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IC 2 / 6 - ICHS/UFOP

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“PROPOSTAS EDUCACIONAIS CONFLITANTES: ENTRE OS<br />

COSTUMES RELIGIOSOS E A MONARQUIA CONSTITUCIONAL.<br />

MINAS GERAIS, 1829 A 1835”<br />

Gabriela Berthou de Almeida 1<br />

Universidade Federal de Ouro Preto<br />

O PRESENTE TRABALHO OBJETIVA REFLETIR ACERCA DOS DEBATES<br />

RELACIONADOS À EDUCAÇÃO NO PERÍODO DE CONSOLIDAÇÃO DO ESTADO<br />

NACIONAL BRASILEIRO. A PREOCUPAÇÃO FORMATIVA DOS INDIVÍDUOS FOI<br />

UM DOS MOTIVOS RESPONSÁVEIS POR GERAR UM PROLONGADO CONFLITO<br />

ENTRE A DIOCESE MARIANENSE E OS DEFENSORES DO REGIME MONÁRQU<strong>IC</strong>O<br />

CONSTITUCIONAL DE MARIANA E OURO PRETO ENTRE OS ANOS DE 1829 A<br />

1835. PARA COMPREENDER ESTE PROCESSO, O FOCO DE NOSSA ANÁLISE<br />

CONCENTRA-SE NO EMBATE ENTRE O BISPO DOM FREI JOSÉ DA SANTÍSSIMA<br />

TRINDADE E ANTONIO JOSÉ RIBEIRO BHERING. DEFENSOR FERRENHO DA<br />

CONSTITUIÇÃO, BHERING E SEUS PARES ACREDITAVAM QUE SOMENTE UMA<br />

EDUCAÇÃO RELIGIOSA “EXPURGADA DE FANATISMO” SERIA CAPAZ DE<br />

“REGULAR OS COSTUMES” DOS POVOS PARA A PLENA OBSERVÂNCIA DA<br />

CONSTITUIÇÃO. POR OUTRO LADO, O PRELADO MARIANENSE RECUSAVA<br />

DIVERSAS LEIS DO IMPÉRIO, UMA VEZ QUE AS IDENTIF<strong>IC</strong>AVAM COMO<br />

OFENSIVAS AOS JÁ CONSOLIDADOS PRINCÍPIOS RELIGIOSOS. DITO ISSO,<br />

NOSSA PROPOSTA CONSISTE EM ANALISAR QUAIS ASPECTOS RELACIONADOS<br />

À INSTRUÇÃO PROMOVERAM O CONFLITO ENTRE COSTUMES RELIGIOSOS E<br />

LEIS CONSTITUCIONAIS, NO PERÍODO MENCIONADO.<br />

Antonio José Ribeiro Bhering; Diocese de Mariana; Constituição do Império; Costumes<br />

Religiosos.<br />

Em outubro de 1829, o jornal O Universal não economizou espaço em suas edições<br />

para tornar pública a “injusta” expulsão do padre Antonio José Ribeiro Bhering do Seminário<br />

de Nossa Senhora da Boa Morte. Na então data, Bhering ministrava a cadeira de Filosofia no<br />

Seminário Episcopal, sendo afastado de tal cargo, pelo bispo Dom Frei José da Santíssima<br />

Trindade, perante a justificativa de estar fornecendo aos seus discípulos ensinamentos<br />

contrários à religião católica, e consequentemente subversivos a ordem social. Pudemos<br />

constatar que os anos que sucederam este ocorrido foram marcados pelo intenso conflito entre<br />

Antonio José Ribeiro Bhering e a diocese de Mariana. Mas primeiramente: quem foi este<br />

personagem histórico responsável por perturbar o sossego de Dom Frei José?<br />

1 Graduanda em História pela Universidade Federal de Ouro Preto. Bolsista pela FAPEMING. Orientação<br />

professora Cláudia Maria das Graças Chaves.


Antonio José Ribeiro Bhering, filho de José Antonio Ribeiro e Ana Francisca da Silva,<br />

nasceu em Ouro Preto no ano de 1803, vindo a falecer no ano de 1856. Concluiu seus estudos<br />

em 1826 no Seminário de Mariana, e em 1° de novembro do mesmo ano foi ordenado padre<br />

pelo bispo Dom Frei José da Santíssima Trindade. Em 1827, passados apenas alguns meses de<br />

sua ordenação, Bhering foi admitido como professor de Filosofia da mesma instituição que a<br />

pouco se formara, permanecendo neste cargo por quase dois anos. No mesmo mês que foi<br />

expulso do Seminário foi nomeado professor público de Retórica e Francês na cidade de Ouro<br />

Preto.<br />

Após seu afastamento do Seminário Episcopal, Antonio José Ribeiro Bhering ocupou<br />

funções políticas e administrativas. Entre os anos de 1833 e 1856 foi vereador da Câmara de<br />

Mariana em três distintos mandatos, deputado, vice-diretor da Instrução Pública e juiz de paz<br />

de Mariana. Apesar dessas ocupações, Bhering não se ausentou dos encargos de sua profissão<br />

de educador e pareceu gozar de uma opinião pública favorável, como sugere o excerto do<br />

jornal O Universal, em que se noticiava as aulas públicas que seriam ministradas por ele em<br />

Ouro Preto em 1830:<br />

Se propõem estabelecer, nesta Imperial Cidade de Ouro Preto, em curso de Filosofia<br />

Racional e Moral, e de lições da Língua Francesa, a que presidirá o já bem<br />

conhecido Sr. Padre Antonio José Ribeiro Bhering, que acaba de lecionar nestes<br />

ramos com feliz sucesso no Seminário Marianense. [...] Ocioso seria assoalhar de<br />

novo as qualidades físicas, e morais, que tornam recomendáveis o nosso Ilustre<br />

Patrício o Sr. Bhering para que a Mocidade se entregue sem receio à sua direção<br />

moral, e científica: o nosso Patrício assaz tem provado seus conhecimentos, seu bom<br />

método de ensinar e sua conduta Civil, e Religiosa, pelo grande número de alunos,<br />

que freqüentaram com proveito sua aula em Mariana. (O Universal, n° 360)<br />

Antonio José Ribeiro Bhering declarava-se publicamente como um liberal, vale dizer<br />

que é preocupação do presente trabalho refletir acerca do que era “ser liberal” para os que<br />

assim se designavam. Tinha como cerne de seus ideais a defesa da constituição, se<br />

posicionando contra qualquer ação que fosse contrária à mesma. Para difusão de seus<br />

pensamentos se valeu fortemente dos impressos circulantes em Mariana e Ouro Preto. Ao que<br />

pudemos constatar até a presente data, Bhering deu contribuições a alguns jornais, como O<br />

Universal, Homem Social, União Fraternal e O Novo Argos. Neste último, em que era<br />

redator, defendia ferozmente a liberdade de imprensa e vislumbrava nela a possibilidade de<br />

denunciar posturas absolutistas de autoridades civis e eclesiásticas.<br />

Além de escrever e ser notícia em distintos periódicos, Bhering também contribuiu<br />

para difusão das informações contidas nestes impressos. Foi noticiado no O Universal no ano


de 1830 que “um gabinete de leitura estabelecido na casa do Sr. Padre Antonio José Ribeiro<br />

Bhering, se acham francos os periódicos de S. Paulo, Rio de Janeiro, e Minas para quem os<br />

quiserem ler gratuitamente”. Segundo Wlamir Silva,<br />

a concentração desses periódicos na moradia de um liberal já nos indica uma ação<br />

coletiva e premeditada de produzir a divulgação desse ideário. Podemos sugerir<br />

ainda que o padre e professor de Filosofia Ribeiro Bhering fazia mais que franquear<br />

periódicos. Havia pouco que o padre Bhering havia sido excluído do Seminário de<br />

Mariana, porque “expendia doutrinas opostas à Religião, e à Constituição do<br />

Império”. Era Bhering, então, um mestre de talento persuasivo. A circulação em sua<br />

casa devia ocorrer na dinâmica de leituras públicas e discussões. (SILVA, 2009. p.<br />

137)<br />

Levando ainda em consideração “o gabinete de leitura estabelecido na casa do padre<br />

Bhering”, outro ponto interessante de reflexão consiste na divulgação de impressos de outras<br />

províncias. Este fato nos sugere o incentivo (ou pelo menos a tentativa por parte de alguns) de<br />

que houvesse um intercâmbio de pensamentos entre as distintas partes do território brasileiro.<br />

Vale dizer, que provavelmente neste local em que se podia “ler gratuitamente” somente eram<br />

divulgados os jornais que compartilhavam do projeto de sociedade liberal, e se eram expostos<br />

outros que não comungavam com este ideal, provavelmente eram lidos como propostas<br />

políticas e sociais que deveria ser recriminadas e combatidas.<br />

Em todo o Brasil os jornais no século XIX apresentaram-se como espaço de<br />

sociabilidade de extrema importância. Em uma sociedade ocupada em divulgar as diferentes<br />

propostas para consolidação do Estado Nacional brasileiro, os impressos se constituíram<br />

enquanto “espaços públicos” para circulação desses ideais. Tomemos como “espaço público”<br />

às três definições dadas ao termo por Marco Morel:<br />

Cena ou esfera pública, onde interagem diferentes atores, e que não se confunde<br />

com Estado; a esfera literária e cultural, que não é isolada do restante da sociedade e<br />

resulta na expressão letrada ou oral de agentes históricos diversificados; e os espaços<br />

físicos e locais onde se configuram estas cenas públicas. (MOREL, 2006. p18)<br />

Na província de Minas é possível identificar, assim como foi no Rio de Janeiro local em que<br />

Morel se refere ao definir “espaço público”, uma ampla “guerra” no âmbito dos “panfletos”, a<br />

qual Mariana e Ouro Preto ocupavam lugar destacado. De acordo com Xavier da Veiga,<br />

circulou nessa região, entre os anos de 1824 e 1840 cerca de 30 periódicos, que tiveram<br />

duração variável. (RAPM, cd 1, volume 3)<br />

As pesquisas historiográficas, sobretudo as mais recentes, nos revelam que os anos que<br />

sucederam à emancipação política do Brasil são marcados pela instabilidade característica de


períodos de transformação. Dentro desta perspectiva, é possível observar a conflitante<br />

convivência entre permanências do Antigo Regime e de inovações trazidas com a ordem<br />

Imperial. Se delimitarmos a análise a província mineira, se pode dizer que principalmente a<br />

partir da abdicação de D. Pedro I em 1831, diferentes propostas para construção da nova<br />

organização política, social e cultural se manifestaram. Segundo Wlamir Silva, em Minas<br />

Gerais existiu no período regencial “uma dicotomia entre liberais moderados e restauradores”,<br />

em que “o partido Moderado afirmou uma clara identidade em contraposição aos caramurus e<br />

restauradores” (SILVA, 2006 p. 214).<br />

Este cenário regencial, caracterizado pela acirrada disputa entre os distintos projetos<br />

que objetivavam se consolidar, possibilitou o florescimento de uma série de sociedades com<br />

fins políticos, pedagógicos, literários e filantrópicos, sendo mais comum à primeira finalidade<br />

descrita. Segundo Morel, com o fim do Primeiro Reinado se verificou uma ampliação dos<br />

meios de sociabilidade, nas palavras do autor: “A abdicação de Dom Pedro I e os governos da<br />

Regência significaram relativo enfraquecimento do poder monárquico, correspondendo a um<br />

crescimento, em pluralidade e quantidade, das associações nos espaços públicos.” (MOREL,<br />

2006. p. 268). Na província de Minas, entre os anos de 1831 e 1840, existiram 33 sociedades,<br />

sendo que algumas utilizavam impressos próprios para divulgação de seus ideais, como foi o<br />

caso da Sociedade Promotora da Instrução Pública. (FILHO, L.M.F.; NASCIMENTO, C.V.;<br />

INÁCIO, M.S.; JINZENJI, M.Y,2008. p. 74). É válido dizer que assim como os jornais, estas<br />

sociedades também foram fruto de ações conjuntas que visava difundir de um “ideal” de<br />

sociedade.<br />

Antonio José Ribeiro Bhering esteve envolvido em uma dessas associações, a<br />

Sociedade Patriótica Mariannense. As reuniões deste grupo aconteceram entre os anos de<br />

1832 e1833, na sala da Biblioteca Pública de Mariana, o que sugere que a sociedade era<br />

mantenedora deste local de leitura. Nas correspondências expedidas ao presidente da<br />

província, se apresentavam como defensores da constituição e diziam contribuir para<br />

disseminar as luzes na província. Ressaltavam ainda, que visavam alertar a população mineira<br />

acerca do “o monstro absolutista”, chamando-os para combater este tipo de postura.<br />

Apesar dos diversificados aspectos que poderiam ser explorados a partir do sujeito<br />

histórico exposto acima, nos interessa a sua atuação enquanto educador entre os anos de 1829<br />

a 1835. Dito isso, o presente trabalho tem por objetivo central analisar quais foram os<br />

motivos, se tratando da preocupação formativa dos indivíduos, que geraram o prolongado<br />

conflito entre Antonio José Ribeiro Bhering e o prelado de Mariana. Quais doutrinas seriam


pregadas por este professor de filosofia que resultou em sua expulsão do Seminário de<br />

Mariana pelo bispo Dom Frei José da Santíssima Trindade? Sendo ambos educadores, o que<br />

cada um julgava como saberes importantes a serem difundidos? Tendo em vista que a<br />

instrução era parte fundamental da formação política das elites, quais eram as propostas<br />

educacionais destes “blocos opostos”?<br />

Aos olhos de Dom Frei José, o padre Antonio José Ribeiro Bhering não passava de um<br />

indivíduo ingrato. Isso porque, ao encontrar apoio em outros “demagogos” da província, se<br />

empenhou em denegrir a imagem da Instituição de ensino na qual foi aluno: sustentado e<br />

“provido de livros pela mínima pobreza, por tempo de seis anos” e que posteriormente serviu<br />

de professor. O bispo lamentava que após ter sido obrigado “lançá-lo fora” do Seminário,<br />

Bhering “se desmascarou em escritos públicos na incendiária folha intitulada o Argos de<br />

Minas”, dirigindo fortes insultos a instituição que devia a sua prosperidade. Ao que<br />

constatamos, as publicações de Bhering em jornais incomodaram bastante o prelado. Em carta<br />

dirigida ao Núncio Apostólico, Dom Frei José chegou até a mencionar a possibilidade de ser<br />

demitido do cargo que ocupava:<br />

Muitas vezes tenho renovado os impulsos de pedir demissão de um ministério<br />

desproporcionando as minhas forças da alma, que me seria menos difícil a pena de<br />

um cárcere perpétuo, que merecem os meus grandes pecados, que continuar no meio<br />

de um labirinto, onde vejo a cada instante o tropeço, e a responsabilidade de Deus<br />

para não saber defender o Rebanho, que confiou as minhas tão limitadas forças, e ao<br />

mesmo tempo perseguido pelas folhas públicas da oposição, e pelo Conselho desta<br />

província. (AECM: Arquivo 2; gaveta 2, pasta 8)<br />

Neste mesmo escrito, o bispo ainda se queixava dos questionamentos feitos frente aos<br />

Estatutos do Seminário que ele havia reformulado assim que chegou a diocese em 1820, data<br />

em que encontrou a Instituição de ensino em “total abandono”. Dom Frei José relatou<br />

inconformado que alguns “demagogos” da província colocavam a título de inconstitucional o<br />

Estatuto que “trouxera de novo vida ao seu Seminário”. Diz ainda, que aceitaria com bom<br />

grado, se estas cobranças fossem provenientes do Imperador, mas que jamais concordaria com<br />

questões colocadas por “perturbadores da paz e do sossego público.” (Idem).<br />

O padre Antonio José Ribeiro Bhering era de fato um dos “perturbadores da ordem”<br />

apontados por Dom Frei José. Isso porque, além de questionar a validade do Estatuto<br />

reformulado pelo bispo, difundia também a ideia de que o Seminário não era propriedade do<br />

bispado. Em resposta a ofensas que recebeu do jornal O Telegrapho, espaço de expressão dos<br />

fiéis defensores da diocese, Bhering defendia que: “O Seminário [...] é do público: o doador,<br />

que mimoseou o público com prédios rústicos, e urbanos, que formam o patrimônio do


Seminário, teve por fim na sua doação o bem público, e não a opulência da Mitra” (O<br />

Universal, n° 357). Nota-se que o termo “público” aqui se remetia a um espaço de<br />

sociabilidade que poderia ser desfrutado por todos os cidadãos brasileiros. Neste sentido,<br />

retomamos a definição de “espaço público” dada por Marco Morel.<br />

Em diversos escritos nos jornais que se designavam como liberais Dom Frei José era<br />

acusado de ter atitudes tirânicas:<br />

“eis o motivo porque tem sido sobre maneira censurado o nosso Exmo Prelado,<br />

porque devendo lembrar-se da moderação, que deve ser própria do alto cargo, que<br />

ocupa, pelo contrário se porta cheio de furor com este, ou aquele Eclesiástico, que<br />

não segue o seu partido Telégrafo. Além de muitos exemplos, que poderia<br />

apresentar para confortar as minhas asserções, conto como muito notável o<br />

ressentimento feito com o padre Antonio José Ribeiro Bhering, que acaba de ser<br />

demitido do Seminário de Mariana por S. Exª [...] Pela birra dum só ficará a<br />

mocidade privada de se instruir? [...] Eu conheço, que S. Exª pode por, depor como<br />

quiser os mestres do Seminário, porém, Sr. Redator, me parecia decente, que isto<br />

fizesse livre de partido, e indiferente, até para dar exemplo; eis o que se chama<br />

inteireza; mas fazê-lo pelo que lhe mandam seus Conselheiros, e isto contra toda a<br />

razão, e justiça, é não ser bom administrador, é não ser bom Pastor. (O Universal, n°<br />

351)<br />

Ainda não conseguimos delimitar com precisão os distintos aspectos das propostas<br />

educacionais do professor Antonio José Ribeiro Bhering, mas já pudemos constatar que ele e<br />

seus pares consideravam a instrução como um instrumento importante para que o regime<br />

monárquico constitucional se consolidasse na província mineira. Estes homens julgavam de<br />

extrema urgência que os “costumes dos povos fossem regulados”, e para que este fato<br />

ocorresse defendiam a organização de um ensino religioso “livre de fanatismo”. Criticavam a<br />

sede do bispado por não estar cumprindo este dever, como sugere o trecho que segue:<br />

Uma das vantagens da liberdade de imprensa é a justa censura das autoridades, que<br />

não cumprem os deveres, que lhes impõe a lei. Temos prometido em nosso<br />

prospecto advertir os empregos públicos de suas faltas: por tanto nós demonstramos<br />

no n° 5 a utilidade da educação religiosa, não podemos deixar de lamentar o<br />

abandono que tem sido condenada uma das funções mais essenciais dos pastores da<br />

igreja mineira; queremos falar da obrigação imposta aos bispos, párocos e Curas de<br />

pregarem o evangelho. Não se pode duvidar que se todos os párocos, principalmente<br />

pelo párocos dos párocos, ensinarem a religião aos seus súditos, pregando a<br />

submissão a lei, ao monarca, aspirando horror ao perjúrio, o espírito constitucional<br />

estaria mais difundido nos corações dos povos. (O Novo Argos, n° 6)<br />

Nesta perspectiva, o ensino religioso recebia destaque, pois somente ele seria capaz de<br />

“tocar o coração dos homens”. Destarte, para os defensores deste pressuposto, o único meio<br />

possível de despertar a sociedade para a plena observância das leis constitucionais seria


através da união entre educação e religião. Na quinta edição do O Novo Argos, este ponto é<br />

bem expresso:<br />

“esta disposição só a religião pode promover, porque as leis civis [...] suspendem<br />

sim o barco, mas não tem Império sobre a consciência, à religião comanda o<br />

coração, adoça os costumes e os casa com todas as instituições sociais. Só a religião<br />

pode preparar os ânimos para exata observância das leis civis [...] De tudo isso<br />

concluímos que para a exata observância da Lei, é necessário regular os costumes, e<br />

que para estes se regularem convém prover a religião pelos meios decentes, e<br />

compatível com as luzes do século, firmando estas duas colunas Religião e<br />

educação, consolida-se a 3ª a legislação, mas existindo está última por mais forte<br />

que seja, falecendo as duas primeiras cai por terra todo o edifício social” (O Novo<br />

Argos, n°5)<br />

Por outro lado, Dom Frei José da Santíssima Trindade ao defender a diocese, relatava<br />

que desde a chegada na província Mineira, região de “orbe cristã”, o “liberalismo<br />

desenfreado” com suas idéias “revolucionárias” a igreja não teve mais paz. Alertava para a<br />

falta de respeito às tradições da Igreja Católica, e recriminava os adeptos do “filosofismo<br />

moderno”.<br />

Queremos falar desses homens insensatos, cheios de vaidade, Sectários do<br />

Filosofismo Moderno, que atraídos por uma excessiva cobiça de novidade;<br />

desprezando as Santas e Apostólicas tradições, que são as puras fontes da verdade,<br />

abraçam doutrinas fúteis, e vans, que a Igreja não aprova, que eles erradamente<br />

julgam ser o fundamento da mesma verdade (AECM: Arquivo 2; Gaveta 2; Pasta 6.)<br />

Talvez em situação limite, um dos defensores de Dom Frei José desabafou que ou o<br />

bispo respeitava os antiguíssimos preceitos religiosos, ou respeitava as atas do conselho.<br />

E porque o mesmo bispo ou há de ser fiel aos seus juramentos na defesa, e<br />

observância da disciplina e cânones da Igreja, ou obedecer às atas do conselho, e ser<br />

perjuro, [...], por isso recorre respeitosamente à proteção da Augusta Apostólica<br />

Assembléia Legislativa para que seja conservado na sua Imunidade, bem como os<br />

seus Antecessores. De outra sorte não pode viver o bispo entre tantos conflitos, e<br />

perturbações, que aumentam a desordem, e desconfiança entre o pastor e as ovelhas.<br />

(AECM: Arquivo, 2; Gaveta 2; Pasta 14; 1831)<br />

Este escrito nos coloca frente o claro conflito entre as leis constitucionais e as<br />

religiosas. Na visão dos partidários da diocese, diversos aspectos do regime constitucional<br />

deslegitimavam os já consolidados preceitos da Igreja. Tendo em vista isso, seria realmente<br />

difícil que a diocese, através de um ensino religioso como propõe Ribeiro Bhering, fosse<br />

responsável por legitimar um regime que em muitos pontos se opunha.


Para findar a presente comunicação colocamos foi nosso objetivo expor as principais<br />

questões suscitadas por essa pesquisa, bem como apresentar alguns dos resultados já<br />

alcançados. Guiados pelo conflito entre professor Antonio José Ribeiro Bhering e o bispo<br />

Dom Frei José da Santíssima Trindade, temos como foco compreender quais foram às<br />

propostas educacionais destes distintos grupos que buscavam difundir seus projetos políticos<br />

e sociais, em um período de consolidação do Estado Nacional Brasileiro.<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁF<strong>IC</strong>AS:<br />

CHAVES, Cláudia Maria das Graças; PIRES, Maria do Carmo; MAGALHÃES, Sonia Maria.<br />

Casa de Vereança: 300 anos de História da Câmara Municipal. Ouro Preto: <strong>UFOP</strong>, 2008.<br />

FILHO, L. M. F; NASCIMENTO, C. V; INÁCIO, M. S.; JINZENJI, M. Y. Educar para<br />

Civilizar. Revista do Arquivo Público Mineiro, 2008.<br />

GONÇALVES, Andréa Lisly. Estratificação social e mobilizações políticas no processo de<br />

formação do Estado nacional Brasileiro: Minas Gerais, 1831-1835. São Paulo, Editora<br />

Hucitec, 2007.<br />

GUINZBURG, Carlo. “O nome e o como: Troca desigual e mercado historiográfico” IN: A<br />

micro-história e outros ensaios. Lisboa, Difel, 1989.<br />

MOREL, Marco. As transformações dos Espaços Públicos. Imprensa, atores Políticos e<br />

Sociabilidade na Cidade Imperial. São Paulo, Editora Hucitec, 2003.<br />

REVEL, Jacques. “Microanálise e construção do Social”. IN: Jogos de escalas: a experiência<br />

da microanálise. Rio de Janeiro, Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1998.<br />

SILVA, Wlamir. Liberais e o povo. A construção da hegemonia liberal-moderada na<br />

província de Minas Gerais (1830-1834). São Paulo, Editora: Hucitec, 2009.<br />

___ SILVA, Wlamir. Esmagando a Hydra da discórdia: o enquadramento do pensamento<br />

exaltado pela moderação mineira. História, São Paulo, v. 25 n.2 p. 214 227, 2006.<br />

TRINDADE, Raymundo. Breve Notícia dos Seminários de Mariana. Editada sob os<br />

auspícios da Arquidiocese de Mariana, 1951.<br />

FONTES PRIMÁRIAS:<br />

Arquivo Público Mineiro (APM): jornal O Universal. Ouro Preto, 1825 a 1842; Inventário do<br />

fundo da presidência da província, subsérie: sociedade músicas, políticas e literárias. PP1/7<br />

cx. 1 e cx. 2.<br />

Revista do Arquivo Público Mineiro (RAPM), CD 1, volume 3. Imprensa Mineira.


Arquivo Eclesiástico da Cúria de Mariana (AECM): Arquivo pessoal do Bispo Dom Frei José<br />

da Santíssima Trindade, papéis avulsos.<br />

Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana (AHCS): inventário e testamento de<br />

Antônio José Ribeiro Bhering.<br />

Universidade Federal de Minas Gerais, arquivo de periódicos mineiros do século XIX e XX<br />

(microfilme): O Novo Argos, Ouro Preto 1829 a 1834.

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