isso travou também a<br />
discussão, o debate, a gente queria ampliar um pouco, mas o pessoal queria fechar, aí<br />
ficou travado, aí não andou.<br />
(N): Mas a União, por exemplo, ela participou, ela apoiou a Caminha<strong>da</strong> <strong>da</strong> Consciência<br />
Negra?<br />
(K): Apoiou e participou. Participou não só com o presidente como com vários<br />
membros, né. Ajudou até com ônibus, né, que além dos ônibus <strong>da</strong> prefeitura, que foram<br />
9 ônibus, teve mais 2 ônibus trazidos pela União, então participou ativamente.<br />
(N): E a questão ambiental em Cajazeiras?<br />
(K): A questão ambiental, a questão ambiental de Cajazeiras hoje, está uma guerra, né,<br />
com essa questão, primeiro tem essa questão, pega logo essa questão assim mais do<br />
assoreamento, né. Mais de 5 Km de assoreamento aí, dessa, as pedreiras Valéria,<br />
Ipitanga, Caji, né? Mais de 30 anos com a poluição silenciosa né, jogando detritos de<br />
pedras. Tem as ocupações, ca<strong>da</strong> dia mais avança pra questão do entorno do Rio<br />
Ipitanga, que eu já falei anteriormente, fornece 40% <strong>da</strong> água que to<strong>da</strong> Salvador bebe e<br />
nós estamos travando uma luta pra questão do parque ecológico de Cajazeiras. Estamos<br />
com reuniões já periódicas junto com a Conder, né, teve uma 1° reunião na Cajaverde,<br />
mais 2 agora, a última foi agora dia 16 lá na Conder, com uma reunião muito plural, deu<br />
23 pessoas na última, Conder, Embasa, Secretária de Planejamento <strong>da</strong> Prefeitura, SMA<br />
que é um órgão <strong>da</strong> prefeitura, Conder eu já falei, Embasa, é, SEDU...<br />
(N): SEDU é o quê?<br />
(N): Secretaria de Desenvolvimento do governo do Estado, os empresários <strong>da</strong>qui de<br />
Cajazeiras como a MICRO, foram 3 lá participar: o presidente, o tesoureiro e o diretor<br />
de eventos; Facul<strong>da</strong>de de Cajazeiras, as escolas municipais representa<strong>da</strong>s pela AR, ops!<br />
CR Cajazeiras que é a coordenação e as escolas estaduais, no caso as maiores, Edvaldo<br />
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Brandão, Oliveira Brito e Leonor Calmon, né. Dentre o IAMBA, o Comam, o IAMBA é<br />
uma outra parceria nossa: Instituto de Ação Ambiental <strong>da</strong> Bahia e também o Comam,<br />
membros do Comam, <strong>da</strong> Câmara Técnica que está discutindo a questão do parque<br />
ecológico. Então, teve, já ta num avanço muito grande, o Ministério Público também,<br />
envolvido nessa luta, né. Então está uma discussão muito grande, nós tiramos de lá mais<br />
3 reuniões, uma dia 3 de julho aqui em Cajazeiras na Casa do Trabalhador, essa reunião<br />
vai ser mais a nível de Cajazeiras, né, empresários, escolas, né, comuni<strong>da</strong>de, chamar o<br />
povo pra gente estar discutindo, sensibilizando. Buscamos também, numa reunião que<br />
tive ontem a, o pessoal <strong>da</strong> SEC, né, Secretaria de Educação do Estado, <strong>da</strong> área do meio-<br />
ambiente, que é a Solange que está na frente desse processo, já falamos com ela, então<br />
dia 3 essa reunião na Casa do Trabalhador, dia 08, vai ter uma visita já, <strong>da</strong> Conder,<br />
Embasa e outros órgãos aqui em Cajazeiras, né, uma visita no espaço, nos 2 espaços, o<br />
lado mais associado, o lado mais, que tá mais conservado, o degre<strong>da</strong>do e o conservado e<br />
<strong>da</strong>r uma olha<strong>da</strong> né. Nós estamos discutindo que parte nós queremos e dia 15 outra<br />
reunião lá na Conder, porque aí a gente já olhou tudo, já sensibilizou algumas pessoas,<br />
já foi na área e a gente vai estar fazendo esse debate, que parte nós queremos. Nós<br />
estamos discutindo o parque, que seja um parque sustentável, que possa estar trazendo<br />
pessoas pra cá, pra conhecer, né. Eu tava falando, uma exposição que nós fizemos de<br />
fotos, nós temos um acervo de mais de, hoje mais de 2 mil fotos <strong>da</strong>qui dessa área, de<br />
Cajazeiras como um todo, mas principalmente <strong>da</strong> área, né, <strong>da</strong> APA, <strong>da</strong> parte ambiental<br />
em Cajazeiras. Então eu tava falando, na exposição tinha uma menina com 26 anos, né,<br />
que trabalha na Fun<strong>da</strong>ção Bradesco que ela disse: “É, eu moro aqui e onde é isso?”, ela<br />
perguntou onde era, né, aí eu disse: “Ah, isso aqui é Cajazeiras”, né, aí ela falou: “Pô,<br />
moro há 26 anos, nasci aqui e não conheço”.<br />
Então a nossa idéia a gente tá mostrando pra Cajazeiras, pra Salvador, e pra outros. Tem<br />
locais muito bonitos, dá pra fazer trilha, dá pra estar, é, discutindo a questão de um<br />
Centro de Convivência nesse espaço aonde a gente possa estar pegando jovens que<br />
estejam em áreas de risco pra poder estar fazendo trilhas, né, esses jovens estar fazendo<br />
trilhas na área, né. Pensamos num parque sustentável, que possa estar trazendo emprego<br />
e ren<strong>da</strong> e que não seja degra<strong>da</strong>do, né, não seja ocupado, como ta sendo ocupa<strong>da</strong> também<br />
nas ocupações, na maneira que está.<br />
(N): De onde é que vem essa idéia de parque ecológico? Por que um parque ecológico<br />
em Cajazeiras?<br />
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(K): Olha, nós fazemos parte também do conselho <strong>da</strong> APA Joanes - Ipitanga, né, e nas<br />
discussões, né?<br />
(N): Nós, a Cajaverde?<br />
(K): Cajaverde e o Conselho de Moradores <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Grande 2, nas discussões que<br />
nós tivemos lá na APA, APA hoje é o que, a APA tem o que, 64 mil hectares e percorre<br />
8 municípios, então é uma coisa muito grande, tem, existe um conselho, mas é uma<br />
coisa solta, que não tem ain<strong>da</strong> políticas direciona<strong>da</strong>s ... E aí nós sentimos a necessi<strong>da</strong>de<br />
mesmo de estar criando um espaço mais rígido que possa até estar sendo olhado e<br />
dirigido por pessoas de Cajazeiras. Tem o Jenecy que é o gestor <strong>da</strong> APA, mas pra correr<br />
esse mundo, né? Ele não pode, não tem estrutura física nem pra poder estar <strong>da</strong>ndo conta<br />
dessa deman<strong>da</strong>. Então nós pensamos que com a criação do parque ecológico nessa área,<br />
ou de uma uni<strong>da</strong>de de conservação ou de um parque urbano, é, nós vamos poder estar<br />
olhando mais de perto, vigiando e conservando, né, essa beleza natural que nós temos<br />
aqui.<br />
(N): Sobre a questão <strong>da</strong> prefeitura, como a prefeitura trabalha com Cajazeiras e a<br />
reali<strong>da</strong>de de vocês?<br />
(K): Então, eu tava pegando essa questão <strong>da</strong>s A.R.s aqui, né, hoje a reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> A.R.,<br />
né, porque a gente foi cria<strong>da</strong> no intuito de ser uma mini-prefeitura pra descentralizar as<br />
ações, mas a gente não vê esse trabalho efetivo, né, aqui nessa área geográfica. Se tem<br />
muitas reclamações, só discute essa questão de deveria ser por eleição direta, né. A<br />
questão dos coordenadores, né, <strong>da</strong>s regionais e Cajazeiras. O pessoal vê Cajazeiras<br />
como na área de saúde, houve um senso, né, que coloca Cajazeiras como, acho que 92<br />
mil pessoal e aí você falou também dessa questão <strong>da</strong> regional, essa regional, a A.R.15<br />
foi cria<strong>da</strong> agora recente, né, acho que o ano passado que a prefeitura criou pra dá<br />
deman<strong>da</strong> aqui, né, é outro lado, né, pega o outro lado, o outro lado do Ipitanga, né, que<br />
divide o Ipitanga, pro lado de lá foi criado essa A.R. que é a A.R Ipitanga, A.R.15, que<br />
pega o lado de que é o lado de lá. Mas aí essa questão, o pessoal fala de 150 mil, 90 mil,<br />
se for olhar o senso do, até do Estado mesmo, fala Cajazeiras como um número bem<br />
menor do que é a reali<strong>da</strong>de do que nós, nós achamos na coisa concreta que tem mais de<br />
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500 mil pesssoas aqui no complexo, achamos isso aonde a gente vai, a gente fala isso,<br />
essa reali<strong>da</strong>de. Mas, eu penso que no caso A.R. aqui não tem um trabalho efetivo, não<br />
faz o trabalho pra que ela foi cria<strong>da</strong>, né, que era pra descentralizar pra fazer as ações dos<br />
bairros, <strong>da</strong>s 20 prefeituras locais, que hoje existe, existe no caso de São Paulo as mini-<br />
prefeituras funcionam.<br />
(N): E quem elege o representante <strong>da</strong> A.R.? É a prefeitura, é indicação?<br />
(K): Indicação política.<br />
(N):Quem está hoje mora aqui?<br />
(K): Hoje quem está é José Miguel, irmão do vereador Everaldo Bispo, é, ele mora no<br />
São Caetano e hoje ele deve conhecer um pouquinho de Cajazeiras, mas no inicio,<br />
quando veio, ficou um pouco perdido sobre essa reali<strong>da</strong>de, né, que nós temos aqui, a<br />
deman<strong>da</strong> hoje, com certeza já, passou esse período, né, já com certeza já conhece um<br />
pouco mais. Mas eu penso que deveria, essas escolhas assim na minha visão ou deveria<br />
ser eleito mesmo como o pessoal fala a maioria ou então ser escolhido uma pessoa com<br />
critério, uma pessoa técnica que entendesse pra poder estar fazendo o trabalho né, vem<br />
um trio, um técnico, um político sendo eleito pela comuni<strong>da</strong>de e uma pessoa pra estar<br />
fazendo o chefe dos serviços, eu penso que aí <strong>da</strong>ria uma outra conotação.<br />
20<br />
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TRANSC<strong>RI</strong>ÇÃO DA ENTREVISTA COM MAÍSA FLORES<br />
<strong>Nelma</strong> (N): Hoje é... são 13 de março de 2008. E, agente vai falar com Maísa Teixeira<br />
Oliveira Flores, que é também liderança em Cajazeiras. Maísa cê mora a quanto tempo<br />
em Cajazeiras?<br />
Maísa (M): Moro em Cajazeiras há 23 anos.<br />
(N): Foi pra lá com que i<strong>da</strong>de?<br />
(M): Com quinze.<br />
(N): E, como é que foi chegar em Cajazeiras?<br />
(M):A i<strong>da</strong> pra Cajazeiras foi uma questão de problema de resolução habitacional<br />
mesmo, nós morávamos de aluguel no bairro <strong>da</strong> Boca do Rio e, eu nasci ali no bairro <strong>da</strong><br />
Boca do Rio e aí por separação dos meus pais eu fiquei com minha mãe e a gente não<br />
tinha uma casa pra morar ela era servidora estadual e aquele conjunto foi feito lá na<br />
época do governador João Durval e uma parte <strong>da</strong>s Cajazeira foi pros servidores do<br />
Estado e ela foi contempla<strong>da</strong> com a casa como servidora estadual e nós fomos pra lá né<br />
então ao chegar lá Cajazeira não tinha na<strong>da</strong> do ponto de vista do conjunto habitacional,<br />
existia uma população no nosso entorno, várias casas em nosso entorno que hoje<br />
algumas já nem existem mais, né e agente encontrou essa população lá, agora no<br />
conjunto nós não tínhamos essa interlocução com essa população que a gente encontrou<br />
só ao longo do tempo quando algumas dessas pessoas prestavam algum serviço,<br />
vendiam beiju, uma pamonha, alguma dessas coisas nas rua , vendiam frutas porque as<br />
casas tinham árvores, né frutíferas então a gente começou a ter contato com essas<br />
pessoas fora isso a gente só só via as pessoas passando pela rua.<br />
(N): Isso foi em que ano?<br />
(M): Fui morar em Cajazeira em 85.<br />
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(N): E qual era a... expectativa quando você foi pra lá, o que que era Cajazeira pra<br />
quem era Boca do Rio?<br />
(M):Bem, Cajazeiras em relação a Boca do Rio, primeiro que Boca do Rio a gente<br />
tinha to<strong>da</strong> uma articulação porque nasci lá tive a praia como uma coisa assim que agente<br />
gostava muito, então a relação praia e... em relação Cajazeira mato era um pouco<br />
diferente né mas Cajazeira a expectativa era que a gente conseguisse ficar numa casa<br />
que fosse nossa não tivesse aquela loucura de tá em casa de aluguel então foi pra<br />
resolver esse problema de de... estrutura de habitação mas o bairro não oferecia<br />
nenhuma condição esse bairro aí não tinha nem mercado, nem hospital, nem escola,<br />
nem farmácia, embora na estrutura do conjunto ficassem algumas estruturas de escola .<br />
Mas logo no início não tinha na<strong>da</strong> no bairro então tudo que você tinha que fazer de... de<br />
serviços ou de comércio tinha que ser no centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, que se deslocar num<br />
transporte muito difícil até o bairro então a esperança de todo mundo quando chegou era<br />
tomara que os grandes cheguem aqui, que as coisas cheguem até aqui. Era algumas<br />
pessoas que já começaram a morar aqui começaram a criar suas condições né, os<br />
primeiros moradores de lá foram os primeiros a levarem as pequenas mercearias,<br />
entendeu? O que deu origem depois a feira <strong>da</strong> Rótula <strong>da</strong> Feirinha que foi logo uma coisa<br />
bem antiga, porque a Feirinha de Cajazeiras é uma coisa muito tradicional porque foi o<br />
primeiro local que a gente podia comprar alguma coisa, ali na rótula que hoje é chama<strong>da</strong><br />
Rótula <strong>da</strong> Feirinha, que inclusive querem tirar a feirinha <strong>da</strong>li, mas ela tem esse nome<br />
por isso, quer dizer era o primeiro ponto de comércio que a população de lá tinha pra<br />
evitar que a gente fosse pra Feira de São Joaquim ou na Sete Portas.<br />
(N): E como é que era essa... essa caminha<strong>da</strong> até a Feira de São Joaquim?<br />
(M): A gente não tinha ônibus de Cajazeira logo no início na época em que nós<br />
recebemos a casa, tinha um ônibus que ia até a 5 né e aí an<strong>da</strong>va <strong>da</strong> 5 até a 10, eu morava<br />
na 10, depois foi que chegou um ônibus que fazia to<strong>da</strong>s as Cajazeiras pro terminal <strong>da</strong><br />
França esse demorava um infinito pra conseguir chegar a algum lugar né e aos poucos<br />
que foram chegando as linhas de , então as pessoas tinham que ir no centro pra comprar<br />
ou ... fazer um carreto entre a 5 e a 10as vezes nas Kombis os transportes alternativos<br />
muito raros ou ir a pé.<br />
(N): A pé?<br />
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(M): É a pé!<br />
(N): Levava quanto tempo pra chegar no centro?<br />
(M): Olha a gente só mudou pra lá quando colocaram um transporte que podia subir até<br />
a 10, entendeu? Mas a gente pra visitar fazia isso, então se cê tá na 5 pra chegar na lá<br />
em cima arrudiano até a 10 voce gastava mais de 30 minutos an<strong>da</strong>no arrudiando tudo.<br />
(N): An<strong>da</strong>ndo?<br />
(M): É!<br />
(N): E de lá pra São Joaquim quantos minutos levava?<br />
(M): Não a gente aí ia <strong>da</strong> 10 chegava na 5 aí tinha uns transportes que apareciam pó ali<br />
e a gente ia saltando no meio do caminho. Castelo Branco e ia descendo entendeu?Aí<br />
depois fizeram aquele terminal EVA ... que no terminal EVA o ônibus ia no terminal<br />
EVA no transbordo e conseguia ir até ao 10 entendeu no terminal EVA, precária muito<br />
precária mas evitava que a gente an<strong>da</strong>sse aquele pe<strong>da</strong>ção, as vezes demorava mil anos,<br />
era lotado todo mundo pendurado na porta entendeu?Então assim pra sair do centro e<br />
chegar em Cajazeiras era duas horas no mínimo pra gente conseguir chegar na Lapa, né.<br />
Então quando eu fui pra lá eu tava no segundo grau, eu estu<strong>da</strong>va no Teixeira de Freitas<br />
tinha que sair de casa onze pra chegar no Teixeira de Freitas uma <strong>da</strong> tarde e quando saia<br />
do colégio cinco chegava em casa sete, as vezes eu chegava em casa nove horas <strong>da</strong><br />
noite. Porra nem conseguia entrar no ônibus na Lapa pra chegar no terminal EVA!<br />
(N): (Risos)<br />
(M): Uma coisa bem complica<strong>da</strong> não é? Então assim essa opção habitacional pra<br />
população de jogar você prum bairro muito longe é complicado, foi complicado pra<br />
mim que nasci na Boca do Rio, meus parentes moravam lá entendeu você, então você<br />
tem to<strong>da</strong> uma relação naquele lugar aí você sai e vão pro lugar que não tem na<strong>da</strong>! Na<br />
ver<strong>da</strong>de pra nós que chegamos no conjunto lá em Cajazeira era um bairro que não tinha<br />
na<strong>da</strong> né e você vai construindo as amizades e a questão que foi uma coisa muito nova,<br />
né? Porque não tinha a tradição <strong>da</strong> vizinhança, hoje depois de muito anos foi criando a<br />
relação de vizinhança, mas na chega<strong>da</strong> não, entendeu? E agora o pessoal que já morava<br />
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lá esses que não era do conjunto, essa população que ficava lá eles já tinha essa relação<br />
de vizinhança eles eram muito próximos e faziam tudo junto lá e quem era do conjunto<br />
não tinha muito contato entendeu? Ao longo dos anos foi que a população dos conjuntos<br />
foi começando a ter uma interlocução com os moradores antigos de Cajazeira.<br />
(N): Tinha muito conflito entre os novos e os antigos?<br />
(M): Tinha preconceito acho que assim, alguns moradores achavam que eram melhores<br />
entendeu? Porque a casa sei lá era planeja<strong>da</strong> a rua era asfalta<strong>da</strong> uma coisa desse tipo,<br />
achavam-se melhores do que a população que já vivia ali né porque normalmente a<br />
população que já vivia lá não era nas ruas calça<strong>da</strong>s né o lugarejos todos locais que não<br />
tinham saneamento, não tinha alta estrutura pavimentação tudo isso os bacana quando<br />
chegaram lá encontraram a rua asfalta<strong>da</strong> um apartamentozinho né e mesmo parecendo<br />
um alçapão de de gaiolinha de pegar passarinho mas o pessoal se achava o melhor<br />
entendeu então esse preconceito foi muito forte no bairro também e uma mu<strong>da</strong>nça no<br />
bairro dos que primeiro receberam as casas venderam, muita gente não agüentou ficar<br />
porque achava que era longe e porque e a dificul<strong>da</strong>de pra serviço de transporte, teve<br />
caso assim inclusive logo no início de óbito de pessoas que passavam mal e não tinha<br />
um serviço de saúde muito próximo e acabava falecendo tinha que chegar ao centro <strong>da</strong><br />
ci<strong>da</strong>de tinha gente que quando via um caso desse que morreu de alguém porque não<br />
tinha atendimento de saúde e não resistiu chegar até o pronto socorro no centro <strong>da</strong><br />
ci<strong>da</strong>de eles desistiam e iam embora, entendeu? Por conta dessa dificul<strong>da</strong>de pra<br />
transporte distante pra chegar em casa tarde né não tinha também segurança, então<br />
começaram a acontecer alguns furtos e o pessoal começou a ir embora de lá, então o que<br />
aconteceu depois é que vão viver nas casas, vão chegando outras pessoas então também<br />
teve um fenômeno interessante, no início uma boa parte do pessoal que pegou as casas<br />
era população muito negra e depois essa situação foi vendendo as casas Cajazeiras ficou<br />
com uma outra teve um momento assim que você percebia que pessoas muito mais<br />
clara estavam comprando as casa aí chegavam muito mais metidos do os outros que<br />
saíram entendeu? Assim em termo se achando assim as pessoas de classe alguma coisa<br />
sei lá média que não existia, mas a média imaginária, entendeu?<br />
(N): Dentro do contexto.<br />
4
(M): Dentro do contexto, e aí também criou esse diferencial. Eu lembro que eu morava<br />
na 10 tinha um grupo de meninas que chegaram depois mas essas meninas assim<br />
meninas loiras, meninas brancas elas não falavam com as meninas negras, entendeu<br />
tinha um grupo separado no bairro assim mesmo na periferia longe de tudo tinha<br />
separação, agora depois quando foi construí<strong>da</strong> em torno de cajazeiras, como Jaguaribe 1<br />
que foi o pessoal remanescente do Costa Azul, essa gente <strong>da</strong> Gamboa essa coisa to<strong>da</strong><br />
que tem na ci<strong>da</strong>de, na reforma do Pelourinho então nós começamos a ficar mais<br />
cercados de outros conjuntos outras pessoas que vinham de outros contextos então o<br />
bairro começou a escurecer de novo, eu acho que tem o fenômeno de clareamento e<br />
escurecimento no bairro também do ponto de vista do pessoal dos conjuntos, agora a<br />
população <strong>da</strong> 3 sempre foi muito negra , a população de lá <strong>da</strong>s casas e muitas dessas<br />
pessoas também venderam suas residências pra os condomínios depois, pros<br />
condomínios pras obras publicas que foram ficando mais adentrando lá pra região <strong>da</strong><br />
Barragem, Boca <strong>da</strong> Mata, no mato né aí no início Cajazeira um coqueiro grande que se<br />
tem aquele vilarejo ali que tem aquela população que parece que todo mundo parece que<br />
é parente ali e tem o Terreiro do Manso, agora o Terreiro do Manso eu já conhecia por<br />
exemplo meu tio mora lá, porque o Terreiro do Mansa é muito antigo na Estra<strong>da</strong> Velha,<br />
logo na saí<strong>da</strong> do Coqueiro Grande entendeu? Então o Manso já tinha uma relação ali<br />
naquele lugar e muita gente quando queria <strong>da</strong>r um referencial em torno de Cajazeira<br />
<strong>da</strong>va <strong>da</strong>quele terreiro ali entendeu? “Ah! Porque tem o terreiro do Manso naquela<br />
estra<strong>da</strong> ali”. Então ficou uma referência pra Cajazeiras. Mas a gente tem informação que<br />
tinham outros terreiros que a gente não tem tinha noção por dentro ali <strong>da</strong>quela área que<br />
vai pra Barragem tem algumas casas ali dentro que a gente não tem nenhum contato que<br />
são muito antigas também.<br />
(N): São lá antes do conjunto.<br />
(M): Antes do conjunto.<br />
(N): Antes do conjunto. Você mora onde hoje?<br />
(M): Eu moro no loteamento Parque São José, Fazen<strong>da</strong> Grande 2. Mas quando fui<br />
morar, morava em Cajazeiras 10.<br />
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(N): Você... se eu perguntar a você: você mora aonde, você diz que mora em Fazen<strong>da</strong><br />
Grande 2 ou o quê?<br />
(M): Eu sempre digo Loteamento Parque São José porque o nome, o local onde eu moro<br />
né. Então o endereço é imenso, mas o Loteamento Parque São José Fazen<strong>da</strong> Grande 2,<br />
eu normalmente digo isso.<br />
(N): Hum! E como que era pra você naquele momento antes falar que morava nessa<br />
região em Cajazeiras?<br />
(M): Não eu sempre fui tranqüila pra saber onde eu morava agora, por exemplo, quando<br />
a gente morava, quando eu tava na facul<strong>da</strong>de, que as pessoas <strong>da</strong>qui do centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de<br />
não tem esse contato aí aquela alugação de “só comprou pra ir, onde é que fica isso” e<br />
tal e até hoje quando a gente fala em Cajazeira embora esteja quase que ci<strong>da</strong>de eu falo<br />
em termos de estrutura urbana, as pessoas ain<strong>da</strong> falam “Onde é que fica isso?”, tem<br />
gente que nunca foi em Cajazeira, pessoas aqui do centro que não sabe nem onde fica<br />
entendeu. Mas eu nunca tive problema não, sempre. Fiz cinco anos de facul<strong>da</strong>de a noite<br />
morava em Cajazeira chegando muito tarde, uma hora <strong>da</strong> manhã meia noite entendeu<br />
nunca tinha carona pra lá cê sabe né carona <strong>da</strong> facul<strong>da</strong>de pra lá não tinha, tinha que ir<br />
de ônibus mesmo sabe, mas nunca tive problema em relação a assumir onde que se<br />
mora tem gente que tem vergonha de dizer que mora em lugar longe eu eu nunca tive<br />
isso não, tranqüilo.<br />
(N): Mas havia preconceito?<br />
(M):Das pessoas sim, desconhecimento e muito preconceito, isso sempre teve.<br />
(N): Como é que você se divertia, como é que as pessoas se divertiam, se divertem, teve<br />
alguma diferença de antes...?<br />
(M): Quando nós fomos pra lá, nós criamos um grupo de jovens né então um grupo de<br />
jovens que eram muito ligado a paróquia de de Santo Antônio então a gente criou um<br />
grupo de jovens. Não tinha paróquia lá na 10, tinha apenas um seminarista e um frei que<br />
ia lá rezar a missa no Colégio Nelson Barros e antes disso era no galpão <strong>da</strong> Urbis que<br />
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foi a empresa que fez o o todo o bairro então nós tínhamos esse grupo de jovens que era<br />
um grupo de jovens que aju<strong>da</strong> a fazer as missas lá mas ao mesmo tempo se reunia<br />
discutia algumas coisas, depois a gente desvinculou <strong>da</strong> coisa <strong>da</strong> igreja e aí criamos o<br />
grupo Renascer, que era um grupo aberto podia participar pessoas religiosas ou não e<br />
ficamos muito tempo fazendo um trabalho lá, as vezes a gente fazia trabalho com o<br />
Conselho de Moradores de Cajazeira 10, naquela tinha os ticket de leite <strong>da</strong> <strong>da</strong> LBA que<br />
<strong>da</strong>va pras pras mãe de família tinha isso aí a então a gente lá pra poder aju<strong>da</strong>r a<br />
distribuir o leite enquanto as pessoas ficavam fazendo ca<strong>da</strong>stramento, ou aguar<strong>da</strong>ndo<br />
pra receber o leite a gente fazia palestra, planejamento familiar, falava de de <strong>da</strong>s questão<br />
de <strong>da</strong>s drogas entendeu? Então a gente foi um grupo muito atuante na comuni<strong>da</strong>de,<br />
tinha nossas ativi<strong>da</strong>des também a gente fazia algumas festas pra poder unir os jovens de<br />
outras cajazeira né porque lá não tinha muito o que fazer, tinha um time de vôlei que a<br />
gente arrumava na rua, eu botava uma rede, fazia um jogo de vôlei, a gente criou os<br />
nossos mecanismos de se divertir no lugar muito ligado a questão do grupo de jovem,<br />
em torno do grupo de jovem e depois e depois aí nós participamos do grupo de <strong>da</strong>nça<br />
afro lá na comuni<strong>da</strong>de Dois Irmãos , então eles já tinham um trabalho de <strong>da</strong>nça, eles<br />
foram do grupo de King do SENAC, né eles foram do Severino Vieira <strong>da</strong>quela época<br />
que tinha os cursos de desportes no Severino e tal, e eu estu<strong>da</strong>va no Teixeira de Freitas.<br />
Então dois professores eram irmãos, faziam <strong>da</strong>nça afro com o pessoal do SENAC<br />
Pelourinho e levaram pra lá a aula de <strong>da</strong>nça afro, eles moravam lá, então a gente<br />
também entrou no grupo Obá Guiné . Nós ficamos fazendo também esse trabalho de<br />
<strong>da</strong>nça na comuni<strong>da</strong>de e fazia apresentação fora de lá, então a gente criou, nós criamos<br />
nosso próprio mecanismo de nos divertir quer dizer sempre teve lá os campo né, as<br />
baixa<strong>da</strong>s que o pessoal capinava fazia os campos de futebol e os homens jogavam<br />
futebol, todos, isso era certo sempre todos os finais de semana o baba, o tradicional<br />
baba isso sempre acontecia campo até hoje é assim dia de domingo se você chegar lá os<br />
campos estão todos lotados, tem disputa entre eles pra poder ocupar. Agora a gente fazia<br />
um trabalho um pouquinho diferenciado porque a gente não somente se preocupava com<br />
a questão do esporte ou <strong>da</strong> cultura do ponto de vista de apresentações ou trinos a gente<br />
se preocupava com a questão do estudo né é aí também muito cedo lá eu comecei a<br />
ensinar os meninos <strong>da</strong> vizinhança e desde que eu fui morar lá que eu ensino o pessoal<br />
porque não tinha onde tomar reforço esforço escolar...<br />
(N): Ensinava o quê?<br />
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(M):Tudo! Os meninos era <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> serie, terceira as mães vinha, os meninos precisa<br />
de matemática, ah! de português e eu quando fui pra lá no ultimo ano do segundo grau<br />
aí no outro ano eu passei pra economia, então não tinha pessoas assim no bairro pra<br />
poder dá um reforço dá uma aula de matemática, uma aula de física, então a gente<br />
acabava <strong>da</strong>ndo aula pros meninos né. Isso eu faço lá até hoje por conta dessa dessa<br />
carência inicial, hoje até hoje ain<strong>da</strong> sou procura<strong>da</strong> pra pra ... não tenho tanto tempo pra<br />
mais pra <strong>da</strong>r aula pro pessoal <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de, mas ain<strong>da</strong> faço esse trabalho.<br />
(N): E esse grupo de jovem rendeu movimento popular?<br />
(M): O grupo de jovem Renascer, ele foi um grupo atuante em nossa época, foi<br />
inclusive um grupo que conseguiu é...disseminar a paz entre setores de Cajazeira 10 né<br />
tinha os meninos do setor 1 não se unia com o setor 2 e não se unia com o setor 3 e<br />
quando tinha alguma coisa publica, quando por exemplo botava um trio elétrico lá eu<br />
não gostava de trio elétrico lá, era cheio de bandidos, o Trio Jóia era um horror, aí os<br />
meninos brigavam né então a gente não gostava desse, eu pelo menos nunca gostei<br />
particularmente dessa questão de botar o trio elétrico na comuni<strong>da</strong>de porque a gente<br />
sabia que aquilo era eleitoral, jogava o trio tinha muita briga entendeu? Imagine o bairro<br />
não tem na<strong>da</strong> aí de repente aparece o trio elétrico do na<strong>da</strong> também aí o povo ficava<br />
louco, tinha muita briga morte e tudo isso. Então a gente fez um trabalho, com esse<br />
trabalho do grupo de jovem a gente fazia algumas festas no Conselho de Moradores de<br />
Cajazeiras 10, que a gente convi<strong>da</strong>va todos, até pessoas <strong>da</strong> 5, <strong>da</strong> 8 iam pra lá e agente<br />
0conseguiu que na época a gente num... num só estava por experimento, que era fazer as<br />
ativi<strong>da</strong>des sem ter nenhum tipo de atrito, aí aos poucos essas pessoas começaram a se<br />
falar entendeu aí como a gente não tinha estrutura, os meninos <strong>da</strong> 5 levava o jogo de luz<br />
porque tinha a parte que a gente deixava como se fosse uma <strong>da</strong>nceteria, as pessoas se<br />
apresentavam alguém imitava Michael Jackson, alguém imitava outro cantor, dublava<br />
era uma festa que você não ficava bebendo porque a gente não trabalhava com bebi<strong>da</strong><br />
alcoólica então reduzia o risco <strong>da</strong> violência e ao mesmo tempo quem tinha talento podia<br />
apresentar os talentos então sempre tinha que parar e alguém apresentando e assistia,<br />
aplaudia . Então criou um clima um pouquinho diferenciado a nível de festas que só<br />
você bota o som alto, botar bebi<strong>da</strong> e o pessoal <strong>da</strong>nçar. Então fazia isso e conseguiu<br />
segurar muito aí depois criaram o Grujeia na 10, aí ficou Renascer e Grujeia , a gente<br />
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fazia reuniões as vezes juntos, os dois grupos Grujeia é era o Resgate do grupo de<br />
Jovem <strong>da</strong> Igreja Católica e mas a gente não tinha nenhum problema de fazer reuniões<br />
juntos com o Grujeia, às vezes o Grujeia participava <strong>da</strong>s nossas ativi<strong>da</strong>des e a gente <strong>da</strong>s<br />
deles. Então ficou um negócio de grupo de vizinhança uma amizade assim, na<br />
comuni<strong>da</strong>de foi legal enquanto durou, mas o pessoal foi ficando mais velho, foi casando<br />
tem gente que foi se mu<strong>da</strong>ndo de lá, eu não me mudei. Minha mãe não se mudou de lá<br />
também, aliás minha mãe se mudou, recentemente mora no Engenho Velho de Brotas,<br />
mas eu continuo lá até hoje, só não moro na 10,moro na 2. Mas algumas pessoas que<br />
foram do Renascer ain<strong>da</strong> moram na 10, tem alguns colegas nosso que estão por lá.<br />
(N): E essas pessoas estão em lideranças comunitárias até hoje?<br />
(M): Não, mas assim, tem uma menina que tem salão de beleza, tem to<strong>da</strong> uma relação<br />
com a comuni<strong>da</strong>de, outro rapaz fez filosofia na universi<strong>da</strong>de, é professor então<br />
entendeu? Foi assim né uns foram pra universi<strong>da</strong>de outros não, mas continuam lá,<br />
conhecem muita gente. Tudo isso o pessoal fala com a gente “Ah! Nunca mais teve um<br />
grupo igual ao de vocês aqui na Cajazeira, aqui vocês articulavam, , conversavam com<br />
todo mundo”, tal,as pessoas ain<strong>da</strong> lembram do nosso trabalho na juventude.<br />
(N): E o movimento popular de Cajazeira, como é que você viu?<br />
(M): O movimento popular de Cajazeira...quando nós chegamos como o bairro era<br />
muito carente, cê tinha assim associações de moradores e conselhos, uma parte muito<br />
liga<strong>da</strong>...de né <strong>da</strong>queles vícios mas tinha algumas pessoas muito comprometi<strong>da</strong>s com a<br />
mu<strong>da</strong>nça no bairro, né.<br />
(N): E como é que era esses vícios?<br />
(M): Os vícios que eu falo é você tá atira colo com um político, tipo, o político<br />
praticamente faz faz o trabalho <strong>da</strong> associação, entendeu? E você tem benefícios às vezes<br />
particulares ou só pra essa associação porque você tá ligado aquela pessoa. Então a<br />
gente não concor<strong>da</strong> com isso tanto que o nosso grupo Renascer foi independente, nós<br />
fomos convi<strong>da</strong>dos por todos os sedimentos <strong>da</strong> direita e <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong>, <strong>da</strong>s igrejas to<strong>da</strong>s<br />
pra fazer parte e a gente não quis fazer parte de coisa nenhuma ficou grupo<br />
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independente na comuni<strong>da</strong>de e assim a gente conseguiu atuar melhor . Então esse<br />
movimento popular de Cajazeiras desde o início o pessoal lutava pelo transporte<br />
queimava pneu, fazia passeata, ia até a Secretaria de Transportes que ficava no centro <strong>da</strong><br />
ci<strong>da</strong>de pra poder fazer, forçar com que os poderes públicos reconhecessem, então teve<br />
muito movimento em Cajazeira de reivindicação com queima de pneus e bloqueio de<br />
ruas logo no início teve muita coisa assim pra conseguir as linhas de ônibus, se você não<br />
tivesse que parar, paralisasse uma rua num tinha efeito né, não tinha efeito então<br />
muitas vezes muitas vezes a população ficava revoltado mais de uma hora de relógio no<br />
ponto de ônibus e o ônibus lá parado, o povo invadia o ônibus e forçava o motorista a<br />
sair então tinha muitas atitudes dessa entendeu? Que era até relâmpago, instantâneo, na<br />
hora, não planeja<strong>da</strong>, tinha umas planeja<strong>da</strong>s outras não por conta disso, então esse<br />
movimento pessoas que participavam desse movimento ain<strong>da</strong> moram lá. Algumas<br />
moram, outras pessoas nós perdemos, já faleceram, entendeu na comuni<strong>da</strong>de? Mas a<br />
luta mútua, era essa uma luta pra que os serviços públicos essenciais chegassem na<br />
comuni<strong>da</strong>de, que a gente sofrêssemos, então houve uma luta muito grande pra implantar<br />
as escolas lá né pra que os postos de saúde pudessem ter uma emergência, hospitais e os<br />
mercados por exemplo. Entendeu? Assim o povo ficava na loucura querendo que<br />
tivessem Cesta do Povo, ou tivesse um mercado, alguma coisa entendeu pra que<br />
pudesse comprar coisas lá, farmácias não tinha , então foi tudo na base de de<br />
conquistas,lá os serviços públicos chegaram em Cajazeira na base de conquista. Eu<br />
lembro quando chegou o telefone publico demorou tanto tempo pra chegar, quando<br />
chegou era aquele de ficha né um telefone pra Cajazeira to<strong>da</strong> entendeu? Você an<strong>da</strong>va<br />
um pe<strong>da</strong>ção pra poder fazer uma ligação e pegava uma fila imensa entendeu? E aí as<br />
vezes o telefone quebrava era um inferno! Depois colocaram dois telefones você<br />
contava o número de telefones públicos, hoje não é problema você chega numa esquina<br />
e até a outra tem telefone publico e depois nas casas também demorou muito né quer<br />
dizer aí ficava evidente que se você faz um planejamento de habitação, faz a casa, do<br />
bairro ao dormitório e você não dá nenhuma estrutura de serviço em torno, você cria um<br />
impacto negativo na quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> população. Foi o que aconteceu com a gente,<br />
quer dizer, desses 23 anos que eu moro em Cajazeira as coisas foram acontecendo<br />
gradualmente sempre com muita luta pelo bairro aí hoje você chega em Cajazeira, pô<br />
parece que uma ci<strong>da</strong>de mas pra chegar nesse parecer de ci<strong>da</strong>de de hoje né esse vinte e<br />
poucos anos foram vinte e poucos anos de disputa aí você passa por disputas também<br />
eleitorais e de partidos de .... ideológicas to<strong>da</strong> essa coisa que a gente sabe que acontece<br />
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nos movimentos e acontece na socie<strong>da</strong>de essa disputa é comum agora o que eu acho que<br />
é legal em Cajazeira é que independente dos seus lados como é era um lugar sem<br />
estrutura a luta foi pela estrutura e aí a estrutura é uma coisa que vai beneficiar a todo<br />
mundo né? Então acaba sendo uma coisa ... pra todo mundo agora a relação muito<br />
próximas <strong>da</strong>s associações e conselhos, isso tudo a direita, muito liga<strong>da</strong> assim uma coisa<br />
muito forte de Cajazeira com essa articulação dos partidos de direita e com alguns<br />
dessa...<br />
(N): Direita?<br />
(M): Do partido... do pessoal ligado a direita e e nós lá do do Renascer, e nós éramos<br />
pessoas muito críticas né. Então nós representou o movimento estu<strong>da</strong>ntil secun<strong>da</strong>rista<br />
né? Nesse período quando eu fui pra lá eu tava no Teixeira de Freitas fazendo o<br />
segundo grau, então não tinha como você conseguir participar de algumas coisas que<br />
você percebia, não essas... esses eventos maiores de protestos né algumas associações<br />
faziam movimento, algumas ativi<strong>da</strong>des e convi<strong>da</strong>vam a gente pra ... mas você sabia que<br />
aquilo ali era trabalho de cooptação e se não conseguisse cooptar, pelo menos você se<br />
queimava porque levava lá um candi<strong>da</strong>to desse aí, um cara <strong>da</strong> direita aí e ele fazia<br />
aquele discurso, todo mundo todo mundo beijava a nota ... aquela coisa sabe que não é<br />
legal <strong>da</strong> política. Então, apadrinhamento, favorecimento, hoje é muito chato isso aí, mas<br />
a gente se posicionou dessa forma inclusive essas pessoas que foram do Renascer que<br />
ain<strong>da</strong> moram lá são to<strong>da</strong>s pessoas de esquer<strong>da</strong>, agem de esquer<strong>da</strong> e fazem trabalho, eu<br />
sou professora, o André é professor filósofo, a gente faz um trabalho nessa linha<br />
entendeu e aí o movimento estu<strong>da</strong>ntil também me ajudou a muito no segundo grau,<br />
depois fui pra Facul<strong>da</strong>de de Economia, fui do DA de Economia, então fiquei sempre<br />
liga<strong>da</strong> ao movimento estu<strong>da</strong>ntil e ao movimento sindical. Também porque eu trabalhei<br />
no sindicato dos trabalhadores de limpeza urbana e a questão racial pra mim, né porque<br />
já nasci numa família, já nasci dentro do terreiro o Candomblé aqui tem um terreiro de<br />
Candomblé, a nossa educação enquanto pessoa de consciência de mundo era educação<br />
afro, que um pouco diferente dos nossos colegas lá do Renascer do nosso grupo na<br />
ver<strong>da</strong>de só quem é <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de de terreiro era só eu e minha irmã , os outros eram<br />
católicos , outros não eram na<strong>da</strong> e tudo isso, mas também isso provoca um diferencial<br />
porque aí a gente tinha é... Do ponto de vista a maior parte do grupo que era ligado a<br />
Igreja Católica. Por nós sermos de terreiro mamãe dizia não conta a ninguém que cês<br />
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vão no terreiro, não pó de contar entendeu? Era uma coisa vela<strong>da</strong> depois é que quando<br />
eu começo a estu<strong>da</strong>r pro vestibular e aquelas ... históricas, aquela coisa to<strong>da</strong> não, não<br />
tem nem porque que a gente vai ficar com esse negócio de não dizer que vai no terreiro<br />
que a gente nasceu no terreiro que a gente pertence a tradição e a gente assumiu isso<br />
assim, entendeu? Então a gente acabou assumindo, inclusive fazia intervenções no<br />
Renascer colocando essa reali<strong>da</strong>de nossa né que a gente quisesse convencer os outros,<br />
mas de que a gente não... não tinha que ter medo como minha mãe gostaria, que a gente<br />
revelasse que a gente pertencia a comuni<strong>da</strong>de do terreiro, entendeu? Na comuni<strong>da</strong>de e<br />
essa coisa de assumir estética também né com a <strong>da</strong>nça afro, trançava o cabelo,<br />
amarração essa coisa to<strong>da</strong> entendeu as meninas do grupo eram to<strong>da</strong>s negras, então as<br />
meninas tinham pelo manos cinco meninas que <strong>da</strong>nçavam nesse grupo que era do<br />
Renascer que <strong>da</strong>nçava no Oba Guiné, então isso ajudou uma delas depois foi até rainha<br />
do Olodum, quando o Olodum cantou Egito, foi a Deise né? Então assim a gente tinha<br />
essa... a Deise fez muita pesquisa histórica pra poder concorrer com a ...ganhou como<br />
rainha, era nossa vizinha então tinha troféu era um negócio todo entendeu? Nessa época<br />
aí e a gente ia muito, né? Assim a importância que os blocos afro tinham que era muito<br />
distante de Cajazeira, agora no São João , os sambas do Engenho Velho de Brotas iam<br />
pra Cajazeira logo quando a gente foi morar.<br />
(N): O samba?<br />
(M):É o samba duro era o Arte e Samba, aquele Samba Fama, a turma do Gerasamba,<br />
esses sambas antigos que no Engenho Velho de Brotas até hoje ain<strong>da</strong> um pouco disso<br />
no São João ao invés de sair quadrilha sai samba duro que é <strong>da</strong>í surge o Gerasamba que<br />
você vê hoje o Gerasamba, como é o nome do outro?...Companhia do Pagode. Na<br />
ver<strong>da</strong>de a origem deles lá pra trás é lá. Tinha o arrastão que era o Ninha que é hoje <strong>da</strong><br />
Timbala<strong>da</strong>, entendeu?<br />
(N): De Cajazeira?<br />
(M): Não eles eram do Engenho Velho de Brotas, mas quando chegava o São João<br />
alguns moradores dessa época foram morar em Cajazeira, entendeu? E, por exemplo o<br />
menino Samba Fama, o Robson ele é meu primo, o Arte Samba também...também é<br />
meu primo. Então teve um ano até que eles levaram o Arte Samba lá em Cajazeira.<br />
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Cajazeira sempre recebia no São João essa visita essa visita de algum samba do<br />
Engenho Velho de Brotas, uma coisa que hoje não existe mais. Cajazeira agora tem um<br />
samba que são no próprio bairro, tem Carnaval na sexta de Carnaval sai dois sambas lá<br />
de Cajazeiras, mais tinha um vizinho nosso chamado Caçote que ele é do Engenho<br />
Velho ele fazia articulação do samba, Caçote era do Engenho Velho e levava samba pra<br />
Cajazeira também então tinha isso em Cajazeira era certo São João desciam cinco<br />
samba ou dois do Engenho Velho armar ali na 10, fazia ali aquela movimentação e<br />
depois eles pegavam o ônibus ... que tavam com eles e iam embora. Então a gente tinha<br />
isso e fizemos um festival de arte e cultura em Cajazeira que eu acho que foi o único<br />
festival de arte e cultura que Cajazeira fez porque foi um momento propício, eu morava<br />
em Cajazeira e Bandeira que era diretor de teatro...<br />
(N): Em que ano foi mais ou menos?<br />
(M):Acho que foi em 85, parece que foi em 86, 87. Luís Bandeira, diretor de teatro, do<br />
teatro SESI, dirigia o teatro popular de rua. Então Luís bandeira morou lá, era nosso<br />
vizinho <strong>da</strong> 10 tinha um outro também era do teatro Joílson Nunes, chamado de Jói , de<br />
teatro também, ele era <strong>da</strong> Escola de Teatro <strong>da</strong> <strong>UFBA</strong> e um outro diretor de teatro , então<br />
eles como moravam na comuni<strong>da</strong>de e só iam lá dormir na ver<strong>da</strong>de né porque eles<br />
faziam espetáculo no teatro Santo Antonio no Canela as vezes a gente até assistia algum<br />
espetáculo deles e aí deu pra fazer alguma coisa de arte e cultura que cajazeiras tem<br />
algumas coisas aí nós fizemos o Festival de Arte e Cultura em Cajazeiras , ali em frente<br />
ao João Adélio não tinha uns prédios tinha umas quadras por trás fizemos naquele<br />
espaço ali e foi uma articulação boa que eles fizeram porque o pessoal que fazia mostrar<br />
o que o bairro faz. Então quem fazia artesanato levou , quem cantava teve um<br />
momento, recitar, cantar, <strong>da</strong>nçar, nós <strong>da</strong>nçamos inclusive, apresentamos <strong>da</strong>nça e o<br />
Samba Fama foi pra lá eu nem sabia que tinham convi<strong>da</strong>do eles, era meu primo eu não<br />
sabia, então a gente acabou achando muita graça quando a gente se encontrou lá na hora<br />
<strong>da</strong>... <strong>da</strong> apresentação, mas foi um momento importante de Cajazeira num período mais<br />
antigo e depois as escolas foram chegando. As escolas articulares né o pessoal botava<br />
uma salinha por não ter colégio para as crianças pequenas e essas escolas foram<br />
crescendo, hoje tem algumas escolas. O Sol Nascente é uma escola belíssima em<br />
cajazeira, quando... quando nós fomos pra lá depois logo foi logo que conseguiu Sol<br />
Nascente nós saímos algumas mercearias que era só no... no quartinho, um vão , tão lá<br />
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grandes hoje na comuni<strong>da</strong>de, tem outros comerciantes que faleceram, não estão mais lá<br />
e hoje a gente tem um monte de comerciante que não é de Cajazeira, que não tem na<strong>da</strong> a<br />
ver com a história de Cajazeira que chegam com loja estabeleci<strong>da</strong> bota filial porque<br />
Cajazeira é um mercado consumidor muito grande né mas a gente tem algumas...alguns<br />
estabelecimentos que é de gente de lá que foi pra lá também mas que conseguiu se... se<br />
estabelecer como comerciante no bairro.<br />
(N): E os outros movimentos você fala direita e tudo e os movimentos de esquer<strong>da</strong><br />
como é que é?<br />
(M):Aí Cajazeira assim tinha uma militância de esquer<strong>da</strong> em Cajazeira umas pessoas<br />
que são antigas em Cajazeiras umas pessoas que são antigas, por exemplo, Jaime<br />
Sampaio, faleceu, mas ele era do PT ... né morava lá na 10, então o Jaime, o Bonfim tá<br />
vivo ain<strong>da</strong>. O Bonfim que é do Sinergia né Bonfim eles articulavam muito né.Então eles<br />
faziam um movimento esse movimento de luta por transporte e com isso quando<br />
chegava as épocas eleitorais eles faziam todo o trabalho de esquer<strong>da</strong>. Tem Jandira<br />
também que é do PT, que mora lá também algum tempo né e fazia esse trabalho de<br />
esquer<strong>da</strong> e tem algumas pessoas que eu... que eu conheço , mais recente do PCdoB né<br />
mas o caso de Jaime e que e que era do movimento estu<strong>da</strong>ntil. Jaime tinha livros coisas<br />
fantásticas que a gente até pegava escondido porque ele não queria que a gente ficasse<br />
lendo os livros dele porque ele foi do período do repressão e ain<strong>da</strong> ficasse na mira<br />
do...<strong>da</strong> polícia. Então eu consegui os livros dele através de uma outra pessoa que é a<br />
professora Gal que era amiga dele, era mais velha então ele emprestava o livro pra ela e<br />
eu pedia a ela pra dá uma olha<strong>da</strong> nos livros, mas tinha umas coisas assim que ele não<br />
queria que nem a gente lesse com medo e tal , não medo <strong>da</strong> gente aprender mas que a<br />
gente falasse qualquer coisa e desse tudo errado mas eles fizeram um...um ponto de<br />
vista de esquer<strong>da</strong> essa movimentação também aconteceu no bairro hoje, o bairro tem<br />
isso, tem muita associação liga<strong>da</strong> a direita que... mas tem o movimento de esquer<strong>da</strong> essa<br />
turma petista que eu conheci nesse período logo quando eu fui morar, muito atuante<br />
também por exemplo o comitê de Lula , desde que Lula se candi<strong>da</strong>tou sempre teve em<br />
Cajazeira 10, sempre por causa de Bonfim, por cau<strong>da</strong> de Jaime. Depois Jaime morreu,<br />
Bonfim continuou fazendo isso e aí também outras pessoas foram chegando pro bairro<br />
que tinha... que tinha simpatizante do Partido dos Trabalhadores, outros...outros<br />
filiados e aí por fim agente hoje tem no bairro um alto , do PCdoB no bairro que tem<br />
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outra movimentação , também a turma do UJS, turma <strong>da</strong> Cajaverde tem ligação com o<br />
PCdoB que aí tem a movimentação <strong>da</strong> turma do PT eu acho que faz essa... um pouco de<br />
diferencial político né agora se tem um... um componente <strong>da</strong> discussão <strong>da</strong> questão racial<br />
que veio do bairro né eu acho que do ponto de vista do bairro como era antes do<br />
conjunto habitacional que a gente veio morar cê tinha uma presença real de negritude no<br />
bairro mas não com essa leitura que a gente faz né com a leitura que diz assim...uma<br />
leitura conceitual, mas a população que morava lá, ela conhecia que..que lá tinha ... eles<br />
tinham visões de pessoas com correntes nas pernas, gemidos, não sei o quê. Então<br />
quando a gente foi morar essas estórias a gente já ouvia que o povo dizia que pessoa<br />
acorrenta<strong>da</strong>, visagem né essas coisas assim e aí que lá tinha sido local que tinha escravo<br />
essas coisas to<strong>da</strong> a gente ouvia falar. Então as portas batiam de repente, isso acontecia<br />
também até lá em casa acontecia, a porta batia esses negócio todo. Então essa população<br />
anterior, a população em torno do Manso e por trás <strong>da</strong> barragem, lá de Águas Claras<br />
também que eram liga<strong>da</strong>s ao terreiro né , eles fizeram sua própria história eu acho né é<br />
uma coisa que acontecia, os cultos aconteciam entendeu? A essa relação de vizinhança<br />
deles nas festas que eles tinham lá quanto comuni<strong>da</strong>de sempre existia, nós é que fomos<br />
os intrusos , chegamos e aí hoje eu acho que o discurso, essa retoma<strong>da</strong> <strong>da</strong> questão negra<br />
em Cajazeira, a pedra <strong>da</strong> Onça não há na<strong>da</strong> de novo apenas é uma coisa que deve ter se<br />
nesse momento a gente tá se apropriando de uma coisa que existia antes era os terreiros,<br />
essas vilas, essas coisas que é um patrimônio que a comuni<strong>da</strong>de já tinha né que o<br />
conjunto vem e faz um divisor de águas, porque você tem um apartheid, um afastamento<br />
de quem tava no lugar construindo o local e quem chegou sem saber até pra onde tava<br />
indo, entendeu? Em determinado momento por observar o local e an<strong>da</strong>r no local a gente<br />
acaba chegando ao que hoje, quer dizer, você tentar resgatar a história do bairro quem tá<br />
resgatando é quem chegou lá depois porque quem tava lá não vai resgatar coisa<br />
nenhuma. Conhece a história, pode não conhecer o movimento, mas conhece aquilo ali,<br />
é o cotidiano <strong>da</strong>quela pessoa entendeu?Acho que... que assim algumas <strong>da</strong>s pessoas que<br />
conseguimos fazer contato lá que mora pero <strong>da</strong> barragem que conhece a história antiga<br />
de lá e não quer <strong>da</strong>r entrevista, inclusive porque ain<strong>da</strong> tem uma... um ranço antigo <strong>da</strong><br />
época <strong>da</strong> perseguição, facilitaram ... essas pessoas sabem muita coisa de Cajazeira, elas<br />
não querem é... é contar e se contam não querem ser fotografa<strong>da</strong>s, e nem identifica<strong>da</strong>s<br />
porque elas tem medo de ser identifica<strong>da</strong>s. Eu inclusive fui a Alagoinhas fazer uma<br />
palestra sobre Comuni<strong>da</strong>des Quilombolas e encontrei um senhor que trabalhou na... na<br />
central de abastecimento quando construiu a barragem de lá de Boca <strong>da</strong> Mata e eu vou<br />
15
fazer, um outro... um outro contato com ele porque ele disse pra mim o seguinte, eu tava<br />
comentando com... sobre a questão de Quilombos e falei do... do Buraco do Tatue ele<br />
disse- Olha eu trabalhei na cons... na época <strong>da</strong> construção <strong>da</strong> barragem e nós tivemos<br />
muito grande pra poder abrir as estra<strong>da</strong>s pra poder fazer a construção <strong>da</strong> Barragem<br />
porque a população de Cajazeira é muito resistente e aí sabe qual foi a... e nós fizemos<br />
muitas reuniões pra ver como é que a gente ia se aproximar deles e a gente numa dessas<br />
reuniões tivemos a idéia de que deveria alguma..alguns pra empregos alguns filhos<br />
deles em i<strong>da</strong>de de 18 anos pra conseguir se aproximar e foi isso que ele utilizaram, essa<br />
forma de se aproximar, dá emprego e não sei o quê e conseguir dialogar um pouco com<br />
a população que era nativa <strong>da</strong> região que hoje é a Barragem de Boca <strong>da</strong> Mata<br />
entendeu?- E eu fiquei de fazer um contato ele pra poder saber mais coisas e ele disse<br />
que sabe mais coisa, porque ele lá no período <strong>da</strong> construção to<strong>da</strong> <strong>da</strong> Barragem e aí ele<br />
disse ali tinha ... O povo <strong>da</strong>li, o nativo <strong>da</strong>quela região, eles sabiam sobre muito as coisas<br />
sobre o que foi ali e eles eram muito resistentes a quem entrava tinham medo muito<br />
grande e não gostavam de conversar muito entendeu , então eles achavam uma forma<br />
de se aproximar mais desse que foi um negócio muito dramático inclusive para<br />
população local e eu nem ninguém tinha dito isso eu achei essa pessoa e eu vou de ter<br />
contato porque ela é do território do litoral norte e era de Alagoinhas e eu peguei o<br />
contato dele pra procurá-lo depois para saber um pouco mais dessa população anterior e<br />
ao conjunto que somos nos quer chegamos depois, né?<br />
(N): Uhum!...É você começa a falar <strong>da</strong>s questões étnico-racionais você poderia falar um<br />
pouco mais sobre isso como é que começou como é que você percebe hoje?.....<br />
(M):Eu acho que teve um começo né, eu acho que não teve um começo eu acho que<br />
teve uma guanté..... tinha um momento depois teve uma descontinui<strong>da</strong>de na chega<strong>da</strong> do<br />
conjunto entendeu agora por exemplo é esses movimentos que nós fizemos a <strong>da</strong>nça afro<br />
na comuni<strong>da</strong>de, essa Feira de Arte e Cultura tinham várias pessoas, o pessoal <strong>da</strong><br />
capoeira sempre representativo lá quem era <strong>da</strong> capoeira já chegava lá fazia a ro<strong>da</strong> outra<br />
pessoa vinha então sempre teve essa movimentação <strong>da</strong> parte <strong>da</strong> cultura afro no bairro<br />
essa sempre existiu entendeu o que não tinha era discussão mais aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>da</strong> origem<br />
do bairro para quem chegou depois entendeu e ai eu acho que é esse momento que a<br />
gente ta vivendo nos estamos aqui no bairro essa população negra to<strong>da</strong> com essa<br />
dinâmica to<strong>da</strong> mais com Mata Atlântica em torno, com rios, com muito terreiro essa<br />
16
egião né depois muitos terreiros foram pra lá porque as pessoas não tinham mais<br />
espaço com árvores e com ruas e tudo aquilo em Salvador não tem mais espaço assim<br />
verde então também outros terreiros migraram para Cajazeira e acho que por conta<br />
dessas discussões to<strong>da</strong>s ai <strong>da</strong> questão negra esta sendo hoje mais abor<strong>da</strong><strong>da</strong> é que as<br />
pessoas começam a se tocar negros viviam até as vezes faziam algum tipo de<br />
manifestação cultural, mais porque mesmo, e esse lugar aqui? Quando se ... ah o lugar<br />
tinha quilombo o lugar tinha uma pedra então você vai criando é é fazendo suas<br />
avaliações mentais do passado como era o bairro e vai criando essa identi<strong>da</strong>de do bairro<br />
olha por exemplo dona Zulmira que é essa Ialorixá que faleceu , que na ver<strong>da</strong>de o<br />
nome dela não, é Ialorixá porque ela é do terreiro Angola que é o nosso, tava com<br />
quase cem anos morava ali a muito tempo em Cajazeira ela que tomou o nome de orixá<br />
<strong>da</strong> minha avó dona Zulmira pra mim sempre foi uma referência dentro <strong>da</strong> Estra<strong>da</strong> Velha<br />
dento <strong>da</strong> mata, a gente passava as vezes de ônibus até por dentro <strong>da</strong> Estra<strong>da</strong> Velha<br />
quando a gente ia pra casa <strong>da</strong> minha avó em Itinga, aeroporto aquele caminhão ali por<br />
dentro, tinha que fazer aquele caminhão , então sempre foi uma referência pra gente<br />
aquele lugar <strong>da</strong> Estra<strong>da</strong> Velha do Aeroporto e depois virou p praticamente Cajazeira que<br />
era a estra<strong>da</strong> velha do aeroporto entendeu essas pessoas tem uma identi<strong>da</strong>de eu li, aqui<br />
vem e constrói sua identi<strong>da</strong>de agora eu acho que as pessoas que são mais ligados com<br />
negócios tem uma outra relação na nosso caso a gente já tinha uma relação com<br />
Cajazeira o ontem deu ate por ela ser madrinha <strong>da</strong> minha vó tinha uma relação outras<br />
pessoas não que chegaram no bairro por conta <strong>da</strong> discussão de raça e a gente e a gente<br />
compreende também que é o maior serviço que tem em Salvador e em termo<br />
populacional e que aí a maior parte <strong>da</strong> população <strong>da</strong>qui do bairro é a população negra.<br />
Então Cajazeira tem a maior parte <strong>da</strong> população negra de Salvador entendeu?<br />
É um fato e as pessoas começam a reconstruir essas que vieram depois, ressignificar sua<br />
existência naquele lugar eu acho também que é isso, esse movimento e agora a<br />
movimentação é você se reaproximar desses outros que já estavam antes mesmo que<br />
eles não queiram ser identificados, entendeu? E você, você construir é uma, umas<br />
informações mais sóli<strong>da</strong>s <strong>da</strong> historia do local por que teve gente lá que nas escavações<br />
do conjunto achou potes de barro antigos com moe<strong>da</strong> dentro e jogou fora, entendeu?<br />
Como vou saber o valor histórico que tem aquela gente tem, então nesse momento faz<br />
esse trabalho de questão de identi<strong>da</strong>de étnica racial e resgata também a historia do<br />
Buraco Tatu que é uma historia não conheci<strong>da</strong> a não ter em nenhum livro didático, só<br />
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tem algumas algumas referências a ao Buraco do Tatu. Também, uma outra cosia que a<br />
gente tem precisa fazer, né? Uma coisa a gente sabe que tem relação com a Revolta dos<br />
Males e a gente vai ter que pesquisar melhor a repressão a Revolta dos Malês pra poder<br />
também chegar até o Quilombo Buraco do Tatu fui informa<strong>da</strong> essa semana de que tem<br />
um mapa do Quilombo do Tatu né que é...na ver<strong>da</strong>de a gente acredita que é uma coisa<br />
só que esse... é o Buraco do Tatu e estendia ali indo <strong>da</strong> região de Itapuã até a região que<br />
é 7 de abril. Ah, em 7 de abril tem um local que chama Buraco do Tatu, também...<br />
Então a gente...se é é por que é uma extensão dele, do Quilombo e isso tudo essa área ali<br />
por dentro até 7 de abril. Isso a gente tem essa noção, entendeu? Mas é uma coisa de<br />
pesquisa, acho que a gente que mora lá que vive no mundo acadêmico que também<br />
conhece tudo que ali é uma questão de pesquisa nós vamos ter que...e algumas<br />
informações arais né? Que as pessoas vivas podem contar pra gente escrever, não é<br />
reescrever, é escrever a historia do lugar não e reescrever a historia do local entendeu?<br />
Eu acho que por aí esse movimento agora é forte até por questão racial hoje é uma<br />
questão de debate, né? Ta em mo<strong>da</strong>, porque eu digo ta em mo<strong>da</strong>, ela pode cair <strong>da</strong> mo<strong>da</strong>,<br />
quer dizer tá em mo<strong>da</strong> mas a gente tem que aproveitar essa mo<strong>da</strong>, quer dizer pra nós não<br />
é mo<strong>da</strong> porque a gente já ta fazendo essa esse trabalho isso vai passar a mo<strong>da</strong> a questão<br />
racial vai passar, vai vim outra temática agora, nós temos também dentro do bairro uma<br />
questão ambiental a gente vai chegar no momento em que as comuni<strong>da</strong>des de terreiros<br />
são comuni<strong>da</strong>des diretamente liga<strong>da</strong>s à questão ambiental normalmente os terreiros de<br />
cajazeiras tem terreiros, extensões muito grandes com lagoas nos seus terrenos vizinhos,<br />
nascente de rios, entendeu? Cajazeira tem uns 15 terreiros que tem uma área<br />
considerável, entendeu? De Mata Atlântica e de nascente de lagoas e tudo dentro desses<br />
terrenos e tudo desses terrenos, então hoje pra gente analisar do ponto de vista <strong>da</strong><br />
questão ambiental é outro aspecto. A gente já começa a ver na área do conjunto quando<br />
a gente sobe nos mais altos do bairro e fotografa que onde tem muitas arvore ou é<br />
alguém ligado a um terreiro de candomblé, um filho de um terreiro.... que mora numa<br />
casa que faz aquele reproduz o clima e ambiente de um terreiro. Isso a gente já<br />
conseguiu perceber as pessoas perdem a tradição de plantar arvores, jardins essa coisa<br />
to<strong>da</strong> e aí fez aquela coisa do concreto no bairro amplia as casas de concreto e aí quando<br />
você olha de longe vê aquela quanti<strong>da</strong>de de copas de arvores mais bem que quando a<br />
gente vai checar realmente é um terreiro ou é alguém que pertence aí a uma tradição<br />
afro né, porque aí tem também uma outra relação né, as outras religiões não trabalham<br />
18
natureza no seu universo simbólico do ponto de vista ritual então os templos dessas<br />
religiões as vezes não tem nem uma arvore de junto entendeu? Por que não tem essa<br />
relação, então isso aí eu acho que nessas nessa historia de Cajazeira a questão ambiental<br />
com a Mata Atlântica são duas bacias hidráulicas também Ipitanga e Jaguaribe isso nos<br />
favorecem, nos preocupa porque o bairro hoje é uma .....acima <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de então tem uma<br />
corrente de habitação e as casas vão chegar mais ain<strong>da</strong> pra lá e agente também ta sendo<br />
cercado pelos grandes empreendimentos imobiliários o Alphaville 2, né. A gente não<br />
sabe até onde vai parar isso, o que a gente tem feito no bairro é que a partir dessa<br />
identi<strong>da</strong>de do ponto de vista histórico <strong>da</strong> fé, <strong>da</strong> história do Quilombo e do ponto de vista<br />
ambiental unir as duas coisas e tentar ver o que a gente consegue salvar <strong>da</strong>li eu falo do<br />
ponto de vista mesmo do meio ambiente em torno <strong>da</strong> área.<br />
(N): E qual foi a história... qual a história, qual foi ... qual é a história do Quilombo?<br />
(M):Bom, o que a gente sabe é que a área <strong>da</strong> Cajazeira era uma fazen<strong>da</strong>, produção de<br />
cana, disse que tinha uma produção de cana muito grande <strong>da</strong> cana-de-açúcar to<strong>da</strong> aquela<br />
região ali era ficava dividido entre casa grande e senzala, essas coisas to<strong>da</strong>s que ... e que<br />
nessa região que tem a pedra hoje, a Pedra <strong>da</strong> Onça, porque dizem que tinha muita onça<br />
no local então eu morava ali é... Pedra do Buraco do Tatu, porque a pedra era submersa<br />
e pra ver a pedra você só via a ponta <strong>da</strong> pedra, né aqueles...aquelas... aqueles montes<br />
laterais ali depois que fechou a pista é que você terraplanou mas se você olhava de<br />
longe algumas pessoas que alcançaram isso chegou até mais que a gente porque a gente<br />
via de longe só o ponto <strong>da</strong> pedra entendeu <strong>da</strong>quilo tudo que a gente vê hoje ali ficava<br />
tudo debaixo <strong>da</strong> mata e de e <strong>da</strong> água e então os escravos tinham um caminho, uma rota<br />
conheci<strong>da</strong> de fuga que eles mergulhavam não agüentavam mais mergulhavam passavam<br />
na fen<strong>da</strong> ali por baixo isso era por mergulho e passava pro outro lado então era difícil<br />
achar entendeu mais dizem que era um local de difícil acesso só fazia mesmo na água,<br />
tomando coragem mergulhando e aí ficou muito tempo instalado ali sem que ninguém<br />
conseguisse pegá-los até o período de <strong>da</strong> Revolta dos Malês né dizem que... que a área<br />
do Abaeté o quilombo do Abaeté é o último reduto do esconderijo dos Malês.<br />
Então quando a milícia chegou naquela, naquela cavalaria montado, chegou na região<br />
do Abaeté conseguiu visualizar as ... do Buraco do Tatue aí ele... eles<br />
fizeram...dizimaram o Quilombo do Abaeté, a história do Quilombo do Abaeté que em<br />
19
si já uma seria atroci<strong>da</strong>de, lá dizimou completamente o que foi e que foi o que eles<br />
foram fazer no Buraco do Tatu entendeu e aí as populações que moram hoje no em<br />
torno ali <strong>da</strong> Barragem de a <strong>da</strong> Mata e no Coqueiro Grande as pessoas acreditam que são<br />
remanescente de do quilombo mas que a maior parte <strong>da</strong> população do quilombo foi<br />
extermina<strong>da</strong> mesmo né porque na... dos Malês, eles enforcavam, fuzilavam e uma parte<br />
eles pra África. Então eles reprimiram muita gente e qualquer local que tivesse reduto<br />
de negros, que eles pensassem que podia fazer de novo uma correção naquele nível eles<br />
dizimavam. Então disse que... que a história tá relaciona<strong>da</strong> a Revolta dos Malês é uma<br />
coisa que vai ter que pesquisar né a gente vai ter que se debruçar nos... nos históricos aí<br />
dos Malês na... na época <strong>da</strong> repressão dos pontos do esconderijo pra chegar até aí eu<br />
acho que a gente pra conseguir chegar vai ter que se debruçar em papéis cheio de pó<br />
mas por ai então a pedra fica como símbolo né que muitos moradores antigos já<br />
conheciam e quem conhecia mesmo era o pessoal do culto afro, pessoal do culto afro<br />
que conhecia a pedra, como tem outra pedra na Fazen<strong>da</strong> Grande 2, que agora já tá<br />
exposta e quem... e quem conhecia essa... tem outra na 10 também por trás<br />
<strong>da</strong>quele...<strong>da</strong>quela piscina de tratamento que quando eu fui morar na 10 as pessoas<br />
falavam assim tem uma pedra que aqui atrás e eu cheguei até ir na 10 e ela tá lá até hoje<br />
é uma coisa muito bonita mas ela fica no meio de mato e <strong>da</strong> terra que você não<br />
consegue visualizar direito mas são pedras imensas então Cajazeira tem uma... uma<br />
geologia muito peculiar de ter uma... uma assim... uma pedra grande que aparece no<br />
local como se fosse plota<strong>da</strong>, não é uma cordilheira aparece aí então . tem uma na 2<br />
também que é menor que a do Buraco do Tatu que tem a mesma característica e essas<br />
que tem no fundo de Cajazeira 10 é um pouco assim também eu acho que não vão<br />
aparecer mais na medi<strong>da</strong> que as pessoas vão an<strong>da</strong>ndo mais vão... conversando mais tem<br />
gente que sai mas não conheceu ninguém que viu uma pedra assim aí quando a gente<br />
fala assim Buraco do Tatu aí às vezes você tirou foto comigo olha essa aqui é perto <strong>da</strong><br />
minha casa eu não conhecia outra...entendeu. Essa <strong>da</strong> 10 eu já sei porque eu já fui, A<br />
gente nunca fotografou essa <strong>da</strong>í, a gente precisa fotografar essa <strong>da</strong>í <strong>da</strong> 10 entendeu? Eu<br />
acho que na Cajazeira naquele em torno deve ter mais coisa que a gente também<br />
desconhece ... feito acho que tem quase duzentos fotos... Cajazeira tem muita coisa a<br />
gente pra... pra ca<strong>da</strong> local que a gente vai ter que fazer um novo... de i<strong>da</strong> pelos locais pra<br />
fazer fotografia lá também.<br />
(N): E qual sua atuação em Cajazeira hoje?<br />
20
(M):A minha atuação em Cajazeira continua sendo educadora na comuni<strong>da</strong>de, né eu<br />
tenho uma sala no centro comunitário onde eu faço minhas ativi<strong>da</strong>des. Não consigo<br />
fazer minhas ativi<strong>da</strong>des como antes porque antes eu ensinava lá em duas escolas em<br />
Cajazeira e agora depois que eu vim pra esse ano eu to fora <strong>da</strong>s escolas de lá.<br />
(N): O que você faz aqui?<br />
(M):Aqui eu sou coordenadora <strong>da</strong> articulação racial né que aí é a coordenação que trata<br />
com os movimentos raciais de todos os sedimentos no Estado todo. E vim muito pra cá<br />
pela experiência quer dizer vim do movimento sindical mas... era do terreiro fui do<br />
grupo de <strong>da</strong>nça essa coisa to<strong>da</strong>, tinha capoeirista também e aí a gente entra em contato<br />
com vários sedimentos dá essa experiência pra tá articulando aqui na secretaria mas na<br />
comuni<strong>da</strong>de eu ensino até hoje e às vezes quando eu não tenho tempo as mães bate na<br />
minha porta que aí a gente acaba arrumando tempo pra poder conversar porque não é<br />
ensinar a disciplina que a pessoa precisa mas também pra quem acredita numa<br />
pe<strong>da</strong>gogia né, na pe<strong>da</strong>gogia <strong>da</strong> educação naquela coisa de você construir indivíduos<br />
críticos.<br />
Então a gente trabalha assim: tudo que acontece no mundo a gente discute com os<br />
meninos, se a aula do menino for só de matemática de acordo com as i<strong>da</strong>des conversar<br />
<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de né, conversar <strong>da</strong> importância do lugar que mora <strong>da</strong> importância <strong>da</strong> pessoa<br />
no mundo e vários temas que são pertinentes pra discutir então esse foi sempre foi o<br />
trabalho aí portanto inclusive nasceu em Cajazeira uma coisa que poucas pessoas falam<br />
a idéia do que é o construtivismo que na ver<strong>da</strong>de a idéia foi minha e do Zé de Brito que<br />
nos éramos colegas na época e fizemos parte depois do Renascer desse grupo ...em<br />
Cajazeiras eu quando vim pra... pra universi<strong>da</strong>de ... de economia, FACEBA aí nos<br />
criamos um grupo chamado Juventude Negra lá no centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de então esse<br />
Juventude Negra tinha gente de todo quanto é bairro . Então inicialmente eu... eu era a<br />
única que tava na universi<strong>da</strong>de depois... a entrar de... de negros na universi<strong>da</strong>de então as<br />
pessoas do grupo ca<strong>da</strong> uma foram fazendo seus cursos estu<strong>da</strong>ndo e foram passando no<br />
vestibular chegou determinado momento que o que a gente mais se reunir isso 87, 88,<br />
89. A gente não conseguia mais se reunir, então o que a gente fez? A gente dissolveu a<br />
reunião, inicialmente a reunião era na Biblioteca Central dos Barris, depois<br />
21
a polícia ficava ro<strong>da</strong>ndo muito por ali e ain<strong>da</strong> tava muito próximo ao período do regime<br />
militar, a gente acabou ficando se reunindo na sede do PT, no Tororó porque pelo<br />
menos duas pessoas do grupo já tavam filia<strong>da</strong>s ao PT e aí quando a gente dissolveu<br />
nossas reuniões a gente fez um juramento que a gente um dia se reuniria pra criar um<br />
pré vestibular pra negros né. E a gente cumpriu o prometido, a gente parou de se reunir<br />
em 89, e quando chegou em 92 nós de novo nos reunimos pra reatar e aí a primeira<br />
reunião foi lá na minha casa, foi eu e o Jadir né a gente foi na casa <strong>da</strong> professora Gal<br />
também depois conversou um pouco sobre isso, ela é do PT também Graça, Maria <strong>da</strong>s<br />
Graças aí depois a gente convidou outros membros do Juventude, dos ex-Juventude e a<br />
gente decidiu que aquela idéia que a gente tinha jurado a três anos atrás. A gente ia fazer<br />
, fazer então aí começamos fazer as reuniões e alguns de nós já conhecíamos outras<br />
pessoas na universi<strong>da</strong>de né, outros negros também pensavam assim e a gente foi<br />
trazendo quem a gente conheceu no caminho que pensava que isso era legal a gente foi<br />
trazendo, e a gente conseguiu. Aí acabei o curso de Economia, aí fiquei fora um tempo<br />
seis meses depois ... de candomblé e quando a gente voltou, a gente disse “Vamos fazer<br />
agora? Vamos!” Entendeu? Então vamos! A gente marcou a reunião com o Juventude<br />
trouxemos essas outras pessoas e aí acabou que nós..dezesseis pessoas criaram , né?<br />
Fizeram a reunião inicial <strong>da</strong> criação quer depois de varias reuniões teve uma que a gente<br />
disse assim a gente cria hoje! Então foram dezesseis pessoas ali naquele jardinzinho de<br />
Economia <strong>da</strong> <strong>UFBA</strong>, foi a nossa reunião de criação <strong>da</strong> Cooperativa de Pré-vestibular pra<br />
negros que hoje é a Steve Biko, entendeu? Aí depois <strong>da</strong>li a gente continuou com essa...<br />
essa perspectiva né de ficamos funcionando no DCE <strong>da</strong> <strong>UFBA</strong>, que na época o Jadir<br />
era do DCE <strong>da</strong> <strong>UFBA</strong>, fazia Direito na <strong>UFBA</strong> e aí o DCE cedeu uma sala pra gente lá<br />
no DCE e a gente ficou nas primeiras turmas ... lá no DCE <strong>da</strong> <strong>UFBA</strong> depois foi<br />
mu<strong>da</strong>ndo de lugar até chegar depois nos Barris a nós... um itinerante em termos de<br />
local, mas assim que na época que a gente pensou nisso, a gente pensava que todo<br />
mundo do grupo tinha que ir pra universi<strong>da</strong>de. Então quando a gente dissolveu tinham<br />
três que não tinham ido pra universi<strong>da</strong>de, era minha irmã o Valdo... e que é o que<br />
trabalha hoje na assessoria de Miro Coroa em Assembléia e Osmário né? Mas aí depois<br />
nós quando criamos a Cooperativa, foram nossos alunos inclusive esses três do grupo<br />
que não tinham passado depois ... passou pra Nutrição, Osmário pra Engenharia<br />
Sanitária e Valdo pra Sociologia na <strong>UFBA</strong>. E aí todo mundo que foi do... do Juventude<br />
Negra entrava na <strong>Universi<strong>da</strong>de</strong>. Então a gente conseguiu alcançar a nossa meta de grupo<br />
agora e a gente alcançar a meta <strong>da</strong> idéia de cooperativa ea gente se debruçou<br />
22
no primeiro ano, uma turma ficou tomando conta <strong>da</strong> cooperativa e aí surgiu a idéia do<br />
primeiro Seminário Universitário Negro que é o SENUN. Então uma parte ficou pra<br />
fazer o primeiro SENUN e a outra ficou pra coordenar a Cooperativa, e eu fiquei pra<br />
coordenar a cooperativa estu<strong>da</strong>ntil e os outros ficaram organizando o primeiro... que<br />
aconteceu também o primeiro... né mais difícil foi o segundo que aconteceu, mas não foi<br />
do jeito do primeiro e aí gerou o SENUNBA que é o Estu<strong>da</strong>nte Negro <strong>da</strong> <strong>UFBA</strong>, <strong>da</strong><br />
Bahia e tem agora o NEMO né que é Núcleo de Estu<strong>da</strong>ntes que são tudo ex-alunos<br />
nosso esses meninos...<br />
Tem uma cota, tem Valdina que é <strong>da</strong> Católica, são ex-alunas que passaram nesse<br />
processo todo então a gente fez um na ver<strong>da</strong>de isso criou, se enraizou né a nível do... de<br />
Salvador essa idéia de pré- vestibular pra negros depois no..no Rio de Janeiro, foi Davi<br />
que... que criou o pré-vestibular pra negros e carentes aí acabou a gente recebeu o<br />
prêmio de na... e as coisas foram acontecendo mas...<br />
(N):... deve ter acompanhado mais<br />
(M): Surgiu muitos... muitos pré-vestibulares com a força educacional a Conexão XXI,<br />
que foi depois Penildo que...que alguns professores nossos ensinavam no Conexão XXI<br />
entendeu? Eu fui no Conexão, um dia fazer uma palestra e quando juntou as turmas<br />
to<strong>da</strong>s sobre consciência negra ali naquele... Joana Angélica no sábado entendeu, foi...<br />
botou aquele filme na Rota dos Orixás que...então a gente ficou fazendo esse trabalho e<br />
foi criando outras..outras iniciativas na ci<strong>da</strong>de de pré-vestibulares alternativos né hoje<br />
tem um ... educacionais na ci<strong>da</strong>de tem um monte de coisa... quando a gente pensou em<br />
criar a Cooperativa não pensou a dimensão que o negócio alcançava, de fato acho que<br />
ela não alcançou, não foi <strong>da</strong> forma que a gente queria ain<strong>da</strong> ideal, o nosso pensamento<br />
inicial ain<strong>da</strong> é ideal, a gente não conseguiu realizar não mas eu acho do ponto de vista<br />
de deslanchar um processo de conscientização pra questão de negro tá na universi<strong>da</strong>de e<br />
trabalhar nessa perspectiva de fazer um diferencial isso é importante hoje eu avalio<br />
depois dos quinze anos que foi muito importante isso.<br />
(N): E voltando a questão <strong>da</strong> Agen<strong>da</strong> 21 aqui tem uma reportagem falando <strong>da</strong> ligação <strong>da</strong><br />
questão <strong>da</strong> agen<strong>da</strong> 21 com a Pedra <strong>da</strong> Onça, qual a relação, como é que... como é que<br />
você vê esse movimento pelo tombamento <strong>da</strong> pedra, como é que é isso?<br />
23
(M):Bem, a Agen<strong>da</strong> 21 de Cajazeiras ela é uma proposta que... que nós colocamos na<br />
pauta de ações participativas né, participativa então é... por os compreendermos também<br />
a gente acompanha o movimento social, socioambiental e a Rio 92 essas coisas to<strong>da</strong>s...e<br />
ter essa sensibili<strong>da</strong>de no bairro acho que gente tinha sensibili<strong>da</strong>de no bairro de pessoas<br />
que já entendia a questão a falta <strong>da</strong> questão ambiental e mas o pessoal do nosso grupo<br />
essa... essa relação com a questão <strong>da</strong> região <strong>da</strong> que habitamos então nós fizemos um<br />
acordo com as lideranças de que <strong>da</strong>s quatro obras que o prefeito disse que a gente<br />
poderia eleger em Assembléia publica um a <strong>da</strong>s propostas <strong>da</strong> Agen<strong>da</strong> 21, que foi uma<br />
proposta praticamente de consenso. Inicialmente as pessoas perguntavam o que é<br />
Agen<strong>da</strong> 21, e tal. Mas quando falava a questão ambiental, a questão ambiental é um<br />
consenso as pessoas entendem que tem que... entendeu? Preservar o meio ambiente,<br />
compreende que o bairro de Cajazeira é diferente de muitos bairros que tem na ci<strong>da</strong>de<br />
né? Por ter esse privilégio de ter em torno rios e lagoas e a barragem e aí a gente<br />
conseguiu aprovar, na ver<strong>da</strong>de a prefeitura deveria implementar as quatro obras <strong>da</strong><br />
Agen<strong>da</strong> 21, aju<strong>da</strong>r a implementar e implantar o centro cultural que depois foi<br />
substituído pela Escola Municipal de Jaguaribe o.... Centro Esportivo e o Mercado<br />
Popular que regularia a feira que divide Cajazeiras, mas nenhuma <strong>da</strong>s quatro coisas<br />
foram implementa<strong>da</strong>s na ver<strong>da</strong>de no orçamento 2006 mas a agen<strong>da</strong> a c comuni<strong>da</strong>de<br />
abraçou e atendeu nos articularmos na comuni<strong>da</strong>de essa sensibili<strong>da</strong>de e ai muitas<br />
pessoas são nossas parceiras <strong>da</strong> agen<strong>da</strong> construiu, nos aju<strong>da</strong>ram a construir a agen<strong>da</strong><br />
depois agente seguiu os passos do Ministério do Meio Ambiente porque pela primeira ...<br />
pela questão de capacitação de multiplici<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Agen<strong>da</strong> 21 local nós passamos por<br />
essa capacitação, eu a Marta <strong>da</strong> Agen<strong>da</strong> 21, o Kílson, os meninos que são de Cajazeira.<br />
Kílson, Pablo, Paulo Camardeli teve um outro também, então nós passamos... pegamos<br />
certificados do MMA como multiplicadores de Agen<strong>da</strong> aí fazemos aqueles seis pas...<br />
fizemos os passos que vem na estrutura do Ministério do Meio Ambiente, criamos o<br />
Fórum, né fizemos um levantamento, assim pedindo a associações e conselhos de<br />
moradores ou qualquer outro tipo de grupo ou pessoas individuais a apresentar a<br />
Agen<strong>da</strong> 21 as deman<strong>da</strong>s ambientais ... dos seus locais fizemos uma pesquisa de mil<br />
questionários sobre a situação socioambiental de Cajazeiras já tabulamos a metade, tem<br />
até uns <strong>da</strong>dos estatísticos aí a gente transformou em gráficos e apresentou isso no<br />
Seminário e...tiramos vinte medi<strong>da</strong>s de resolução <strong>da</strong> reforma <strong>da</strong>s matas e vinte medi<strong>da</strong>s<br />
de resolução <strong>da</strong>s águas de Cajazeiras, seguindo um plano de ação de ... Agen<strong>da</strong> 21 e aí<br />
24
nós temos um plano curtíssimo, curto, médio e longo prazo a questão <strong>da</strong>s<br />
implementações desse plano de ação. Curtíssimo prazo a gente se preocupa... preocupa<br />
mais com a questão <strong>da</strong> educação ambiental a gente faz isso com a visita de... faz isso<br />
também com mini palestras em vários os locais. Em relação a curto prazo é a relação<br />
com os órgãos públicos né com a questão de saneamento básico com bairro tem vários<br />
loteamentos sem saneamento básico, sem infra-estrutura. Então Embasa e a prefeitura<br />
através <strong>da</strong> SUCAP então a gente faz essa intervenção né tem a... a questão <strong>da</strong> limpeza<br />
dos córregos que...que algumas de...de de o pessoal <strong>da</strong> Limpurb que faz tem outras<br />
coisas que é a Embasa que faz, tem uma...uma divisão entre os órgãos e a Sumac, então<br />
a gente man<strong>da</strong> o oficio dos <strong>da</strong>dos e a SMA pra acompanha a gente, a Semac Secretaria<br />
do estado também pra acompanhar.<br />
A médio prazo tem algumas coisas que a população que é esse diagnostico é feito<br />
participativo então os seminários são abertos qualquer pessoa pode participar<br />
apresentar, apresentar proposta depois a gente chamou um segundo seminário pra poder<br />
a gente pra..a população dizer se a população achava se aquela medi<strong>da</strong> poderia ser<br />
resolvi<strong>da</strong> no curto, no médio ou no longo prazo. Foi a própria população que disse..que<br />
achava que achava depois de fazer uma avaliação técnica de viabili<strong>da</strong>des se o que ele<br />
determinou se dá pra resolver depois a gente apresentou resultado, esse seminário de<br />
plano de ação demorou três... foram quase três meses, três seminários pra construir e<br />
depois apresentar um retorno pra população, ,pra gente viver com as águas e matos com<br />
os prazos. E aí o ano passado a gente começou a implantar o plano de ação. Aí a<br />
educação ambiental, nós participamos ativamente de ações em outros birros também<br />
...Itapuã seminário a gente participa, a Bacia de... de Pituaçu, recentemente o pessoal d a<br />
Boca do Rio chamou a gente lá, PDDU nós fizemos uma articulação no PDDU. Demos<br />
a entra<strong>da</strong> no Ministério Publico em documentos com ... em Salvador que acabou sendo<br />
sanciona<strong>da</strong> aí...vai haver outra correria agora. O Alphaville solicitamos ao CRA a planta<br />
do Alphaville ... os <strong>da</strong>dos todos do Allphaville a gente.. o CRA respondeu pra gente<br />
agora na..na... na questão <strong>da</strong>... <strong>da</strong>... porque a gente nunca respondeu . O ano passado a<br />
gente compôs a caminha<strong>da</strong> do... do... as comuni<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Estra<strong>da</strong> Velha do Aeroporto,<br />
são mais de doze bairros ali <strong>da</strong> Estra<strong>da</strong> Velha a gente compôs essa caminha<strong>da</strong> também<br />
entendeu? Acompanhou as reivindicações de estrutura pra to<strong>da</strong> aquela região <strong>da</strong> Estra<strong>da</strong><br />
Velha do Aeroporto, entendeu e a questão ambiental <strong>da</strong> Mata Atlântica a gente<br />
participa também quer dizer <strong>da</strong>s... <strong>da</strong>s articulações de umas associações mas a maior<br />
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parte <strong>da</strong>s associações do bairro faz parte do nosso foco só que elas não ficam, assim<br />
to<strong>da</strong> semana a gente faz reunião não ficam direto mas nos seminários essas lideranças<br />
to<strong>da</strong>s aparecem independente de lado entendeu todo mundo vai nos seminário nosso<br />
participam e a gente conseguiu dentro do bairro ter essa... esse respeito <strong>da</strong>s pessoas<br />
porque a gente não trabalha com a questão partidária então a gente sempre coloca a não<br />
é uma questão partidária é uma questão socioambiental do bairro e a gente não vai<br />
entendeu? É aberto qualquer pessoa pode participar.<br />
(N): E aí onde que entra a Pedra do Buraco do Tatu?<br />
(M):Entra pelo reconhecimento ambiental nós fizemos um..um levantamento ambiental<br />
de alguns locais fotografados então por isso a gente tem essa... essa quanti<strong>da</strong>de de fotos<br />
enormes, fazemos essas fotos do bairro como é que você... é a Agen<strong>da</strong> 21 local e você<br />
quer fazer diagnóstico pra matas e águas, quer saber também os local que você tá, fazer<br />
um levantamento. A gente sabe que é Mata Atlântica ... sabe, a gente sabe também que<br />
tinha muitas cachoeiras que já foram... desapareceram ... Então a gente precisava ir até<br />
os locais, fotografar os locais, conhecer as pessoas, conversar entendeu que... que assim<br />
Cajazeira deve ter o que... dez loteamentos que não tem saneamento nem infra-<br />
estrutura.Então muitas pessoas vêem Cajazeira como conjunto residência <strong>da</strong> Urbis e<br />
não é isso Cajazeira... era isso ... era a população que não tinha essa estrutura, com<br />
pavimentação e tudo isso tem nas... nessas algumas áreas verdes que foram lotea<strong>da</strong>s,<br />
loteamentos e também loteamentos e também ocupações, invasões que não tem essa<br />
estrutura, entendeu? Então ele é um bairro muito complexo, mas que tem uma área<br />
enorme sem saneamento básico e nem infra-estrutura como é que você pode discutir a<br />
questão de <strong>da</strong> preservação ambiental onde não tem saneamento? É uma contradição!<br />
Como é que você salva uma lagoa, como aquela lagoa <strong>da</strong> 11, que a gente tem a foto no<br />
terreno Santo Antônio se a rua <strong>da</strong> lagoa é uma rua que não tem saneamento que as<br />
pessoas canalizam o esgoto <strong>da</strong> rua você não salva a lagoa. Então as ações tem que ser<br />
ações integra<strong>da</strong>s, né a gente tem a contradição de trabalhar meio ambiente com a<br />
questão <strong>da</strong> especulação imobiliária, é complicado né aí a gente tem outro problema que<br />
se você não tem estrutura básica de saneamento, o aceitamento pra trabalhar com a<br />
questão ambiental é muito difícil, o fumacê passa lá na rua, eu moro no loteamento...<br />
Parque São Jose que não tem saneamento, o nosso... a nossa obra vai integrar parte do<br />
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orçamento do governo federal, já foi agen<strong>da</strong>do ali nessa revista aqui ó Trobogy, vai<br />
entrar agora entendeu? Como é que você vai combater a dengue combater uma serie de<br />
outras doenças entendeu? Os agentes de saúde no município eu digo lá na porta e o<br />
fumacê, aí depois vai embora e o cheiro fica na minha porta, não tem lógica, entendeu?<br />
Aí a...a... a pedra vem nesse reconhecimento ambiental de lugar. Que é que o local tem<br />
importante na área ambiental. Isso... isso... e isso ... A pedra também ... geológica, mas<br />
ela tem um valor histórico. Então a gente une o valor ambiental ao valor histórico que<br />
ela tem.<br />
(N): O que é que vocês...que tipo de ação vocês tem tido em relação a Pedra?<br />
(M): Na Conferencia \municipal do Meio ambiente, na primeira de 2005nós fomos<br />
delegados <strong>da</strong> conferencia né? Não somente nos <strong>da</strong> Agen<strong>da</strong> 21 mo caso de Quílson, o<br />
pessoal que é <strong>da</strong> Cajazeira, t6ambem foi delegado <strong>da</strong> Conferência e a Cajazeira faz<br />
parte do Fórum <strong>da</strong> Agen<strong>da</strong> 21. Então nós fomos delegado <strong>da</strong> Conferencia e... e a<br />
questão do Parque Ecológico aí a gente defendeu isso na Conferencia enquanto<br />
delegados defendemos o loteamento <strong>da</strong> Pedra tá lá na Cartilha do Meio Ambiente né<br />
a... a construção do Parque Ecológico de Cajazeira, também tá lá na cartilha o o<br />
tombamento <strong>da</strong> pedra como patrimônio histórico e ambiental de Cajazeiras e também<br />
indicação <strong>da</strong> pedra como como idéia de conservação, só que aí durante esses dois anos,<br />
ou quase três dessa conferencia não teve na<strong>da</strong> assim de ação governamental nesse pra<br />
poder fazer valer o que nós colocamos na Conferência de 2005, então agora na Pré<br />
Conferência é... de Meio Ambiente ... conferência que se chama DDA, nós fizemos uma<br />
moção de cumprimento que é solicitar ao SMA e os órgãos competentes o cumprimento<br />
do que foi deliberado na Conferência de 2005 a gente colocou os três itens que são esse<br />
que eu acabei de falar entendeu e agente levou isso pra municipal e estamos isso no<br />
próximo dia 16 pra Estadual do Meio Ambiente vai ser agora 16 a 18 agora só que<br />
como nós estamos numa fase de quinto passo de monitoramento nós estamos<br />
preparando um seminário pro dia 23 de abril e aí nós vamos... vamos tá convi<strong>da</strong>ndo os<br />
órgãos públicos que inclusive sempre Participa, o SMS e o SMA pra...e o SRH também<br />
participa pra solicitar certificação pública né...o...o...a SMA, agente vai pedir...vai<br />
solicitar a SMA nesse evento a certificação <strong>da</strong> Agen<strong>da</strong> por cumprimento de todo plano<br />
de ação de ...de espaço (que a SMA é...) é sistematiza<strong>da</strong> que tem que ter pra o MMA na<br />
ver<strong>da</strong>de assim agente teve até uma reunião com o Sergio Bueno que é o coordenador <strong>da</strong><br />
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Agen<strong>da</strong> 21 de 2006 lá no MMA e acho que nós somos a única ren<strong>da</strong> do Brasil, que é<br />
uma ren<strong>da</strong> de OP?<br />
(N): OP?<br />
(M):Orçamento Participativo. Né, acho que eles dizem que agente não...não tem outra<br />
experiência no Brasil de uma Agen<strong>da</strong> 21 que veio de orçamento participativo<br />
denominado pra população, isso é legal pra gente é um....coisa boa.<br />
(N): Me descreva o seguinte: Cajazeiras é um bairro, é uma uma rua, o que é<br />
Cajazeiras?<br />
(M):Cajazeiras é um complexo residencial . Acho que, porque assim, se você falasse<br />
Cajazeiras antes, Cajazeira era um bairro. Olha a noção. Depois eles fizeram as<br />
Cajazeiras com Fazen<strong>da</strong> Grande 1, com...com Boca <strong>da</strong> Mata, com Jaguaripe, entendeu?<br />
Eles botaram várias com vários bairros, dentro, vários conjuntos com nome diferentes<br />
tem os conjuntos <strong>da</strong> Caixa Econômica, né tem vários nomes. Então quando fala assim<br />
Cajazeiras eu acho que é um complexo hoje, um complexo é... residencial. Porque,<br />
porque essa formatação anterior, foi a partir desses conjuntos todos entrando, quer dizer<br />
antes chamava Fazen<strong>da</strong> Cajazeiras, e hoje ce vê tem Fazen<strong>da</strong> Grande 1, Fazen<strong>da</strong> Grande<br />
2, Fazen<strong>da</strong> Grande 3, Fazen<strong>da</strong> Grande 4. Cajazeiras 2, 3, 4 e ai vai aquela numeração<br />
até 11. A Boca <strong>da</strong> Mata, porque era na Boca <strong>da</strong> Mata vai ficar na... na parte mais escura<br />
<strong>da</strong> mata, a parte de cima perto <strong>da</strong> barragem. Boca <strong>da</strong> Mata por isso. Então Jaguaripe já<br />
não sei por que chama Jaguaripe, já até perguntei lá porque aquela área chama<br />
Jaguaripe, tem haver com o rio. Mas eu não sei se o conjunto Jaguaripe 1 ele chama<br />
exatamente por causa do rio e tem Jaguaripe 2 que é um conjunto também que fica<br />
também do lado <strong>da</strong> Estra<strong>da</strong> Velha do Aeroporto não faz parte do complexo de<br />
Cajazeira, entendeu?<br />
(N): Vem cá, incomo<strong>da</strong> esse negócio ter numero Cajazeira 1, Cajazeira2, Cajazeira3?<br />
(M):Rapaz, agente se acostuma, né? Nos números agente acaba se acostumando, agora<br />
só não nas seqüências. Você, se você pensar <strong>da</strong> 2 depois você vai ta na 3, não é.<br />
Entendeu? É uma coisa bem doido a numeração de Cajazeira, você entra na cajazeira 4<br />
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depois você pula pra 5 pra 8, aí você mora em Fazen<strong>da</strong> Grande 2, aí você tem Fazen<strong>da</strong><br />
Grande 2 <strong>da</strong> 1 e Fazen<strong>da</strong> Grande 2 <strong>da</strong> 3, entendeu? Porque tem Fazen<strong>da</strong> Grande<br />
dividi<strong>da</strong> prum lado e pro outro, é um negócio louco eu acho, a numeração ela é<br />
desorganiza<strong>da</strong>, mas...<br />
(N): E como é que vocês população resolve isso?<br />
(M):Não, porque agente acaba conhecendo o bairro, entendeu? Tem as linhas de<br />
ônibus... acredito, quem mora acaba conhecendo e se acostumando. Mas até a<br />
numeração foi uma coisa que eu acho de forma desordena<strong>da</strong> meio... meio louca...<br />
(N): Tem um tipo de mapa?<br />
(M):Não agente já na... na Cajazeira...eu moro no Parque São José, a gente tem um<br />
mapa lá do Parque até porque a gente ta discutindo saneamento, nós temos o mapa <strong>da</strong>s<br />
ruas tudo lá do Parque...<br />
(N): Vocês fizeram?<br />
(M):Não o mapa, o que o...a...o loteamento quando vendeu apresentou o mapa, a gente<br />
tem o mapa. Mas a gente sempre recompõe o mapa, a gente tem um mapa mais novo.<br />
(N): Não, eu digo assim no sentido de vocês criarem um mapa, denominarem os lugares<br />
e...<br />
(M): Ah! Sim, a gente sabe, aí a gente sabe, a gente sabe tudo ali, quem mora ali acaba<br />
fazendo o mapa, entendeu?<br />
(N): Entendi.<br />
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