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Gissele Viana Carvalho - Uesb

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IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA - ANPUH-BA<br />

HISTÓRIA: SUJEITOS, SABERES E PRÁTICAS.<br />

29 de Julho a 1° de Agosto de 2008.<br />

Vitória da Conquista - BA.<br />

“OS REVOLTOSOS EM TERRITÓRIO BAIANO”:<br />

A COLUNA PRESTES NA CHAPADA DIAMANTINA (BA) EM 1926<br />

<strong>Gissele</strong> <strong>Viana</strong> <strong>Carvalho</strong><br />

Professora da Universidade Salgado de Oliveira (Universo)<br />

Mestre em História Social pela Universidade Federal Fluminense ( UFF)<br />

E-mail: gissele_carvalho@yahoo.com.br<br />

Palavras-chave: Coluna Prestes. Memória. Revoltosos. Chapada Diamantina .<br />

“A entrada dos revoltosos em território baiano” foi o título da manchete do jornal<br />

Diário de Notícias do dia 18 de março de 1926. Os membros da Coluna Prestes ficaram<br />

conhecidos no nordeste como “revoltosos”, categoria instituída como real. Partindo dessa<br />

perpectiva, analisaremos quais os aparelhos de produção simbólica que legitimaram o termo<br />

“revoltoso” como categoria social e quais os mecanismos de ge ração e estruturação de<br />

práticas e representações sociais sobre os tenentes rebeldes.<br />

Na Bahia na década de 1920, diante do grande temor que assolava a população local<br />

diante da ameaça da passagem da Coluna Prestes em seu território, uma música tornou -se<br />

popular na região da Chapada Diamantina -BA, servindo como exemplo do pavor que<br />

permeava o imaginário dos habitantes dessa região:<br />

Tive notícia que a revolta vem,<br />

Capando os homens e as mulheres também<br />

Segunda-feira ou vou na estação<br />

Saber notícia da revolu ção 1<br />

Em fevereiro de 1926 a Coluna entrou em território baiano e ao atravessar a Chapada<br />

Diamantina encontrou uma forte resistência dos coronéis, principalmente de Horácio de<br />

Matos e do seu “Batalhão Patriótico Lavras Diamantinas”, composto por 1.500 home ns<br />

segundo Pang (1979, p. 187). O mesmo autor afirma que “no início de 1926, cerca de dez<br />

‘batalhões patrióticos’ foram organizados pelos coronéis da Bahia”.<br />

Esses “batalhões” foram financiados pelo Governo Federal com o objetivo de<br />

combater os “revoltosos ”, como era conhecida a Coluna Prestes no nordeste. Sobre eles<br />

escreveu Lima (1931, p. 380), secretário da Coluna: “nos agrediam, quase diariamente, de<br />

dentro das caatingas, nos desfiladeiros, por detrás das penedias, numa fúria satânica”.<br />

1 Depoimento de um dos moradores da região concedido a autora. Mucugê, 1º/7/1998.


A Coluna Prestes entrou na Bahia com cerca de 1.200 homens, e viveu aí um dos<br />

piores momentos da sua marcha pelo Brasil. Na Bahia, a Coluna enfrentou hostilidades e<br />

perseguições, além de doenças e combates, sendo um deles com a população de Mucugê.<br />

A Coluna, ao passar nas proximidade de Mucugê, prendeu Anatalino Medrado, filho<br />

do coronel Douca Medrado, chefe político da cidade e sogro de Horácio de Matos, usando -o<br />

como “refém”. As mulheres, crianças e velhos correram em pânico, como medo dos<br />

revoltosos, só os homens perman eceram na cidade e se organizaram para defendê -la. Nas<br />

palavras de uma moradora de Mucugê que presenciou o fato ainda criança:<br />

Anatalino preso, e eu [...] aquela revolução! [...] e o povo correu, foi uma<br />

correria doida. Saiu o povo correndo, saiu tudo den tro da cidade. A cidade<br />

ficou [...] deixaram as casas assim, não é? Só levou a coisa de utilidade,<br />

algumas peças de roupas [...]. Deixaram tudo aí. Anatalino preso, correram<br />

tudo. Eh, meu Deus, foi um horror até amanhecer o dia, que a hora que<br />

começou o “fogo”, foi só tiro doido! Foi “fogo” de 6 horas da manhã [...].<br />

Terminou 2 horas da tarde.<br />

Os moradores armaram uma emboscada para a Coluna, o que fez com que ela recuasse<br />

com os seus feridos, levando o filho do coronel Douca, o qual só retornou quando a Coluna se<br />

exilou na Bolívia.<br />

Esse fato marcou profundamente a vida e a história dos habitantes dessa localidade. A<br />

lembrança do confronto com a Coluna Prestes é nítida nessa população, formando uma<br />

identidade em torno da memória referente a este episódio.<br />

Essa memória comum, ou seja, a referencia ao confronto, serve para reforçar e manter<br />

a coesão social pela adesão afetiva do grupo, daí o termo que Halbwachs (apud POLLAK,<br />

1992, p. 3) utiliza de “comunidade afetiva”. Podemos, desse ponto de vista, dizer que essa<br />

memória regional é uma memória coletiva e a guarda dessa memória comum serviu como um<br />

meio de estruturação de práticas e transmissão de valores.<br />

O confronto entre a Coluna Prestes e a população de Mucugê gerou práticas e<br />

representações sociais que fo ram construídas através de diversas ações dos agentes históricos<br />

no campo simbólico e político para produzir representações mais adequadas a seus interesses.<br />

Esse capital foi distribuído entre dois campos político -ideológico distintos, tendo na Coluna<br />

Prestes e no coronelismo pólos antagônicos.<br />

Portanto, podemos afirmar que a legitimação da luta contra a Coluna Prestes, pelos<br />

agentes sociais, representa à construção de uma visão hegemônica por meio do trabalho de<br />

representação no campo simbólico. Neste ca so, a produção do senso comum consiste,<br />

2


essencialmente, em gerar um capital compartilhado pelos membros da coletividade. Ou seja, é<br />

na luta simbólica pela produção do senso comum, da visão do mundo social que os agentes<br />

investem o capital simbólico que adq uiriram em lutas anteriores (BOURDIEU, 1998).<br />

Neste sentido, analisaremos o processo de construção da visão hegemônica sobre a<br />

Coluna Prestes na Bahia identificando os aparelhos de produção simbólica que contribuíram<br />

para naturalizar práticas e representa ções sociais sobre os “revoltosos”.<br />

A Coluna Preste s e a construção da categoria revoltoso<br />

Ao fugir de confrontos pesados com os legalistas, tropas de várias policias militares<br />

estaduais, sob o comando direto do major do Exército Bertoldo Klinger, os c hefes da Coluna<br />

resolveram se deslocar para o nordeste do Brasil. Essa escolha deveu -se pela própria tática<br />

utilizada pela Coluna que necessitava de terrenos e condições adequadas para a sua “guerra de<br />

movimento”. Essa estratégia de luta tinha como objetiv o manter a Coluna em movimento<br />

constante, atravessando dessa forma vários territórios do país.<br />

A Coluna Prestes entrou no estado da Bahia em 26 de fevereiro de 1926, percorrendo<br />

266 léguas do seu território até 18 de abril. Ao todo, foram 52 dias de marcha , sendo<br />

perseguido por forças legalistas e batalhões patrióticos comandados por coronéis. Em 30 de<br />

abril, a Coluna retornou a Bahia após a famosa tática que ficou conhecida como “laço<br />

húngaro”, despistando seus perseguidores em Minas Gerais e voltando para terras baianas. Foi<br />

nessa segunda passagem pela Bahia que a Coluna entrou na região da Chapada Diamantina<br />

dominada por influentes coronéis e onde ocorreu o confronto com a população de Mucugê.<br />

O jornal A Tarde, de 7 de maio de 1926, anunciou a chegada da Coluna Prestes a<br />

região da Chapada Diamantina com a manchete: “O flagelo que se repete: um forte bando<br />

armado dirige-se para Lavras”.<br />

O grupo de revolucionários, obedecendo ao comando de Prestes, de<br />

bandoleiros, sem nenhuma ligação com a revolta militar e apenas impelidos<br />

por objetos de banditismo, prossegue a sua marcha pelo interior baiano [...]<br />

encaminhando-se para Mucugê, onde já deve ter chegado.<br />

A população da Chapada Diamantina se viu diante de dois campos político -ideológico<br />

distintos: os coroné is, com maior capital político e econômico, e a Coluna Prestes, elemento<br />

exógeno desse campo social, concebido como um movimento de caráter eminentemente<br />

urbano que vinha destruir a ordem social. Como argumenta Anita Leocádia Prestes (1991, p.<br />

3


337), a Coluna defrontou-se com um universo que lhe era estranho e desconhecido. “Não<br />

havia nada de comum entre o mundo urbano dos tenentes’ e o mundo das populações<br />

interiorana. A Coluna falava outro idioma, tinha outra ideologia, seus objetivos eram outros”.<br />

O apoio da população da Chapada Diamantina aos coronéis não deve ser tomado como<br />

algo intrínseco a esse grupo específico, mas deve ser visto como uma propriedade que lhes<br />

cabem em um momento dado, a partir de “sua posição em um espaço social determinado e em<br />

uma dada situação de oferta de bens e práticas possíveis” (BOURDIEU, 1996, p . 18).<br />

Ao descrever o campo e poder dessa região e a distribuição de seus agentes, torna -se<br />

evidente a construção no campo simbólico de uma visão homogênea sobre a Coluna Prestes,<br />

pois esta se encontrava em oposição às oligarquias rurais que utilizavam de uma vasta<br />

parentela e dependentes para legitimar o seu poder. A Coluna, ao propor a derrubada do<br />

Governo de Artur Bernardes e o fim da política oligárquica, atinge diretamente os inte resses<br />

coronelistas, que dependiam desse sistema de reciprocidade para se manter como grupo<br />

dominante. Leal (1997), no clássico Coronelismo, enxada e voto , enfatizou a relação de<br />

dependência entre o poder local, decadente, e o poder estadual e federal, pro gressivamente<br />

fortalecido<br />

O coronelismo se apresenta como um sistema político, uma complexa rede de relações<br />

entre o poder público e o poder privado na Primeira República, envolvendo compromissos<br />

recíprocos. Essa rede de poder vai permear todos os níveis d e atuação política. Os coronéis<br />

detinham sob o seu domínio o exercício da violência física e simbólica como elemento de<br />

manutenção da ordem privada. Não é à toa que os grandes coronéis da Chapada Diamantina<br />

organizaram “batalhões patrióticos” para persegui r a Coluna Prestes, legitimados pelo estado.<br />

O jornal Diário de Notícias , de 1º de abril de 1926, publicou o seguinte artigo: “As lavras<br />

empunham, as armas!”<br />

Pois, Horacio de Ma tos, homem de ação, acostumado à luta pelas armas,<br />

sabendo da possibilidade de uma incursão dos sediciosos pela região das<br />

Lavras Diamantinas, chamou os seus conterrâneos e amigos sertanejos a se<br />

alistarem na legião de defesa daquela zona. E, porque não há batalhão sem<br />

armamento e munição, aquele chefe das Lavras pediu ao governo os meios<br />

de luta que, parece, lhe foram fornecidos em quantidade suficiente. Também<br />

auxiliou-o o governo com contingentes policiais.<br />

O governador da Bahia, Gó es Calmon, e Horácio de Matos, opositores políticos que<br />

chegaram a se confrontar em dezembro de 1 924 e fevereiro de 1925, se juntam em 1926 para<br />

4


lutarem contra um inimigo comum, a Coluna Prestes. O Estado, ao legitimar a organização de<br />

batalhões patrióticos, está sancionando o uso legítimo da violência por esses grupos.<br />

A coalizão de forças tinha como objetivo manter a hegemonia dos grupos dominantes,<br />

gerando um conjunto de práticas e representações sociais que legitimaram a luta contra a<br />

Coluna Prestes.<br />

Contudo, os jovens militares rebeldes não pretendiam desencadear uma guerra civil,<br />

generalizada e p rolongada. Segundo Drummond (1985), a Coluna Prestes não cogitou o apoio<br />

ou adesão popular – embora a participação civil tenha sido efetiva – como uma variável<br />

importante da situação política. Ao contrário, ela quis ser uma marcha militar para reunir<br />

forças para derrubar o governo oligárquico de Artur Bernardes. “A Coluna Prestes expressou<br />

com máxima clareza o militarismo dos tenentes, ou seja, sua valorização da excepcionalidade<br />

atribuída ao Exército brasileiro enquanto ‘patrocinador dos direitos do povo” (DRUMMOND,<br />

1985, p. 84).<br />

Drummond destaca os condicionantes militares na formação dos oficiais rebeldes,<br />

avaliando a Coluna pela ótica do caráter militarista. De acordo com o autor, a Coluna, diante<br />

de dificuldades de conseguir uma vitória militar propriam ente dita, pela força das armas,<br />

direcionou para divulgar a “mensagem revolucionária” pelo interior do pa ís, fugindo, assim,<br />

de combates direto com as forças legalistas.<br />

A marcha pelo Brasil foi penosa e desgastante, principalmente na Bahia onde<br />

encontrou uma forte resistência por parte da população e perseguições de “batalhões<br />

patrióticos”, formados por jagunços e liderados por ‘coronéis”, alé m da própria força militar.<br />

Se a Coluna Prestes tinha esperanças de conseguir adesão dos nordestinos – militares ou civis<br />

para marchar sobre a capital –, ela se frustrou ao deparar -se com os baianos, que hostilizaram<br />

sistematicamente os “revoltosos”, como era conhecida a Coluna pelos nordestinos.<br />

Por que isso ocorreu? Uma das justificativas foi a sua ação política eli tista e distante<br />

da realidade do homem do cam po. Como afirma Drummond (1985, p. 62), “não houve<br />

qualquer intenção ou ação no sentido de mobilizar a população (rural ou urbana) no trajeto da<br />

Coluna Prestes. Anita Leocádia Prestes (1991, p. 337), reforça essa posição, afirmando que os<br />

“tenentes”, em nenhum momento pretendeu mobilizar a população rural para a luta, organizá -<br />

la ou conscientizá -la de alguma forma. “A sua visão elitista impedia -os de ver nas massas,<br />

urbanas ou rurais, uma força capaz de influir n os acontecimentos políticos. Sua formação<br />

liberal não lhes permitia admitir que as massas populares pudessem ser os verdadeiros<br />

protagonistas da História”.<br />

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A Coluna Prestes se julgava como portadora da revolução, negligenciando a<br />

importância do apoio popul ar; não formularam uma política de aproximação dos seus ideais<br />

às necessidades da população rural. Essa revolução foi concebida como um movimento dos<br />

oficiais rebeldes do Exército brasileiro.<br />

Outro fator que contribuiu para a impopularidade da Coluna Prest es no nordeste foi a<br />

fama que carregou, equivalente à de bandoleiros ou cangaceiros, provocando medo e pânico a<br />

sua aproximação em vilarejos e municípios, como demonstra o depoimento de um morador da<br />

região que era adolescente quando a Coluna Prestes passo u pela Chapada Diamantina.<br />

E o povo, quer dizer, reagiu com medo, porque a notícia que vinha é que<br />

todo lugar que eles chegavam, é que queriam acabar com tudo, tocavam<br />

fogo, quebravam as casas... Ficamos distantes daqui... 2 léguas, entocados lá<br />

dentro de uma Lapa, lá na serra com medo, porque todo mundo sentia aquele<br />

pavor da Coluna, chamava era os revoltosos, não era Coluna não 2 .<br />

O pavor dos revoltosos permeou todo o imaginário popular, não só da Chapada<br />

Diamantina, mas de toda Bahia. Os jornais da épo ca deram grande ênfase a presença dos<br />

jovens rebeldes na Bahia, como demonstra a manchete “A entrada dos revoltosos em território<br />

baiano” do jornal Diário de Notícias do dia 18 de março de 1926.<br />

Os militares rebeldes se auto denominavam revolucionários, te ndo na luta contra o<br />

governo oligárquico de Artur Bernardes seu objetivo maior, portanto, categoria positivada em<br />

benefício do bem -estar de um povo. Porém, na Bahia, passaram a ser conhecidos como<br />

revoltosos, denominação negativa que foi sendo construída a través de uma cultura forjada por<br />

interesses hegemônicos.<br />

Devemos deixar claro que as categorias são construções sociais do real. Como afirma<br />

Bourdieu (1996, p. 127), quem constrói a categoria, constrói o real, ou seja, a categoria é o<br />

“princípio coletivo de construção da realidade coletiva”. Esse princípio de construção é<br />

socialmente construído, sendo um dos elementos constitutivos do nosso habitus, uma<br />

estrutura mental que nos foi inculcada por meio de um trabalho de socialização que<br />

fundamenta o consenso sobre o sentido do mundo social, contribuindo, dessa forma, para criar<br />

a realidade que evocam. “Quando se trata do mundo social, as palavras criam as coisas, já que<br />

criam o consenso sobre a existência e o sentido das coisas, o senso comum, a doxa aceita p or<br />

todos como dada” (BOURDIEU, 1996, p. 127).<br />

2 Entrevista concedida a autora. Mucugê, 30/06/1998. Fita 1 – Lado A.<br />

6


Partindo desse princípio, devemos levar em conta todo o trabalho simbólico e prático<br />

que transformou o termo revoltoso em uma categoria real e instituída. Mas esse trabalho de<br />

construção coube a quem? Quais os aparelhos de produção simbólica que os instituíram como<br />

realidade própria? Tentaremos responder essas questões ao analisarmos a organização interna<br />

desse campo simbólico e as condições de elaboração e existência de práticas e representações<br />

sobre os revoltosos, entendido como produto de atos de construção.<br />

Em primeiro lugar, houve um processo de aproximação da imagem da Coluna Prestes<br />

com a de grupos de cangaceiros que aterrorizavam o sertão nordestino, cometendo<br />

atrocidades e assassinatos, muitas vezes re presentando os interesses de coronéis, servindo<br />

como instrumento de controle social numa região marcada pela miséria, fome e monopólio da<br />

terra.<br />

Dessa forma, a legitimação da categoria revoltoso pelos nordestinhos representa a<br />

construção da visão desse m undo social por meio do trabalho de representação no campo<br />

simbólico. Esse trabalho é realizado por meios de aparelhos de produção simbólica<br />

legitimados pela classe hegemônica, daí os jornais constituir -se-ão um instrumento poderoso<br />

do grupo dominante.<br />

A notícia sobre a marcha da Coluna no Estado é noticiada em vários jornais regionais,<br />

como o Diário de Notícias da Bahia e os Sertões, jornal da Chapada Diamantina. Essa forma<br />

de divulgação de informação, em uma região carente de transportes e meios de comuni cação,<br />

tornou-se um importante divulgador do que ocorria no Estado. Embora grande parte da<br />

população fosse analfabeta e não tivesse acesso aos jornais, estes eram muitas vezes lidos em<br />

voz alta em público, em praças, bares, mercearias e as notícias daí se espalhavam.<br />

A construção da imagem negativa da Coluna Prestes foi uma elaboração de setores da<br />

classe dominante que os via c omo uma ameaça a sua hegemonia e os jornais tiveram uma<br />

importante participação na naturalização da visão negativa sobre a Coluna P restes.<br />

O Diário de Notícias , de 16 de março de 1926, com a manchete “A onda sediciosa é<br />

um flagelo para o nordeste!”, nos fornece uma visão da imagem da Coluna Prestes em terras<br />

baianas divulgadas pelos jornais.<br />

O nordeste brasileiro, este começo de ano, experimentou um duro golpe,<br />

com a incursão dos sediciosos. Nunca, em sua vida, nem diante das grandes<br />

crises climatéricas, a população desta faixa nortista se veria em tão amargas<br />

e criticas situações de mal -estar, inquietude e desassossego espiritual, co mo<br />

na crepitante quadra que atravessamos.<br />

7


No mesmo jornal do dia 15 de maio de 1926, um artigo com a manchete “Triste hora<br />

esta!”, compara as ações dos revoltosos as grandes calamidades nordestinas como as seca s e o<br />

cangacerismo que trazem miséria e morte s. Assim, a presença dos revoltosos impôs a essa<br />

população sofrida “meses de angústias e sobressaltos, em que tantas famílias ficaram<br />

reduzidas a miséria e tantas viram o luto entrar -lhes pelas portas”.<br />

A construção negativa da imagem dos revoltosos e sua rejeição decorre de<br />

determinados fatores que podem s er explicados: primeiro , essa rejeição foi mais evidente em<br />

regiões cuja influência dos coronéis era muito forte, como na Chapada Diamantina, onde<br />

predominou o poder dos coronéis, principalmente Horacio d e Matos, que foi o grande<br />

perseguidor da Coluna Prestes até o seu exílio na Bolívia. Sobre os “Batalhões Patrióticos”<br />

formados nessa região . Segundo, essa construção não pode ser arbitrária, daí usarem a própria<br />

ação dos revoltosos para legitimar a sua ima gem no campo simbólico.<br />

As informações negat ivas sobre a Coluna eram provenientes de chefes das forças<br />

legalistas e lideranças locais contrárias aos revoltosos. Contudo, a base desse argumento era<br />

sustentado pela própria ação dos revoltosos que fazia m requisições formais, por escrito, como<br />

promessa de pagamento posterior aos bens necessários para a sobrevivência dos revoltosos,<br />

como animais, armas, munições, alimentos, roupas, medicam entos e assim por diante<br />

(DRUMMOND, 1985, p . 65-66). Entretanto, embora e ssas requisições só pudessem ser<br />

assinadas pelos oficiais ou civis militares, isso não significou que excessos não fossem<br />

cometidos, principalmente na Bahia, onde os revoltosos, em represálias à hostilidade popular,<br />

saquearam e incendiaram vilas inteiras.<br />

A notícia divulgada no jornal Diário de Notícias , de 15 de março de 1926, destaca o<br />

estado dos lugares pelos quais a Coluna Prestes passou com a manchete: “A que reduz o<br />

sertão, depois da onda...”<br />

Contristam as notícias que nos chegam de algumas vilas e d e numerosos<br />

sítios e fazendas. Roçados ficaram em inteiro aniquilamento, plantações,<br />

pomares e capinzais, tudo devastado ou pisado: diariamente, avultada<br />

quantidade de rezes sacrificadas para abastecer as colunas, cavalos e burros<br />

apreendidos, celeiros esv aziados, toda sorte de assolações nos haveres de<br />

quantos residem na faixa mencionada.<br />

As ações cometidas pela Col una em muitas ocasiões legitimaram a visão forjada pelos<br />

grupos dominantes. Essa visão não foi construída arbitrariamente, dado o fato da pre sença<br />

real de excessos cometidos por alguns integrantes da Coluna e até mesmo das requisições<br />

forçadas feitas pelo comando revolucionário. A violência cometida pelos revoltosos são<br />

8


estampadas nas manchetes dos jornais e em muitos casos confirmadas pelo pr óprio secretário<br />

da Coluna, Moreira Lima.<br />

É importante ressaltar que as notícias dos jornais não estavam isentas de<br />

imparcialidades, muitas vezes apresentando como aparelhos de divulgação e construção de<br />

determinada visão da Coluna e de um capital simbóli co que legitimava à perseguição aos<br />

revoltosos. Ou seja, foi um instrumento poderosos utilizado na construção e legitimação de<br />

um consenso negativo da Coluna Prestes no nordeste, daí a utilização constante de adjetivos<br />

negativos aos revoltosos nos jornais. Para um povo sofrido, vivendo nas mínimas condições<br />

possíveis, era difícil entender a “revolução” que mantinha uma clara distancia ideológica da<br />

realidade do homem rural.<br />

Nesse campo de disputas e conflitos, a população legitima a violência simbólica e<br />

física contra a Coluna Prestes tendo em vista o consenso produzido pelos grupos dominantes,<br />

detentores de maior capital econômico e cultural.<br />

É nesse contexto que foi naturalizado a categoria revoltoso, sancionada e/ou<br />

construída pelo Estado. De acordo com Mendonça (1996, p. 95), nesse processo<br />

[...] reside a mais profunda e estrutural modalidade da violência perpetrada<br />

pelo estado: a violência simbólica cujo modus operandi se dá à sombra da<br />

permanente naturalização de seus objetos e/ou alvos, configurand o o que se<br />

poderia chamar de um permanente “estado de violência”.<br />

As categorias de percepção do mundo social constroem tanto a realidade social quanto<br />

a exprimem, constituindo o alvo da luta política, ou seja, pela imposição do princípio de visão<br />

legítima do grupo dominante.<br />

Categoria, em grego Kathegoresthai significa “acusar publicamente” (BOURDIEU,<br />

1987, p. 162). O Estado, ao sancionar a categoria revoltoso como legítima, está impondo uma<br />

visão e divisão simbólica do mundo social pela naturalização dess a categoria como real.<br />

Assim, as práticas e representações simbólicas sobre a Coluna Prestes criou o senso<br />

comum sobre a categoria revoltoso, naturalizado no nordeste como categoria real e instituída.<br />

O capital simbólico introjetado pelo nordestinos é tran smitido e incorporado por práticas e<br />

representações, isto é, pelo habitus, que legitimam os revoltosos com homens que deveriam<br />

ser temidos pois ameaçavam suas famílias, suas propriedade e vidas.<br />

É importante ressaltar que isso não ocorre de forma neutra, m as existe todo um<br />

trabalho de legitimação realizado por um grupo dominante que tem como proposta manter a<br />

mesma ordem social e o seu poder hegemônico.<br />

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Referências<br />

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.<br />

. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996.<br />

. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 1987.<br />

DRUMMOND, José Augusto. A Coluna Prestes: rebeldes e errantes . São Paulo: Brasiliense,<br />

1985. (Coleção Tudo é História, v. 103).<br />

GRAMSCI, Anton io. Os intelectuais e a organização da cultura . Rio de Janeiro: Civilização<br />

Brasileira, 1987.<br />

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no<br />

Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.<br />

LIMA, Lourenço Moreira. Marchas e combates (a Coluna invicta e a revolução de outubro).<br />

Porto Alegre: Livraria do Globo, 1931.<br />

MENDONÇA, Sônia Regina. Estado, violência simbólica e metaforização da cidadania.<br />

Tempo, Rio de Janeiro, v. 1, n . 1, 1996.<br />

PANG, Euo-Soo. Coronelismo e oligarquias 1889 -1943: a Bahia na Primeira República . Rio<br />

de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.<br />

PRESTES, Anita Leocádia. A Coluna Prestes. São Paulo: Brasiliense, 1991.<br />

POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos , Rio de Janeiro, v.<br />

2, n. 3, 1992.<br />

SAES, Herberto. Memória de Mucugê . Salvador: EGBA, 1994.<br />

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