Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...
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Pretinho da costa. Por assim proceder, segundo Duarte, “[...] ele assumiu seus vínculos étnicos e culturais e vislumbrou sempre na literatura o gesto político necessário à intervenção no status quo [...]” (DUARTE, 2005, p. 128). 116 Em seu poema Lá vai verso! (2000), uma voz invoca as musas e reconhece que uma mulher africana, a musa da Guiné, cor de azeviche, é a sua inspiradora, a quem pede ajuda e ensinamentos, a fim de que saia vitoriosa na sua luta. [...] Ó Musa da Guiné, cor de azeviche, Estátua de granito denegrido, Ante quem o Leão se põe rendido, Despido do furor de atroz braveza; Empresta-me o cabaço d'urucungo, Ensina-me a brandir tua marimba, Inspira-me a ciência da candimba, Às vias me conduz d'alta grandeza [...] Quero que o mundo me encarando veja Um retumbante Orfeu de carapinha, Que a Lira desprezando, por mesquinha, Ao som decanta de Marimba augusta; E, qual outro Arion entre os Delfins, Os ávidos piratas embaindo — As ferrenhas palhetas vai brandindo, Com estilo que presa a Líbia adusta [...] Nem eu próprio à festança escaparei; Com foros de Africano fidalgote, Montado num Barão com ar de zote — Ao rufo do tambor e dos zabumbas, Ao som de mil aplausos retumbantes, Entre os netos da Ginga, meus parentes, Pulando de prazer e de contentes — Nas danças entrarei d'altas caiumbas. (GAMA, 2000, p. 31) Com personagens, ambientes e instrumentos musicais de origem africana, a voz, ao clamar pela sua cor de azeviche, reitera elementos definidores de seus versos, referenciais pessoais, coletivos − Entre os netos da Ginga, meus parentes − e culturais africano-brasileiros, bem como de sua auto-identificação e afirmação enquanto Africano fidalgote. O urucungo (berimbau), e não a lira, por exemplo, é o instrumento musical que acompanha a poesia. Além da musa de Guiné, outra figura feminina africana, desponta nos versos de Luis Gama: Ginga (a rainha Nzinga 27 ). A vitória da voz poética 27 Nzinga Mbandi Ngola, rainha de Matamba e Angola, de acordo com Carlos Serrano (1995/1996), viveu de 1581 a 1663 e representa resistência à ocupação do território africano pelos portugueses que lá aportaram para o tráfico de africanos escravizados. Nzinga auxiliou seu irmão negociando a devolução de territórios já ocupados pelos invasores. Mas, depois, não concordou com a submissão aos portugueses de vários chefes africanos, incluindo seu irmão, e, ordenando suas mortes, chegou ao comando de grupos de resistência à ocupação das terras de Ngola e Matamba.
será festejada em meios a danças, aplausos, ao rufar de tambores e zabumbas e na presença de seus parentes, netos da combatente e heroína, a rainha africana Ginga. 117 O narrador do romance Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, ao contrário daquele de memórias de um sargento de milícias, apropriou-se de elementos descritivos que caracterizassem Isaura, uma escravizada, filha de mãe africana e de pai europeu, diferenciada de uma mulatinha, reforçando a sua nobreza e elegância. Foram-lhe reservados estereótipos de uma escrava dócil e fiel, de rara beleza e magnitude, destacando sua referência europeia e distanciamento do perfil físico e psicológico como aquele de Vidinha. [...] Uma voz de mulher melodiosa, suave, apaixonada, e de timbre o mais puro e fresco que se pode imaginar [...] Uma voz de mulher, voz melodiosa, suave, apaixonada, e de timbre o mais puro e fresco que se pode imaginar. [...]. (GUIMARÃES, 1982, p. 79) Uma bela e nobre figura de moça. As linhas de perfil desenham-se distintamente entre o ébano da caixa de piano, e as bastas madeixas ainda mais negras do que ele. São tão puras e suaves essas linhas, que fascinam os olhos, enlevam a mente, e paralisam toda análise. (GUIMARÃES, 1982, p. 25) Busto maravilhoso, os cabelos soltos pelos ombros em espessos e luzidios rolos. Tem dedos mimosos, pezinho [...] delicado e, quando se põe cabisbaixa, na desolação do eito a que foi submetida por resistir aos assédios de Leôncio, seu amo, parece açucena esmorecida. [...] (GUIMARÃES, 1982, p. 31-32) Seus traços físicos e sua cor, aliados à educação, tornaram-se elementos de prestigio e garantia de vantagens diante de outras africanas escravizadas. Diante do assédio de Leôncio, dos sofrimentos da escravidão e da cobiça de seus senhores, ela resiste, aproveitando de seus dotes físicos como meio de auto-afirmação e libertação. Ela resiste ao assédio de seu amo e sofre formas mais brutais de punição, como demonstração de sua retidão moral muito firme e sólida, por isso não cede facilmente aos apelos sedutores. Isaura também vence o seu senhor, por ser heroína, pura e reta; em tempo algum, teme às ameaças e repressões ou cede às propostas sedutoras como as de Henrique, o jovem cunhado de Leôncio: Além da liberdade terás tudo o que desejares, sedas, jóias, carros, escravos para te servirem, e acharás em mim um amante extremoso, que sempre há de te querer, nunca te trocará por quanta moça há por esse mundo, por bonita e rica que seja, porque tu só vales mais que todas juntas. (GUIMARÃES, 1982, p.43)
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Pretinho <strong>da</strong> costa. Por assim proceder, segundo Duarte, “[...] ele assumiu seus vínculos<br />
étnicos e culturais e vislumbrou sempre na literatura o gesto político necessário à<br />
intervenção no status quo [...]” (DUARTE, 2005, p. 128).<br />
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Em seu poema Lá vai verso! (2000), uma voz invoca as musas e reconhece que<br />
uma mulher africana, a musa <strong>da</strong> Guiné, cor de azeviche, é a sua inspiradora, a quem<br />
pede aju<strong>da</strong> e ensinamentos, a fim de que saia vitoriosa na sua luta.<br />
[...]<br />
Ó Musa <strong>da</strong> Guiné, cor de azeviche,<br />
Estátua de granito denegrido,<br />
Ante quem o Leão se põe rendido,<br />
Despido do furor de atroz braveza;<br />
Empresta-me o cabaço d'urucungo,<br />
Ensina-me a brandir tua marimba,<br />
Inspira-me a ciência <strong>da</strong> candimba,<br />
Às vias me conduz d'alta grandeza [...]<br />
Quero que o mundo me encarando veja<br />
Um retumbante Orfeu de carapinha,<br />
Que a Lira desprezando, por mesquinha,<br />
Ao som decanta de Marimba augusta;<br />
E, qual outro Arion entre os Delfins,<br />
Os ávidos piratas embaindo —<br />
As ferrenhas palhetas vai brandindo,<br />
Com estilo que presa a Líbia adusta [...]<br />
Nem eu próprio à festança escaparei;<br />
Com foros de Africano fi<strong>da</strong>lgote,<br />
Montado num Barão com ar de zote —<br />
Ao rufo do tambor e dos zabumbas,<br />
Ao som de mil aplausos retumbantes,<br />
Entre os netos <strong>da</strong> Ginga, meus parentes,<br />
Pulando de prazer e de contentes —<br />
Nas <strong>da</strong>nças entrarei d'altas caiumbas. (GAMA, 2000, p. 31)<br />
Com personagens, ambientes e instrumentos musicais de origem africana, a voz,<br />
ao clamar pela sua cor de azeviche, reitera elementos definidores de seus versos,<br />
referenciais pessoais, coletivos − Entre os netos <strong>da</strong> Ginga, meus parentes − e culturais<br />
africano-brasileiros, bem como de sua auto-identificação e afirmação enquanto Africano<br />
fi<strong>da</strong>lgote. O urucungo (berimbau), e não a lira, por exemplo, é o instrumento musical<br />
que acompanha a poesia. Além <strong>da</strong> musa de Guiné, outra figura feminina africana,<br />
desponta nos versos de Luis Gama: Ginga (a rainha Nzinga 27 ). A vitória <strong>da</strong> voz poética<br />
27 Nzinga Mbandi Ngola, rainha de Matamba e Angola, de acordo com Carlos Serrano (1995/1996), viveu<br />
de 1581 a 1663 e representa resistência à ocupação do território africano pelos portugueses que lá<br />
aportaram para o tráfico de africanos escravizados. Nzinga auxiliou seu irmão negociando a devolução de<br />
territórios já ocupados pelos invasores. Mas, depois, não concordou com a submissão aos portugueses de<br />
vários chefes africanos, incluindo seu irmão, e, ordenando suas mortes, chegou ao comando de grupos de<br />
resistência à ocupação <strong>da</strong>s terras de Ngola e Matamba.