Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...
Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ... Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...
só Túlio e não ela também estava “[...] livre como o pássaro, como as águas; livre como éreis na vossa pátria” (REIS, 2004, p. 114), como declarou o próprio Túlio à mãe Susana, é substituída pela saudade da sua mocidade, de seus entes e das belezas naturais do seu país africano, que lhes foram arrancados à força. 170 A voz narrativa de mãe Susana assume, pois, um lugar de reversão, ao apresentar novas leituras do continente africano distantes de imagens que sugerem primitivismo, pobreza, miséria, seca e aridez, diferentes daquelas, por vezes, presentes na literatura brasileira, representando-o com vigor cativante. De seus entes queridos, de quem ela tem muitas saudades, restam-lhe lembranças que sugerem não práticas de dominação, de passividade e morte, mas vida pulsante e exercícios de contrapoderes. Antonieta de Barros, em Farrapos de idéias, também tece, de modo fragmentário, versos sobre pelejas e batalhas concernentes à existência, inclusive como construtoras de identidades humanas. Cada criatura é, involuntariamente, um batalhador. A vida, diz o poeta, é luta. Luta aberta de canhões, de batalhas cruentas, de ferocidade, de barbaria, luta de sangue, miséria, intranqüilidade, retrocesso. Luta que amedronta as feras e deixa por onde passa o rastro da desolação e da morte. *** A vida é luta. A luta surda dos civilizados, a luta quieta, a luta invisível da astúcia humana, em que se sente, a cada passo, a necessidade de acotovelar, de resistir, para não ser esmagado, sem que se defronte com ninguém. A estrada é larga, e silenciosa, e deserta. No entanto, sente-se o aperto, a asfixia das grandes multidões [...] (BARROS, 1937, p. 123) Maria Carolina de Jesus, em Quarto de despejo, também narra sua labuta cotidiana em vista da sobrevivência, tais como o enfrentamento da fome e pobreza, reagindo às intempéries da vida em família e em sociedade. No diário, aparecem seus dramas, sem perder, às vezes, o encanto e a decisão pela vida e pela escrita, suas revoltas e desencantos como nas memórias a seguir: 19 de maio Deixei o leito as 5 horas. Os pardais já estão iniciando sua sinfonia matinal. As aves deve ser mais feliz que nós. Talvez entre elas reina amizade e igualdade. (...) O mundo das aves deve ser melhor do que dos favelados, que deitam e não dormem porque deitam-se sem comer [...] ...Eu estou começando a perder o interesse pela existência. Começo a revoltar. E a minha revolta é justa [...] (JESUS, 1965, p. 30)
171 A marca textual da literatura afrofeminina, semelhante ao processo histórico de consolidação da LN, se destaca quando as vozes de Maria Firmina dos Reis, Antonieta de Barros e Carolina Maria de Jesus são ressignificadas pelas escritoras negras baianas participantes da pesquisa e outras, presentes em todo o Brasil. Hoje, em suas tessituras poéticas e narrativas, não só com um tom de protesto e de denúncia, elas reescrevem e ficcionalizam mundos, dramas, sonhos, experiências pessoais e socioculturais que lembram as memórias literárias de suas antepassadas e recriam novas palavras e escritas femininas negras. É constante, na produção literária de autoria feminina negra , o desenho de vozes e personagens negras sedutoras, não pelos seus aspectos físicos, mas pela sua força, coragem e decisão pela conquista da emancipação feminina negra individual e coletiva. Aparecem, ainda, em seus textos, figuras femininas negras, ávidas pela afirmação de si, ou simplesmente pelo desejo de tornar-se, de estarem cientes de seus dramas, como o racismo, a solidão e o sexismo, ou tão somente pelo sonho de permanecerem no mundo (e em seus mundos) como senhoras de si e de suas vontades. A literatura afrofeminina, neste sentido, pode ser considerada como um processo contínuo de (re) invenções de memórias, histórias e narrações sobre identidades, femininos e feminismos negros. Há nela um “retorno” dinâmico ao passado, ou seja, há um reconto de memórias ressignificadas, aliado a cenas de histórias, sonhos, vivências e resistências, no passado e no presente, vislumbrando cenas e agendas que gerem sonhos e conquistas no futuro. Apesar de identificar os latentes limites, a transitoriedade, o desconforto e incipiência desta categoria conceitual, literatura afrofeminina, estou convicta de que ela não é mais uma etiqueta ou rótulo, atribuído a uma manifestação literária. Ao contrário, longe de minimizar e/ou confundir um gênero discursivo com a cor da pele, sexo ou gênero é, em verdade, mais uma oportunidade de trazer à baila a necessidade de coalizões a uma escritura literária que se quer imaginária e, simultaneamente, comprometida com ideais emancipatórios, antipatriarcais e antirracistas.
- Page 107 and 108: Brilhavam raios de amor. Ledo o ros
- Page 109 and 110: passiva de Isaura. Remetem aos acon
- Page 111 and 112: Posição de sentido, verdade! Bran
- Page 113 and 114: Quando não mais houver Quem fale?
- Page 115 and 116: 127 toda, como se fosse afundando n
- Page 117 and 118: poética que insiste em afirmar a t
- Page 119 and 120: marcas de referencialidades afrobra
- Page 121 and 122: sua senhora, entretanto é inapta a
- Page 123 and 124: 135 Já a infantilizada e instintiv
- Page 125 and 126: personagens aparecem somente como u
- Page 127 and 128: em entrevista, no início da pesqui
- Page 129 and 130: 141 A conformação teórica da lit
- Page 131 and 132: 143 [...] feita por negros ou desce
- Page 133 and 134: Que foram trancados Na trama da tra
- Page 135 and 136: portadores de saberes e culturas. R
- Page 137 and 138: A blusa e se pelou. O sinhô ficou
- Page 139 and 140: negros/as escritores/as que deixam
- Page 141 and 142: Sua coragem, sua beleza. O seu tale
- Page 143 and 144: 155 Este capítulo ainda discutiu s
- Page 145 and 146: 157 Liane Schneider, ao discutir so
- Page 147 and 148: si/nós como sujeitos que enunciam
- Page 149 and 150: 161 Sinto. Agora sinto qualquer coi
- Page 151 and 152: 163 3.2 Literatura de Escritoras Ne
- Page 153 and 154: Venho de umidades, morfos e orgias
- Page 155 and 156: Ferem-te com flechas encomendadas T
- Page 157: com as amarras da dominação e do
- Page 161 and 162: 173 Diante de tal contexto, se imp
- Page 163 and 164: 175 O Baobá, incontestavelmente, c
- Page 165 and 166: 177 O desejo de ter um Baobá, como
- Page 167 and 168: 179 Dentre os 70 poemas, em 16 dele
- Page 169 and 170: sobretudo, entre homens e mulheres
- Page 171 and 172: 183 Nessas histórias aparecem fios
- Page 173 and 174: 185 Meu querido, quem me ama? João
- Page 175 and 176: Ela escreve igualmente para descrev
- Page 177 and 178: 189 Lejeune também retoma a discus
- Page 179 and 180: suas recordações no recôndito de
- Page 181 and 182: com o já dito sobre ela para pross
- Page 183 and 184: 195 [...] Eu e minha atração por
- Page 185 and 186: deslocamento subjetivo e de ressign
- Page 187 and 188: personagem principal Marina, ou sej
- Page 189 and 190: 201 toda descalça, em vertigem. Ai
- Page 191 and 192: 203 carrancudo, o mundo me comia in
- Page 193 and 194: 205 ser como aquela. Nenhuma gota d
- Page 195 and 196: V CAPÍTULO MEMÓRIAS LITERÁRIAS D
- Page 197 and 198: instituem classificações, tais co
- Page 199 and 200: Perfumes e ervas para lavar Do Pai
- Page 201 and 202: 213 5.2 (Re) Significações de Mit
- Page 203 and 204: 215 Os mitos constituem, por conseg
- Page 205 and 206: 217 Ao pisar nas areias da Filha Do
- Page 207 and 208: Cajimbã, Tuaka, Trigu, Mamba, Male
só Túlio e não ela também estava “[...] livre como o pássaro, como as águas; livre como<br />
éreis na vossa pátria” (REIS, 2004, p. 114), como declarou o próprio Túlio à mãe<br />
Susana, é substituí<strong>da</strong> pela sau<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sua moci<strong>da</strong>de, de seus entes e <strong>da</strong>s belezas naturais<br />
do seu país africano, que lhes foram arrancados à força.<br />
170<br />
A voz narrativa de mãe Susana assume, pois, um lugar de reversão, ao<br />
apresentar novas leituras do continente africano distantes de imagens que sugerem<br />
primitivismo, pobreza, miséria, seca e aridez, diferentes <strong>da</strong>quelas, por vezes, presentes<br />
na literatura brasileira, representando-o com vigor cativante. De seus entes queridos, de<br />
quem ela tem muitas sau<strong>da</strong>des, restam-lhe lembranças que sugerem não práticas de<br />
dominação, de passivi<strong>da</strong>de e morte, mas vi<strong>da</strong> pulsante e exercícios de contrapoderes.<br />
Antonieta de Barros, em Farrapos de idéias, também tece, de modo<br />
fragmentário, versos sobre pelejas e batalhas concernentes à existência, inclusive como<br />
construtoras de identi<strong>da</strong>des humanas.<br />
Ca<strong>da</strong> criatura é, involuntariamente, um batalhador.<br />
A vi<strong>da</strong>, diz o poeta, é luta.<br />
Luta aberta de canhões, de batalhas cruentas, de feroci<strong>da</strong>de, de barbaria, luta<br />
de sangue, miséria, intranqüili<strong>da</strong>de, retrocesso.<br />
Luta que amedronta as feras e deixa por onde passa o rastro <strong>da</strong> desolação e <strong>da</strong><br />
morte.<br />
***<br />
A vi<strong>da</strong> é luta.<br />
A luta sur<strong>da</strong> dos civilizados, a luta quieta, a luta invisível <strong>da</strong> astúcia humana,<br />
em que se sente, a ca<strong>da</strong> passo, a necessi<strong>da</strong>de de acotovelar, de resistir, para<br />
não ser esmagado, sem que se defronte com ninguém.<br />
A estra<strong>da</strong> é larga, e silenciosa, e deserta.<br />
No entanto, sente-se o aperto, a asfixia <strong>da</strong>s grandes multidões [...] (BARROS,<br />
1937, p. 123)<br />
Maria Carolina de Jesus, em Quarto de despejo, também narra sua labuta<br />
cotidiana em vista <strong>da</strong> sobrevivência, tais como o enfrentamento <strong>da</strong> fome e pobreza,<br />
reagindo às intempéries <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> em família e em socie<strong>da</strong>de. No diário, aparecem seus<br />
dramas, sem perder, às vezes, o encanto e a decisão pela vi<strong>da</strong> e pela escrita, suas<br />
revoltas e desencantos como nas memórias a seguir:<br />
19 de maio Deixei o leito as 5 horas. Os par<strong>da</strong>is já estão iniciando sua<br />
sinfonia matinal. As aves deve ser mais feliz que nós. Talvez entre elas reina<br />
amizade e igual<strong>da</strong>de. (...) O mundo <strong>da</strong>s aves deve ser melhor do que dos<br />
favelados, que deitam e não dormem porque deitam-se sem comer [...]<br />
...Eu estou começando a perder o interesse pela existência. Começo a<br />
revoltar. E a minha revolta é justa [...] (JESUS, 1965, p. 30)