Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...

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12.05.2013 Views

Golpes malvados que vêm na direção da minha carne Causando dores que não são minhas. Um poema-escudo há de se defender de golpes maldosos Um poema que rompa fronteiras que veja que o horizonte é o caminho do olhar. Um poema que seja sorte Um golpe de sedução Que dance quando for dito. Um poema-lança Que atinja corações. (FONSECA, 2006, p. 6) O sujeito lírico deseja um poema que o acompanhe no labor de sua existência, de modo envolvente e pró-ativo, como exercício de poder, através do qual possa lhe dizer do amor, da alegria, e lhe proteger quando for necessário. Deseja um poema que lhe seduza, atinja os amantes e lhe ajude a viver, por isso institui e autoriza o estatuto de literário a seus versos pulsantes e atuantes. Nesse poema, o sujeito poético não se apresenta tão empoderado, visto que precisa de um poema que possa defender-lhe dos golpes malvados. A voz, embora decidida e altruísta, precisa de um poema que lhe salve, aqueça seu corpo e esteja disposto a animá-la mediante aos seus sonhos cansados. Ao personificar o poema, a palavra se torna a guerreira e, a um só tempo, a arma para enfrentar a batalha e socorrer uma voz feminina decidida no que almeja, mas frágil para o combate e para alcançar corações. Os posicionamentos e a produção literária de Jocélia Fonseca remetem às questões: O que é e para que serve a literatura?. Para essas indagações são elaboradas respostas datadas e circunstanciadas, imbuídas de complexidades, conforme Terry Eagleton (2006) e Compagnon (2001), e da certeza de quão impossível seja, talvez até desnecessário, tênue e fugaz compreendê-las. Seu entendimento de literatura e as funções sociais que ela destina aos seus versos podem ser questionados porque, como uma instituição social, segundo entendimento de Norma Telles (1992, p. 46), a arte literária é uma criação que foge à naturalização, aos conceitos e papéis fixos, uma vez que não permite essencializações e limites de sua abrangência. Além disso, nela não existem traços de literariedade 12 , já que um texto se torna literário através de processos de recepção e de imputações desse status. É nesse sentido que a arte literária é prática social e formação discursiva, Segundo Eagleton, 12 Literariedade foi entendida pelos formalistas russos como as especificidades de um texto, que asseguravam a mensagem verbal tornar-se uma obra de arte; hoje está muito contestada a sua pertinência por especialistas. 48

49 Alguns textos nascem literários, outros atingem a condição de literários, e a outros tal condição é imposta. Sob esse aspecto, a produção do texto é muito mais importante do que o seu nascimento. O que importa pode não ser a origem do texto, mas o modo pelo qual as pessoas o consideram. Se elas decidirem que se trata de literatura, então, ao que parece, o texto será literatura, a despeito do que o seu autor tenha pensado. (EAGLETON, 2005, p. 13-14) A escrita, por si só, diante dessa explicação, não assegura o caráter literário de um texto, uma vez que critérios de canonização o elegem como tal. Ademais, mecanismos de produção, reprodução, circulação e consumo, associados às outras estratégias de legitimação, que garantem suas funções consolidadas, dentre outros, pela crítica e pelo mercado editorial, se incumbem de atribuir o status de texto literário. Além disso, há uma considerável gama de definições, ainda que insuficientes para dar conta das complexidades que lhe cercam e para proporcionar outras condizentes com os apelos e desafios atuais. Talvez, por ora, tenha apenas de ser simples, sem ser reducionista, e afirmar com Luis Cuti: “[...] Afinal, a literatura é a grande possibilidade de se estar no lugar do outro e aprender-lhe a dimensão humana [...]” (CUTI, 2002, p. 23). Jocélia Fonseca, ao criar o poema Urgência poética, dá um lugar à literatura, que não é mais aquele da luta social, do protesto e da reversão de papéis sociais, mas é aquele em que é possível ousar desejos de uma estética digna de encanto, reconhecimento e circulação. A poesia urge Surge E entre nós Se faz presente... E nos convida A viagem A lembrança Dos sentidos... E pede a permissão A um novo olhar Ao horizonte De condução Ao amor E a liberdade. (FONSECA, 2006, p. 12) Circunscreve-se uma poesia personificada, a qual aparece para re-estabelecer e nos conduzir pelos caminhos do amor e da liberdade. Mais uma vez, ela é pró-ativa, ganha feição humana, caracterizada pela prontidão a mostrar um novo olhar e outros

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Alguns <strong>texto</strong>s nascem literários, outros atingem a condição de literários, e a<br />

outros tal condição é imposta. Sob esse aspecto, a produção do <strong>texto</strong> é muito<br />

mais importante do que o seu nascimento. O que importa pode não ser a<br />

origem do <strong>texto</strong>, mas o modo pelo qual as pessoas o consideram. Se elas<br />

decidirem que se trata de literatura, então, ao que parece, o <strong>texto</strong> será<br />

literatura, a despeito do que o seu autor tenha pensado. (EAGLETON, 2005,<br />

p. 13-14)<br />

A escrita, por si só, diante dessa explicação, não assegura o caráter literário de<br />

um <strong>texto</strong>, uma vez que critérios de canonização o elegem como tal. Ademais,<br />

mecanismos de produção, reprodução, circulação e consumo, associados às outras<br />

estratégias de legitimação, que garantem suas funções consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s, dentre outros, pela<br />

crítica e pelo mercado editorial, se incumbem de atribuir o status de <strong>texto</strong> literário.<br />

Além disso, há uma considerável gama de definições, ain<strong>da</strong> que insuficientes para <strong>da</strong>r<br />

conta <strong>da</strong>s complexi<strong>da</strong>des que lhe cercam e para proporcionar outras condizentes com os<br />

apelos e desafios atuais. Talvez, por ora, tenha apenas de ser simples, sem ser<br />

reducionista, e afirmar com Luis Cuti: “[...] Afinal, a literatura é a grande possibili<strong>da</strong>de<br />

de se estar no lugar do outro e aprender-lhe a dimensão humana [...]” (CUTI, 2002, p.<br />

23).<br />

Jocélia Fonseca, ao criar o poema Urgência poética, dá um lugar à literatura,<br />

que não é mais aquele <strong>da</strong> luta social, do protesto e <strong>da</strong> reversão de papéis sociais, mas é<br />

aquele em que é possível ousar desejos de uma estética digna de encanto,<br />

reconhecimento e circulação.<br />

A poesia urge<br />

Surge<br />

E entre nós<br />

Se faz presente...<br />

E nos convi<strong>da</strong><br />

A viagem<br />

A lembrança<br />

Dos sentidos...<br />

E pede a permissão<br />

A um novo olhar<br />

Ao horizonte<br />

De condução<br />

Ao amor<br />

E a liber<strong>da</strong>de. (FONSECA, 2006, p. 12)<br />

Circunscreve-se uma poesia personifica<strong>da</strong>, a qual aparece para re-estabelecer e<br />

nos conduzir pelos caminhos do amor e <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de. Mais uma vez, ela é pró-ativa,<br />

ganha feição humana, caracteriza<strong>da</strong> pela prontidão a mostrar um novo olhar e outros

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