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Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...

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com as amarras <strong>da</strong> dominação e do sofrimento. Esse exercício de poder pode ser<br />

compreendido como um ato de resistência peculiar às relações de poder e não como um<br />

subproduto, já que, segundo Foucault, “[...] para resistir, é preciso que a resistência seja<br />

como o poder. Tão inventiva, tão móvel, tão produtiva quanto ele. Que, como ele, venha<br />

de ‘baixo’ e se distribua estrategicamente” (FOUCAULT, 2002, p. 241). O poder,<br />

nesses poemas, é exercido na relação de forças existentes entre as vozes e<br />

aqueles/aquilo contra aos/às quais ela combate, exercendo também formas de poder.<br />

169<br />

Vale ressaltar que não é apenas a produção contemporânea de escritoras negras<br />

que passeia por territórios discursivos circunscritos em reversões de imagens e sentidos<br />

depreciativos de civilizações, histórias, personagens e universos culturais negros. Em<br />

Úrsula (1859), de Maria Firmina dos Reis, aparecem, com ousadia e inovação,<br />

paisagens, tipos e significados do continente africano recriados, rememorados e<br />

apresentados ao leitor permeados por fios de liber<strong>da</strong>de. A personagem Mãe Susana, por<br />

exemplo, ao conversar com o personagem Túlio sobre a conquista <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de dele,<br />

tem sau<strong>da</strong>des de seu estilo de vi<strong>da</strong> em terras africanas, reconhecendo tristemente a<br />

distância entre as condições de sua existência lá e aquelas vivi<strong>da</strong>s cá do outro lado do<br />

atlântico. Ela vive por alguns momentos de desolação e aflição, porém, após gemidos<br />

dolorosos, choros e soluços, reage e revigora-se através <strong>da</strong> memória, exclamando:<br />

– sim, para que estas lágrimas?!... Dizes bem! Elas são inúteis, meu Deus;<br />

mas é um tributo de sau<strong>da</strong>de, que não posso deixar de render a tudo quanto<br />

me foi caro! Liber<strong>da</strong>de! Liber<strong>da</strong>de... ah! eu a gozei na minha moci<strong>da</strong>de! –<br />

continuou Susana com amargura – Túlio, meu filho, ninguém a gozou mais<br />

ampla, não houve mulher alguma mais ditosa do que eu. Tranqüila no seio<br />

<strong>da</strong> felici<strong>da</strong>de via despontar o sol rutilante e ardente do meu país, e louca de<br />

prazer a essa hora matinal, em que tudo aí respira amor, eu corria às<br />

descarna<strong>da</strong>s e arenosas praias, e aí com minhas jovens companheiras,<br />

brincando alegres, com o sorriso nos lábios, a paz no coração, divagávamos<br />

em busca <strong>da</strong>s mil conchinhas, que bor<strong>da</strong>m as brancas areias <strong>da</strong>quelas vastas<br />

praias. Ah! meu filho! Mais tarde deram-me em matrimônio a um homem,<br />

que amei como a luz dos meus olhos, e como penhor dessa união veio minha<br />

filha queri<strong>da</strong>, em quem me revia, em quem tinha depositado todo amor <strong>da</strong><br />

minha alma: - uma filha, que era a minha vi<strong>da</strong>, as minhas ambições, a minha<br />

suprema ventura, veio selar a nossa tão santa união. E esse país de minhas<br />

afeições, e esse esposo querido, essa filha tão extremamente ama<strong>da</strong>, ah<br />

Túlio, tudo me obrigaram os bárbaros a deixar! Oh! Tudo, tudo até a própria<br />

liber<strong>da</strong>de! (REIS, 2004, p.115)<br />

A preta Susana rememora eventos vividos na sua juventude, engendrados de<br />

alegrias, que lhe permitiram viver livre e estar com pessoas ama<strong>da</strong>s, as quais lhe são<br />

caras, e em ambientes profícuos e belos que lhe asseguraram convívio, prazer e<br />

tranquili<strong>da</strong>de. A amargura que assola Mãe Susana, descrita pelo narrador, ao saber que

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