Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...

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12.05.2013 Views

mundos, personagens e vozes; leituras e releituras de memórias, vivências, sonhos, sentimentos, emoções etc; e condições reais de dedicação à escrita, ou seja, de escrever sem práticas de interdições, além de possibilidades de edição e circulação. A credibilidade no Curso de Letras está imbuída de subjetividades, aqui compreendidas, de acordo com Sherry B. Ortner, como um “[...] conjunto de modos de percepção, afeto, pensamento, desejo, medo e assim por diante, que animam os sujeitos atuantes [...], associadas [...] às formações culturais e sociais que modelam, organizam e provocam aqueles modos de afeto, pensamento, etc.” (ORTNER, 2007). Ela está envolvida pela vontade de anseios por legitimação, posto que, diante da invisibilidade histórica de escritoras negras, no meio intelectual e artístico-cultural, inclusive no ensino de teoria e história literária na educação básica e em cursos de graduação em Letras, há de se pretender uma suposta e possível qualificação, para que suas narrativas e versos sejam reconhecidos. Pondero que a ausência de estudos de teoria e crítica literária, produzidos e já publicados por intelectuais negros/as, nos Cursos de Letras, também é responsável pelo apagamento de vozes literárias negras femininas, o que possivelmente agrava ainda mais o silenciamento delas. Duarte considera que o não prestígio da produção literária de negros brasileiros, apesar do crescimento de estudos a ela relacionados, dentre outros motivos, decorre pela 40 [...] inexistência de uma recepção crítica volumosa atualizada, bem como de debates regulares nos fóruns específicos da área de Letras, decorre desses fatores e também da ausência da disciplina “literatura afro-brasileira” (ou “Literatura Brasileira Afro-descendente”) nos currículos de graduação e pósgraduação da maioria dos cursos de Letras instalados no Brasil. Como consequência, mantém-se intacta a cortina de silêncio que leva ao desconhecimento público e vitima a maior parte dos escritores em questão. (DUARTE, 2005, p. 114-115) Duas escritoras, porém, indicam outras fontes de aprendizagem do ofício: Urânia Munzanzu consolidou sua escrita literária através da socialização com escritores negros, conforme afirmou: “Landê 10 é meu guru literário. André 11 , após ler os meus poemas, fica sempre insistindo para eu publicá-los [...]” (MUNZANZU, 2008). E Elque Santos mencionou que o seu acesso à LN ocorreu através dos CN e de textos de autores/as negros/as baianos/as. 10 Landê Onawalê é poeta, contista e participa dos CN. É um dos organizadores das Quartinhas de Aruá. 11 André Santana é jornalista, um dos editores da Folha Literária da Fundação Pedro Calmon do Estado da Bahia.

Além da leitura, a sua participação em ações promovidas por organizações socioculturais oportunizou o incentivo e o empenho por escrever poemas. 41 Comecei a escrever quando entrei no movimento Eregêge (espaço de reflexão de raça e gênero) participava de uma oficina de “construção” de poemas, mas não produzia nada, ia todos os sábados para ouvir os ótimos poemas produzidos por meus companheiros de movimento. Resultado, eles me deram um ultimato ou produz ou não produz. (SANTOS, 2008) A formação intelectual das escritoras negras, em foco, indiscutivelmente, não se restringe aos espaços acadêmicos, pois acontece também por meio de interação e por outras fontes de aprendizagem. Mas considero que iniciativas, como oficinas, rodas literárias, oferecidas por associações, ONG, fundações, por exemplo, ainda ocorrem, por vezes, de modo muito pontual, sem uma regularidade merecida e necessária. A função da literatura também aparece com destaque nos relatos das escritoras. Das entrevistadas, seis atribuíram à literatura, entre suas funções, enfrentar o racismo. Quatro delas declararam-se engajadas em organizações sociais negras e culturais, entendendo a arte literária como um exercício de militância, já que, por meio dela, poderão fazer conhecer outras Áfricas, desconstruindo informações e imagens depreciativas sobre o continente africano; poderão recontar outras histórias dos/as negros/as no Brasil; poderão criar personagens negras e retratar as africanidades longe de estereótipos e estigmas; e poderão forjar a visibilidade da literatura de autoria feminina negra como afirmou Fátima Trinchão: A literatura brasileira é uma literatura que sempre contempla os brancos e praticamente são pouquíssimos escritores negros. E muitas vezes não somos aceitos como escritores, mas na realidade o escritor negro, eu quero é mandar mensagem. Quero que ela seja entendida pelo meu povo. Quero pelo menos que o povo negro tenha uma literatura que seja a sua cara. Que fale das nossas coisas, que não queira camuflar os nossos dramas, as nossas verdades, porque, às vezes, o escritor branco, ele jamais irá falar daquilo que nos incomoda. Ele jamais terá mesmo olhar, a mesma perspectiva que nós temos. (TRINCHÃO, 2008) Três entrevistadas conferiram à literatura também a função social de combater as práticas sexistas, criando personagens negras femininas e/ou narradoras emancipadas, em tramas nas quais a dominação é trazida ao cenário ou se costuram relações de gênero com base na equidade pois, para Rita Santana, [...] Tramela, meu primeiro conto, sobre a incomunicabilidade, enquanto escrevia, ficava angustiada, pois, ao lê-lo, imaginava que os leitores iriam construir a imagem da personagem principal com traços fenotípicos brancos. Mas ela não é uma mulher branca,

Além <strong>da</strong> leitura, a sua participação em ações promovi<strong>da</strong>s por organizações<br />

socioculturais oportunizou o incentivo e o empenho por escrever poemas.<br />

41<br />

Comecei a escrever quando entrei no movimento Eregêge (espaço de reflexão de raça e<br />

gênero) participava de uma oficina de “construção” de poemas, mas não produzia na<strong>da</strong>,<br />

ia todos os sábados para ouvir os ótimos poemas produzidos por meus companheiros de<br />

movimento. Resultado, eles me deram um ultimato ou produz ou não produz.<br />

(SANTOS, 2008)<br />

A formação intelectual <strong>da</strong>s escritoras negras, em foco, indiscutivelmente, não se<br />

restringe aos espaços acadêmicos, pois acontece também por meio de interação e por<br />

outras fontes de aprendizagem. Mas considero que iniciativas, como oficinas, ro<strong>da</strong>s<br />

literárias, ofereci<strong>da</strong>s por associações, ONG, fun<strong>da</strong>ções, por exemplo, ain<strong>da</strong> ocorrem, por<br />

vezes, de modo muito pontual, sem uma regulari<strong>da</strong>de mereci<strong>da</strong> e necessária.<br />

A função <strong>da</strong> literatura também aparece com destaque nos relatos <strong>da</strong>s escritoras.<br />

Das entrevista<strong>da</strong>s, seis atribuíram à literatura, entre suas funções, enfrentar o racismo.<br />

Quatro delas declararam-se engaja<strong>da</strong>s em organizações sociais negras e culturais,<br />

entendendo a arte literária como um exercício de militância, já que, por meio dela,<br />

poderão fazer conhecer outras Áfricas, desconstruindo informações e imagens<br />

depreciativas sobre o continente africano; poderão recontar outras histórias dos/as<br />

negros/as no Brasil; poderão criar personagens negras e retratar as africani<strong>da</strong>des longe<br />

de estereótipos e estigmas; e poderão forjar a visibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> literatura de autoria<br />

feminina negra como afirmou Fátima Trinchão:<br />

A literatura brasileira é uma literatura que sempre contempla os brancos e praticamente<br />

são pouquíssimos escritores negros. E muitas vezes não somos aceitos como escritores,<br />

mas na reali<strong>da</strong>de o escritor negro, eu quero é man<strong>da</strong>r mensagem. Quero que ela seja<br />

entendi<strong>da</strong> pelo meu povo. Quero pelo menos que o povo negro tenha uma literatura que<br />

seja a sua cara. Que fale <strong>da</strong>s nossas coisas, que não queira camuflar os nossos dramas, as<br />

nossas ver<strong>da</strong>des, porque, às vezes, o escritor branco, ele jamais irá falar <strong>da</strong>quilo que nos<br />

incomo<strong>da</strong>. Ele jamais terá mesmo olhar, a mesma perspectiva que nós temos.<br />

(T<strong>RI</strong>NCHÃO, 2008)<br />

Três entrevista<strong>da</strong>s conferiram à literatura também a função social de combater as<br />

práticas sexistas, criando personagens negras femininas e/ou narradoras emancipa<strong>da</strong>s,<br />

em tramas nas quais a dominação é trazi<strong>da</strong> ao cenário ou se costuram relações de gênero<br />

com base na equi<strong>da</strong>de pois, para <strong>Rita</strong> Santana,<br />

[...] Tramela, meu primeiro conto, sobre a incomunicabili<strong>da</strong>de, enquanto escrevia, ficava<br />

angustia<strong>da</strong>, pois, ao lê-lo, imaginava que os leitores iriam construir a imagem <strong>da</strong><br />

personagem principal com traços fenotípicos brancos. Mas ela não é uma mulher branca,

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