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Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...

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Ela escreve igualmente para descrever suas várias paisagens, dedicando-se a elaborar<br />

pensamentos sobre si, procurando interagir, pelo pensamento, com o mundo.<br />

187<br />

[...] Meu pensamento vai trazer-te até aqui, onde eu me escondo e<br />

restabeleço do mundo. Sou mulher de muitas paisagens interiores, e<br />

descrevê-las tornou-se o meu ofício. Ser flutuação de abismos e plantação de<br />

mandioca. Ser, ser e ser. Eu quis em demasia, quis existir demais, exagero<br />

de existência, por isso tão doí<strong>da</strong>, por isso tão doí<strong>da</strong>. Para que o amontoado<br />

de palavras traga-me pistas de um farelo de pensamento capaz de restituirme<br />

à estra<strong>da</strong>, eu escrevo. Da infância, ficou aquela sensação de que o meu<br />

pensamento representava a única existência possível, o mundo só existia<br />

porque eu o pensava. Por isso me penso tanto e me perco tanto [...]<br />

(SANTANA, 2004, p. 39-40).<br />

O desejo imensurável de ser a tornou tão desvaira<strong>da</strong> que só a escrita pode ser<br />

capaz de lhe devolver o caminho <strong>da</strong> existência. Escrever para contar sobre si mesma é<br />

uma pista de superação dos limites <strong>da</strong> loucura e oportuni<strong>da</strong>de de pensar. Ain<strong>da</strong> assim,<br />

como escritora personagem, Ma<strong>da</strong>lena escuta vozes que lhe perseguem, relembrando<br />

diálogos fragmentários e dispersos estabelecidos com João, o qual lhe levou a perder o<br />

pé <strong>da</strong>s coisas, à doidice.<br />

Por ora, deixe eu contar o que se passou comigo. Nós já éramos separação<br />

irremediável, eu e você. Estávamos delidos, afinal, não tivemos, de fato,<br />

uma história. Tivemos, isto sim, breves ensaios com cenários apropriados,<br />

marcação perfeita, e um <strong>texto</strong> aberto, aberto demais para a objetivi<strong>da</strong>de<br />

concreta do mundo. E aí nos perdemos na possibili<strong>da</strong>de de leitura [...] agora,<br />

João habita em minha vi<strong>da</strong> sem versos ou sonhos. Mas não esqueça, meu<br />

querido, que o instante abriga o ido e o vindouro, e que isolar o momento é<br />

negar a continui<strong>da</strong>de do Absurdo [...] (SANTANA, 2004, p. 40)<br />

Mais uma vez, a escrita de Ma<strong>da</strong>lena põe em dúvi<strong>da</strong> a veraci<strong>da</strong>de e a<br />

legitimi<strong>da</strong>de de sua loucura, pois, através <strong>da</strong> escrita, a personagem-escritora se desvela,<br />

mostrando um pouco o que ela é ou quem pensa momentaneamente que se tornara. É<br />

possível inferir que essa ficcionalização de uma escrita de si pode ser uma subjetivação,<br />

isto é, uma estratégia de luta contra o aniquilamento.<br />

No conto, passeia um sujeito “ver<strong>da</strong>deiro”, que é capaz de produzir discursos,<br />

pautados em verossimilhanças, o que não significa afirmar ver<strong>da</strong>des sobre si. Neste<br />

sentido, Ma<strong>da</strong>lena, imagino, certifica sua busca de existência, em demasia, a partir do<br />

vivido; viver, para ela, pode ser uma maneira de mostrar-se e de entender-se, e não uma<br />

procura de uma essência a ser desven<strong>da</strong><strong>da</strong>. Para isso, designa uma autoria de si, que lhe<br />

autoriza tornar autênticos os seus pensamentos sobre seus todos, sobre João, o quarto,<br />

sobre tudo e todos que lhe circun<strong>da</strong>m, legitimando seus modos de reflexão e de

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