Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...
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Lejeune também retoma a discussão em torno de possíveis relações entre o eu<br />
referencial e o eu ficcional, ao tratar dos pactos estabelecidos entre o autor e o leitor que<br />
consistem no pacto autobiográfico, que é a identi<strong>da</strong>de do personagem-narrador<br />
delinea<strong>da</strong> pelo narrador que atribui a si mesmo a autoria do <strong>texto</strong>, provado logo no<br />
título, no início ou disperso e repetido ao longo do <strong>texto</strong>, e o pacto referencial, “[...] no<br />
qual se incluem uma definição do campo do real visado e um enunciado <strong>da</strong>s<br />
mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des e do grau de semelhança aos quais o <strong>texto</strong> aspira” (LEJEUNE, 2006, p.<br />
36). Para ele,<br />
Em oposição a to<strong>da</strong>s as formas de ficção, a biografia e a autobiografia são<br />
<strong>texto</strong>s referenciais: exatamente como o discurso científico e histórico, eles se<br />
propõem a fornecer informações a respeito de uma “reali<strong>da</strong>de” externa ao<br />
<strong>texto</strong> e a se submeter portanto a uma prova de verificação. Seu objetivo não é<br />
a simples verossimilhança, mas a semelhança com o ver<strong>da</strong>deiro. Não o<br />
“efeito de real” mas a imagem do real. (LEJEUNE, 2006, p. 36)<br />
Os pactos, pois, são inseparáveis, apesar de explicados distintamente, posto que<br />
“[...] O pacto referencial, no caso <strong>da</strong> autobiografia, é em geral co-extensivo ao pacto<br />
autobiográfico, sendo difícil dissociá-los, exatamente como ocorre com o sujeito <strong>da</strong><br />
enunciação e do enunciado na primeira pessoa [...]” (LEJEUNE, 2006, p. 36-37). Há,<br />
portanto, entre o autor e o leitor, no <strong>texto</strong> autobiográfico, um contrato, implícito ou<br />
explícito, de aproximação à exatidão, referente à informação, e à fideli<strong>da</strong>de, referente à<br />
significação, ao ocorrido e já realizado, ain<strong>da</strong> que demarcado por distorções, erros,<br />
invenções, esquecimentos e negociações peculiares ao ato de lembrar e de construir<br />
narrativas ficcionais. Para Santiago, a aproximação entre referenciali<strong>da</strong>de e ficção<br />
também tensiona os limites entre a ver<strong>da</strong>de e a mentira nas narrativas.<br />
As histórias – to<strong>da</strong>s elas, eu diria num acesso de generalização – são mal<br />
conta<strong>da</strong>s porque o narrador, independentemente do seu desejo consciente de<br />
se expressar dentro dos parâmetros <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, acaba por se surpreender a si<br />
pelo modo traiçoeiro como conta sua história (ao trair a si, trai a letra <strong>da</strong><br />
história que deveria estar contando). A ver<strong>da</strong>de não está explícita numa<br />
narrativa ficcional, está sempre implícita, recoberta pela capa <strong>da</strong> mentira, <strong>da</strong><br />
ficção. No entanto, é a mentira, ou a ficção, que narra poeticamente a ver<strong>da</strong>de<br />
ao leitor. (SANTIAGO, 2008, p. 177)<br />
Talvez por isso, a escrita de si que desponta em O quarto, embora<br />
autorreferencia<strong>da</strong>, não consista em relatar o ver<strong>da</strong>deiro, mas uma reali<strong>da</strong>de que se<br />
pareça com a de muitas outras vozes femininas. S. Santiago considera o jogo entre a