Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...
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[...] minha mãe sempre tentou me mostrar escritores africanos, que não lembro o nome.<br />
Minha mãe é uma afro-descendente muito clara. Clara por demais. Então ela sempre<br />
tentou me incentivar por aí. To<strong>da</strong>s as minhas bonecas foram bonecas negras. Não tive<br />
bonecas brancas. Minha mãe nunca deixou que ninguém me desse uma boneca branca.<br />
Minha mãe sempre tentou me explicar sobre a questão racial, dizendo que para ela tudo<br />
seria muito mais fácil sempre, por ser mais clara, mas para mim não, tudo seria muito<br />
mais difícil, por ser mais escura que ela. Tentou me dá essa visão através <strong>da</strong> literatura,<br />
de alguns contos, de len<strong>da</strong>s africanas. Sem contar de tios, parentes, avós, que contam<br />
histórias de orixás, quer dizer, através <strong>da</strong> maneira deles, sem <strong>da</strong>r nomes, mas depois,<br />
quando você cresce, você descobre que aquilo era uma len<strong>da</strong> de Oxum, de Oxossi. Você<br />
faz essa conexão. (ADÚN, 2008)<br />
Com essas e outras referências, ela se inseriu nas tramas <strong>da</strong>s relações étnico-<br />
raciais e aprendeu a enfrentar a trivialização do racismo no Brasil, como se refere<br />
Carlos Moore:<br />
O racismo retira a sensibili<strong>da</strong>de dos seres humanos para perceber o<br />
sofrimento alheio, conduzindo-os inevitavelmente à sua trivialização e<br />
banalização. Essa barreira de insensibili<strong>da</strong>de, incompreensão e rejeição<br />
ontológicas do Outro encontrou, na América Latina, a sua mais elabora<strong>da</strong><br />
formulação no mito-ideologia <strong>da</strong> “democracia racial” (MOORE, 2007, p.<br />
23).<br />
Pela esteira <strong>da</strong>s desigual<strong>da</strong>des sociais, que não são poucas, justificam-se as<br />
condições precárias e desumanas de vi<strong>da</strong>, a que populações negras ain<strong>da</strong> se submetem<br />
hoje, velando as armadilhas <strong>da</strong> violência racial que perpassam as relações interpessoais<br />
e as circunstâncias de existência dessas populações. Isso desemboca na indiferença<br />
mediante aos atos individuais e institucionais de racismo, através de subestimação de<br />
ações preconceituosas e discriminatórias, como instigou Moore: “A banalização do<br />
racismo visa a criar a impressão de que “tudo an<strong>da</strong> bem” na socie<strong>da</strong>de, imprimindo um<br />
caráter banal às distorções socioeconômicas entre as populações de diferentes raças<br />
[...]” (MOORE, 2007, p. 29).<br />
As contingências, advin<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s relações étnico-raciais, associa<strong>da</strong>s às<br />
experiências de Mel Adún, além de suas percepções de mundo, <strong>da</strong>s relações e <strong>da</strong> própria<br />
literatura, possivelmente facilitaram a sua visão diante <strong>da</strong>s práticas de racismo no Brasil<br />
e a elaboração de posicionamentos de enfrentamento. Por elas, a autora poderá ter<br />
instituído o seu projeto estético-ideológico.<br />
Com a projeção de também fazer acontecer, no panorama literário, novos<br />
projetos e discursos literários, Mel Adún produz poemas, contos e roteiros e os publica<br />
em jornais, em blogs e nos CN. Já publicou contos infantis no jornal A TARDE; poemas<br />
nos CN, volumes 29 (2006) e 31 (2008); na edição de Cadernos negros, três déca<strong>da</strong>s