Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...
Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ... Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...
grandes atrizes negras, Chica Xavier, Léa Garcia, Ruth de Souza e Zezé Motta e outros nomes de escritoras negras da Bahia. (PASSOS, 2008) Apesar de fazer referências a algumas mulheres negras de vida pública, em sua produção literária, pouco ou quase não aparecem temáticas relacionadas às histórias de vida, lutas e resistências femininas negras, levando-me a ponderar que suas alusões são tidas como modelos a serem seguidos em outras dimensões de sua vida, tais como o empenho intelectual e a preservação de princípios éticos. Além disso, embora ela tenha feito alusão às escritoras negras da Bahia, em momento algum da entrevista, citou seus nomes ou fez comentários sobre seus trabalhos literários. Em sua poética, explicitamente, quase não aparecem formações discursivas sobre culturas negras, cosmogonia africana, identidades negras ou representações e vozes negras femininas. Isso assegura uma concepção de literatura em que pouco importa o sujeito que escreve nem seu arcabouço sociocultural e o lugar do qual enuncia. 86 São minhas experiências, minhas possibilidades, meus enredos e segredos dionisíaco e apolíneo, evidente no alicerce de minha poesia, essa relação com a paisagem, a natureza, musicalidade, beleza e minha trajetória na vida no lugar onde nasci, na minha aldeia, minhas raízes e o meu porto, terra forte na qual construir meus laços, minhas memórias: Cruz das Almas, Fazenda Araçá e na Fazenda Campo Limpo. (PASSOS, 2008) É um entendimento da literatura que indica a ideia de arte universal ou no mínimo nacional, posto que se elabora sem cor e local de enunciação, distante de ser também um construto sociocultural, logo uma prática discursiva, como sugere Roberto Reis (1992). A textualidade literária da autora se constrói por lembranças e pelo contato com a natureza, como em A palavra. A palavra é semente Depositada na poeira cósmica dos sentimentos. A palavra é floresta Sombreando com magia o amor, palavra que resta na força da poesia. A palavra é algodão Nuvem de flores brancas o segredo Em suave procissão. A palavra é fruto Colheita madura Dissolvendo na alma De toda criatura. Alimento primeiro Neste precioso engenho da natureza. A palavra é lâmina e silêncio Nave fiel que me conduz Quando me vejo e nela me salvo neste rio de luz Que me liga ao tempo. (PASSOS, 2005, p. 56)
Nesse poema, o sujeito poético garante que a poesia poderá surgir da palavra e dos sentimentos. Através desse material de trabalho, sobretudo da palavra, o poeta poderá conduzir a nave, que é a própria existência, que ora está em turbulência, a ponto de exigir luta, figurada na lâmina, ora está em calmaria, em estado de silêncio. Em A palavra e em outros poemas, a autora canta amores, desencantos e a própria existência. Em entrevista, ela contou como se relaciona com a literatura que produz e informou sobre a importância que ela tem em sua vida: 87 O papel e importância de minha escritura é expressar meu olhar a vida, expressar meus medos e coragem, minhas experiências no viver, expressar minhas inquietações e angústias. É o jeito que me sinto bem caminhar na vida. Dessa forma trago a arte, a beleza, como meio de transformação social. A vida sem a escritura não teria muito sentido para mim. A literatura é um universo diferenciado. A escrita alimenta a minha vida e vice-versa. Uma não vive sem outra. Escrever é a minha vida e viver é escrever. (PASSOS, 2008) A afirmativa “A escrita alimenta minha vida e vice-versa” permite pensar que, na escrita, ela constrói os sentidos para viver. E, simultaneamente, com a própria vida, desenha significações para a sua palavra poética, mas, em seus versos, embates da vida e o ordinário que compõem a vida de mulheres negras quase não são cantados. Ainda assim, escrever e viver, para ela, são ações indissociáveis, pois a vida é um nutriente da escrita e vice-versa, por isso afirmou: “[...] Escrever é a minha vida e viver é escrever” (PASSOS, 2008). O ato de escrever constitui a sua existência, como explicou: Nos meus poemas rezo estranhas orações, as profanas e as sagradas [...] A essência de minhas lembranças poéticas é a relação com elementos da natureza: o profano e o sagrado. È o jeito em que me situo no espaço, minha concepção do tempo em que vivo. É simbiose e ao mesmo tempo o limiar entre estes modos de ser o profano e o sagrado. São as rosas profanas com as quais fantasio a vida, mas, são especialmente, as rosas sagradas das minhas lembranças, os segredos, a verdade e o amor. É a melodia das águas da lembrança onde corre um rio de saudades e lágrimas, como a inocência de uma criança, trazendo consigo as flores de maio! E, nessa simplicidade, a beleza do singelo! (PASSOS, 2008) Em Sinto sede, Lita Passos cria um eu poético que assume a voz de quem quer cultivar-se em interação com fontes que lhe permitam saciar a sua sede, relembrar e, ao mesmo tempo, tecer as suas memórias e palavras poéticas. Hoje, como quem sente sede, vivo esmiuçando a memória. Abrindo uma fonte, mais uma, vivo escavando meus mistérios.
- Page 23 and 24: crítica, ainda em construção, e
- Page 25 and 26: Mel Adún (32 anos), Urânia Munzan
- Page 27 and 28: demonstraram a necessidade de apren
- Page 29 and 30: Além da leitura, a sua participaç
- Page 31 and 32: 1.1.1 Jocélia Fonseca: Uma Fragrâ
- Page 33 and 34: vez que “[...] O movimento negro
- Page 35 and 36: Escrever é, para Jocélia Fonseca,
- Page 37 and 38: 49 Alguns textos nascem literários
- Page 39 and 40: 1989), com a personagem Mãe de Plu
- Page 41 and 42: 53 [...] E Cruz e Souza que só me
- Page 43 and 44: quero e não posso! Publiquei até
- Page 45 and 46: décadas. Isso acontece por três r
- Page 47 and 48: A voz poética do poema, ao se apre
- Page 49 and 50: Tenha paciência com meus desatinos
- Page 51 and 52: Fotografia de Ana Rita Santiago da
- Page 53 and 54: 65 [...] minha mãe sempre tentou m
- Page 55 and 56: 67 Felisberto. Foi ótimo! Mas que
- Page 57 and 58: ausência de signos e indumentária
- Page 59 and 60: outras autoras em evidência neste
- Page 61 and 62: Do contato, de reflexões sobre ra
- Page 63 and 64: De onde vinham.... Vinham de longe,
- Page 65 and 66: 1.1.5 Urânia Munzanzu: Uma escrito
- Page 67 and 68: de “verdades” moralizantes, rec
- Page 69 and 70: A voz de mulher preta não tem iden
- Page 71 and 72: Essa preocupação de Urânia Munza
- Page 73: Lita Passos, como é conhecida, enq
- Page 77 and 78: leitor e difundir suas produções
- Page 79 and 80: Capa do livro Poemas de Verão de F
- Page 81 and 82: na luta incessante, na chama a crep
- Page 83 and 84: Iansã, além de curá-la, acolhe-a
- Page 85 and 86: Prontas para dar seu bote (agarro s
- Page 87 and 88: Mikhail Bakhtin (1993, p. 401), ess
- Page 89 and 90: 101 ao planeta Ignum. Cantem! Arran
- Page 91 and 92: pretendem desestabilizar discursos
- Page 93 and 94: marido, ficando “[...] quieta, se
- Page 95 and 96: embora haja uma intensa fascinaçã
- Page 97 and 98: ambientes e segmentos literários,
- Page 99 and 100: Também a violeta é flor [...], Qu
- Page 101 and 102: Logo se encontra com Você uma negr
- Page 103 and 104: descrever a personagem negra, restr
- Page 105 and 106: será festejada em meios a danças,
- Page 107 and 108: Brilhavam raios de amor. Ledo o ros
- Page 109 and 110: passiva de Isaura. Remetem aos acon
- Page 111 and 112: Posição de sentido, verdade! Bran
- Page 113 and 114: Quando não mais houver Quem fale?
- Page 115 and 116: 127 toda, como se fosse afundando n
- Page 117 and 118: poética que insiste em afirmar a t
- Page 119 and 120: marcas de referencialidades afrobra
- Page 121 and 122: sua senhora, entretanto é inapta a
- Page 123 and 124: 135 Já a infantilizada e instintiv
Nesse poema, o sujeito poético garante que a poesia poderá surgir <strong>da</strong> palavra e<br />
dos sentimentos. Através desse material de trabalho, sobretudo <strong>da</strong> palavra, o poeta<br />
poderá conduzir a nave, que é a própria existência, que ora está em turbulência, a ponto<br />
de exigir luta, figura<strong>da</strong> na lâmina, ora está em calmaria, em estado de silêncio. Em A<br />
palavra e em outros poemas, a autora canta amores, desencantos e a própria existência.<br />
Em entrevista, ela contou como se relaciona com a literatura que produz e informou<br />
sobre a importância que ela tem em sua vi<strong>da</strong>:<br />
87<br />
O papel e importância de minha escritura é expressar meu olhar a vi<strong>da</strong>, expressar meus<br />
medos e coragem, minhas experiências no viver, expressar minhas inquietações e<br />
angústias. É o jeito que me sinto bem caminhar na vi<strong>da</strong>. Dessa forma trago a arte, a<br />
beleza, como meio de transformação social. A vi<strong>da</strong> sem a escritura não teria muito<br />
sentido para mim. A literatura é um universo diferenciado. A escrita alimenta a minha<br />
vi<strong>da</strong> e vice-versa. Uma não vive sem outra. Escrever é a minha vi<strong>da</strong> e viver é escrever.<br />
(PASSOS, 2008)<br />
A afirmativa “A escrita alimenta minha vi<strong>da</strong> e vice-versa” permite pensar que, na<br />
escrita, ela constrói os sentidos para viver. E, simultaneamente, com a própria vi<strong>da</strong>,<br />
desenha significações para a sua palavra poética, mas, em seus versos, embates <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />
e o ordinário que compõem a vi<strong>da</strong> de mulheres negras quase não são cantados. Ain<strong>da</strong><br />
assim, escrever e viver, para ela, são ações indissociáveis, pois a vi<strong>da</strong> é um nutriente <strong>da</strong><br />
escrita e vice-versa, por isso afirmou: “[...] Escrever é a minha vi<strong>da</strong> e viver é escrever”<br />
(PASSOS, 2008). O ato de escrever constitui a sua existência, como explicou:<br />
Nos meus poemas rezo estranhas orações, as profanas e as sagra<strong>da</strong>s [...] A essência de<br />
minhas lembranças poéticas é a relação com elementos <strong>da</strong> natureza: o profano e o<br />
sagrado. È o jeito em que me situo no espaço, minha concepção do tempo em que vivo.<br />
É simbiose e ao mesmo tempo o limiar entre estes modos de ser o profano e o sagrado.<br />
São as rosas profanas com as quais fantasio a vi<strong>da</strong>, mas, são especialmente, as rosas<br />
sagra<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s minhas lembranças, os segredos, a ver<strong>da</strong>de e o amor. É a melodia <strong>da</strong>s águas<br />
<strong>da</strong> lembrança onde corre um rio de sau<strong>da</strong>des e lágrimas, como a inocência de uma<br />
criança, trazendo consigo as flores de maio! E, nessa simplici<strong>da</strong>de, a beleza do singelo!<br />
(PASSOS, 2008)<br />
Em Sinto sede, Lita Passos cria um eu poético que assume a voz de quem quer<br />
cultivar-se em interação com fontes que lhe permitam saciar a sua sede, relembrar e, ao<br />
mesmo tempo, tecer as suas memórias e palavras poéticas.<br />
Hoje, como quem sente sede,<br />
vivo esmiuçando a memória.<br />
Abrindo uma fonte, mais uma,<br />
vivo escavando meus mistérios.