Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...

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108 parte de uma continuidade histórico-social, afetado pela integração num contexto global de carências (naturais, psicossociais) e de relações com outros indivíduos, vivos e mortos. A identidade de alguém, de um “si mesmo”, é sempre dada pelo reconhecimento de um “outro”, ou seja, a representação que o classifica socialmente. (SODRÉ, 1999, p. 34) Elas são multirreferenciadas, resultam de entrelaçamento de diferentes traços socioculturais, por isso se configuram em entrelugares (BHABHA, 2003), isto é, são formadas com referenciais das várias dimensões e aspectos, tais como gênero, geração, geográfico, cultural etc., em torno dos quais pessoas e grupos se autorreconhecem. Assim, entender as identidades pressupõe enfrentar as dimensões com que se envolvem as relações entre o sujeito e os grupos sociais e culturais com os quais convive. Apoiado no pensamento de Manuel Castells (2000) sobre identidade, o qual garante que ela se constrói em meio a disputas de poder, também Zygmunt Bauman (2004) assegura que a identidade é inventada através de conflitos e está relacionada ao Outro. Ele considera a sua referência importante para os grupos sociais, uma vez que ela facilita a organização na diversidade e provoca contínuas mudanças. A construção de identidades, para Bauman, depende de um processo de classificação e reclassificação dos grupos em categorias socialmente construídas, a partir de traços culturais reconhecidos como referência por um grupo em relação a outro, tais como nação, raça, religião, língua, símbolos, dentre outros. Assim, o entendimento das identidades como reconhecimento de si e de grupos sociais e culturais traz à baila a noção de alteridade, haja vista que essa nutre as identidades, uma vez que a existência de um Eu conjetura a idéia de Outro. E nisso se instauram a pertinência, a tensão e a disputa de poder, a que se refere Bauman, pois pouco adiantaria se os grupos tivessem elementos culturais em comum se não existissem, em contraposição, os Outros. Como elaborações humanas, as identidades decorrem de práticas socioculturais, se realizam e se mobilizam, quando possível, na e pela linguagem. Nesta perspectiva, o capítulo faz interpretações de discursividades acerca de identidades em textos literários. Elas estão circunscritas em uma cadeia de rastros de identidades negras, inventadas por repertórios de culturas negras, em convergências e divergências, conforme Hall (2003, p. 325). Discursos literários sobre identidades negras femininas oscilam entre sua afirmação e depreciação. Em textos considerados canônicos, predominam significados de repertórios culturais negros que pouco se relacionam com alteridades e com as transitoriedades das identidades. Na LN e entre autores/as poucos/as conhecidos/as em

ambientes e segmentos literários, aparecem frequentemente imagens, vozes poéticas e narrativas que, ao contrário, atribuem sentidos propositivos e persuasivos de valorização de africanidades. Diante disso, este capítulo tem os seguintes objetivos: discutir sobre a LN; apresentar diferentes figurações de identidades negras femininas, analisando alguns estereótipos negativos presentes em alguns textos literários de escritores brasileiros canônicos; apresentar leituras de alguns textos de autores/as negros/as que integram projetos literários, individual e coletivamente em torno da LN, e de escritoras que compõem o corpus deste estudo, chamando a atenção para aspectos positivos neles presentes, conferidos às vozes e personagens negras femininas. 109 2.1 Algumas Facetas de Identidades Negras Femininas na Literatura Brasileira Os estereótipos, conforme estudos de Cashmore (2000), no âmbito das relações étnico-raciais, geralmente estão associados às práticas discursivas de generalização excessiva acerca de um comportamento ou de características de membros de determinados grupos. Embora os estereótipos sejam positivos e negativos, comumente, no campo das relações raciais e étnicas, destacam-se, em textos literários canônicos, aqueles que expressam preconceito racial em relação aos/às negros/as. Assim, a tradição literária brasileira é marcada por uma escrita sobre o/a negro/a 25 , em que narrativas e poesias são inventadas a partir de temas como escravidão e culturas negras, representadas, muitas vezes, por meio de estigmas, preconceitos e olhares etnocêntricos 26 . Obras, que assim se apresentam, reproduzem uma estereotipia negativa, através da criação de personagens negras femininas, utilizando imagens que as inferiorizam. Essa negatividade permeia alguns textos literários, através do reforço de papéis sociais que, por vezes, as animalizam, associando-as, de acordo com Julivan Oliveira (2000), ao mal, ao feio, à perdição, à desgraça e à morte. Em ficções e poéticas canônicas, perfis femininos negros aparecem atrelados às representações estáticas e naturalizadas e com circunscrições pautadas em um suposto 25 Estudiosos como BASTIDE (1943), SAYERES (1958), RABASSA (1965), QUEIROZ JR. (1975), BROOKSHAW (1983), dentre outros, incumbiram-se de mostrar escritores brasileiros que sobre isso versaram. 26 Etnocentrismo é considerado, por Ellis Cashmore, como “[...] o próprio grupo como padrão e todos os outros como estrangeiros e, geralmente, inferiores [...]” (2000, p. 439).

ambientes e segmentos literários, aparecem frequentemente imagens, vozes poéticas e<br />

narrativas que, ao contrário, atribuem sentidos propositivos e persuasivos de valorização<br />

de africani<strong>da</strong>des. Diante disso, este capítulo tem os seguintes objetivos: discutir sobre a<br />

LN; apresentar diferentes figurações de identi<strong>da</strong>des negras femininas, analisando alguns<br />

estereótipos negativos presentes em alguns <strong>texto</strong>s literários de escritores brasileiros<br />

canônicos; apresentar leituras de alguns <strong>texto</strong>s de autores/as negros/as que integram<br />

projetos literários, individual e coletivamente em torno <strong>da</strong> LN, e de escritoras que<br />

compõem o corpus deste estudo, chamando a atenção para aspectos positivos neles<br />

presentes, conferidos às vozes e personagens negras femininas.<br />

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2.1 Algumas Facetas de Identi<strong>da</strong>des Negras Femininas na Literatura<br />

Brasileira<br />

Os estereótipos, conforme estudos de Cashmore (2000), no âmbito <strong>da</strong>s relações<br />

étnico-raciais, geralmente estão associados às práticas discursivas de generalização<br />

excessiva acerca de um comportamento ou de características de membros de<br />

determinados grupos. Embora os estereótipos sejam positivos e negativos, comumente,<br />

no campo <strong>da</strong>s relações raciais e étnicas, destacam-se, em <strong>texto</strong>s literários canônicos,<br />

aqueles que expressam preconceito racial em relação aos/às negros/as. Assim, a tradição<br />

literária brasileira é marca<strong>da</strong> por uma escrita sobre o/a negro/a 25 , em que narrativas e<br />

poesias são inventa<strong>da</strong>s a partir de temas como escravidão e culturas negras,<br />

representa<strong>da</strong>s, muitas vezes, por meio de estigmas, preconceitos e olhares<br />

etnocêntricos 26 . Obras, que assim se apresentam, reproduzem uma estereotipia negativa,<br />

através <strong>da</strong> criação de personagens negras femininas, utilizando imagens que as<br />

inferiorizam. Essa negativi<strong>da</strong>de permeia alguns <strong>texto</strong>s literários, através do reforço de<br />

papéis sociais que, por vezes, as animalizam, associando-as, de acordo com Julivan<br />

Oliveira (2000), ao mal, ao feio, à perdição, à desgraça e à morte.<br />

Em ficções e poéticas canônicas, perfis femininos negros aparecem atrelados às<br />

representações estáticas e naturaliza<strong>da</strong>s e com circunscrições pauta<strong>da</strong>s em um suposto<br />

25 Estudiosos como BASTIDE (1943), SAYERES (1958), RABASSA (1965), QUEIROZ JR. (1975),<br />

BROOKSHAW (1983), dentre outros, incumbiram-se de mostrar escritores brasileiros que sobre isso<br />

versaram.<br />

26 Etnocentrismo é considerado, por Ellis Cashmore, como “[...] o próprio grupo como padrão e todos os<br />

outros como estrangeiros e, geralmente, inferiores [...]” (2000, p. 439).

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