Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...
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Com seus fenótipos afrodescendentes invisibilizados pelo seu branqueamento 28 ,<br />
não falta entusiasmo ao narrador para exaltar sua tez branca. Pouco se parece<br />
esteticamente com uma mulher negra, uma vez que tem traços físicos de uma mulher<br />
não-negra, logo há de se ter uma oportuni<strong>da</strong>de. Sua negritude 29 em na<strong>da</strong> se assemelha<br />
com beleza, inocência e pureza, pois os atributos são associados a sua eurodescendência<br />
paterna de quem herdou a nobreza. Já Rosa, por exemplo, outra africana escraviza<strong>da</strong> do<br />
romance, tem aparência mais próxima de generalizações designa<strong>da</strong>s aos africanos, e<br />
seus atributos são puramente sensuais, tais como <strong>da</strong>s mulatas dos poemas de Gregório<br />
de Matos e Vidinha de Memórias de um sargento de milícias. Ela é descrita com<br />
aspectos <strong>da</strong> mulatinha e caricatural; é pouco dócil; tem aparência máscula e pouca<br />
elegância feminina, ao contrário <strong>da</strong> fineza e formosura de Isaura.<br />
118<br />
Esbelta e flexível de corpo, tinha o rostinho mimoso, lábios um tanto<br />
grossos, mas bem modelados, voluptuosos, úmidos, e vermelhos como<br />
boninas que acabam de desabrochar em manhã de abril [...].<br />
(GUIMARÃES, 1982, p. 70)<br />
Se não fossem os brinquinhos de ouro, que lhe tremiam nas pequenas e bem<br />
moldura<strong>da</strong>s orelhas, e os túrgidos e ofegantes seios que como dois trêfegos<br />
cabritinhos lhe pulavam por baixo <strong>da</strong> transparente camisa, tomá-la-eis por<br />
um rapazote maroto e petulante [...]. (GUIMARÃES, 1982, p. 71)<br />
Em A cativa e em Meus amores, de Luis Gama, adversamente à caracterização<br />
de Isaura e Rosa, o sujeito poético salienta valores estéticos identificados com feições<br />
africanas, declarando seu encantamento diante <strong>da</strong> pureza e ternura de uma africana<br />
escraviza<strong>da</strong>. A beleza de perfis africanos femininos também é idealiza<strong>da</strong>, opondo-se ao<br />
eurocentrismo estético peculiar aos ideais <strong>da</strong> arte romântica.<br />
Em A cativa, a voz descreve a mulatinha sem brancura de Isaura nem os traços<br />
de corpos sedutores e de sensuali<strong>da</strong>de exagerados de Vidinha e de mulatas canta<strong>da</strong>s por<br />
Gregório de Matos. Ela é formosa e de voz doce, igualmente a Isaura, to<strong>da</strong>via, ao invés<br />
de submissa e escrava, ela é uma rainha que dispõe de um trono no coração <strong>da</strong> voz<br />
poética, a qual enaltece suas afrodescendências.<br />
[...] Como era lin<strong>da</strong>, meu Deus!<br />
Não tinha <strong>da</strong> neve a cor,<br />
Mas no moreno semblante<br />
28 Branqueamento, aqui, corresponde às práticas, advin<strong>da</strong>s <strong>da</strong> ideologia do embranquecimento, como<br />
estratégias de adoção e de assimilação de repertórios culturais eurocêntricos em detrimento <strong>da</strong>queles<br />
afrobrasileiros. Ver sobre essa ideologia, dentre outros, FANON (1983), GOMES (1995), MUNANGA<br />
(2004), SOUZA (1983).<br />
29 Negritude faz alusão não apenas a aspectos fenótipos, mas também àqueles culturais afrobrasileiros.