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12.05.2013 Views

Te quero assim: Negro-gato-homem Me fazendo caminhar Por ter lugares Que a minha menina Ainda nem sabe. Te quero sonho-real Tocando minha pele Desejosa de tuas mãos quentes e suaves prontas a acariciar minha fêmea instigada ao amor na plenitude da carícia. Te quero ...e nessa vou... Senhora da minha entrega. (FONSECA, 2006, p.5) 180 Nesse poema há quereres de ternura, acompanhados de cabeça, pés e passos firmes a caminho de certezas e decisões e, ao mesmo tempo, isolados de práticas de reificação feminina. A menina, desses versos, não é objeto de prazer ou de um amor erotizado nem mesmo do seu negro-gato-homem. Ao contrário, ela se projeta como protagonista de seus próprios desejos e fantasias afetivas, tornando-se, pelo seu querer, senhora de suas vontades e de sua entrega, exercendo o poder ao cantar seus sonhos de menina senhora. De igual modo, ela se desenha autônoma e autêntica, seguindo em busca de afagos e do amor de seu negro sonho-real. Os seus anseios por um negro gato idealizado se justificam pela procura de si mesma e de atender aos seus próprios desejos e não em função daqueles que porventura ele possa ter. A poética de Urânia Munzanzu, Jocélia Fonseca e Rita Santana apresenta figurações de femininos negros dissociados de passividades mediante as práticas de dominação masculina, de inércia perante a coisificação de seus corpos e indiferença aos seus desejos, sentimentos, sonhos, escolhas e sentimentos. Na palavra literária dessas escritoras circula uma visão de feminismo negro que extrapola aquele entendimento de sua pertinência apenas pelo viés do coletivo e pelas agendas e inserções em organizações sociais negras femininas. Não há, em seus versos, um tom de conclamação por união de vozes femininas reivindicativas em prol de conquista de emancipação e de direitos civis e políticos. Tampouco são vozes literárias que denunciam as diversas formas de exploração, a que, historicamente, se subjugam as mulheres, ou de protestos contra a dominação masculina. Há, em seus poemas, uma compreensão de feminismo negro, comprometido com mudanças nas relações étnico-raciais e de gênero, que opera nos embates e convívios cotidianos, no ordinário das relações entre homens e mulheres,

sobretudo, entre homens e mulheres negras. Os eus poéticos femininos negros mostram- se afeitos, pelos versos, a forjarem mudanças de identidades femininas negras em práticas socioculturais habituais. É, no âmbito do espaço privado, das relações afetivas e pessoais, portanto, que se operam as formas de resistências e as insurgências contra as práticas falocêntricas, racistas e etnocêntricas, como também se realizam ações de disputas de poder. 181 Fazer poéticas afrofemininas, com esses tons, circunscreve identidades negras e de gênero que ecoam em defesa de equidade, da alteridade e de novas significações à rotina e às guerras diárias, com traços de eus políticos, culturais e líricos que enfrentam vicissitudes, feridas, ausências e dores individuais e coletivas. Circunscrevem cantos, sonhos, experiências e visões de mundo, bem como se (re) inventam identidades negras femininas e suas conquistas de autonomia, uma vez que garante um direito à fala poética que tem ânsia, ainda que imaginária, por liberdade, reconhecimento, contestação e mudanças. Por fim, circunscreve mobilizações de sentidos estáticos de femininos e feminismo negro. Este capítulo, destarte, ao apresentar uma discussão sobre a literatura afrofeminina e fazer análise de alguns poemas de Jocélia Fonseca, Rita Santana e Urânia Munzanzu, permitiu compreender que, pela escrita literária, podem-se traçar perfis femininos negros e feminismo negro distanciados de formações discursivas estabelecidas. Assim, discursos poéticos e ficcionais se desdobram em processos de subjetivação e, em alguma medida, de des-hierarquização de subjetivação, imprimindo soberania e exercícios de resistência em outros modos de criar, pela linguagem literária, vozes e personagens negras femininas.

Te quero assim:<br />

Negro-gato-homem<br />

Me fazendo caminhar<br />

Por ter lugares<br />

Que a minha menina<br />

Ain<strong>da</strong> nem sabe.<br />

Te quero sonho-real<br />

Tocando minha pele<br />

Desejosa de tuas mãos<br />

quentes e suaves<br />

prontas a acariciar<br />

minha fêmea<br />

instiga<strong>da</strong> ao amor<br />

na plenitude <strong>da</strong> carícia.<br />

Te quero<br />

...e nessa vou...<br />

Senhora <strong>da</strong> minha entrega. (FONSECA, 2006, p.5)<br />

180<br />

Nesse poema há quereres de ternura, acompanhados de cabeça, pés e passos<br />

firmes a caminho de certezas e decisões e, ao mesmo tempo, isolados de práticas de<br />

reificação feminina. A menina, desses versos, não é objeto de prazer ou de um amor<br />

erotizado nem mesmo do seu negro-gato-homem. Ao contrário, ela se projeta como<br />

protagonista de seus próprios desejos e fantasias afetivas, tornando-se, pelo seu querer,<br />

senhora de suas vontades e de sua entrega, exercendo o poder ao cantar seus sonhos de<br />

menina senhora. De igual modo, ela se desenha autônoma e autêntica, seguindo em<br />

busca de afagos e do amor de seu negro sonho-real. Os seus anseios por um negro gato<br />

idealizado se justificam pela procura de si mesma e de atender aos seus próprios desejos<br />

e não em função <strong>da</strong>queles que porventura ele possa ter.<br />

A poética de Urânia Munzanzu, Jocélia Fonseca e <strong>Rita</strong> Santana apresenta<br />

figurações de femininos negros dissociados de passivi<strong>da</strong>des mediante as práticas de<br />

dominação masculina, de inércia perante a coisificação de seus corpos e indiferença aos<br />

seus desejos, sentimentos, sonhos, escolhas e sentimentos. Na palavra literária dessas<br />

escritoras circula uma visão de feminismo negro que extrapola aquele entendimento de<br />

sua pertinência apenas pelo viés do coletivo e pelas agen<strong>da</strong>s e inserções em<br />

organizações sociais negras femininas. Não há, em seus versos, um tom de conclamação<br />

por união de vozes femininas reivindicativas em prol de conquista de emancipação e de<br />

direitos civis e políticos. Tampouco são vozes literárias que denunciam as diversas<br />

formas de exploração, a que, historicamente, se subjugam as mulheres, ou de protestos<br />

contra a dominação masculina. Há, em seus poemas, uma compreensão de feminismo<br />

negro, comprometido com mu<strong>da</strong>nças nas relações étnico-raciais e de gênero, que opera<br />

nos embates e convívios cotidianos, no ordinário <strong>da</strong>s relações entre homens e mulheres,

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