Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...
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102 Ao se pensar no percurso da literatura afrofeminina no Brasil, indiscutivelmente, as novelas dessa autora, datadas entre as décadas de 80 e 90, do século XX, despontam, ainda que sem tal prospecção, como protagonistas de um projeto estético-literário em que autoras negras traçam linhas e versos poéticos e narrativos diferenciadores, com personagens, vozes e histórias constituídos por, segundo Silva (2010) [...] temas femininos/feministas negros comprometidos com estratégias políticas emancipatórias e de alteridades, circunscrevendo narrações de negritudes femininas/feministas por elementos e segmentos de memórias ancestrais, de tradições e culturas africano-brasileiras, do passado histórico e de experiências vividas, positiva e negativamente, como mulheres negras. (SILVA, 2010, p.24) Por esse projeto literário, pois, figuram formações discursivas inovadoras em que vozes literárias negras e femininas, destituídas de submissão, assenhoram-se da escrita para forjar uma estética textual em que se (re) inventam, a si e a outros, e se cantam sonhos, universos culturais negros. 1.2 Autoras Negras Baianas e o Jogo da Escritura 24 A leitura crítica realizada, neste capítulo, demonstrou que a identidade autoral das escritoras, em realce neste estudo, adquire importância, à proporção que se desloca de imagens e discursos que imortalizam o/a pai/mãe do texto, ao mesmo tempo em que se distancia de significantes que as colocam como construtoras de verdades, de sentidos e descobridoras de origens de significados. A identidade autoral delas, desse modo, desvincula-se da autoridade autoral plena e soberana, por permitir possíveis significações atribuídas a um texto e está intrinsecamente associada à formação de públicos leitores. Suas informações indicaram que, em um tom dialógico e circunstanciado, importa, para elas, a regularidade de suas criações literárias, acompanhada de publicação e difusão, a ampliação de seus públicos leitores e a mobilização de significados sobre identidades e femininos negros. Com suas invenções literárias, 24 Escritura aqui se relaciona com o entendimento de J. Derrida (2004, p. 57; 1971). Para ele, a Escritura é uma cadeia de rastros (de significantes), ou seja, é aquilo que permite a atribuição de sentido a qualquer linguagem e não apenas à língua falada, já que toda linguagem é imotivada, sem origem e sem significado transcendental que lhe permita sentido. Ao contrário, possibilita rastros de outros rastros que costuram uma cadeia de sentidos.
pretendem desestabilizar discursos que pouco valorizam suas produções e fortalecem, pela palavra, as relações de poder pautadas em práticas de racismo e sexismo. Almejam ainda, através de entrecruzamentos, tessituras e jogos desconstrutores e não destruidores de significados, dizer e escrever de si, de seus sonhos, memórias, indagações, angústias, dilemas, ocorrências e identidades individuais e coletivas, tal como sugere Urânia Munzanzu. 103 [...] Mas quando a gente se propõe a ter uma família negra, a ter filhos negros e a viver dentro das coisas que nossos antepassados deixaram, quando a gente não quer descartar a nós, próprias, a gente fica meio confusa. Esses homens, normalmente, nos chegam com mais seqüelas do que com coisas a nos oferecer. As marcas sofridas da minha mãe, as minhas mesmas, sempre foram coisas que queriam conversar sobre isso. Como não está posto nenhum fórum que a gente discuta sobre essas coisas, como damos conta de um marido violento, de um marido que não nos reconhece como mulheres bonitas, como mulheres capazes? Como dar conta de filhos criados sem pai? Como dar conta de atender as necessidades do dia a dia. Eu tinha vontade de falar dessas coisas. E a poesia foi o meu refúgio. (MUNZANZU, 2008) O poema Elev-a-ação, de Jocélia Fonseca, facilita o entendimento desse lugar da poesia indicado pela escritora. Quem agora é capaz De acariciar Minha alma que sangra Sofrendo as maldades alheias As maldades das fracas criaturas Que não enxergam o horizonte Está ao alcance de quem quer ir além Da miséria cotidiana Quem quer ter um sonho lindo Esse livrar das mesquinharias Aprendidas Se desnudar Diante das mentiras mórbidas Que se perdura e sustenta A miséria mental E correr o risco Em que você deve correr Firmar os passos Na corda bamba da vida E ser forte. (FONSECA, 2008, p. 14) Esses versos dedicam-se a apresentar indagações e razões pelas quais o sujeito se angustia. Lutas, sofrimentos, superação e resistências são temas que despontam nesse poema, contudo são também frequentes em palavras poéticas e ficcionais das demais escritoras integrantes deste estudo. Assim a escrita torna-se o abrigo, onde se refugiam para entender a si, inventando expressões de si e do seu cotidiano, bem como traçando estratégias de superação das maldades alheias, da miséria cotidiana, das mentiras
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Ao se pensar no percurso <strong>da</strong> literatura afrofeminina no Brasil, indiscutivelmente,<br />
as novelas dessa autora, <strong>da</strong>ta<strong>da</strong>s entre as déca<strong>da</strong>s de 80 e 90, do século XX, despontam,<br />
ain<strong>da</strong> que sem tal prospecção, como protagonistas de um projeto estético-literário em<br />
que autoras negras traçam linhas e versos poéticos e narrativos diferenciadores, com<br />
personagens, vozes e histórias constituídos por, segundo <strong>Silva</strong> (2010)<br />
[...] temas femininos/feministas negros comprometidos com estratégias<br />
políticas emancipatórias e de alteri<strong>da</strong>des, circunscrevendo narrações de<br />
negritudes femininas/feministas por elementos e segmentos de memórias<br />
ancestrais, de tradições e culturas africano-brasileiras, do passado histórico e<br />
de experiências vivi<strong>da</strong>s, positiva e negativamente, como mulheres negras.<br />
(SILVA, 2010, p.24)<br />
Por esse projeto literário, pois, figuram formações discursivas inovadoras em<br />
que vozes literárias negras e femininas, destituí<strong>da</strong>s de submissão, assenhoram-se <strong>da</strong><br />
escrita para forjar uma estética textual em que se (re) inventam, a si e a outros, e se<br />
cantam sonhos, universos culturais negros.<br />
1.2 Autoras Negras Baianas e o Jogo <strong>da</strong> Escritura 24<br />
A leitura crítica realiza<strong>da</strong>, neste capítulo, demonstrou que a identi<strong>da</strong>de autoral<br />
<strong>da</strong>s escritoras, em realce neste estudo, adquire importância, à proporção que se desloca<br />
de imagens e discursos que imortalizam o/a pai/mãe do <strong>texto</strong>, ao mesmo tempo em que<br />
se distancia de significantes que as colocam como construtoras de ver<strong>da</strong>des, de sentidos<br />
e descobridoras de origens de significados. A identi<strong>da</strong>de autoral delas, desse modo,<br />
desvincula-se <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de autoral plena e soberana, por permitir possíveis<br />
significações atribuí<strong>da</strong>s a um <strong>texto</strong> e está intrinsecamente associa<strong>da</strong> à formação de<br />
públicos leitores.<br />
Suas informações indicaram que, em um tom dialógico e circunstanciado,<br />
importa, para elas, a regulari<strong>da</strong>de de suas criações literárias, acompanha<strong>da</strong> de<br />
publicação e difusão, a ampliação de seus públicos leitores e a mobilização de<br />
significados sobre identi<strong>da</strong>des e femininos negros. Com suas invenções literárias,<br />
24 Escritura aqui se relaciona com o entendimento de J. Derri<strong>da</strong> (2004, p. 57; 1971). Para ele, a Escritura<br />
é uma cadeia de rastros (de significantes), ou seja, é aquilo que permite a atribuição de sentido a qualquer<br />
linguagem e não apenas à língua fala<strong>da</strong>, já que to<strong>da</strong> linguagem é imotiva<strong>da</strong>, sem origem e sem significado<br />
transcendental que lhe permita sentido. Ao contrário, possibilita rastros de outros rastros que costuram<br />
uma cadeia de sentidos.