Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...
Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ... Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...
Te quero assim: Negro-gato-homem Me fazendo caminhar Por ter lugares Que a minha menina Ainda nem sabe. Te quero sonho-real Tocando minha pele Desejosa de tuas mãos quentes e suaves prontas a acariciar minha fêmea instigada ao amor na plenitude da carícia. Te quero ...e nessa vou... Senhora da minha entrega. (FONSECA, 2006, p.5) 180 Nesse poema há quereres de ternura, acompanhados de cabeça, pés e passos firmes a caminho de certezas e decisões e, ao mesmo tempo, isolados de práticas de reificação feminina. A menina, desses versos, não é objeto de prazer ou de um amor erotizado nem mesmo do seu negro-gato-homem. Ao contrário, ela se projeta como protagonista de seus próprios desejos e fantasias afetivas, tornando-se, pelo seu querer, senhora de suas vontades e de sua entrega, exercendo o poder ao cantar seus sonhos de menina senhora. De igual modo, ela se desenha autônoma e autêntica, seguindo em busca de afagos e do amor de seu negro sonho-real. Os seus anseios por um negro gato idealizado se justificam pela procura de si mesma e de atender aos seus próprios desejos e não em função daqueles que porventura ele possa ter. A poética de Urânia Munzanzu, Jocélia Fonseca e Rita Santana apresenta figurações de femininos negros dissociados de passividades mediante as práticas de dominação masculina, de inércia perante a coisificação de seus corpos e indiferença aos seus desejos, sentimentos, sonhos, escolhas e sentimentos. Na palavra literária dessas escritoras circula uma visão de feminismo negro que extrapola aquele entendimento de sua pertinência apenas pelo viés do coletivo e pelas agendas e inserções em organizações sociais negras femininas. Não há, em seus versos, um tom de conclamação por união de vozes femininas reivindicativas em prol de conquista de emancipação e de direitos civis e políticos. Tampouco são vozes literárias que denunciam as diversas formas de exploração, a que, historicamente, se subjugam as mulheres, ou de protestos contra a dominação masculina. Há, em seus poemas, uma compreensão de feminismo negro, comprometido com mudanças nas relações étnico-raciais e de gênero, que opera nos embates e convívios cotidianos, no ordinário das relações entre homens e mulheres,
sobretudo, entre homens e mulheres negras. Os eus poéticos femininos negros mostram- se afeitos, pelos versos, a forjarem mudanças de identidades femininas negras em práticas socioculturais habituais. É, no âmbito do espaço privado, das relações afetivas e pessoais, portanto, que se operam as formas de resistências e as insurgências contra as práticas falocêntricas, racistas e etnocêntricas, como também se realizam ações de disputas de poder. 181 Fazer poéticas afrofemininas, com esses tons, circunscreve identidades negras e de gênero que ecoam em defesa de equidade, da alteridade e de novas significações à rotina e às guerras diárias, com traços de eus políticos, culturais e líricos que enfrentam vicissitudes, feridas, ausências e dores individuais e coletivas. Circunscrevem cantos, sonhos, experiências e visões de mundo, bem como se (re) inventam identidades negras femininas e suas conquistas de autonomia, uma vez que garante um direito à fala poética que tem ânsia, ainda que imaginária, por liberdade, reconhecimento, contestação e mudanças. Por fim, circunscreve mobilizações de sentidos estáticos de femininos e feminismo negro. Este capítulo, destarte, ao apresentar uma discussão sobre a literatura afrofeminina e fazer análise de alguns poemas de Jocélia Fonseca, Rita Santana e Urânia Munzanzu, permitiu compreender que, pela escrita literária, podem-se traçar perfis femininos negros e feminismo negro distanciados de formações discursivas estabelecidas. Assim, discursos poéticos e ficcionais se desdobram em processos de subjetivação e, em alguma medida, de des-hierarquização de subjetivação, imprimindo soberania e exercícios de resistência em outros modos de criar, pela linguagem literária, vozes e personagens negras femininas.
- Page 117 and 118: poética que insiste em afirmar a t
- Page 119 and 120: marcas de referencialidades afrobra
- Page 121 and 122: sua senhora, entretanto é inapta a
- Page 123 and 124: 135 Já a infantilizada e instintiv
- Page 125 and 126: personagens aparecem somente como u
- Page 127 and 128: em entrevista, no início da pesqui
- Page 129 and 130: 141 A conformação teórica da lit
- Page 131 and 132: 143 [...] feita por negros ou desce
- Page 133 and 134: Que foram trancados Na trama da tra
- Page 135 and 136: portadores de saberes e culturas. R
- Page 137 and 138: A blusa e se pelou. O sinhô ficou
- Page 139 and 140: negros/as escritores/as que deixam
- Page 141 and 142: Sua coragem, sua beleza. O seu tale
- Page 143 and 144: 155 Este capítulo ainda discutiu s
- Page 145 and 146: 157 Liane Schneider, ao discutir so
- Page 147 and 148: si/nós como sujeitos que enunciam
- Page 149 and 150: 161 Sinto. Agora sinto qualquer coi
- Page 151 and 152: 163 3.2 Literatura de Escritoras Ne
- Page 153 and 154: Venho de umidades, morfos e orgias
- Page 155 and 156: Ferem-te com flechas encomendadas T
- Page 157 and 158: com as amarras da dominação e do
- Page 159 and 160: 171 A marca textual da literatura a
- Page 161 and 162: 173 Diante de tal contexto, se imp
- Page 163 and 164: 175 O Baobá, incontestavelmente, c
- Page 165 and 166: 177 O desejo de ter um Baobá, como
- Page 167: 179 Dentre os 70 poemas, em 16 dele
- Page 171 and 172: 183 Nessas histórias aparecem fios
- Page 173 and 174: 185 Meu querido, quem me ama? João
- Page 175 and 176: Ela escreve igualmente para descrev
- Page 177 and 178: 189 Lejeune também retoma a discus
- Page 179 and 180: suas recordações no recôndito de
- Page 181 and 182: com o já dito sobre ela para pross
- Page 183 and 184: 195 [...] Eu e minha atração por
- Page 185 and 186: deslocamento subjetivo e de ressign
- Page 187 and 188: personagem principal Marina, ou sej
- Page 189 and 190: 201 toda descalça, em vertigem. Ai
- Page 191 and 192: 203 carrancudo, o mundo me comia in
- Page 193 and 194: 205 ser como aquela. Nenhuma gota d
- Page 195 and 196: V CAPÍTULO MEMÓRIAS LITERÁRIAS D
- Page 197 and 198: instituem classificações, tais co
- Page 199 and 200: Perfumes e ervas para lavar Do Pai
- Page 201 and 202: 213 5.2 (Re) Significações de Mit
- Page 203 and 204: 215 Os mitos constituem, por conseg
- Page 205 and 206: 217 Ao pisar nas areias da Filha Do
- Page 207 and 208: Cajimbã, Tuaka, Trigu, Mamba, Male
- Page 209 and 210: que travam para sobreviverem e para
- Page 211 and 212: 223 Deixou-se ficar extasiado com a
- Page 213 and 214: historiador Pierre Nora (1997), em
- Page 215 and 216: Odé, bem como o instante do olhar
- Page 217 and 218: 229 [...] Arlinda penava e relembra
Te quero assim:<br />
Negro-gato-homem<br />
Me fazendo caminhar<br />
Por ter lugares<br />
Que a minha menina<br />
Ain<strong>da</strong> nem sabe.<br />
Te quero sonho-real<br />
Tocando minha pele<br />
Desejosa de tuas mãos<br />
quentes e suaves<br />
prontas a acariciar<br />
minha fêmea<br />
instiga<strong>da</strong> ao amor<br />
na plenitude <strong>da</strong> carícia.<br />
Te quero<br />
...e nessa vou...<br />
Senhora <strong>da</strong> minha entrega. (FONSECA, 2006, p.5)<br />
180<br />
Nesse poema há quereres de ternura, acompanhados de cabeça, pés e passos<br />
firmes a caminho de certezas e decisões e, ao mesmo tempo, isolados de práticas de<br />
reificação feminina. A menina, desses versos, não é objeto de prazer ou de um amor<br />
erotizado nem mesmo do seu negro-gato-homem. Ao contrário, ela se projeta como<br />
protagonista de seus próprios desejos e fantasias afetivas, tornando-se, pelo seu querer,<br />
senhora de suas vontades e de sua entrega, exercendo o poder ao cantar seus sonhos de<br />
menina senhora. De igual modo, ela se desenha autônoma e autêntica, seguindo em<br />
busca de afagos e do amor de seu negro sonho-real. Os seus anseios por um negro gato<br />
idealizado se justificam pela procura de si mesma e de atender aos seus próprios desejos<br />
e não em função <strong>da</strong>queles que porventura ele possa ter.<br />
A poética de Urânia Munzanzu, Jocélia Fonseca e <strong>Rita</strong> Santana apresenta<br />
figurações de femininos negros dissociados de passivi<strong>da</strong>des mediante as práticas de<br />
dominação masculina, de inércia perante a coisificação de seus corpos e indiferença aos<br />
seus desejos, sentimentos, sonhos, escolhas e sentimentos. Na palavra literária dessas<br />
escritoras circula uma visão de feminismo negro que extrapola aquele entendimento de<br />
sua pertinência apenas pelo viés do coletivo e pelas agen<strong>da</strong>s e inserções em<br />
organizações sociais negras femininas. Não há, em seus versos, um tom de conclamação<br />
por união de vozes femininas reivindicativas em prol de conquista de emancipação e de<br />
direitos civis e políticos. Tampouco são vozes literárias que denunciam as diversas<br />
formas de exploração, a que, historicamente, se subjugam as mulheres, ou de protestos<br />
contra a dominação masculina. Há, em seus poemas, uma compreensão de feminismo<br />
negro, comprometido com mu<strong>da</strong>nças nas relações étnico-raciais e de gênero, que opera<br />
nos embates e convívios cotidianos, no ordinário <strong>da</strong>s relações entre homens e mulheres,