Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...
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[...] Arlin<strong>da</strong> penava e relembrava os momentos em que vivera com seus pais<br />
ali, e após a morte deles, ela permanecera na casa, um dos poucos bens que o<br />
seu pai pode lhe deixar, mas, que até hoje, ela agradecia. A artrose já lhe<br />
dificultava os movimentos e as varizes, complicavam ain<strong>da</strong> mais. Acima do<br />
seu peso ideal, era-lhe sofrível as subi<strong>da</strong>s e desci<strong>da</strong>s porém, a vi<strong>da</strong> tinha que<br />
seguir em frente até quando desse e a velha fadiga não tinha espaço para<br />
importuná-la, mesmo porque tudo tinha suas compensações. Muitas foram as<br />
lutas, não poucas as batalhas, mas, era uma filha de Iansã, guerreira, altiva e<br />
por tão pouco não se deixava abater. Já de há muito que era acostuma<strong>da</strong> a<br />
guerrear, guerrear na vi<strong>da</strong> e pela vi<strong>da</strong>, "gente como a gente seo moço, não<br />
pode se deixar abater não, senão não vive". [...] Arlin<strong>da</strong> ia fazendo o seu<br />
caminho, desde moça fora assim, a garra com que vivera demonstrava a<br />
tantos quantos estivessem ao seu redor, a sua força e energia, força e energia<br />
que não eram à toa, já que nascera uma guerreira, uma filha de Iansã. Epa<br />
hei,minha mãe! [...] (T<strong>RI</strong>NCHÃO, 2010, p. 1)<br />
As memórias de Arlin<strong>da</strong> são como um legado de caráter cultural, familiar,<br />
grupal e social, a que se refere Ecléa Bosi (1994), quando apresentou o estudo sobre<br />
memórias e histórias de velhos, em seu livro, Memórias e socie<strong>da</strong>de. Elas não são<br />
apenas produtos pessoais, já que diversos eventos e espaços, como segmentos<br />
memoriais, também fazem história e constroem, concomitantemente, memórias<br />
individuais e coletivas. Ademais, as memórias não apenas reinventam o passado, mas<br />
também narram construções de autoconhecimento e elaboram significações sobre o<br />
presente. Mais ain<strong>da</strong>, segundo Pierre Nora,<br />
[...] A memória é vi<strong>da</strong>, sempre carrega<strong>da</strong> por grupos vivos e, nesse sentido,<br />
ela está em permanente evolução, aberta à dialética <strong>da</strong> lembrança e do<br />
esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a<br />
todos os usos e manipulações, suscetível de longas latências e de repentinas<br />
revitalizações [...] A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no<br />
eterno presente [...] ela se alimenta de lembranças vagas, telescópicas,<br />
globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a to<strong>da</strong>s<br />
transferências, cenas, censura ou projeções [...]; que ela é por natureza,<br />
múltipla e desacelera<strong>da</strong>, coletiva, plural e individualiza<strong>da</strong> [...] (NORA, 1993,<br />
p. 9)<br />
Pertencente a uma família negra, que valorizava as culturas e práticas religiosas<br />
de seus antepassados, ela prossegue a sua existência disposta e decidi<strong>da</strong> a lutar sempre.<br />
É uma atitude que não assumiu voluntariamente, mas que derivou de referências e<br />
exemplos depreendidos do convívio com sua família.<br />
[...] como eu ia lhe dizendo, papai ia saindo um dia do cais, bem de noite,<br />
bem tarde, e ai, apareceram três indivíduos querendo tirar idéia com ele, ele<br />
ficou na dele, não era possível uma coisa <strong>da</strong>quelas [...] um deles veio e<br />
empurrou meu pai, o outro tentou tirar a sacola que ele levava com as roupas<br />
de trabalho e o terceiro avançou pra ele com um punhal; meu pai entendeu a<br />
situação, aquele pessoal não ‘tava para brincadeira. Ele se encostou à parede,