Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...
Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...
Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
hodiernamente, na solidão e em insignificâncias produzi<strong>da</strong>s pelas deman<strong>da</strong>s advin<strong>da</strong>s de<br />
conflitos, mesmices, obvie<strong>da</strong>des, inclusive de teimosias inventa<strong>da</strong>s para viver mediante<br />
silêncios, dominações, desejos, angústias, sonhos, frustrações, injustiças e dilemas<br />
pessoais e sociais.<br />
174<br />
No poema de Urânia Munzanzu, a voz poética, mulher preta, prefere o Baobá 33,<br />
e não as flores. Essa escolha não se dá sem razão, já que o Baobá, também no poema, é<br />
uma árvore frondosa, menos bela e aromática que as flores. Na sua opção, “Quero o<br />
Baobá! Ele se ergue em terra firme. O sol e a chuva o tornam frondoso e abun<strong>da</strong>nte<br />
[...]”, onde reside, possivelmente, o seu desejo de similari<strong>da</strong>de com o Baobá, que é<br />
resistente e forte, mediante as relações de poder e contra as formas de sujeição, ou seja,<br />
de acordo com Foucault, contra “[...] aquilo que liga o indivíduo a si mesmo e o<br />
submete, deste modo, aos outros [...]” (FOUCAULT, 2002, p. 235).<br />
Baobá<br />
Não quero flores, quero um Baobá!<br />
Pois quero um homem que deseje meu corpo de curvas roliças. Meu cabelo<br />
que cresce para o alto, minhas ancas largas para guar<strong>da</strong>r filhos e meu cheiro<br />
forte de mulher preta.<br />
Não quero flores, quero um Baobá!<br />
Porque a minha boca carnu<strong>da</strong>, para o meu amor, deverá ser objeto de desejo e<br />
deleite.<br />
Não quero flores, quero um Baobá!<br />
Porque quero que o meu homem enten<strong>da</strong> o meu jeito de fazer as coisas como<br />
os "Os modos de uma rainha caprichosa", livre do pensamento plantado em<br />
nós pelo colonizador.<br />
Não quero flores, quero um Baobá!<br />
Para que meu homem saiba que meus seios fartos, além de alimentar<br />
crianças, alimentarão cumplici<strong>da</strong>de de marido e mulher. Esse é meu jeito de<br />
lhes dizer que tato.<br />
Não quero flores, quero um Baobá!<br />
Com o meu amante quero construir uma casa, ter um lar, cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong>s plantas,<br />
perder noites de sono com as crianças, ser parceira nos seus sonhos e dormir<br />
emperna<strong>da</strong>s nas madruga<strong>da</strong>s frias...<br />
Com aquela certeza de que: aqui ninguém me bole!<br />
Não quero flores!<br />
Elas têm vi<strong>da</strong> curta. São vulneráveis ao frio, ao vento, à chuva, ao sol...<br />
Quero o Baobá!<br />
Ele se ergue em terra firme. O sol e a chuva o tornam frondoso e abun<strong>da</strong>nte.<br />
Ele pode não trazer o perfume e a beleza <strong>da</strong>s flores. (MUNZANZU, 2008, p.<br />
1)<br />
33 Baobá. Mbondo – A<strong>da</strong>nsonia digitata. Árvore africana gigantesca conheci<strong>da</strong> também pelo nome de<br />
baobá ou baobabe e, nos países lusófonos, por embondeiro ou imbondeiro, aportuguesamento do termo<br />
kimbundu, uma <strong>da</strong>s línguas de Angola, segundo o Novo Dicionário Banto do Brasil, de Nei Lopes (2003).<br />
O baobá vive entre três e seis mil anos. Comuni<strong>da</strong>des e membros de religiões de matriz africana do Brasil<br />
a consideram como uma árvore sagra<strong>da</strong>.