Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...
Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...
Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
177<br />
O desejo de ter um Baobá, como um ato político, pode estar acompanhado por<br />
outro, que é o saber de si de do sujeito poético, mulher preta, porque saber e poder são<br />
ações indissociáveis, visto que ter autonomia para informar suas vontades implica<br />
formar saberes de si. Pelo poema Baobá, portanto, é possível engendrar uma leitura<br />
crítica em que sejam traçados fios de processos do eu feminino <strong>da</strong> mulher preta, ain<strong>da</strong><br />
que narrativas inacaba<strong>da</strong>s, por isso em construção, uma vez que sugere dizeres poéticos<br />
sobre si. Em seus versos, há rastros de elaboração identitária, enquanto formação<br />
discursiva (FOUCAULT, 2002), na medi<strong>da</strong> em que há a descrição de vários enunciados<br />
de si relacionados a um duplo aspecto de constituição de um sujeito produzido pelo<br />
poder e pelo saber: o linguístico e o sócio-histórico e cultural.<br />
O livro Tratado <strong>da</strong>s veias, de <strong>Rita</strong> Santana (2006), demonstra como vozes e<br />
personagens negras femininas são cria<strong>da</strong>s por essa autora, por Urânia Munzanzu, por<br />
Mel Adún e Jocélia Fonseca, em destaque neste tópico. Nele, há 70 poemas, todos com<br />
vozes poéticas femininas negras que autoquestionam, debruçando sobre seus<br />
sofrimentos, ansie<strong>da</strong>des e angústias; interrogam seus mundos, seus homens, as<br />
exclusões e ambigui<strong>da</strong>des, desmobilizando seus “destinos”. Essas vozes dizem de si, ou<br />
seja, desvelam os eus femininos que lhes compõem, trazendo à tona os pequenos e<br />
grandes desejos, sonhos e conquistas que lhes motivam na busca de emancipação e de<br />
encontro consigo mesmas. O poema Confissão ilustra bem isso.<br />
Eu creio em sonhos, Padre,<br />
Rezo o Credo olhando pras telhas,<br />
E lá mesmo fico.<br />
Sou matéria de barro de querer impossibili<strong>da</strong>des,<br />
Trago um marido debaixo <strong>da</strong>s saias,<br />
Um marido alado, azul, lindo!<br />
Quando quero, ele bate as asas<br />
E apaga incêndio – é um anjo de luzes!<br />
Meus ofertórios matinais são dele.<br />
Amantes me cercam de ofícios:<br />
Toa<strong>da</strong>s à janela, flores a ca<strong>da</strong> dia, alianças e promessas,<br />
E um eu-te-amo em ca<strong>da</strong> beijo, muitos os são.<br />
Não digo mais porque não posso, é pecado!<br />
Eu creio em sonhos, Padre!<br />
Vede que sou feliz.<br />
Meu noivo nem sabe <strong>da</strong> minha espera,<br />
Habita águas claras, rios pequenos, conchas.<br />
À noite eu vôo,<br />
Visito ci<strong>da</strong>des, beijo velhos desconhecidos,<br />
E amanheço nua de tantas vontades.<br />
Eu creio em sonhos, sim!<br />
Amém! (SANTANA, 2006, p. 47)<br />
“Eu não creio em sonhos”<br />
José de Anchieta