Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...
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218 Os estandartes, obra também de Aline França (1995), inicia com uma dedicatória em que constam 62 (sessenta e dois) nomes de artistas e intelectuais, em sua maioria negros/as, do Brasil e de outras diásporas, a quem a autora oferece os estandartes do livro, por participarem de movimentos e ações artístico-culturais que promovem a preservação do meio ambiente e o alcance de direitos civis, políticos e sociais para homens e mulheres negras. No livro-conto, além dessas personalidades, destacam-se os fortiafri ─ personagens que chamam a atenção, através de estandartes, de populações sobre a espiritualidade e os problemas sociais da época da narrativa ─ por acreditarem que, em meio a tantas violências contra o meio ambiente, sofrimentos e a atos de negação da vida, é possível ter esperança, sonhar mundos e se embevecer com os encantos das florestas, da natureza e das águas. As águas do rio Taquira estavam barrentas, devido ao temporal, um dos piores dos últimos tempos. Foram arrastadas casas, plantações e animais. Os escombros cobriam as pedras sagradas de Batum, o guerreiro que lutou pela independência. Pessoas que retiravam escombros oravam em voz alta. Os musgos verde-escuro tomavam cona dos enormes troncos que retorcidos como serpentes se espalhavam por toda a margem. Além do rio, era o verde da floresta que fazia caminhos escuros, e as sombras dos zambeiros atraíam os moradores para contar histórias, principalmente a dos fortiafri, que apareceram sem ninguém saber de onde e ajudaram na reconstrução. (FRANÇA, 1995, p. 21) Os fortafri têm como missão, no mundo, espalhar, com seus estandartes, mensagens em favor da vida e do equilíbrio da natureza. Eles têm, entre suas atribuições, chamar a atenção de homens e mulheres sobre os problemas, tais como a fome, o desemprego, a poluição e, acima de tudo, a insensibilidade que assolam as sociedades contemporâneas. E Katiamba começou a falar com entusiasmo: ─ E então os fortiafri que aqui viviam, eram um povo cheio e coragem. Batum, um filósofo, quero dizer, um grande pensador, recebia a iluminação dos espectros solares, e com isso adquiria idéias Procuravam combater todos os tipos de preconceitos. Sabiam que os povos estavam atravessando dificuldades. Pois é, pegaram seus estandartes e rumaram para terras desconhecidas. E entraram na luta. Retornaram a Kanda mas não deixaram de ficar atentos aos acontecimentos do mundo [...] a jovem Zumma, por exemplo, quando chegava das grandes lutas, ficava vários dias andando pela floresta, dizia que a energia das plantas e a temperatura dos animais davamlhe idéias e coragem [...] (FRANÇA, 1995, p. 44-45) Há, em Os estandartes, os personagens da narrativa, com perfis e ações heróicas, que trazem em seus nomes uma sonoridade de línguas africanas. Kaitamba, Natimbu,
Cajimbã, Tuaka, Trigu, Mamba, Malemba, Cambira, Zumma, Zimba, Kandá, Tincura são outras figuras, as quais tecem poeticamente aventuras e viagens líricas que criam respostas e sonhos para as angústias do tempo que se chama hoje, sobretudo aquelas subsequentes a devastações da natureza e, por isso, também merecem estandartes. 219 [...] As águas agora já mostravam algum brilho um ou outro adaum se encontrava nos galhos caídos dos zambeiros. Deitado sobre a pedra, o velho Kaitamba pensava – Aqui, dessa floresta, surgiram os fortiafri e um dia irão se espalhar pelo mundo afora, provarão que desequilíbrio ecológico mudará o comportamento humano. (FRANÇA, 1995, p. 24) Pelas viagens mitológicas, os fortiafri e as demais personagens de Os estandartes visitam planetas, vilas, florestas, os mundos dos mortos e dos vivos – o Aiyê e o Òrum etc. –, simbolizam movimentos que vão de realidades cotidianas a mundos maravilhosos e desconhecidos. São seres que viajam para atender a apelos que aparecem, seja na vida seja em mitos, advindos de catástrofes, desordens, irresponsabilidades e insensibilidades humanas, doenças, seres sobrenaturais, sentimentos, necessidades, intolerâncias, exclusões, angústias etc. A mulher de Aleduma e Os estandartes são exemplos de narrativas afrofemininas que visam ao cuidado de nós, já que, por elas, vozes narradoras reivindicam formas de afirmação de identidades e de valorização de legados culturais afrobrasileiros. Enunciam ainda a necessidade de reconhecimento do panteão, princípios, mitologias, culturas e costumes africano-brasileiros, pois, de acordo com José Eduardo Fernando Giraudo, Se as artes são de fato artes da memória num sentido amplo, uma vez que a arte é, como todo discurso, uma instância de atualização da memória coletiva, também é verdade que algumas artes, e uma certa literatura, incorporam explicitamente a função de catalisadoras do material histórico e mítico disseminado nas diversas camadas do discurso social [...] (GIRAUDO, 1997, p. 30) Essas novelas configuram-se, portanto, como reinvenções de narrativas que contam, explicam e explicitam outras formas de pensar sobre si/nós e compreender culturas negras e ancestralidades. Por elas, forjam-se narrativas e memórias que favorecem a afirmação de discursos, histórias e identidades que subvertem a face de deuses/as africanos/as presentes em outras escritas e se criam táticas de cuidado de nós. A primeira novela de Aline França, Negão Dony (1978), conta a história de uma africana, Mãe Maria de Obi que, com seu filho, Negão Dony, retorna a sua terra de
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Os estan<strong>da</strong>rtes, obra também de Aline França (1995), inicia com uma<br />
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de populações sobre a espirituali<strong>da</strong>de e os problemas sociais <strong>da</strong> época <strong>da</strong> narrativa ─<br />
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a atos de negação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, é possível ter esperança, sonhar mundos e se embevecer com<br />
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As águas do rio Taquira estavam barrentas, devido ao temporal, um dos<br />
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independência. Pessoas que retiravam escombros oravam em voz alta. Os<br />
musgos verde-escuro tomavam cona dos enormes troncos que retorcidos<br />
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Além do rio, era o verde <strong>da</strong> floresta que fazia caminhos escuros, e as sombras<br />
dos zambeiros atraíam os moradores para contar histórias, principalmente a<br />
dos fortiafri, que apareceram sem ninguém saber de onde e aju<strong>da</strong>ram na<br />
reconstrução. (FRANÇA, 1995, p. 21)<br />
Os fortafri têm como missão, no mundo, espalhar, com seus estan<strong>da</strong>rtes,<br />
mensagens em favor <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e do equilíbrio <strong>da</strong> natureza. Eles têm, entre suas<br />
atribuições, chamar a atenção de homens e mulheres sobre os problemas, tais como a<br />
fome, o desemprego, a poluição e, acima de tudo, a insensibili<strong>da</strong>de que assolam as<br />
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E Katiamba começou a falar com entusiasmo:<br />
─ E então os fortiafri que aqui viviam, eram um povo cheio e coragem.<br />
Batum, um filósofo, quero dizer, um grande pensador, recebia a iluminação<br />
dos espectros solares, e com isso adquiria idéias Procuravam combater todos<br />
os tipos de preconceitos. Sabiam que os povos estavam atravessando<br />
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ficar atentos aos acontecimentos do mundo [...] a jovem Zumma, por<br />
exemplo, quando chegava <strong>da</strong>s grandes lutas, ficava vários dias an<strong>da</strong>ndo pela<br />
floresta, dizia que a energia <strong>da</strong>s plantas e a temperatura dos animais <strong>da</strong>vamlhe<br />
idéias e coragem [...] (FRANÇA, 1995, p. 44-45)<br />
Há, em Os estan<strong>da</strong>rtes, os personagens <strong>da</strong> narrativa, com perfis e ações heróicas,<br />
que trazem em seus nomes uma sonori<strong>da</strong>de de línguas africanas. Kaitamba, Natimbu,