Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...
Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...
Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
208<br />
Os mitos africanos explicitam uma visão antropomórfica de Deuses/as, uma vez<br />
que lhes atribuem semelhanças, papéis e ações humanas, narrando sobre seres humanos,<br />
heróis e seus feitos, explicando os fun<strong>da</strong>mentos e evidenciando a vi<strong>da</strong> humaniza<strong>da</strong> de<br />
Deuses/as. Eles/as realizam ações que demonstram seu caráter divino, guerreiro e seu<br />
percurso entre o Ara-Àiyê ─ o mundo visível ─ e o Ara-Òrun ─ o mundo invisível ─.<br />
Desses universos resultam caracterizações de Deuses/as, concomitantemente, com<br />
feições divinas humaniza<strong>da</strong>s e transfigura<strong>da</strong>s por atributos humanos e como seres em<br />
movimento, que se deslocam diante e com o dinamismo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong> natureza, pois<br />
trazem à tona uma síntese dos discursos mitológicos (dimensão sagra<strong>da</strong>) e <strong>da</strong> estética <strong>da</strong><br />
existência (dimensão filosófica).<br />
Talvez por isso algumas autoras, em evidência neste estudo, recriem mitos e/ou<br />
divin<strong>da</strong>des africano-brasileiros como instâncias de informação e entendimento de<br />
aspectos culturais negros e de histórias de povos negros no Brasil. Elas os consideram<br />
capazes de agregar um conjunto de valores, princípios, costumes etc. que extrapolam<br />
práticas ritualísticas. Em alguns de seus poemas, podem ser encontra<strong>da</strong>s divin<strong>da</strong>des<br />
africanas como Iansã, Iemanjá, Òsum, Osalà, Omolú, Esù e Nanã. Fátima Trinchão, por<br />
exemplo, tem três poemas dedicados a Iansã: A Deusa (2009), Senhora dos trovões e<br />
tempestades e Salve Oyá (2009); ela escreveu ain<strong>da</strong> um poema a Osalà, denominado Pai<br />
Oxalá (2009) e um a Iemanjá, com o título Odo Iyá (2009). Elque Santos dedica a<br />
Òsum o poema Sou um rio (2007). O poema Ventania brisa, de Urânia Munzanzu<br />
(2008), é também dedicado a Oyá; e, em outros poemas dela, constam referências às<br />
divin<strong>da</strong>des como Esù, Òsum, Nanã, Omolu, Iemanjá e em quase todos os seus poemas<br />
há expressões oriun<strong>da</strong>s de línguas de povos africanos gêge e yoruba.<br />
Ao referenciar Orisàs, nos poemas Òmim, de Mel Adún, e Pai Oxalá e Odo Ya,<br />
de Fátima Trinchão, analisados neste tópico, essas escritoras talvez possam, como<br />
exercício de resistência, entender e refutar, quando necessário for, leituras existentes<br />
sobre mitos e universos culturais africano-brasileiros. Elas podem possibilitar aos/às<br />
leitores/as a socialização dos mitos como elementos culturais de tradições africanas, já<br />
que comumente aparece mais, na literatura, aqueles <strong>da</strong> tradição ocidental, sobretudo os<br />
mitos de origem grega.<br />
Com divin<strong>da</strong>des africanas ou com feições africanas, elas, pela linguagem<br />
poética, podem desdizer discursos históricos sobre a África, suas diásporas e<br />
religiosi<strong>da</strong>des, na socie<strong>da</strong>de brasileira, que ain<strong>da</strong> estabelece relações a partir de visões<br />
etnocêntricas, as quais constroem olhares sobre o/a Outro/a, elaboram, organizam e