Ana Rita Santigo da Silva - texto.pdf - RI UFBA - Universidade ...
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[...] Ele serviu, desde logo para concretizar o lado menos elogioso, embora<br />
literariamente muito utilizável <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> humana – o <strong>da</strong>s aventuras<br />
pecaminosas, de conseqüências as mais diversas, dificilmente resisti<strong>da</strong>s,<br />
mesmo pelos chefes de família tidos por mais virtuosos. Foi, pois, à<br />
dimensão bocagiana dos poemas satíricos de Gregório de Matos que a<br />
mulata forneceu os <strong>da</strong>dos mais adequados. [...] (QUEIROZ JR, 1975, p. 31)<br />
A mulher negra, canta<strong>da</strong> por Gregório de Matos, é descrita por atributos<br />
contraditórios: ora desfila como anjo, ora como demônio. Ela tem beleza e formosura,<br />
mas tem pouca racionali<strong>da</strong>de e é muito tentadora, irresistível. Só tem a oferecer seus<br />
dotes físicos e o prazer sexual ao macho senhor que, seduzido por ela, não tendo<br />
alternativa, entrega-se aos desejos libidinosos. É, por fim, a mulher rainha do lar, mas<br />
não para constituir família, pois é irresponsável, amoral, infiel e dota<strong>da</strong> de<br />
comportamentos impetuosos e fogosos.<br />
Na historiografia literária, na esfera dos micro e contrapoderes (FOUCAULT,<br />
2002), outros/as escritores/as elaboram poéticas com cantos diferenciadores que pouco<br />
se aproximam desses qualitativos. Eles/as inventam outros perfis negros femininos,<br />
abolindo riscos, tais como objetos de desejo e de prazer, de índoles duvidosas,<br />
promiscui<strong>da</strong>de e inserindo, alguns idealizados, como fortes, confiantes, guerreiras, belas<br />
e atraentes, musas, inspiradoras, humaniza<strong>da</strong>s, livres, resistentes, e outros marcados<br />
pelo cotidiano e por fragili<strong>da</strong>des, tais como solitárias, sofri<strong>da</strong>s, angustia<strong>da</strong>s, conflituosas<br />
etc.<br />
Solano Trin<strong>da</strong>de, um escritor participante <strong>da</strong> formação <strong>da</strong> literatura negra, se<br />
destaca por elaborar uma poética que se estabelece através de imagens e temáticas que,<br />
contrariamente à escrita de Boca de inferno, favorecem o fortalecimento de identi<strong>da</strong>des<br />
negras individuais e coletivas e qualifiquem os traços de negritude. Em Negra bonita,<br />
ele cria um eu poético que se oferece como o amor de uma Negra bonita de vestido azul<br />
e branco, pelo seu pertencimento étnico-racial e não apenas pela sua beleza.<br />
Negra bonita de vestido azul e branco<br />
Senta<strong>da</strong> num banco de segun<strong>da</strong> de trem<br />
Negra bonita o que é que você tem?<br />
Com a cara tão triste não sorri pra ninguém?<br />
Negra bonita<br />
É seu amor que não veio<br />
Quem sabe se ain<strong>da</strong> vem<br />
Quem sabe perdeu o trem<br />
Negra bonita não fique triste não<br />
Se seu amor não vier<br />
Quem sabe se outro vem<br />
Quando se perde um amor