Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...
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personagem principal Marina, ou seja, o contínuo pensar sobre o que ela vivera com<br />
Augusto e sua decisão de ir ao encontro de si mesma, seguindo sozinha a sua estra<strong>da</strong>.<br />
199<br />
Cheguei ao local do encontro. Descrever talvez fosse fácil. A estra<strong>da</strong> até aqui<br />
povoa<strong>da</strong> de evasões e tempo de gente que ficou. As flores alaranja<strong>da</strong>s se<br />
estendiam dispersas nas alturas; mas seria mesmo sábado? O nome <strong>da</strong>quela<br />
árvore semea<strong>da</strong> por to<strong>da</strong> a estra<strong>da</strong>... Temia esquecer as palavras. Em pouco, a<br />
distância abalaria a comunicação cotidiana, as mãos já não diria em socorro,<br />
como sempre disseram, as mãos perdi<strong>da</strong>s perderiam a palavra do gesto.<br />
Ain<strong>da</strong> ser possível esconder a desorganização gradual do pensamento [...]<br />
(SANTANA, 2004, p.81)<br />
O cui<strong>da</strong>do de si de Marina se estabelece pelos sentidos e não apenas pelas ações,<br />
posto que cui<strong>da</strong>r-se é olhar-se e se deixar olhar pelo mundo, pelos outros e sobre isso<br />
colocar-se a pensar. O olhar torna-se objeto de pensamento e de meditação e, ao mesmo<br />
tempo, um caminho de cui<strong>da</strong>do de si, uma vez que olhar atentamente o local do<br />
encontro, a estra<strong>da</strong> opera como prática de observação de si, em interação com o mundo<br />
e com os outros. Marina, em um ato de ocupação de si, faz uma descrição do seu retorno<br />
para casa e <strong>da</strong>s expectativas desse movimento, em um momento angustiante e decisivo<br />
de sua saí<strong>da</strong>, e conta seus encontros de afagos com Augusto.<br />
Volto para casa. Sempre volto para casa e nunca sei ao certo quem se nutre<br />
com a minha ausência perambulando pelos cantos vazios. Volto e sempre<br />
digo para Augusto: nunca deixe de beijar as bor<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s minhas ancas, sim<br />
Augusto, bem aí onde só você sabe ir tateando com a língua entre dedos, a<br />
trilha onde afun<strong>da</strong> certa a região do repouso do gozo. Não, Augusto, agora,<br />
sim, um pouco mais, vem cá, Augusto, ai... aí; bem aí, Augusto [...]<br />
(SANTANA, 2004, p.82)<br />
Marina não apenas volta para casa; o retorno se estende às sensações resultantes<br />
dos encontros com Augusto. Ela pensa sobre as técnicas de si, ou seja, sobre práticas<br />
afetivas, solitárias e em companhia, reflexivas e voluntárias, através <strong>da</strong>s quais não<br />
somente formula regras de comportamento, mas também busca dedicação a si própria, o<br />
autocontrole e a auto-observação. Esses são exercícios de autoconstituição, já que<br />
possibilitam a elaboração de técnicas de construção do sujeito, em vista <strong>da</strong><br />
transformação e de processos de subjetivação que sugerem maneiras de resistência<br />
contra quaisquer formas de sujeição e liber<strong>da</strong>de de ação, estabelecendo-se como uma<br />
prática de constituição de saber e de poder.<br />
A narrativa prossegue com a voz observadora, a outra narradora do conto,<br />
caracterizando os encontros que ocorreram entre a personagem Marina e Augusto. Essa