Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...
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130 Mãe Maria de Obi, a Africana, não é tão jovem e bela quanto Vidinha, Isaura e as mulatas exaltadas por vozes poéticas de Gregório de Matos. Seu desespero não significa desistência, mas decisão de viajar em busca de melhor oportunidade de vida. Suas vestimentas, em alguma proporção, se aproximam daquelas de tia Nastácia, mas seus adornos, descritos pelo narrador, demarcam seus repertórios culturais. Sua saia rodada de renda branca, seu torso com pontas caídas nos quadris, suas contas em volta do pescoço, de cores diversas, chamavam a atenção daqueles que se encontravam na estação. Ela era alta e esguia. O braço longo apertava contra o peito a pesada bagagem. (FRANÇA, 1978, p. 14) Seu corpo – alto e esguio – é apresentado pelo narrador não para exibir sensualidade, libido, exotismo ou seus traços físicos, mas para mostrar a sua resistência. Ele se parece com aquele explicado por Fernanda Carneiro (2000), em Nossos Passos vem de longe: o corpo negro, para essa estudiosa, é “[...] marcado por experiências pessoais singulares de exclusão, pelos poderes sociais hostis – de onde parte o poder e a ética da mulher negra [...]”(CARNEIRO, 2000, p. 22). O corpo da Africana é perfilhado, diferentemente daqueles apresentados em textos de escritores canônicos, pois é um ente que se formula no diálogo entre a natureza (dimensão biológica) e a cultura (atributos socioculturais e religiosos). O seu corpo se mostra com marcas que renegam a espoliação histórica, violências, dores, fragmentação, separação física e cultural, mutilações, rejeição, abandonos e mortes. Nesta perspectiva, não é um ente natural e dado, mas é uma elaboração sociocultural e linguística, formadora de relações de poder e de histórias, como compreendem Luis Fernando Alvarenga e Maria Cláudia Dal Igna: [...] entendemos o corpo como um locus de inscrição de identidade e diferença que produz sujeitos de uma cultura. Por isso, afirmamos que corpo é história. Nele se inscrevem muitas marcas sexuais, com e através de práticas afetivas, políticas, esportivas, estéticas, dentre outras [...] (ALVARENGA; IGNA, 2004, p. 66). Pelo corpo negro de Mãe Maria de Obi, nessa dimensão, o narrador pode recriar suas crenças, sofrimentos, resistências e histórias. Nele, existem mais marcas identitárias que remetem às indumentárias femininas de religiões de matriz africana. Está imbuído de adereços que apontam suas vivências espirituais e culturais que podem ter pontos de convergências e divergências, de encontros e desencontros, pois tem
marcas de referencialidades afrobrasileiras. Talvez por isso tenham “[...] chamado a atenção daqueles que se encontravam na estação [...]” (FRANÇA, 1978, p. 14). 131 O Feiticeiro, um romance realista-urbano, de Xavier Marques [1897], escritor brasileiro pouco conhecido, trata da pequena burguesia baiana, mas também teatraliza um corpo feminino negro com estereotipia negativa, diferenciando desse da Africana. A personagem Pomba, caracterizada como mulata, tem traços afins aos de Rita Baiana e, na descrição do narrador, salienta-se a sua sensualidade considerada exótica: A volúpia morava nos seus lábios úmidos como a polpa da melancia; os olhos, de um negro violáceo de jabuticaba, tinham a mesma expressão sensual, em harmonia com a sensação veludosa que brotava daquelas mãos e daquelas faces tratadas com desvelo e orgulho. (MARQUES, 1975, p. 8) Ela também tem uma libido aguçada e um forte desejo de liberdade sexual, fazendo-lhe parecer com Rita Baiana pelo comportamento imoral, embora inibido pela sua posição social. Viam-na comportada e fresca; diziam-na paciente. Só ela sabia a mortificação, o suplício, a dor carnal que vinha padecendo em tão longa virtude. Ó imaginação cruel, beijo másculo, acre, mil vezes debuxado e frustrado na irrealidade alucinadora! (MARQUES, 1975, p. 8) João Felício dos Santos, também pouco conhecido, retratou a guerra de Canudos em João Abade, e a figura feminina não foge à feição de Pomba. Maria Olho de Prata, a personagem negra, é assim descrita pelo narrador: “[...] Peitos fartos, mais cheirosos que uma braçada de mandioca doce [...] pezinhos finos, sempre limpos, nas chinelas pequenas, cabelo preso, dentinhos de torar coco de catolé, a saia vermelha de baeta [...]” (SANTOS, 1995, p. 39). Ela é uma mulher de muitos homens, é bonita, higiênica e cheirosa. É também irresponsável, tentadora, vulgar e vadia. Assim, declara Maria Olho de Prata: “[...] Só não me conhece o Conselheiro e o compadre Pedrão. Eu é que não dou para andar presa por homem nenhum que nem piranha de resto em lagoa morta [...]” (SANTOS, 1995, p. 39). A voluptuosidade e a sensualidade contornam comportamentos e corpos de Pomba e de Maria Olho de Prata, tornando-os também objetos de desejo. No conto A bailarina, de Landê Onawalê, o narrador, ao fugir dessas caracterizações estigmatizadas, descreve uma dançarina que tem um rosto negro tão bonito e está na
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Mãe Maria de Obi, a Africana, não é tão jovem e bela quanto Vidinha, Isaura e<br />
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significa desistência, mas decisão de viajar em busca de melhor oportuni<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>.<br />
Suas vestimentas, em alguma proporção, se aproximam <strong>da</strong>quelas de tia Nastácia, mas<br />
seus adornos, descritos pelo narrador, demarcam seus repertórios culturais.<br />
Sua saia ro<strong>da</strong><strong>da</strong> de ren<strong>da</strong> branca, seu torso com pontas caí<strong>da</strong>s nos quadris,<br />
suas contas em volta do pescoço, de cores diversas, chamavam a atenção<br />
<strong>da</strong>queles que se encontravam na estação. Ela era alta e esguia. O braço longo<br />
apertava contra o peito a pesa<strong>da</strong> bagagem. (FRANÇA, 1978, p. 14)<br />
Seu corpo – alto e esguio – é apresentado pelo narrador não para exibir<br />
sensuali<strong>da</strong>de, libido, exotismo ou seus traços físicos, mas para mostrar a sua resistência.<br />
Ele se parece com aquele explicado por Fernan<strong>da</strong> Carneiro (2000), em Nossos Passos<br />
vem de longe: o corpo negro, para essa estudiosa, é “[...] marcado por experiências<br />
pessoais singulares de exclusão, pelos poderes sociais hostis – de onde parte o poder e a<br />
ética <strong>da</strong> mulher negra [...]”(CARNEIRO, 2000, p. 22).<br />
O corpo <strong>da</strong> Africana é perfilhado, diferentemente <strong>da</strong>queles apresentados em<br />
<strong>texto</strong>s de escritores canônicos, pois é um ente que se formula no diálogo entre a<br />
natureza (dimensão biológica) e a cultura (atributos socioculturais e religiosos). O seu<br />
corpo se mostra com marcas que renegam a espoliação histórica, violências, dores,<br />
fragmentação, separação física e cultural, mutilações, rejeição, abandonos e mortes.<br />
Nesta perspectiva, não é um ente natural e <strong>da</strong>do, mas é uma elaboração sociocultural e<br />
linguística, formadora de relações de poder e de histórias, como compreendem Luis<br />
Fernando Alvarenga e Maria Cláudia Dal Igna:<br />
[...] entendemos o corpo como um locus de inscrição de identi<strong>da</strong>de e<br />
diferença que produz sujeitos de uma cultura. Por isso, afirmamos que corpo<br />
é história. Nele se inscrevem muitas marcas sexuais, com e através de<br />
práticas afetivas, políticas, esportivas, estéticas, dentre outras [...]<br />
(ALVARENGA; IGNA, 2004, p. 66).<br />
Pelo corpo negro de Mãe Maria de Obi, nessa dimensão, o narrador pode recriar<br />
suas crenças, sofrimentos, resistências e histórias. Nele, existem mais marcas<br />
identitárias que remetem às indumentárias femininas de religiões de matriz africana.<br />
Está imbuído de adereços que apontam suas vivências espirituais e culturais que podem<br />
ter pontos de convergências e divergências, de encontros e desencontros, pois tem