Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...

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224 5.3 Memórias Literárias: Entre a Ficcionalização de Lembranças e Reinvenções do Vivido A escrita literária de escritoras negras baianas, em ênfase neste estudo, se insere em uma escritura imaginativa que se quer, além de reinvenções de si/nós, de mitos e divindades africanas, recriar lembranças individuais e coletivas. Para tanto, elas se apropriam, por vezes, de lugares, eventos e marcos materiais e imateriais para ficcionalizarem recordações e arquitetar suas memórias. Personagens, tradições, ritos, mitos, solidão, angústias, sentimentos, sons, ondas do mar, praias, cheiros, vozes, instrumentos de percussão tornam-se elementos de arquivamentos de experiências e de memórias. Tais ocorrências justificam a necessidade de se pensar sobre os lugares de memórias presentes na literatura afrofeminina por elas produzidas. Vestuário, cores e eventos, como o vestido de tecido fino azul-marinho e a notícia assistida respectivamente, de Madalena, do conto Medusas e caravelas e objetos como a porta e a tramela do conto Tramela são também traços de memórias. Fenômenos da natureza, como as chuvas, em Lembranças das águas; divindades afrobrasileiras, como aquelas presentes nas obras de Aline França e de poemas e contos de Mel Adún e Fátima Trinchão e nas poesias de Urânia Munzanzu e Elque Santos são arquétipos guardados e ressignificados pelas memórias. Espaços de um terreiro de candomblé, como o barracão, evidentes no conto Terreiro da gente, que será analisado neste tópico, e até mesmo a floresta, o canto e assobio de bem-te-vis, tais como se apresentam em Salve as Folhas Kò Si Èwè Kò Si Òrisá constituem ilustrações de locais e arquivos em potenciais que guardam histórias e lembranças, que compõem memórias literárias de si/nós pelas suas respectivas autoras. Mediante tal cenário de demonstração de vários lugares e situações de memórias, em poéticas e narrativas das colaboradoras da pesquisa, este tópico analisa os contos Arlinda (2010), de Fátima Trinchão, e Terreiro da gente, de Mel Adún (2007), quanto à criação de memórias literárias. Esses lugares, momentos e sinais de memórias são signos que adquirem pertinência quando entendemos o redimensionamento, no âmbito da História Cultural, de modalidades de memórias e suas concepções, discutidos por Jacques Le Goff (1996), uma vez que podem favorecer o entendimento de memórias literárias que interessam à abordagem deste tópico. Este historiador assegura, por exemplo, de igual modo ao

historiador Pierre Nora (1997), em seu estudo sobre memória e história, que espaços de memórias deixam de ser tão somente os lugares hegemônicos, tais como museus, bibliotecas, arquivos, institutos, parques, memoriais etc. 225 São instâncias de memórias também, para esse pesquisador, os cheiros, os objetos, os sentimentos, o paladar, os símbolos, as cores, as formas, dentre outros, como se apresentam nos textos literários citados acima. As pessoas-memórias, os arquivistas, como o Griot, do poema Ecos do passado, de Fátima Trinchão, se constituem como diferentes lugares de construção de memórias arquivistas, e os Arquivos vivos das sociedades de tradição oral, aquelas pessoas que Hampaté Bâ (1997) designou de Memória/Tradição viva e grupos que recriam memórias através da oralidade, ampliando os espaços de memórias. Michael Pollak (1997), em seu estudo sobre memória coletiva, alarga ainda mais a variedade de possibilidades de estruturação da memória, ao salientar a importância dos diferentes pontos de referência que a estruturam, apontados por Maurice Halbwachs (2006), ao tratar sobre memória coletiva. Pollak inclui outros lugares de memórias, a saber, os monumentos, o patrimônio arquitetônico e seu estilo, as paisagens, as datas e personagens históricas, as tradições e costumes, certas regras de interação, o folclore, a música e as tradições culinárias. Em sua análise da memória coletiva, Maurice Halbwachs enfatiza a força dos diferentes pontos de referência que estruturam nossa memória e que a inserem na memória da coletividade a que pertencemos. Entre eles incluemse evidentemente os monumentos, esses lugares da memória analisados por Pierre Nora, o patrimônio arquitetônico e seu estilo, que nos acompanham por toda a nossa vida, as paisagens, as datas e personagens históricas de cuja importância somos incessantemente relembrados, as tradições e costumes, certas regras de interação, o folclore e a música, e, por que não, as tradições culinárias. (POLLAK, 1989, p. 3) Os lugares de memórias, então, não são apenas aqueles materiais já consagrados como arquivos, documentos etc mas, igualmente, são os espaços imateriais, citados por Pierre Nora (1997), tais como as sociedades-memórias (igreja, Estado, família, etnias, grupos, comunidades, associações, organizações etc); as ideologias-memória, as memórias individuais (aniversários, por exemplo), as vivências pessoais, dentre outras, em que o eu e o nós entrecruzam-se. O breve conto Terreiro da gente, de Mel Adún, narra, apresentando espaço e momento de memórias, o instante do encontro, pelo olhar, entre a narradora personagem, sem nome, e Odé, outro personagem da história.

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A escrita literária de escritoras negras baianas, em ênfase neste estudo, se insere<br />

em uma escritura imaginativa que se quer, além de reinvenções de si/nós, de mitos e<br />

divin<strong>da</strong>des africanas, recriar lembranças individuais e coletivas. Para tanto, elas se<br />

apropriam, por vezes, de lugares, eventos e marcos materiais e imateriais para<br />

ficcionalizarem recor<strong>da</strong>ções e arquitetar suas memórias. Personagens, tradições, ritos,<br />

mitos, solidão, angústias, sentimentos, sons, on<strong>da</strong>s do mar, praias, cheiros, vozes,<br />

instrumentos de percussão tornam-se elementos de arquivamentos de experiências e de<br />

memórias. Tais ocorrências justificam a necessi<strong>da</strong>de de se pensar sobre os lugares de<br />

memórias presentes na literatura afrofeminina por elas produzi<strong>da</strong>s.<br />

Vestuário, cores e eventos, como o vestido de tecido fino azul-marinho e a<br />

notícia assisti<strong>da</strong> respectivamente, de Ma<strong>da</strong>lena, do conto Medusas e caravelas e objetos<br />

como a porta e a tramela do conto Tramela são também traços de memórias. Fenômenos<br />

<strong>da</strong> natureza, como as chuvas, em Lembranças <strong>da</strong>s águas; divin<strong>da</strong>des afrobrasileiras,<br />

como aquelas presentes nas obras de Aline França e de poemas e contos de Mel Adún e<br />

Fátima Trinchão e nas poesias de Urânia Munzanzu e Elque Santos são arquétipos<br />

guar<strong>da</strong>dos e ressignificados pelas memórias.<br />

Espaços de um terreiro de candomblé, como o barracão, evidentes no conto<br />

Terreiro <strong>da</strong> gente, que será analisado neste tópico, e até mesmo a floresta, o canto e<br />

assobio de bem-te-vis, tais como se apresentam em Salve as Folhas Kò Si Èwè Kò Si<br />

Òrisá constituem ilustrações de locais e arquivos em potenciais que guar<strong>da</strong>m histórias e<br />

lembranças, que compõem memórias literárias de si/nós pelas suas respectivas autoras.<br />

Mediante tal cenário de demonstração de vários lugares e situações de memórias, em<br />

poéticas e narrativas <strong>da</strong>s colaboradoras <strong>da</strong> pesquisa, este tópico analisa os contos<br />

Arlin<strong>da</strong> (2010), de Fátima Trinchão, e Terreiro <strong>da</strong> gente, de Mel Adún (2007), quanto à<br />

criação de memórias literárias.<br />

Esses lugares, momentos e sinais de memórias são signos que adquirem<br />

pertinência quando entendemos o redimensionamento, no âmbito <strong>da</strong> História Cultural,<br />

de mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des de memórias e suas concepções, discutidos por Jacques Le Goff (1996),<br />

uma vez que podem favorecer o entendimento de memórias literárias que interessam à<br />

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