Mello, João Manoel Pinho de - IEPE / CdG

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DETECTANDO UM CARTEL E COMPUTANDO SEU SOBREPREÇO: O CASO DO CARTEL DO VERGALHÃO 1 Departamento de Economia, PUC-Rio. 2 Departamento de Economia, PUC-Rio. NO BRASIL JOÃO MANOEL PINHO DE MELLO 1 VINICIUS CARRASCO 2 1

DETECTANDO UM CARTEL E COMPUTANDO SEU<br />

SOBREPREÇO: O CASO DO CARTEL DO VERGALHÃO<br />

1 Departamento <strong>de</strong> Economia, PUC-Rio.<br />

2 Departamento <strong>de</strong> Economia, PUC-Rio.<br />

NO BRASIL<br />

JOÃO MANOEL PINHO DE MELLO 1<br />

VINICIUS CARRASCO 2<br />

1


Sumário Executivo<br />

Em 2005, GERDAU S.A. (GERDAU), COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO-<br />

MINEIRA sucedida por BELGO SIDERURGIA S.A. e ARCELORMITTAL BRASIL<br />

S.A. (ARCELORMITTAL) (ARCELORMITTAL e SIDERÚRGICA BARRA MANSA<br />

S.A. (BARRA MANSA) foram con<strong>de</strong>nadas pelo SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA<br />

DA CONCORRÊNCIA (SBDC) por formação <strong>de</strong> cartel no mercado nacional <strong>de</strong> aços<br />

longos para construção civil (vergalhões), no período 1999-2005. Este parecer estabelece<br />

três fatos novos além da con<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> 2005. Primeiro, mostramos evidências teóricas e<br />

empíricas <strong>de</strong> que comportamento colusivo no mercado <strong>de</strong> vergalhões no Brasil perdurou<br />

após a con<strong>de</strong>nação, sendo efetivo ainda hoje. Segundo, calculamos o sobrepreço cobrado<br />

pelo cartel usando quatro métodos alternativos. Terceiro, a partir do sobrepreço, po<strong>de</strong>mos<br />

calcular um limite inferior para o dano causado ao setor <strong>de</strong> construção civil pelo cartel.<br />

Dizemos que esse é um limite inferior porque ele é o efeito sobre o lucro da construção<br />

supondo que os construtores construiriam o mesmo número <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s se o preço<br />

cobrado pelo vergalhão fosse competitivo. Portanto, o dano seria ainda maior caso<br />

pudéssemos calcular quantas unida<strong>de</strong>s seriam produzidas na ausência do cartel.<br />

Neste laudo apura-se o sobrepreço cobrado pelo cartel <strong>de</strong> aços longos utilizados na<br />

construção civil. A conduta colusiva foi investigada e <strong>de</strong>tectada pela Secretaria <strong>de</strong><br />

Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE/MF), pela Secretaria <strong>de</strong><br />

Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE/MJ) e pelo Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral,<br />

seguindo <strong>de</strong>núncias apresentadas por SINDUSCON/SP, SECOVI-SP e AMIDA. Em<br />

2005, o cartel foi con<strong>de</strong>nado pelo SBDC. Segundo a SDE/MJ, a cartelização “persiste ao<br />

menos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1999.” 3 Este parecer <strong>de</strong>monstrará:<br />

1. O processo administrativo no âmbito do SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA<br />

DA CONCORRÊNCIA se refere ao período <strong>de</strong> 1999 a 2005. Porém, as<br />

condições favoráveis para cartelização no mercado <strong>de</strong> aço longo continuaram<br />

presentes após a con<strong>de</strong>nação. A<strong>de</strong>mais, uma condição adicional emergiu <strong>de</strong>pois<br />

da con<strong>de</strong>nação.<br />

a. As condições favoráveis são: estrutura do mercado concentrada,<br />

homogeneida<strong>de</strong> do produto, barreiras à importação, altos custos afundados<br />

<strong>de</strong> entrada, estabilida<strong>de</strong> tecnológica, estabilida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>manda, relativa<br />

3 Parecer da Secretaria <strong>de</strong> Direito Econômico do Ministério da Justiça no Processo Administrativo<br />

08012.004086/2000-24, p. 187<br />

2


simetria entre os participantes do mercado, alta freqüência da concorrência<br />

e, finalmente, transparência das ações dos participantes do mercado.<br />

b. A condição adicional é a verticalização da estrutura produtiva em pelo<br />

menos um mercado local importante, o <strong>de</strong> Minas Gerais. Mais<br />

especificamente, houve uma redução significativa da distribuição<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>vido à verticalização das si<strong>de</strong>rúrgicas. Demonstraremos<br />

que a redução da distribuição in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte não po<strong>de</strong> ser justificada por<br />

razões <strong>de</strong> eficiência econômica. Por fim, argumentaremos que a redução<br />

da distribuição in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte aumenta os custos <strong>de</strong> entrada para a<br />

importação.<br />

2. Além da continuação (ou mesmo aprofundamento) das condições facilitadoras,<br />

mostraremos que o comportamento dos preços do vergalhão no mercado interno<br />

e externo é prova da continuação do comportamento colusivo. Essa afirmação<br />

será respaldada tanto pela teoria econômica como por evidência empírica do<br />

conluio.<br />

a. A primeira evidência da continuação do comportamento colusivo é a<br />

continuação da prática <strong>de</strong> preços elevados muito acima do patamar<br />

correspon<strong>de</strong>nte ao regime concorrencial esperado (Bertrand ou Cournot 4 ),<br />

face à estrutura do mercado (oligopolista). Em particular, a diferença entre<br />

os preços cobrados domesticamente por ARCELORMITTAL GERDAU e<br />

BARRA MANSA e seus preços <strong>de</strong> exportação (doravante prêmio<br />

doméstico) aumentou <strong>de</strong>pois da con<strong>de</strong>nação.<br />

b. Usando dados <strong>de</strong> participação da construção civil no produto interno bruto<br />

(PIB) e dados <strong>de</strong> crescimento do PIB, <strong>de</strong>monstramos que alterações na<br />

<strong>de</strong>manda não explicam o aumento da diferença <strong>de</strong> prêmio doméstico.<br />

c. O principal movimento <strong>de</strong> custos ocorrido <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 2005 foi o aumento<br />

pronunciado no preço do principal componente <strong>de</strong> custo, o minério <strong>de</strong><br />

ferro, motivado pela crescente <strong>de</strong>manda da China e Índia por materiais<br />

básicos. A estrutura <strong>de</strong> mercado no mercado externo é bastante<br />

4 O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Cournot (em homenagem ao matemático e economista francês Antoine Augustin Cournot<br />

(1801-1877)) é um dos mais tradicionais métodos <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> concorrência oligopolística. Nele, as<br />

empresas concorrentes escolhem quantida<strong>de</strong>s e o preço é <strong>de</strong>terminado pela curva <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> mercado.<br />

Apesar <strong>de</strong> perceberem que suas <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> afetam o preço <strong>de</strong> equilíbrio, as empresas não<br />

<strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m o preço que ven<strong>de</strong>m seus produtos. Em geral, o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Cournot é a<strong>de</strong>quado para analisar a<br />

concorrência <strong>de</strong> curto prazo em mercados <strong>de</strong> bens homogêneos nos quais as <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> têm<br />

longa duração (a referência técnica clássica está em Kreps, D. e J. Scheinkman, 1985, “Quantity<br />

Precommitment and Bertrand Competition Yield Cournot,” The Bell Journal of Economics, Vol. 14, pg.<br />

326-337.<br />

3


<strong>de</strong>sconcentrada se comparada à estrutura doméstica (o Brasil tem um<br />

número pequeno <strong>de</strong> empresas em relação à média internacional). Portanto,<br />

a reação do preço do vergalhão nos mercados externos aos aumentos no<br />

custo do minério <strong>de</strong> ferro po<strong>de</strong> ser usada como uma medida <strong>de</strong> como um<br />

mercado competitivo reage a aumentos <strong>de</strong> custo. A teoria econômica<br />

indica que a variação no preço doméstico <strong>de</strong>corrente do aumento <strong>de</strong> custos<br />

<strong>de</strong>veria ser menor no mercado interno que no mercado externo se o regime<br />

<strong>de</strong> concorrência doméstico fosse oligopolista ou Cournot. Portanto, uma<br />

reação maior, como a ocorrida no mercado nacional, não po<strong>de</strong> ser<br />

explicada se não houvesse o conluio e SE ARCELORMITTAL, GERDAU<br />

e BARRA MANSA estivessem em um regime <strong>de</strong> concorrência<br />

oligopolística.<br />

d. A<strong>de</strong>mais, <strong>de</strong>monstraremos que um aumento no custo marginal ajuda a<br />

sustentação <strong>de</strong> um conluio tácito quando os membros do conluio escolhem<br />

quantida<strong>de</strong>s 5 . Isto implica que, em resposta a um aumento <strong>de</strong> custos, o<br />

preço que o cartel po<strong>de</strong> cobrar e ainda ser sustentável aumenta mais do<br />

que o aumento que prevaleceria caso o regime <strong>de</strong> concorrência doméstico<br />

fosse Cournot. Portanto, conluio no mercado doméstico explica o<br />

aumento do preço doméstico acima do aumento ocorrido no preço <strong>de</strong><br />

exportação.<br />

3. Portanto, a permanência ou mesmo o aprofundamento das condições<br />

facilitadoras, além da evidência teórica e empírica, sugerem que o período <strong>de</strong><br />

sobrepreço <strong>de</strong>ve incluir não apenas os anos <strong>de</strong> 1999 a 2005, mas também os anos<br />

subseqüentes.<br />

4. Medimos o sobrepreço cobrado pelo cartel usando quatro métodos diferentes. A<br />

dificulda<strong>de</strong> metodológica para o cálculo do sobrepreço é saber o preço que<br />

5 Desenvolvemos a argumentação teórica supondo que o cartel escolhe quantida<strong>de</strong>s porque isso facilita a<br />

análise. No entanto, a essência do argumento teórico não é alterada se o cartel fixar preço. No caso do<br />

cartel no mercado <strong>de</strong> aço longo, as firmas parecem se importar por ambas as dimensões (preço e<br />

quantida<strong>de</strong>s). Por exemplo, há evidência <strong>de</strong> que as firmas combinam os preços a serem cobrados e<br />

monitoram as quantida<strong>de</strong>s produzidas (parecer SDE/MJ). O mo<strong>de</strong>lo capta os aspectos fundamentais do<br />

problema com o qual um cartel se <strong>de</strong>para (aumentar preço e/ou diminuir quantida<strong>de</strong>s) e apreen<strong>de</strong> os efeitos<br />

assimétricos da resposta <strong>de</strong> preços a aumentos <strong>de</strong> custos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do regime <strong>de</strong> competição. Os efeitos<br />

que apresentamos se mantêm numa situação na qual a competição se dá em ambas as frentes. De fato, será<br />

sempre verda<strong>de</strong> que o cartel reduzirá as quantida<strong>de</strong>s produzidas e aumentará os preços cobrados, o que, por<br />

sua vez, trará incentivos para que os membros do cartel <strong>de</strong>sviem e produzam mais a preços menores. Assim<br />

como no mo<strong>de</strong>lo que consi<strong>de</strong>ramos, um aumento no custo <strong>de</strong> produção reduzirá os incentivos <strong>de</strong> cada um<br />

dos membros a <strong>de</strong>sviar do esquema colusivo, o que fará, por sua vez, com que o cartel possa aumentar mais<br />

os preços em relação ao que aconteceria em competição. Novamente, a escolha que fizemos do mo<strong>de</strong>lo foi<br />

feita única e exclusivamente por uma questão <strong>de</strong> simplicida<strong>de</strong>, a qual não afeta os resultados<br />

qualitativamente.<br />

4


prevaleceria na ausência <strong>de</strong> cartel, ou seja, qual preço prevaleceria se GERDAU,<br />

ARCELOR MITTAL e BARRA MANSA estivessem competindo.<br />

a. O primeiro método tem a vantagem <strong>de</strong> ser o mais simples. A con<strong>de</strong>nação<br />

do SBDC se refere ao período <strong>de</strong> 1999-2005. Po<strong>de</strong>-se assim supor que o<br />

preço em 1999 foi majoritariamente produzido na ausência <strong>de</strong> cartel.<br />

Portanto, um método possível <strong>de</strong> cálculo do preço que prevaleceria<br />

ausência do cartel é corrigir o preço <strong>de</strong> 1999 pelo Índice Nacional da<br />

Construção Civil (INCC), um índice <strong>de</strong> correção monetária <strong>de</strong> preços<br />

ligados à construção civil que captura variações da <strong>de</strong>manda. O<br />

sobrepreço para cada ano entre 1999 e 2008 é diferença entre o preço<br />

prevalente e o preço <strong>de</strong> 1999 corrigido pelo INCC.<br />

b. O segundo método também é simples. Ele é possível por uma<br />

peculiarida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste caso: as empresas exportam o mesmo vergalhão que<br />

ven<strong>de</strong>m domesticamente. Po<strong>de</strong>mos assim usar esse preço como parâmetro<br />

para o preço contrafactual.<br />

c. O terceiro e quarto métodos são modificações do segundo método, e<br />

envolvem o uso do preço projetado para o vergalhão no Brasil com base<br />

em informações <strong>de</strong> preço e estrutura <strong>de</strong> mercado em outros países.<br />

O preço que as firmas estão dispostas a exportar é uma boa aproximação<br />

do que prevaleceria no mercado doméstico se as firmas não estivessem<br />

cartelizadas, mas não é uma medida perfeita. Consi<strong>de</strong>re dois mercados A e<br />

B cujas estruturas <strong>de</strong> mercado e os regimes <strong>de</strong> concorrência são os<br />

mesmos. Se há custos <strong>de</strong> transporte relevantes para o vergalhão (o que é<br />

fato), diferenças <strong>de</strong> custo <strong>de</strong> produção implicam em preços diferentes nos<br />

dois mercados, não vale a lei do preço único. Por exemplo, uma empresa<br />

no mercado A tem que colocar seu preço no máximo igual ao preço <strong>de</strong><br />

uma no mercado B menos o frete. Isso justifica que os preços <strong>de</strong><br />

exportação sejam um pouco menores que os preços domésticos. Por outro<br />

lado, diferenças intrínsecas <strong>de</strong> custos também se refletirão em diferenças<br />

<strong>de</strong> preço. No caso específico do mercado <strong>de</strong> aço longo em geral e <strong>de</strong><br />

vergalhão em particular, o fácil acesso ao insumo minério <strong>de</strong> ferro<br />

sugere que o preço que prevaleceria no mercado brasileiro seria mais<br />

baixo que o preço <strong>de</strong> exportação se as estruturas <strong>de</strong> mercado e os<br />

5


egimes <strong>de</strong> concorrência são parecidos. 6 Em resumo, como estimador do<br />

preço que prevaleceria sob condições concorrências normais, o preço <strong>de</strong><br />

exportação po<strong>de</strong> tanto superestimá-lo como subestimá-lo.<br />

Para aumentar a confiabilida<strong>de</strong>, calculamos o sobrepreço por dois métodos<br />

alternativos. Ambos usam informações sobre os mercados <strong>de</strong> vergalhão<br />

em outros países. Com os dados <strong>de</strong> preço e estrutura <strong>de</strong> preços<br />

internacional, projetamos qual seria o preço esperado no Brasil dado que<br />

há 3 firmas concorrendo ou tecnicamente 2,25 firmas conforme será<br />

explicitado. 7 O terceiro e quarto métodos envolvem calcular o sobrepreço<br />

como a diferença entre o preço praticado e esse preço previsto. A<br />

diferença entre o terceiro e quarto métodos é a técnica <strong>de</strong> estimação, como<br />

será <strong>de</strong>scrito em <strong>de</strong>talhe no parecer.<br />

ÍNDICE<br />

Sumário Executivo ................................................................................................. 2<br />

Introdução ............................................................................................................. 11<br />

1. Aspectos Teóricos da Cartelização ................................................................. 15<br />

1.1 Definição <strong>de</strong> Cartel, Implicações para o Bem-Estar ......................................... 15<br />

1.2 Motivo e Oportunida<strong>de</strong>: Condições que Facilitam a Formação e Sustentação<br />

<strong>de</strong> um Cartel ............................................................................................................... 18<br />

1.3 A Teoria <strong>de</strong> I<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> Cartéis .................................................................. 20<br />

1.3.1 Introdução: a Teoria <strong>de</strong> I<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> Cartéis Aplicada ao Caso do<br />

Vergalhão no Brasil .............................................................................................. 20<br />

1.3.2 Teste 1: Relação entre Preços, Margem <strong>de</strong> Lucro e Número <strong>de</strong><br />

Competidores ........................................................................................................ 24<br />

1.3.3 Teste 2: I<strong>de</strong>ntificação com Base em Alterações no Custo Marginal ........... 26<br />

2. A Estrutura do Mercado <strong>de</strong> Vergalhões: Demanda, Oferta e Definição <strong>de</strong><br />

Mercado ................................................................................................................ 28<br />

2.1 Definição do Produto ........................................................................................... 28<br />

2.2 Oferta: Tecnologia <strong>de</strong> Produção ......................................................................... 29<br />

6 Em preços atuais aproximados, uma si<strong>de</strong>rúrgica na China paga U$70,00 pela tonelada <strong>de</strong> minério <strong>de</strong> ferro<br />

produzido pela VALE, mais U$80,00 pelo frete. Por outro lado, uma si<strong>de</strong>rúrgica no Brasil recebe a<br />

U$70,00, sem frete.<br />

7 No Brasil há 2,25 empresas efetivas concorrendo no mercado <strong>de</strong> vergalhões. Ver Vi<strong>de</strong> seção 2.6 para a<br />

<strong>de</strong>finição técnica <strong>de</strong> número efetivo <strong>de</strong> empresas.<br />

6


2.3 Demanda: clientes ................................................................................................ 30<br />

2.4 Definição <strong>de</strong> mercado relevante .......................................................................... 31<br />

2.4.1 Dimensão Produto ....................................................................................... 31<br />

2.4.2 Dimensão geográfica ................................................................................... 31<br />

2.5 Natureza e Elasticida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Demanda ................................................................. 33<br />

2.6 Estrutura horizontal da produção <strong>de</strong> vergalhões .............................................. 34<br />

3. Demonstração do Comportamento <strong>de</strong> Conluio ............................................. 35<br />

3.1 Período 1999-2005 (pré-con<strong>de</strong>nação) ................................................................. 36<br />

3.1.1 Resumo do processo <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> cartel no mercado <strong>de</strong> vergalhões ..... 36<br />

3.2 Período 2006-2008 (pós-con<strong>de</strong>nação) ................................................................. 38<br />

3.2.1 Oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cartelização no período 2006-2008 ................................. 38<br />

3.2.1.1 Concentração e Cartelização ........................................................................... 38<br />

3.2.1.2 Simetria e Cartelização.................................................................................... 40<br />

3.2.1.3 Taxa <strong>de</strong> Juros e Cartelização ........................................................................... 40<br />

3.2.1.4 Probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sobrevivência e Cartelização .............................................. 41<br />

3.2.1.5 Freqüência <strong>de</strong> Encontro e Cartelização ........................................................... 41<br />

3.2.1.6 Flutuações <strong>de</strong> Demanda e Cartelização ........................................................... 41<br />

3.2.1.7 Contato Multimercado e Cartelização ............................................................. 42<br />

3.2.1.8 Verticalização da Distribuição e Cartelização................................................. 43<br />

3.2.1.10 Estrutura <strong>de</strong> Custos e Cartelização .............................................................. 43<br />

3.3 Motivos para Cartelização .................................................................................. 44<br />

3.3.1 Barreiras à Importação ............................................................................... 45<br />

3.3.1.1 Norma Técnica ................................................................................................ 45<br />

3.3.1.2 Distribuição Verticalizada ............................................................................... 46<br />

3.3.1.3 Comentário ...................................................................................................... 47<br />

3.3.2 Barreiras à Entrada ..................................................................................... 48<br />

3.3.2.1 Escala <strong>de</strong> Operação ......................................................................................... 48<br />

3.3.2.2 Verticalização da Distribuição ........................................................................ 48<br />

3.3.2.3 Comentário Final ............................................................................................. 49<br />

3.3.3 Homogeneida<strong>de</strong> do Vergalhão e Concorrência Unidimensional ................ 49<br />

3.3.4 Fragmentação da Demanda por Vergalhão ................................................ 49<br />

3.4 As Práticas Específicas para a Implementação do Cartel ................................ 50<br />

3.5 Evidência <strong>de</strong> Preços e Margens ........................................................................... 53<br />

3.5.1 Margens ....................................................................................................... 53<br />

3.5.2 Preço ............................................................................................................ 57<br />

3.5.2.1 Movimentos <strong>de</strong> Custos e <strong>de</strong> Demanda Explicam a Diferença <strong>de</strong> Preço? ........ 62<br />

3.5.3 Aumento do Preço do Minério <strong>de</strong> Ferro e Sustentação do Cartel .............. 65<br />

3.5.3.1 Aumentos nos Custos <strong>de</strong> Produção ................................................................. 65<br />

7


3.5.3.2 O Aumento Diferenciado Po<strong>de</strong> Ocorrer se o Regime Doméstico <strong>de</strong><br />

Concorrência é Cournot? ............................................................................................. 66<br />

3.5.3.3 I<strong>de</strong>ntificação do Cartel da Produção <strong>de</strong> Aços-Longos .................................... 68<br />

4. Cálculo do Sobrepreço ..................................................................................... 68<br />

4.1 Introdução ............................................................................................................. 69<br />

4.2 Método 1 ................................................................................................................ 71<br />

4.3 Método 2 ................................................................................................................ 73<br />

4.4 Método 3 ................................................................................................................ 75<br />

4.5 Método 4 ................................................................................................................ 78<br />

4.6 Conclusão .............................................................................................................. 80<br />

5. Consi<strong>de</strong>rações sobre o Cálculo do Dano Causado pelo Cartel .................... 81<br />

6. Conclusão .......................................................................................................... 84<br />

Apêndice A.I – Demonstrações Formais dos Determinantes da<br />

Sustentabilida<strong>de</strong> do Conluio ............................................................................... 86<br />

Apêndice A.II – Formalização do Teste 2: Resposta dos Preços <strong>de</strong> Cartel A<br />

Um Aumento <strong>de</strong> Custos ..................................................................................... 101<br />

A.II.1 Fase 1 .............................................................................................................. 102<br />

A.II.2 Fase 2 .............................................................................................................. 102<br />

Apêndice A.III – Método <strong>de</strong> Cálculo do Retorno sobre o Patrimônio Líquido<br />

das Empresas <strong>de</strong> Construção Civil Listadas no IBOVESPA. ........................ 107<br />

8


LISTA DE FIGURAS<br />

Figura 1: Preço e Número <strong>de</strong> Firmas Sob Competição ................................................... 25<br />

Figura 2: Margem e Número <strong>de</strong> Firmas Sob Competição ............................................... 26<br />

Figura 3: Repostas <strong>de</strong> Preço a Alterações no Custo Marginal. ....................................... 27<br />

Figura 4: Distribuição geográfica da produção <strong>de</strong> aço plano .......................................... 32<br />

Figura 5: Distribuição geográfica da produção <strong>de</strong> aço longo .......................................... 33<br />

Figura 6: Estrutura <strong>de</strong> Mercado <strong>de</strong> Vergalhões em 2000 ................................................ 34<br />

Figura 7: Estrutura estimada do mercado <strong>de</strong> vergalhões em 2008 .................................. 39<br />

Figura 8: Evolução Recente das Margens EBITDA da GERDAU por Área Geográfica <strong>de</strong><br />

Atuação ............................................................................................................................. 55<br />

Figura 9: Margem EBITDA versus Número <strong>de</strong> Empresas. Gráfico <strong>de</strong> dispersão e ajuste<br />

por regressão linear simples. ............................................................................................. 57<br />

Figura 10: Preço do Vergalhão versus Número <strong>de</strong> Empresas. Gráfico <strong>de</strong> dispersão e<br />

ajuste por regressão linear simples. .................................................................................. 58<br />

Figura 11: Preço do Vergalhão versus Número <strong>de</strong> Empresas. Gráfico <strong>de</strong> dispersão e<br />

ajuste por regressão linear simples, excluindo o Brasil. ................................................... 59<br />

Figura 12: Preço do Vergalhão versus Número <strong>de</strong> Empresas. Gráfico <strong>de</strong> dispersão e<br />

ajuste por regressão quadrática simples. ........................................................................... 60<br />

Figura 13: Preço diário do vergalhão <strong>de</strong> aço Nomenclatura Comum do Mercosul NCM<br />

72142000/72131000 entre janeiro <strong>de</strong> 2004 e julho <strong>de</strong> 2008, medido em dólares norte-<br />

americanos por tonelada <strong>de</strong> vergalhão. ............................................................................. 61<br />

Figura 14: Preço diário do vergalhão <strong>de</strong> aço Nomenclatura Comum do Mercosul NCM<br />

72142000/72131000 entre janeiro <strong>de</strong> 2008 e julho <strong>de</strong> 2008, medido em dólares norte-<br />

americanos por tonelada <strong>de</strong> vergalhão. ............................................................................. 62<br />

Figura 15: Variação do Preço Médio do Vergalhão <strong>de</strong> Aço (16mm) no Brasil .............. 63<br />

Figura 16: Preço Doméstico do Vergalhão e Preço <strong>de</strong> Exportação ................................. 64<br />

Figura 17: Preço do Minério <strong>de</strong> Ferro (Carajás Sinter Feed), em U$ cents/fe ................ 66<br />

Figura 18: Cálculo do Sobrepreço do Vergalhão Usando o Método 1 ............................ 72<br />

Figura 19: Cálculo do Sobrepreço do Vergalhão Usando o Método 2 ............................ 74<br />

Figura 20: Preço do Vergalhão versus Número <strong>de</strong> Empresas. Gráfico <strong>de</strong> dispersão,<br />

ajuste por regressão linear simples e sobrepreço. ............................................................. 75<br />

Figura 21: Preço diário do vergalhão NCM 72142000/72131000 entre janeiro <strong>de</strong> 2004 e<br />

julho <strong>de</strong> 2008, medido em dólares norte-americanos por tonelada <strong>de</strong> vergalhão. ............ 77<br />

Figura 22: Cálculo do Sobrepreço do Vergalhão Usando o Método 3 ............................ 78<br />

Figura 23: Preço do Vergalhão versus Número <strong>de</strong> Empresas. Gráfico <strong>de</strong> dispersão e<br />

ajuste por regressão quadrática simples. ........................................................................... 79<br />

Figura 24: Cálculo do Sobrepreço do Vergalhão Usando o Método 4 ............................ 80<br />

9


LISTA DE TABELAS<br />

Tabela 1: Participação da Construção Civil no PIB Brasileiro. ....................................... 42<br />

Tabela 2: Produção Anual <strong>de</strong> Aços Longos ..................................................................... 47<br />

Tabela 3: Importação Total Anual <strong>de</strong> Aços Longos ........................................................ 48<br />

Tabela 4: Margens EBITDA ............................................................................................ 54<br />

Tabela 5: Sobrepreço pelo Método 1 ............................................................................... 72<br />

Tabela 6: Sobrepreço pelo Método 2 ............................................................................... 74<br />

Tabela 7: Sobrepreço pelo Método 3 ............................................................................... 78<br />

Tabela 8: Sobrepreço pelo Método 4 ............................................................................... 80<br />

Tabela 9: Preço atual e possíveis preços para aplicação <strong>de</strong> remédio comportamental. Em<br />

Reais por Tonelada <strong>de</strong> Vergalhão. .................................................................................... 85<br />

10


Introdução<br />

Em 2005, GERDAU, ARCELORMITTAL e BARRA MANSA foram con<strong>de</strong>nadas pelo<br />

SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA (SBDC) por formação<br />

<strong>de</strong> cartel no período 1999-2005. Este parecer estabelece dois fatos novos além da<br />

con<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> 2005. Primeiro, mostramos evidências teóricas e empíricas <strong>de</strong> que<br />

comportamento colusivo no mercado <strong>de</strong> vergalhões no Brasil perdurou após a<br />

con<strong>de</strong>nação, sendo efetivo ainda hoje. Segundo, calculamos o sobrepreço cobrado pelo<br />

cartel usando quatro métodos alternativos.<br />

A partir do sobrepreço é possível calcular um limite inferior para o dano causado pelo<br />

cartel dos aços longos. No Capítulo 5 caberá uma digressão a respeito <strong>de</strong>sse limite<br />

inferior.<br />

Este parecer está dividido em cinco seções, incluindo essa Introdução. Na seção 1,<br />

apresentamos um resumo da teoria microeconômica mo<strong>de</strong>rna sobre conluio tácito.<br />

Definimos o que é conluio tácito, e apresentamos os fatores que <strong>de</strong>terminam a<br />

sustentabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um cartel. Além disso, a seção 1 apresenta os argumentos teóricos<br />

que fundamentam os testes empíricos <strong>de</strong> <strong>de</strong>tecção da conduta colusiva para o período<br />

pós-con<strong>de</strong>nação (2006-2008).<br />

A seção 2 <strong>de</strong>screve com <strong>de</strong>talhe o funcionamento e a estrutura do mercado <strong>de</strong> aços<br />

longos no Brasil, e serve <strong>de</strong> subsídio para a análise empírica da seção 3.<br />

A seção 3 faz uma ponte da teoria para a prática e a realida<strong>de</strong>. Mostramos como as<br />

condições teóricas para a sustentação do cartel estavam (ou não) presentes no caso<br />

específico do cartel do aço longo. Parte <strong>de</strong>ssas condições está amplamente documentada<br />

nos pareceres da Secretaria <strong>de</strong> Defesa Econômica do Ministério da Justiça (SDE), da<br />

Secretaria <strong>de</strong> Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE) e do voto<br />

do conselheiro relator do CADE. Algumas das condições facilitadoras são estruturais.<br />

Outras apareceram como conseqüência da atuação do cartel. Mostramos ainda que essas<br />

condições facilitadoras ou continuaram presentes ou se aprofundaram no período pós-<br />

con<strong>de</strong>nação (2005-2008). Entre outras coisas, <strong>de</strong>screvemos com <strong>de</strong>talhe a redução<br />

dramática da presença da distribuição in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte em pelo menos um mercado regional<br />

importante, o <strong>de</strong> Minas Gerais. A redução da distribuição in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte foi resultado <strong>de</strong><br />

comportamento predatório por parte <strong>de</strong> GERDAU, ARCELORMITTAL e BARRA<br />

MANSA. A verticalização da distribuição no mercado <strong>de</strong> aço longo no Brasil <strong>de</strong>ve ser<br />

11


entendida <strong>de</strong>ntro do contexto colusivo, já que ela aumenta significativamente as barreiras<br />

à entrada <strong>de</strong> importadores.<br />

Finalmente, a seção 3 apresenta a aplicação empírica dos dois métodos <strong>de</strong> <strong>de</strong>tecção da<br />

continuação do comportamento colusivo após 2005 apresentados na seção 2. Esses dois<br />

testes estabelecem <strong>de</strong> forma inequívoca a presença do cartel no período pós-<br />

con<strong>de</strong>nação.<br />

O primeiro método utiliza informação <strong>de</strong> preço e estrutura <strong>de</strong> mercado em outros países<br />

para avaliar a razoabilida<strong>de</strong> dos preços do vergalhão no Brasil. Primeiramente,<br />

mostramos que os preços domésticos praticados no Brasil em 2006, 2007 e 2008<br />

estiveram significativamente acima daqueles praticados em outros países. Claro, isso<br />

po<strong>de</strong>ria simplesmente refletir um maior custo <strong>de</strong> produção no Brasil vis-à-vis os outros<br />

países. Argumentamos que isso é altamente improvável haja vista a proximida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

nossas si<strong>de</strong>rúrgicas a uma importante fonte <strong>de</strong> matéria prima, o minério <strong>de</strong> ferro. Além<br />

disso, mostramos que a margem <strong>de</strong> lucro da GERDAU AÇOS LONGOS em 2008<br />

também foi significativamente maior que a média das empresas do grupo atuantes no<br />

exterior, sugerindo que a hipótese <strong>de</strong> aumento <strong>de</strong> custos altos não explica o custo alto<br />

(ver figura 9). Isso por si só já é altamente sugestivo <strong>de</strong> comportamento colusivo no<br />

período posterior a 2005.<br />

No entanto, a teoria econômica sugere que, mesmo que o as empresas do cartel do aço<br />

longo estivessem competindo legitimamente, preço e margem seriam mais altos no Brasil<br />

do que a média mundial. Isso porque a estrutura <strong>de</strong> mercado é concentrada (razão essa<br />

que <strong>de</strong>monstramos teoricamente). Em resumo, no Brasil há somente 3 empresas efetivas<br />

no mercado brasileiro <strong>de</strong> vergalhões, ou tecnicamente 2,25 conforme será explicitado.<br />

Como preço e margem são (teoricamente) funções <strong>de</strong>crescentes do número <strong>de</strong> firmas no<br />

mercado, é <strong>de</strong> se esperar que o preço seja mais alto no Brasil do que em outros mercados.<br />

Por isso, estimamos a relação empírica entre número <strong>de</strong> firmas e preço e número <strong>de</strong><br />

firmas e margem usando dados <strong>de</strong> vários países. Esses dados nos permitem <strong>de</strong>monstrar<br />

vários fatos. Primeiro, e confirmando as previsões da teoria, a relação empírica entre<br />

número <strong>de</strong> empresas e preço (e margem) é negativa, ou seja, quanto maior o número <strong>de</strong><br />

empresas menor é o preço (e margem). Mais importante para nossos propósitos,<br />

mesmo <strong>de</strong>pois que levamos em conta o fato <strong>de</strong> haver menos empresas no Brasil do<br />

que em outros países o preço no Brasil é o dobro do preço previsto pela relação<br />

empírica entre número <strong>de</strong> firmas e preço. A margem da operação da GERDAU S.A.<br />

no Brasil é quase o dobro previsto (mais <strong>de</strong> dois <strong>de</strong>svios-padrão da previsão). 8 Vi<strong>de</strong><br />

figuras 9 e 10. On<strong>de</strong> o mercado é competitivo, como no caso norte-americano, a margem<br />

8 Infelizmente, a única das três participantes do cartel listada em bolsa <strong>de</strong> valores é a GERDAU AÇOS<br />

LONGOS. Portanto é a única cujos dados financeiros estão disponíveis publicamente.<br />

12


da operação da GERDAU (nesse caso a Gerdau Ameristeel Corporation) não é<br />

extraordinariamente alta. 9<br />

O segundo teste faz uso da teoria mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> oligopólio para prever que diferentes<br />

regimes <strong>de</strong> concorrência implicam diferentes respostas do preço <strong>de</strong> equilíbrio a aumentos<br />

no custo marginal <strong>de</strong> produção. Combinado ao fato <strong>de</strong> que <strong>de</strong> 2005 para cá houve um<br />

forte aumento no preço <strong>de</strong> um insumo crucial, o minério <strong>de</strong> ferro, conseguimos<br />

i<strong>de</strong>ntificar inequivocamente a continuação do comportamento colusivo. Mais<br />

especificamente, mostramos que, em resposta a um aumento no custo marginal, o<br />

aumento <strong>de</strong> preço <strong>de</strong> Cournot é tão maior quanto maior é o número <strong>de</strong> firmas no<br />

mercado. Sob a hipótese i<strong>de</strong>ntificadora razoável que o preço <strong>de</strong> exportação é <strong>de</strong>terminado<br />

em um mercado com mais firmas do que o doméstico, a resposta do preço doméstico não<br />

po<strong>de</strong> ser maior do que a resposta do preço externo (que é equivalente ao preço <strong>de</strong><br />

exportação). Na realida<strong>de</strong> ela foi maior.<br />

Em seguida mostramos que essa resposta exagerada do preço doméstico é racional e<br />

explicada apenas num mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> conluio tácito. Apesar da complexida<strong>de</strong> da álgebra, o<br />

mecanismo econômico é simples. O aumento no custo marginal diminui o lucro <strong>de</strong> curto<br />

prazo advindo <strong>de</strong> um <strong>de</strong>svio do equilíbrio colusivo e, portanto, reduz os incentivos a trair<br />

o cartel. Isso, conseqüentemente, aumenta a sustentabilida<strong>de</strong> do cartel. A maior<br />

sustentabilida<strong>de</strong> por sua vez aumenta a capacida<strong>de</strong> do cartel <strong>de</strong> aumentar preço. Esse<br />

aumento, sob hipóteses razoáveis a respeito da <strong>de</strong>manda e da tecnologia, po<strong>de</strong> ser tão<br />

forte que ele é maior do que aumento que seria observado em um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Cournot<br />

com muitas firmas, que por sua vez é um dos maiores aumentos em um regime<br />

oligopolístico.<br />

Depois <strong>de</strong> estabelecida a presença do conluio e a continuação do cartel na seção 3, a<br />

seção 4 contém a mensuração do sobrepreço provocado pelo cartel <strong>de</strong> vergalhão. Para<br />

esse fim, utilizamos quatro métodos diferentes. Eles têm em comum uma dificulda<strong>de</strong>. Do<br />

ponto <strong>de</strong> vista da teoria econômica, o sobrepreço <strong>de</strong>veria ser a diferença entre o preço <strong>de</strong><br />

cartel e o preço que prevaleceria na ausência do cartel. Como estabelecemos a presença<br />

do cartel no período 1999-2008, por construção o preço que prevaleceria na ausência do<br />

cartel é algo que não é observado, é algo contrafactual, no jargão da microeconometria<br />

mo<strong>de</strong>rna. Na realida<strong>de</strong>, calcular o sobrepreço é i<strong>de</strong>ntificar qual seria esse preço<br />

contrafactual. Para isso, usamos tanto o estado da arte do conhecimento em Teoria<br />

Microeconômica, como evidência empírica do mercado <strong>de</strong> vergalhão tanto no Brasil,<br />

como no exterior. É preciso novamente ressaltar que os quatro métodos ao apresentam<br />

9 Em 2007 a margem EBITDA da Gerdau Ameristeel Corporation foi <strong>de</strong> 16,84%. Isso é a um pouco acima<br />

da mediana da margem entre as empresas abertas norte-americanas, e abaixo da margem da empresa<br />

referência nesse mercado, a Nucor Corporation, que teve margem 17,96%.<br />

13


somente a conta do dano direto. Como <strong>de</strong>monstramos acima, as verda<strong>de</strong>iras perdas<br />

<strong>de</strong>correntes do cartel são muito superiores do que esse dano direto, qualquer que seja o<br />

método <strong>de</strong> cálculo utilizado.<br />

O primeiro método é o mais direto e faz uso do período <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação para a<br />

i<strong>de</strong>ntificação do preço contrafactual. Como a con<strong>de</strong>nação se refere ao período 1999-2008,<br />

é concebível supor que as empresas concorriam antes <strong>de</strong>sse período. Isso racionaliza a<br />

utilização do preço do vergalhão pré-cartel (em 1999) como parâmetro para o preço que<br />

prevaleceria sob concorrência oligopolística. A imperfeição <strong>de</strong>sse método está no fato <strong>de</strong><br />

que as condições <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda e custos também mudaram durante o período. Portanto o<br />

preço <strong>de</strong> concorrência oligopolística em 2008 po<strong>de</strong> muito bem ser bastante diferente<br />

daquele em 1999. Por outro lado, esse método tem a vantagem <strong>de</strong> ser o mais simples<br />

possível e utilizando-se o INCC (Índice Nacional <strong>de</strong> Preços da Construção Civil),<br />

captura-se flutuações na <strong>de</strong>manda por construção civil e, conseqüentemente, vergalhões.<br />

O segundo método se aproveita <strong>de</strong> uma peculiarida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse caso. As empresas do cartel<br />

exportam por um preço significativamente abaixo do externo o mesmo vergalhão que<br />

ven<strong>de</strong>m domesticamente. Portanto, po<strong>de</strong>mos usar esse preço como parâmetro para o<br />

preço contrafactual. Em semelhança com o primeiro método, a presença <strong>de</strong> um preço <strong>de</strong><br />

exportação torna bastante simples o cálculo do sobrepreço: para cada ano entre 1999 e<br />

2008, multiplicamos a quantida<strong>de</strong> adquirida pela diferença entre o preço médio praticado<br />

domesticamente e o preço <strong>de</strong> exportação. Diferentemente do primeiro método, o preço <strong>de</strong><br />

exportação captura alterações <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda e custos que ocorreram durante o período e,<br />

portanto, ten<strong>de</strong> a ser um parâmetro <strong>de</strong> comparação melhor do que o preço doméstico pré-<br />

cartel. Não é possível garantir que o preço externo seria exatamente igual àquele que<br />

prevaleceria no mercado doméstico se as firmas não estivessem cartelizadas. Há razões<br />

para argumentar que ele po<strong>de</strong>ria ser maior ou menor. Em média, porém, é uma boa<br />

aproximação.<br />

O terceiro e quarto métodos utilizam informações <strong>de</strong> preços e estrutura <strong>de</strong> mercado em<br />

outros países. Utilizamos um mo<strong>de</strong>lo econométrico <strong>de</strong> regressão para projetar qual seria o<br />

preço esperado no Brasil dado que há três firmas concorrendo. Esses métodos apresentam<br />

uma vantagem clara sobre os dois primeiros: o preço contrafactual é uma função da<br />

estrutura <strong>de</strong> mercado. Portanto, é uma medida direta <strong>de</strong> qual preço <strong>de</strong>veria vigorar<br />

domesticamente dado que há 2,25 empresas efetivas no mercado brasileiro <strong>de</strong> aços<br />

longos 10 . A diferença entre os métodos é a técnica <strong>de</strong> estimação, como será <strong>de</strong>scrito em<br />

<strong>de</strong>talhe no parecer. Como temos acesso a poucos dados <strong>de</strong> preço, há uma dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

mensurar o sobrepreço ano a ano, sendo obrigados, como solução, a nos contentar com<br />

10 Ver seção 3 para a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> número efetivo <strong>de</strong> empresas.<br />

14


medir o sobrepreço percentual para alguns anos e aplicar percentuais iguais a anos para<br />

os quais não há dados disponíveis.<br />

Os quatro métodos indicam sobrepreços, economicamente, bastante similares, a <strong>de</strong>speito<br />

do fato <strong>de</strong> que usam majoritariamente três fontes diferentes <strong>de</strong> informação: a variação do<br />

INCC, o preço <strong>de</strong> exportação do vergalhão praticados pelas próprias si<strong>de</strong>rúrgicas e os<br />

preços prevalecentes em mercados internacionais. Essa similitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstra que o<br />

procedimento <strong>de</strong> cálculo do sobrepreço é bastante robusto ao método específico.<br />

A seção 5 argumenta que o cálculo dano do cartel, social do cartel, e como remunerá-lo.<br />

Mostramos que o método normal <strong>de</strong> cálculo do dano, que evolve a multiplicação do<br />

sobrepreço pela quantida<strong>de</strong> produzida, subestima o dano real causado aos construtores <strong>de</strong><br />

Minas Gerais. Além disso, argumentamos que a regra <strong>de</strong> remuneração do dano pela renda<br />

fixa novamente subestima o dano a valores correntes. Finalmente, a seção 6 conclui esse<br />

parecer trazendo consi<strong>de</strong>rações qualitativas sobre o dano social do cartel, não apenas o<br />

dano para o lucro do setor <strong>de</strong> construção civil.<br />

Argumentamos também que ações in<strong>de</strong>nizatórias <strong>de</strong> natureza antitruste, tão raras no<br />

Brasil, são <strong>de</strong> vital importância para disciplinar o comportamento ilícitos <strong>de</strong> produtores.<br />

Daremos como exemplo o caso norte-americano, on<strong>de</strong> as empresas são dissuadidas tanto<br />

pela atuação do setor público (órgãos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa da concorrência) como pela ameaça <strong>de</strong><br />

litigo privado com a instituição do treble damages, sendo <strong>de</strong> costume <strong>de</strong> calcular a<br />

in<strong>de</strong>nização como o triplo do dano causado.<br />

1. Aspectos Teóricos da Cartelização<br />

Esta seção <strong>de</strong>fine o que é um cartel, discute suas implicações in<strong>de</strong>sejáveis em termos <strong>de</strong><br />

eficiência econômica e bem-estar do consumidor e <strong>de</strong>screve condições favoráveis à sua<br />

sustentação. Discute-se ainda uma das formas (especialmente útil para o caso em<br />

questão) <strong>de</strong> se i<strong>de</strong>ntificar a existência <strong>de</strong> um cartel.<br />

1.1 Definição <strong>de</strong> Cartel, Implicações para o Bem-Estar<br />

Em qualquer estrutura <strong>de</strong> mercado na qual não haja acordos implícitos, um produtor<br />

escolhe sua produção <strong>de</strong> forma a igualar a receita gerada pela última quantida<strong>de</strong><br />

produzida (receita marginal) ao custo <strong>de</strong>sta última unida<strong>de</strong> (custo marginal). No entanto,<br />

15


diferentes estruturas <strong>de</strong> mercado, por afetarem a <strong>de</strong>manda com a qual um <strong>de</strong>terminado<br />

produtor se <strong>de</strong>para, implicam diferentes funções <strong>de</strong> receita marginal para os produtores.<br />

Isto, por sua vez, tem implicações bastante importantes sobre eficiência econômica e o<br />

bem-estar do consumidor.<br />

Em um monopólio, a <strong>de</strong>manda com a qual um produtor se <strong>de</strong>para é igual à <strong>de</strong>manda <strong>de</strong><br />

mercado, <strong>de</strong> modo que o produtor computa sua receita marginal consi<strong>de</strong>rando dois<br />

fatores, quais sejam: (i) a disposição a pagar do último consumidor (consumidor<br />

marginal) e (ii) o efeito da venda da última unida<strong>de</strong> sobre o preço (menor) a ser cobrado<br />

<strong>de</strong> todos os consumidores que não o consumidor marginal (o que os economistas chamam<br />

<strong>de</strong> consumidores inframarginais). O último efeito leva um monopolista a restringir as<br />

quantida<strong>de</strong>s a serem produzidas. Uma explicação informal <strong>de</strong>sse fenômeno é a seguinte:<br />

para po<strong>de</strong>r cobrar mais dos consumidores inframarginais (que são aqueles que têm<br />

propensão alta a pagar, e já estão consumindo ao preço <strong>de</strong> monopólio), um monopolista<br />

produz menos do que o que seria economicamente eficiente. 11<br />

Um exemplo numérico simples ajuda a compreen<strong>de</strong>r. Suponha que há dois consumidores<br />

no mundo, e ambos querem consumir uma e somente um unida<strong>de</strong> do bem. O consumidor<br />

A que está disposto a pagar R$10,00. O consumidor B está disposto a pagar R$4,00. O<br />

custo unitário <strong>de</strong> produção é R$2,00. A eficiência econômica <strong>de</strong>manda que o monopolista<br />

produza duas unida<strong>de</strong>s, e que as venda para ambos os consumidores porque para ambos o<br />

bem vale mais do que custa produzi-lo. Isso ocorrerá? Como sempre em economia, a<br />

resposta <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> das particularida<strong>de</strong>s do problema. No entanto, po<strong>de</strong>mos com certeza<br />

afirmar que em geral a resposta é não. Suponha que o monopolista não consiga (ou não<br />

possa) tratar <strong>de</strong> forma diferente os consumidores, ou seja, todo mundo paga o mesmo<br />

preço. 12 Compare duas estratégias: ven<strong>de</strong>r por p = R$10,00 ou ven<strong>de</strong>r por p = R$4,00. 13<br />

Colocando p = R$10,00, ele só ven<strong>de</strong>rá para o consumidor A e terá um lucro igual a<br />

R$8,00 (10,00-2,00). Colocando p = R$4,00 ele ven<strong>de</strong> para ambos os consumidores, mas<br />

tem um lucro <strong>de</strong> somente R$4,00 (dois reais em cada consumidor). Para conseguir ven<strong>de</strong>r<br />

para o consumidor B o monopolista tem que abaixar tanto o preço que ele per<strong>de</strong> R$6,00<br />

reais <strong>de</strong> margem no consumidor inframarginal, que nesse caso é o consumidor A (aquele<br />

com alta propensão a pagar). 14 Esta é a fonte da ineficiência <strong>de</strong> um monopólio: produção<br />

ineficiente do ponto <strong>de</strong> vista social e uma redução do bem-estar do consumidor. A<br />

11 Eficiência requer produção no ponto no qual a disposição marginal a pagar do consumidor á igualada ao<br />

custo marginal <strong>de</strong> produção. Um mercado perfeitamente competitivo – on<strong>de</strong> os produtores não têm nenhum<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mercado (a elasticida<strong>de</strong> preço <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>manda é infinita) – gera uma produção eficiente.<br />

12 A capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratar consumidores diferentes <strong>de</strong> forma diferente na venda do mesmo produto é<br />

chamada <strong>de</strong> discriminação <strong>de</strong> preços.<br />

13 Po<strong>de</strong>mos mostrar que nesse nosso exemplo os dois únicos preços candidatos a maximizadores <strong>de</strong> lucros<br />

são R$10,00 e R$4,00.<br />

14 Colocando p = R$10,00, o monopolista tem margem R$8,00 no consumidor A. Colocando p = R$4,00 a<br />

margem é somente R$2,00. Portanto a perda <strong>de</strong> margem quando p = R$4,00, em relação a p = R$10,00, é<br />

R$6,00.<br />

16


edução do bem-estar do consumidor se dá em duas frentes: (i) os consumidores<br />

consomem menos do que o fariam caso houvesse alguma competição e pagam um preço<br />

mais alto.<br />

Em um mercado oligopolizado, por sua vez, um produtor se <strong>de</strong>para com uma <strong>de</strong>manda<br />

residual; isto é, tomando como dada a produção <strong>de</strong> seus competidores, sua <strong>de</strong>manda<br />

resulta das quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>mandas pelos consumidores e não produzidas por seus<br />

competidores. É óbvio que, quanto maior a quantida<strong>de</strong> provida pelos competidores, em<br />

pior condição estará o produtor. Em outras palavras, e em acordo com o senso comum, os<br />

competidores causam uma externalida<strong>de</strong> negativa sobre um <strong>de</strong>terminado produtor. Isto,<br />

por sua vez, tem uma implicação <strong>de</strong> fundamental importância. Como cada um dos<br />

produtores ignora o efeito <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>cisões sobre os lucros <strong>de</strong> seus competidores, tem-se<br />

que, do ponto <strong>de</strong> vista conjunto das empresas em um mercado oligopolizado, haverá mais<br />

produção, e a um menor preço, do que ocorreria em um mercado oligopolizado. Como<br />

resultado, tem-se que a produção estará, quando comparada com um monopólio, mais<br />

próxima do socialmente eficiente e o bem-estar dos consumidores será maior. Tais<br />

conseqüências são claramente <strong>de</strong>sejáveis.<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista dos produtores, no entanto, os resultados gerados por uma estrutura <strong>de</strong><br />

mercado com mais <strong>de</strong> um produtor são piores que os gerados em monopólio. Em relação<br />

a um mercado monopolizado, a competição em um mercado oligopolizado transfere,<br />

exce<strong>de</strong>nte das empresas para os consumidores. Segue daí que as empresas po<strong>de</strong>m obter<br />

ganhos se conseguirem produzir conjuntamente quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> monopólio, ou mais<br />

próximas da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> monopólio. O estabelecimento <strong>de</strong> um cartel é a forma pela<br />

qual esses ganhos po<strong>de</strong>m ser obtidos em <strong>de</strong>trimento do bem-estar dos consumidores<br />

e da eficiência econômica.<br />

Num cartel, as empresas se organizam <strong>de</strong> forma a suprimir a competição que transfere<br />

exce<strong>de</strong>nte das empresas para os consumidores. Quando a dimensão <strong>de</strong> escolha das<br />

empresas é a quantida<strong>de</strong> produzida (como é o caso do mercado <strong>de</strong> aços longos), a<br />

competição é suprimida através da produção <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>s menores do que as que<br />

prevaleceriam em competição. Esta restrição <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>s produzidas e a <strong>de</strong>finição<br />

informal <strong>de</strong> market shares (isto é, divisão <strong>de</strong> mercado) têm o objetivo <strong>de</strong> aumentar o<br />

preço em relação àquele que prevaleceria sob concorrência oligopolística.<br />

O objetivo <strong>de</strong> um cartel é aumentar o lucro conjunto e individual das empresas <strong>de</strong>le<br />

participantes. Suas implicações diretas são (i) produção inferior a eficiente do ponto <strong>de</strong><br />

vista social e <strong>de</strong>corrente aumento dos preços e (ii) a diminuição do exce<strong>de</strong>nte dos<br />

consumidores. Ambas as conseqüências são claramente in<strong>de</strong>sejáveis.<br />

17


Em congruência com a teoria econômica, consi<strong>de</strong>re <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> cartel da Resolução 20<br />

<strong>de</strong> 1999 do CADE:<br />

Definição: Cartéis são acordos explícitos ou tácitos entre concorrentes<br />

do mesmo mercado, envolvendo parte substancial do mercado relevante,<br />

em torno <strong>de</strong> itens como preços, quotas <strong>de</strong> produção e distribuição e<br />

divisão territorial, na tentativa <strong>de</strong> aumentar preços e lucros<br />

conjuntamente para níveis mais próximos dos <strong>de</strong> monopólio. Fatores<br />

estruturais po<strong>de</strong>m favorecer a formação <strong>de</strong> cartéis: alto grau <strong>de</strong><br />

concentração do mercado, existência <strong>de</strong> barreiras à entrada <strong>de</strong> novos<br />

competidores, homogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produtos e <strong>de</strong> custos, e condições<br />

estáveis <strong>de</strong> custos e <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda.<br />

Note que, pela <strong>de</strong>finição do CADE, não é preciso mostrar que o cartel praticou preços<br />

monopolísticos. Precisamos tão somente mostrar que os preços praticados são<br />

incompatíveis com a presença <strong>de</strong> um equilíbrio oligopolístico que prevaleceria na<br />

ausência do cartel. Isto está em conformida<strong>de</strong> com o estado da arte do conhecimento<br />

econômico teórico e empírico. A <strong>de</strong>finição contida na Res. 20/1999 cita explicitamente<br />

alguns fatores <strong>de</strong> facilitação da formação <strong>de</strong> cartéis, como o alto grau <strong>de</strong> concentração do<br />

mercado, a existência <strong>de</strong> barreiras à entrada <strong>de</strong> novos competidores, a homogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

produtos e <strong>de</strong> custos, e condições estáveis <strong>de</strong> custos e <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda. Além <strong>de</strong>las, a teoria<br />

econômica apresenta outras condições.<br />

1.2 Motivo e Oportunida<strong>de</strong>: Condições que Facilitam a Formação e<br />

Sustentação <strong>de</strong> um Cartel<br />

As condições po<strong>de</strong>m ser divididas em dois grupos: motivo e oportunida<strong>de</strong>.<br />

Há motivo para cartelizar quando é gran<strong>de</strong> a diferença entre o lucro que o cartel consegue<br />

implementar e o lucro que prevaleceria na ausência do cartel. São as seguintes as<br />

conduções para tanto:<br />

1. Homogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produtos e concorrência unidimensional em preço porque<br />

diminuem o lucro na ausência <strong>de</strong> monopólio<br />

2. Presença <strong>de</strong> barreiras significativas à entrada e/ou importação porque aumentam o<br />

lucro sob cartel<br />

3. Fragmentação dos compradores porque diminui o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> barganha do lado da<br />

compra e, conseqüentemente, aumenta o lucro do cartel<br />

18


Na seção três mostramos que o mercado brasileiro <strong>de</strong> vergalhão satisfaz a todas as três<br />

condições.<br />

Oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cartelização se refere à possibilida<strong>de</strong> sustentar o conluio tacitamente.<br />

Pelo fato <strong>de</strong> a constituição formal <strong>de</strong> um cartel mediante contratos vinculativos ser<br />

ilegal, os acordos que o implantam <strong>de</strong>vem ser informais. Como conseqüência, o<br />

sucesso e sustentabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tal empreitada <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> condições que<br />

garantam que as empresas constituintes <strong>de</strong> um cartel não tenham incentivos a <strong>de</strong>sviar (ou<br />

seja, trair o cartel). Nessa subseção enumeramos as condições relevantes para a<br />

sustentação <strong>de</strong> um cartel abaixo 15 . No apêndice I, explicamos as condições <strong>de</strong> forma<br />

intuitiva e apresentamos um arcabouço algébrico que as <strong>de</strong>monstra formalmente, sempre<br />

que possível 16 .<br />

Isto porque, ao estabelecer quantida<strong>de</strong>s menores que as que prevaleceriam sem o acordo<br />

implícito, cada uma das empresas no cartel tem o incentivo para trair o acordo e produzir<br />

mais que o sugerido por ele. As condições que facilitam a sustentação do cartel são:<br />

1. Número reduzido <strong>de</strong> firmas<br />

2. Firmas <strong>de</strong> tamanho similar<br />

3. Homogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produtos e concorrência unidimensional em preço<br />

4. Homogeneida<strong>de</strong> entre os custos das firmas<br />

5. Compras pequenas e freqüentes<br />

6. Observabilida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>manda<br />

7. Estabilida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>manda<br />

8. Taxa <strong>de</strong> juros baixa<br />

9. Ausência <strong>de</strong> inovação tanto <strong>de</strong> produtos como <strong>de</strong> processos <strong>de</strong> produção<br />

10. Contato multimercado<br />

15 Uma boa referência para as condições que facilitam a sustentabilida<strong>de</strong> dos cartéis é Salop, G., “Practices<br />

that (Credibly) Facilitate Oligopoly Coordination,” in New Developments in the Analysis of Market<br />

Structure, editores J. Stiglitz e F. Mathewson, Cambridge, Massachussetts: MIT Press, 1986.<br />

16 Por exemplo, não <strong>de</strong>monstramos a relação entre a observabilida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>manda e a sustentabilida<strong>de</strong> do<br />

cartel porque sua <strong>de</strong>monstração formal <strong>de</strong>manda um arcabouço <strong>de</strong>masiadamente complexo tecnicamente e<br />

isso que foge ao escopo <strong>de</strong>sse parecer. Para aqueles interessados nos aspectos técnicos, sugerimos a<br />

consulta a Green, E. e R. Porter, 1984, “Non-cooperative Collusion Un<strong>de</strong>r Imperfect Price Information,”<br />

Econometrica, Vol. 52, pg. 87-100, e/ou Abreu, D., D. Pearce e E. Stachetti, 1985, Optimal Cartel<br />

Equilibria with Imperfect Monitoring,” Journal of Economic Theory, Vol. 39, pg. 251-269.<br />

19


Na seção três mostramos que, com exceção do item 9 (taxa <strong>de</strong> juros), o mercado<br />

brasileiro <strong>de</strong> vergalhão satisfaz a todas as outras nove condições.<br />

1.3 A Teoria <strong>de</strong> I<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> Cartéis<br />

Nesta seção <strong>de</strong>senvolvemos os argumentos teóricos para a i<strong>de</strong>ntificação do<br />

comportamento colusivo. O foco é no período 2005-2008, porque a conduta cartelizada já<br />

foi estabelecida pelos pareceres do SBDC para o período 1999-2005.<br />

1.3.1 Introdução: a Teoria <strong>de</strong> I<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> Cartéis Aplicada ao Caso do<br />

Vergalhão no Brasil<br />

Num mercado on<strong>de</strong> a competição se dá por quantida<strong>de</strong>, um equilíbrio colusivo é uma<br />

situação caracterizada por firmas que interagem repetidamente e produzem quantida<strong>de</strong>s<br />

menores do que as que prevaleceriam caso elas competissem entre si. Como<br />

conseqüência, os preços são maiores do que os que prevaleceriam sob concorrência<br />

oligopolística. Em outras palavras, um Equilíbrio Colusivo é o resultado <strong>de</strong> um<br />

cartel bem sucedido.<br />

Um cartel bem <strong>de</strong>senhado estabelece quantida<strong>de</strong>s e implanta uma divisão <strong>de</strong> mercado<br />

entre seus participantes que minimize a chance <strong>de</strong> haver <strong>de</strong>svios do equilíbrio colusivo.<br />

Em particular, é sempre ótimo, quando possível, monitorar <strong>de</strong> maneira precisa as<br />

<strong>de</strong>cisões tomadas pelos membros do cartel. É estabelecido na literatura econômica que<br />

um equilíbrio colusivo é tão mais provável <strong>de</strong> ser sustentável quanto maior for o conjunto<br />

<strong>de</strong> informações a respeito das <strong>de</strong>cisões relevantes disponíveis aos seus membros. Numa<br />

ambiente no qual a competição se dá por quantida<strong>de</strong>s, um cartel tem preferências estritas<br />

por observarem perfeitamente as quantida<strong>de</strong>s produzidas por seus membros; isto é,<br />

observabilida<strong>de</strong> das <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> produção dos membros do cartel é um elemento<br />

facilitador <strong>de</strong> um Equilíbrio Colusivo.<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista da divisão <strong>de</strong> mercado, quando há observabilida<strong>de</strong> das quantida<strong>de</strong>s<br />

produzidas e outros fatores relevantes (e.g. custos e condições <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda) por todos os<br />

membros do cartel, a teoria prevê que seus market shares e clientes ten<strong>de</strong>m a ser<br />

constantes num esquema ótimo <strong>de</strong> conluio. Teoricamente, também são bastante<br />

importantes para que um equilíbrio colusivo seja sustentável, os pontos previamente<br />

discutidos.<br />

20


A i<strong>de</strong>ntificação empírica <strong>de</strong> um cartel é, em geral, bastante difícil <strong>de</strong> ser feita. Se<br />

soubéssemos a estrutura <strong>de</strong> custos das empresas e a função <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> mercado,<br />

po<strong>de</strong>ríamos verificar diretamente se a receita marginal (calculada a partir da função<br />

<strong>de</strong>manda) é igual ao custo marginal <strong>de</strong> produção. Nesse caso, teríamos i<strong>de</strong>ntificado um<br />

cartel porque a igualda<strong>de</strong> entre receita marginal no nível <strong>de</strong> mercado e custo marginal só<br />

po<strong>de</strong> ocorrer em monopólio. Por outro lado, se observássemos que o preço, e não a<br />

receita marginal, é igual ao custo marginal <strong>de</strong> produção, teríamos i<strong>de</strong>ntificado que as<br />

firmas estão em concorrência perfeita e, portanto, po<strong>de</strong>ríamos com certeza <strong>de</strong>scarta a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conluio. Acabamos <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver o método mo<strong>de</strong>rno mais utilizado para<br />

a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> conluio, a metodologia da estimação do parâmetro <strong>de</strong> conduta 17 .<br />

Em linguagem mais técnica, o método consiste em estimar um parâmetro θ que captura o<br />

grau <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mercado. Seja P ( Q)<br />

a função <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda (inversa) no nível do<br />

mercado, on<strong>de</strong> P é o preço que prevalece se Q é a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mandada. Seja C ( Q)<br />

o<br />

custo <strong>de</strong> produzir Q. Um monopolista maximiza lucro escolhendo a quantida<strong>de</strong> Q que<br />

aten<strong>de</strong> à seguinte condição 18 :<br />

dP<br />

P ( Q)<br />

+ Q =<br />

dQ<br />

Receita Marginal<br />

( Q)<br />

dC(<br />

Q)<br />

dQ<br />

Custo Marginal<br />

Em concorrência a quantida<strong>de</strong> produzida aten<strong>de</strong> à seguinte condição:<br />

( Q)<br />

P =<br />

Preço<br />

( Q)<br />

dC<br />

dQ<br />

Custo Marginal<br />

Seja θ um número entre 0 e 1 (incluindo os extremos). Então, num mercado<br />

oligopolizado, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mercado é <strong>de</strong>finido por um θ que satisfaça:<br />

dP<br />

P ( Q)<br />

+θQ<br />

=<br />

dQ<br />

Receita Marginal<br />

( Q)<br />

dC(<br />

Q)<br />

dQ<br />

Custo Marginal<br />

Se θ = 1, voltamos ao caso <strong>de</strong> monopólio. Se θ = 0 estamos no caso <strong>de</strong> concorrência<br />

perfeita. Como dissemos acima, se soubéssemos a função <strong>de</strong>manda inversa, P ( Q)<br />

, e a<br />

função custo C ( Q)<br />

, po<strong>de</strong>ríamos resolver essa última equação para θ e obter uma medida<br />

direta <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mercado:<br />

17 O método foi inventado pelo economista norte-americano Tim Bresnahan no artigo “The Oligopoly<br />

Solution is I<strong>de</strong>ntified,” Economics Letters, Vol. 10, pp. 87-92, 1982. Coinci<strong>de</strong>ntemente, o Dr. Bresnahan<br />

foi o orientador <strong>de</strong> tese <strong>de</strong> doutorado <strong>de</strong> um dos autores <strong>de</strong>sse parecer (Dr. <strong>João</strong> <strong>Manoel</strong> <strong>Pinho</strong> <strong>de</strong> <strong>Mello</strong>).<br />

18 Essa é a condição <strong>de</strong> primeira or<strong>de</strong>m do problema <strong>de</strong> maximização <strong>de</strong> lucro do monopolista.<br />

21


⎛<br />

⎜ P<br />

θ = ⎜<br />

⎜<br />

⎜<br />

⎝<br />

( Q)<br />

( Q)<br />

( Q)<br />

dC<br />

−<br />

dQ<br />

P<br />

⎞<br />

⎟<br />

⎟ε<br />

⎟<br />

⎟<br />

⎠<br />

( Q)<br />

On<strong>de</strong> ε ( Q)<br />

é o módulo da elasticida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda, ou seja, o quanto a <strong>de</strong>manda é<br />

sensível a preço. Em linha com a intuição econômica, note que:<br />

1. Para uma dada elasticida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda ( ε ( Q)<br />

constante), quando maior for a<br />

⎛<br />

⎜ P<br />

margem ⎜<br />

⎜<br />

⎜<br />

⎝<br />

( Q)<br />

( Q)<br />

( Q)<br />

dC<br />

−<br />

dQ<br />

P<br />

⎞<br />

⎟<br />

⎟<br />

⎟<br />

⎟<br />

⎠<br />

maior é o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mercado estimado (maior θ). Em<br />

outras palavras, para uma dada sensibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preço da <strong>de</strong>manda e para um<br />

dado custo marginal, maiores preços significam que há menos competição, ou<br />

seja, mais po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mercado.<br />

⎛<br />

⎜ P<br />

2. Para uma dada margem ⎜<br />

⎜<br />

⎜<br />

⎝<br />

( Q)<br />

( Q)<br />

( Q)<br />

dC<br />

−<br />

dQ<br />

P<br />

⎞<br />

⎟<br />

⎟ , quão mais sensível for a <strong>de</strong>manda a<br />

⎟<br />

⎟<br />

⎠<br />

alterações no preço ( ε ( Q)<br />

maior), maior será o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mercado. Em outras<br />

palavras, se a sensibilida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>manda a preço é alta, uma gran<strong>de</strong> diferença<br />

entre preço e custo marginal só po<strong>de</strong> ser explicada pela falta <strong>de</strong> concorrência, ou<br />

seja, maior po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mercado e, conseqüentemente, θ mais alto.<br />

Há uma dificulda<strong>de</strong> básica na i<strong>de</strong>ntificação do cartel. Raramente sabemos a função<br />

<strong>de</strong>manda e as funções custo das empresas. Po<strong>de</strong>-se estimá-las, mas essa tarefa é difícil em<br />

geral porque requer uma riqueza <strong>de</strong> dados que nem sempre, para não dizer raramente,<br />

está disponível. Mais especificamente, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estimar a função <strong>de</strong>manda e a<br />

função custo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da observação repetida do equilíbrio <strong>de</strong> mercado, ao longo <strong>de</strong><br />

vários anos (supondo que o θ é estável), ou para vários países supondo que o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

mercado (o θ) é igual entre os países. Para o mercado <strong>de</strong> aços no Brasil isso é claramente<br />

não factível, ao não com os dados disponíveis publicamente.<br />

Como usaríamos o método para inferir comportamento colusivo no mercado <strong>de</strong><br />

vergalhões no Brasil? O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> concorrência no mercado <strong>de</strong> aços longos é aquele<br />

que as empresas escolhem quantida<strong>de</strong>s (mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Cournot). Sob condições <strong>de</strong><br />

regularida<strong>de</strong> e se há N firmas participando <strong>de</strong> um mercado cujo regime <strong>de</strong> concorrência é<br />

22


Cournot, o parâmetro <strong>de</strong> conduta é<br />

1<br />

=<br />

N<br />

θ . 19 Consi<strong>de</strong>re o mercado brasileiro <strong>de</strong><br />

vergalhão, no qual há três empresas. 20 1<br />

Nesse caso seria <strong>de</strong> se esperar que θ = . Suponha<br />

3<br />

que tivéssemos dados <strong>de</strong> preço e quantida<strong>de</strong> por ano e por empresa no Brasil e estimamos<br />

2<br />

θ = . Nesse caso, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mercado não é compatível com aquele que seria esperado<br />

3<br />

caso as empresas estivessem competindo à la Cournot. Se o parâmetro cai no intervalo<br />

1<br />

< θ < 1,<br />

a interpretação é que o equilíbrio é colusivo, mas ele não consegue<br />

3<br />

implementar o resultado <strong>de</strong> monopólio 21 .<br />

A falta <strong>de</strong> dados <strong>de</strong> preços e quantida<strong>de</strong> para um número suficiente <strong>de</strong> anos nos impe<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> estimar a função <strong>de</strong>manda por vergalhão e a função custo das si<strong>de</strong>rúrgicas. Portanto,<br />

não po<strong>de</strong>mos implementar o teste do parâmetro <strong>de</strong> conduta. Na sua ausência, seguimos<br />

uma estratégia alternativa análoga, porém menos ambiciosa. Supondo que (i) nos outros<br />

países as si<strong>de</strong>rúrgicas estão concorrendo à la Cournot e (ii) as condições <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda e<br />

custos não são muito diferentes, po<strong>de</strong>mos usar dados <strong>de</strong> preços e estrutura <strong>de</strong> mercado<br />

em vários países em 2008 para estimar a relação empírica entre o número <strong>de</strong> firmas<br />

(estrutura <strong>de</strong> mercado) e preço. Mostramos que o preço do vergalhão no Brasil é<br />

muito elevado e, portanto, não parece compatível com a relação estimada. Isso é<br />

análogo a dizer que o Brasil tem um θ maior do que ele <strong>de</strong>veria, dada sua estrutura<br />

<strong>de</strong> mercado. Esse último ponto é muito importante na i<strong>de</strong>ntificação do conluio: o<br />

argumento não é que o preço no Brasil é alto em comparação aos outros países (que<br />

<strong>de</strong> fato é), mas que o preço é alto mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> levarmos em conta o fato <strong>de</strong> que<br />

há poucas empresas no mercado brasileiro <strong>de</strong> vergalhões e, portanto, já seria <strong>de</strong> se<br />

esperar que o preço no Brasil fosse mais alto.<br />

Mais importante, implementamos um teste conceitualmente diferente do método da<br />

estimação do parâmetro <strong>de</strong> conduta. A teoria econômica prevê que a resposta do preço<br />

à alterações no custo marginal é diferente em diferentes regimes <strong>de</strong> concorrência. Em<br />

particular, se a concorrência é à la Cournot, a resposta do preço a mudanças no custo<br />

19<br />

Essas condições <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong> são restrições à forma da função <strong>de</strong>manda e da função custo que<br />

garantem que o equilíbrio <strong>de</strong> Nash simétrico do jogo oligopolístico existe e é único. Essas condições são<br />

satisfeitas para a maioria das funções <strong>de</strong>manda e custos.<br />

20<br />

Em realida<strong>de</strong>, o número <strong>de</strong> empresas efetivas no mercado <strong>de</strong> vergalhão no Brasil é 2,25. Ver seção 4 para<br />

a <strong>de</strong>finição do número efetivo <strong>de</strong> empresas.<br />

21<br />

Nem sempre um cartel consegue reproduzir as quantida<strong>de</strong>s e preços <strong>de</strong> monopólio. Sob condições<br />

imperfeitas <strong>de</strong> observabilida<strong>de</strong> das ações dos membros do cartel (que representa a quase totalida<strong>de</strong> dos<br />

casos), é em geral melhor para o cartel produzir mais do que o monopolista para diminuir a tentação <strong>de</strong><br />

traição e, portanto, diminuir a chance <strong>de</strong> ocorrer uma guerra <strong>de</strong> preços e sua duração. Para teoria por trás<br />

<strong>de</strong>sse resultado, ver Green, E. e R. Porter, 1984, “Non-cooperative Collusion Un<strong>de</strong>r Imperfect Price<br />

Information,” Econometrica, Vol. 52, pg. 87-100, ou Abreu, D., D. Pearce e E. Stachetti, 1985, “Optimal<br />

cartel Equilibria with Imperfect Monitoring,”Journal of Economic Theory, Vol. 39, pg. 251-269.<br />

23


marginal é tão maior quanto maior é número <strong>de</strong> empresas. Após 2005, há uma alteração<br />

significativa no custo <strong>de</strong> uma matéria prima importante na produção <strong>de</strong> aço: o minério <strong>de</strong><br />

ferro 22 . Mostramos que a resposta do preço no Brasil é muito maior do que em<br />

países cujo mercado <strong>de</strong> vergalhões tem muito mais empresas, o que é incompatível<br />

com a hipótese <strong>de</strong> que as empresas no Brasil concorrem à la Cournot. Em seguida<br />

mostramos que essa reação exagerada do preço doméstico é explicada em um<br />

contexto <strong>de</strong> implementação ótima <strong>de</strong> um cartel. O restante <strong>de</strong>ssa seção <strong>de</strong>senvolve<br />

esse argumento.<br />

As subseções restantes <strong>de</strong>senvolvem com <strong>de</strong>talhe os argumentos teóricos por trás dos<br />

dois testes que aplicamos para o mercado <strong>de</strong> vergalhão no Brasil no período 2005-2008<br />

(pós-con<strong>de</strong>nação).<br />

1.3.2 Teste 1: Relação entre Preços, Margem <strong>de</strong> Lucro e Número <strong>de</strong> Competidores<br />

Suponha que N firmas competem à la Cournot (por quantida<strong>de</strong>s) em um mercado. A<br />

<strong>de</strong>manda inversa é linear e igual a p( Q)<br />

a − bQ<br />

= , on<strong>de</strong> Q é a quantida<strong>de</strong> total produzida.<br />

Suponha também que o custo marginal é constante e igual a c. Cada uma das N firmas<br />

resolve o seguinte problema <strong>de</strong> maximização <strong>de</strong> lucro:<br />

max pq<br />

q<br />

n<br />

n<br />

n<br />

q<br />

( qn<br />

+ Q n ) qn<br />

− cqn<br />

− cq = max(<br />

a − b − )<br />

n<br />

on<strong>de</strong> Q-n é a quantida<strong>de</strong> produzida pelas outras firmas que não a firma n. A condição <strong>de</strong><br />

primeira or<strong>de</strong>m para um máximo interior é:<br />

q<br />

n<br />

a − c Q−<br />

= −<br />

2b<br />

2<br />

n<br />

Em um equilíbrio simétrico, a quantida<strong>de</strong> produzida por cada firma é dada por:<br />

( N −1)<br />

a − c qn<br />

a − c<br />

= − → q =<br />

2 b 2<br />

( N + 1)b<br />

qn n<br />

Conseqüentemente, a quantida<strong>de</strong> total <strong>de</strong> equilíbrio e o preço são:<br />

22 É sempre importante notar que a produção <strong>de</strong> aços longos po<strong>de</strong> ser feita a partir <strong>de</strong> sucata, o que po<strong>de</strong><br />

levar à falsa conclusão <strong>de</strong> que o custo do minério <strong>de</strong> ferro não é muito relevante para o custo <strong>de</strong> produção<br />

do aço longo. Lembramos que, sendo minério e sucata substitutos, o preço <strong>de</strong> um afeta a <strong>de</strong>manda pelo<br />

outro, ou seja, há “vasos comunicantes” fortes entre os preços dos dois insumos.<br />

24


Q = Nqn<br />

=<br />

N(<br />

a − c)<br />

a N<br />

→ p = a − bQ = + c<br />

( N + 1 ) b<br />

N + 1 N + 1<br />

Portanto, é fácil ver que os preços, em nível, serão menores quanto maior for o número<br />

<strong>de</strong> firmas.<br />

De fato, a resposta dos preços a um aumento no número <strong>de</strong> firmas é dada por:<br />

Preço<br />

∂p<br />

a<br />

= −<br />

∂N<br />

( N + 1)<br />

2<br />

Nc<br />

−<br />

( N + 1)<br />

2<br />

c 1<br />

+ = −<br />

N + 1 ( N + 1)<br />

Figura 1: Preço e Número <strong>de</strong> Firmas Sob Competição<br />

Por sua vez, a margem <strong>de</strong> lucro é dada por:<br />

p − c a − c<br />

= ,<br />

p a + cN<br />

que é claramente <strong>de</strong>crescente no número <strong>de</strong> firmas.<br />

2<br />

[ a − c]<br />

<<br />

Número <strong>de</strong><br />

Firmas<br />

0.<br />

25


Margem<br />

Figura 2: Margem e Número <strong>de</strong> Firmas Sob Competição<br />

O teste que implementamos na próxima seção consiste em estimar contrapartes empíricos<br />

das relações teóricas <strong>de</strong>rivadas nas figuras 1 e 2 Se o preço do vergalhão e a margem das<br />

si<strong>de</strong>rúrgicas no Brasil são significativamente maiores do que o previsto pelas contrapartes<br />

empíricas das figuras 1 e 2 então se rejeita a hipótese <strong>de</strong> que o preço e a margem foram<br />

produzidos em concorrência à la Cournot. Isso é evidência clara <strong>de</strong> cartel.<br />

1.3.3 Teste 2: I<strong>de</strong>ntificação com Base em Alterações no Custo Marginal<br />

Observamos, ao longo do tempo, os preços praticados pelos produtores <strong>de</strong> vergalhão no<br />

mercado interno e seus preços <strong>de</strong> exportação. Isto, em conjunção ao fato <strong>de</strong> que, <strong>de</strong> 2005<br />

para cá, houve um forte aumento no preço <strong>de</strong> um insumo crucial, o minério <strong>de</strong> ferro, nos<br />

dá subsídio para executar um segundo teste <strong>de</strong> comportamento colusivo e traz evidências<br />

adicionais robustas <strong>de</strong> que o comportamento colusivo no mercado <strong>de</strong> vergalhões no<br />

Brasil perdurou após a con<strong>de</strong>nação pelo CADE referente ao período 1999-2005, sendo<br />

efetivo ainda hoje.<br />

Número <strong>de</strong><br />

Firmas<br />

De fato, a teoria econômica prevê que, sob competição <strong>de</strong> Cournot, a resposta dos preços<br />

adotados por uma firma a um aumento <strong>de</strong> custos <strong>de</strong> produção será crescente no número<br />

<strong>de</strong> firmas concorrentes. Portanto, quanto maior for o número <strong>de</strong> firmas em um<br />

<strong>de</strong>terminado mercado, maior será o aumento <strong>de</strong> preços em resposta a um aumento dos<br />

custos <strong>de</strong> produção. Como há mais competidores no mercado externo do que no mercado<br />

interno, <strong>de</strong>veríamos observar um aumento maior dos preços <strong>de</strong> exportação do que nos<br />

preços praticados internamente. Na Seção 4 <strong>de</strong>ste parecer, <strong>de</strong>monstramos que ocorreu<br />

exatamente o contrário. O aumento maior se <strong>de</strong>u nos preços praticados internamente.<br />

26


Portanto, os preços observados não são compatíveis com um mercado cujas firmas<br />

competem à la Cournot.<br />

Uma resposta maior dos preços praticados internamente em reposta a um aumento <strong>de</strong><br />

custos é, no entanto, compatível com um mercado cujas firmas estão em conluio. No<br />

apêndice A.II <strong>de</strong>ste parecer mostramos, com um mo<strong>de</strong>lo formal, que, em geral (mais<br />

precisamente, sempre que o cartel produz mais que as quantida<strong>de</strong>s que prevaleceriam em<br />

monopólio), a resposta <strong>de</strong> preços a um aumento <strong>de</strong> custos será maior em um cartel do que<br />

em competição. A figura abaixo apresenta as respostas dos preços <strong>de</strong> cartel e <strong>de</strong><br />

competição a um aumento <strong>de</strong> custos. Note que a resposta dos preços <strong>de</strong> cartel será maior<br />

(a figura apresenta as respostas dos preços, e não os preços em nível).<br />

Resposta <strong>de</strong> Preços<br />

0.5<br />

0.4<br />

0.4<br />

0.3<br />

0.3<br />

0.2<br />

0.2<br />

0.1<br />

0.1<br />

0.0<br />

0.2 0.22 0.24 0.26 0.28 0.3 0.32 0.34 0.36 0.38 0.4<br />

Aumentos no Custo<br />

Resposta <strong>de</strong> Preços Conluio Resposta <strong>de</strong> Preços Competição<br />

Figura 3: Repostas <strong>de</strong> Preço a Alterações no Custo Marginal.<br />

A razão para isto é bastante simples. A capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um cartel <strong>de</strong> coibir <strong>de</strong>svios (traição<br />

por parte <strong>de</strong> um membro) é fundamental para que ele seja sustentável. Por sua vez, um<br />

aumento <strong>de</strong> custos reduz <strong>de</strong> maneira significativa os incentivos que um membro do cartel<br />

tem <strong>de</strong> <strong>de</strong>sviar (trair o cartel). Isto ocorre pela seguinte razão. Um cartel bem-sucedido<br />

age <strong>de</strong> maneira a reduzir as quantida<strong>de</strong>s produzidas por cada uma das firmas, <strong>de</strong> modo<br />

que elas possam conjuntamente ven<strong>de</strong>r a preços maiores. Um <strong>de</strong>svio (traição do cartel)<br />

por parte <strong>de</strong> um membro, portanto, estará associado a uma produção maior do que<br />

implicitamente acordado. Isto ocorrerá <strong>de</strong> duas formas. Primeiramente, a empresa<br />

<strong>de</strong>sviante, ao <strong>de</strong>sviar, produzirá uma quantida<strong>de</strong> maior que a prescrita pelo cartel. De<br />

fato, esta é a forma pela qual o <strong>de</strong>svio lhe gera benefícios porque com a traição ela obtém<br />

27


uma maior participação <strong>de</strong> mercado quando <strong>de</strong>svia. Em segundo lugar, a resposta do<br />

cartel ao <strong>de</strong>svio (a punição) envolverá a adoção <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>s por todas as firmas <strong>de</strong><br />

quantida<strong>de</strong>s que sejam maiores (e preços menores) que os acordados pelo cartel. Quando<br />

os custos <strong>de</strong> produção aumentam, produzir mais se torna custoso. Portanto, por ambas as<br />

frentes, os benefícios <strong>de</strong> se <strong>de</strong>sviar do cartel ficam substancialmente menores quando<br />

há aumento <strong>de</strong> custos. Como conseqüência, mantidas constantes todas as outras<br />

variáveis, se o cartel conseguia estabelecer uma <strong>de</strong>terminada quantida<strong>de</strong> a um<br />

<strong>de</strong>terminado custo, ele conseguirá restringir ainda mais as quantida<strong>de</strong>s produzidas<br />

quando o custo <strong>de</strong> produção aumenta, fazendo com que as quantida<strong>de</strong>s adotadas<br />

pelo cartel se aproximem das quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> monopólio. Isto, por sua vez, fará com<br />

que os preços reajam mais fortemente a um aumento <strong>de</strong> custos sob conluio do que<br />

ocorreria sob competição.<br />

Em suma, do ponto <strong>de</strong> vista teórico, se o cartel for bem sucedido, a reposta dos preços a<br />

um aumento <strong>de</strong> custos será necessariamente maior do que o que seria em competição.<br />

Mostramos este ponto <strong>de</strong> maneira formal no Apêndice AII.<br />

2. A Estrutura do Mercado <strong>de</strong> Vergalhões: Demanda, Oferta e<br />

Definição <strong>de</strong> Mercado<br />

2.1 Definição do Produto<br />

Segundo a <strong>de</strong>finição no parecer n o 291/2002 da Secretaria <strong>de</strong> Acompanhamento<br />

Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE - Ministério da Fazenda), o vergalhão é:<br />

“... um ferro redondo nervurado utilizado<br />

exclusivamente pela construção civil, constituindo um<br />

subproduto específico dos aços longos comuns.”<br />

O vergalhão é, portanto, um aço longo usado pela construção civil na estrutura <strong>de</strong><br />

edificações. 23<br />

23 Os produtos <strong>de</strong> aço acabado são divididos em três tipos: longos, planos e especiais. Chapas grossas e<br />

finas (a quente ou a frio), bobinas (a quente ou a frio) galvanizadas são exemplos <strong>de</strong> laminados planos. São<br />

28


2.2 Oferta: Tecnologia <strong>de</strong> Produção<br />

Há duas formas <strong>de</strong> usinas si<strong>de</strong>rúrgicas produzirem aços longos em geral e vergalhão em<br />

particular: mini-mills e a integrada. Como o nome sugere, o processo <strong>de</strong> produção da<br />

usina integrada é completo, contendo as cinco principais fases da produção <strong>de</strong> aço. São<br />

elas:<br />

1. Purificação do carvão em coque, um combustível com alta concentração <strong>de</strong><br />

carbono.<br />

2. Queima do coque em um alto-forno para o <strong>de</strong>rretimento do minério <strong>de</strong> ferro. Uso<br />

<strong>de</strong> uma limestone para eliminar as impurezas do minério, produzindo nesse<br />

processo o ferro-gusa, um produto com alto conteúdo <strong>de</strong> ferro.<br />

3. Fase <strong>de</strong> produção do aço. Mistura <strong>de</strong> ferro-gusa com sucata <strong>de</strong> aço uma fornalha<br />

<strong>de</strong> oxigênio para a remoção do carbono restante do ferro-gusa, produzindo assim<br />

aço<br />

4. Moldagem do aço em uma forma semi-acabada.<br />

5. Corte, dobra ou laminação da forma semi-acabada em uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> formas<br />

acabadas.<br />

O processo <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> uma mini-mill começa na etapas 3 a 5. Ela usa como principal<br />

insumo a sucata do próprio aço ou o ferro-gusa como principais insumos. Ela é<br />

caracterizada pelo re-<strong>de</strong>rretimento <strong>de</strong> sucata em uma Fornalha a Arco Elétrico (FAE).<br />

Grosso modo, a usina integrada é uma mini-mill adicionada <strong>de</strong> uma alto-forno para o<br />

<strong>de</strong>rretimento do minério <strong>de</strong> ferro bruto pela queima <strong>de</strong> carvão metalúrgico (coque). O<br />

processo chama Fornalha <strong>de</strong> Oxigênio (FO) (etapas 1 e 2).<br />

As diferenças nos processos produtivos têm importantes conseqüências. Por conter as<br />

etapas 1 e 2, uma usina integrada <strong>de</strong>manda um alto investimento fixo na construção do<br />

alto-forno (capex no jargão <strong>de</strong> negócios). 24 Portanto, há a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma alta escala<br />

<strong>de</strong> produção para justificar a escolha <strong>de</strong> uma usina integrada. A utilização do minério <strong>de</strong><br />

ferro como insumo faz com que seja atraente localizar-se perto <strong>de</strong> uma mina <strong>de</strong> minério<br />

<strong>de</strong> ferro. Por essas razões, quando feita a partir <strong>de</strong> minério <strong>de</strong> ferro, a produção ten<strong>de</strong> a<br />

ser concentrada geograficamente, como é o caso da estrutura <strong>de</strong> ARCELORMITTAL<br />

usados, por exemplo, por montadoras na fabricação <strong>de</strong> automóveis. Entre os longos, po<strong>de</strong>-se citar fiomáquina,<br />

os trefilados, os perfis, as barras e, finalmente, os vergalhões.<br />

24 Capex é uma abreviação do inglês capital expenditure, ou gasto <strong>de</strong> capital, isto é, investimento.<br />

29


(por causa <strong>de</strong> sua planta integrada em <strong>João</strong> Monleva<strong>de</strong> (MG)). 25 Em compensação ao alto<br />

investimento fixo, uma usina integrada tem custos variáveis baixos.<br />

Em contraste, as mini-mills <strong>de</strong>mandam investimento fixo baixo porque não usam um alto-<br />

forno. A sucata está dispersa, e o custo <strong>de</strong> transporte é tal que inviabiliza sua translação<br />

por largas distâncias. Portanto, quando a tecnologia adotada é a mini-mill a produção é<br />

dispersa geograficamente, com plantas si<strong>de</strong>rúrgicas pequenas. Como seria <strong>de</strong> se esperar,<br />

o baixo investimento necessário para construir uma mini-mill tem um preço: os custos<br />

variáveis <strong>de</strong> produção são mais altos que nas usinas integradas. 26<br />

De modo geral, aços longos são produzidos em mini-mills, e no Brasil isso não é<br />

diferente. No entanto, quando se compara o Brasil com países <strong>de</strong> industrialização antiga,<br />

on<strong>de</strong> há um estoque gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> sucata <strong>de</strong> aço disponível, há a maior utilização <strong>de</strong> usinas<br />

integradas. A AÇOMINAS, subsidiária da GERDAU, e a usina da ARCELORMITALL<br />

<strong>de</strong> <strong>João</strong> Monleva<strong>de</strong> (MG), ambas integradas, são notáveis exceções à regra <strong>de</strong> mini-mills<br />

em aços longos. Em geral aços planos são produzidos em usinas integradas.<br />

Para os nossos propósitos, a escolha tecnológica tem importantes conseqüências para<br />

estrutura <strong>de</strong> mercado, dispersão geográfica da produção, <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> mercado relevante<br />

e, finalmente, margens das si<strong>de</strong>rúrgicas brasileiras.<br />

A primeira consi<strong>de</strong>ração importante se refere às margens <strong>de</strong> diferentes empresas do setor.<br />

Como usinas integradas têm capex maior e custos variáveis menores que as mini-mills, as<br />

margens EBITDA das usinas integradas ten<strong>de</strong>m a ser consi<strong>de</strong>ravelmente mais altas.<br />

Refletindo essa diferença <strong>de</strong> escolha <strong>de</strong> tecnológica, as margens EBITDA <strong>de</strong> USIMINAS<br />

e CSN (produtoras <strong>de</strong> aços planos com usinas integradas) são intrinsecamente maiores do<br />

que as <strong>de</strong> GERDAU.<br />

A segunda consi<strong>de</strong>ração se refere à distribuição geográfica da produção, que ten<strong>de</strong> a ser<br />

dispersa por causa da prevalência <strong>de</strong> mini-mills que usam sucata como insumo.<br />

2.3 Demanda: clientes<br />

A <strong>de</strong>manda por vergalhão é induzida pela <strong>de</strong>manda por construção civil, tanto <strong>de</strong> novas<br />

edificações e reforma <strong>de</strong> edificações já existentes, como da construção pesada <strong>de</strong> obras<br />

públicas.<br />

25 Confirmando a regra, a usina <strong>de</strong> <strong>João</strong> Monleva<strong>de</strong> (MG) está localizada a 11Km da Mina do Andra<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> vem o minério <strong>de</strong> ferro utilizado na etapa 1 <strong>de</strong> produção <strong>de</strong>ssa usina integrada.<br />

26 Caso contrário não observaríamos a existência <strong>de</strong> dois padrões tecnológicos porque as mini-mills seriam<br />

claramente dominante se o custo variável fosse baixo.<br />

30


Historicamente, os principais consumidores <strong>de</strong> vergalhão são, em primeiro lugar, os<br />

gran<strong>de</strong>s distribuidores, seguidos das empreiteiras, construtoras e pequenos varejistas.<br />

Depois da verticalização promovida pelas si<strong>de</strong>rúrgicas, a estrutura da <strong>de</strong>manda se alterou<br />

com a redução significativa da distribuição in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.<br />

2.4 Definição <strong>de</strong> mercado relevante<br />

2.4.1 Dimensão Produto<br />

Apesar <strong>de</strong> haver vários produtos consi<strong>de</strong>rados aços longos, não há produto substituto ao<br />

vergalhão na construção civil.<br />

Há várias possíveis especificações técnicas para o vergalhão. Diferentes países adotam<br />

diferentes normas. O Brasil, através da norma NBR 7480, adotou o padrão CA-50 e CA-<br />

60. Dado um <strong>de</strong>terminado padrão, não há gran<strong>de</strong> variação entre vergalhões produzidos<br />

por diferentes si<strong>de</strong>rúrgicas. Em outras palavras, o vergalhão po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado um<br />

produto homogêneo. Portanto, na dimensão produto, a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> mercado relevante<br />

<strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rado aquele <strong>de</strong> vendas <strong>de</strong> vergalhões CA-50 e CA-60.<br />

2.4.2 Dimensão geográfica<br />

A natureza dispersa dos consumidores <strong>de</strong> vergalhão e a necessida<strong>de</strong> das usinas tipo mini-<br />

mills estarem perto do insumo, no caso <strong>de</strong>ste ser a sucata, <strong>de</strong>terminam a dimensão<br />

geográfica da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> mercado relevante. 27 Primeiro, a importação é uma opção<br />

relativamente pouco atrativa. A <strong>de</strong>speito da tarifa modal <strong>de</strong> importação ser relativamente<br />

baixa, o custo <strong>de</strong> transporte e a diferenças nas especificações técnicas fazem do vergalhão<br />

um produto <strong>de</strong> difícil importação. Além disto, há uma barreira técnica à importação<br />

estabelecida pela norma NBR 7480 que estabelece a certificação obrigatória dos<br />

produtores pelo INMETRO.<br />

Portanto, o mercado relevante é <strong>de</strong>finido <strong>de</strong> maneira nacional, senão regional-estadual.<br />

Nesse sentido é interessante comparar a distribuição geográfica da produção <strong>de</strong> aço longo<br />

com a distribuição geográfica do aço plano, pois esse serve <strong>de</strong> grupo <strong>de</strong> controle.<br />

27 A parte da <strong>de</strong>manda vinda das gran<strong>de</strong>s re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lojas <strong>de</strong> construção é mais concentrada. Não temos<br />

números precisos a respeito <strong>de</strong> quanto do vergalhão é comercializado por essa via. Como vimos acima, para<br />

as usinas integradas a proximida<strong>de</strong> da mina <strong>de</strong> minério <strong>de</strong> ferro é o elemento <strong>de</strong>terminante <strong>de</strong> sua<br />

localização.<br />

31


As figuras 4 e 5 abaixo mostram a distribuição das usinas si<strong>de</strong>rúrgicas <strong>de</strong> aço plano e<br />

longo, respectivamente.<br />

CST (Tubarão)<br />

Vega do Sul<br />

Usiminas<br />

Cosipa<br />

CSN<br />

Acesita<br />

Figura 4: Distribuição geográfica da produção <strong>de</strong> aço plano<br />

32


ArcelorMittal<br />

Gerdau<br />

Barra Mansa<br />

Figura 5: Distribuição geográfica da produção <strong>de</strong> aço longo<br />

A produção do aço longo é muito mais dispersa do que a produção do aço plano. Isso<br />

confirma a percepção <strong>de</strong> que o mercado produtor po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finido <strong>de</strong> forma estadual-<br />

regional no aço longo, enquanto o mercado seria <strong>de</strong>finido nacionalmente (ou mesmo<br />

internacionalmente) para o aço plano. O mercado a jusante, ou seja, <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong><br />

aço é, indubitavelmente, regional-local haja vista se este o limite da capilarida<strong>de</strong> das<br />

re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> distribuição observadas.<br />

2.5 Natureza e Elasticida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Demanda<br />

Atualmente, o custo do vergalhão correspon<strong>de</strong> a, aproximadamente, 7% do valor <strong>de</strong> obra<br />

prediais da construção civil. Isso implica que uma possível economia <strong>de</strong> 10% do custo<br />

com vergalhão traria uma redução <strong>de</strong> 0,7% nos custos <strong>de</strong> uma obra. Uma economia <strong>de</strong>sse<br />

33


porte (10%), apesar <strong>de</strong> muito gran<strong>de</strong> percentualmente no custo do vergalhão, é<br />

provavelmente muito pequena para induzir um construtor sozinho a incorrer nos custos<br />

<strong>de</strong> procurar o melhor negócio sempre que for fazer um compra <strong>de</strong> vergalhão, o que gera<br />

dois efeitos relevantes para o caso. Primeiramente, faz com que a elasticida<strong>de</strong> da<br />

<strong>de</strong>manda final seja relativamente baixa. Uma elasticida<strong>de</strong> baixa <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda, por sua vez,<br />

faz com que os benefícios que as empresas tenham com cartelização sejam altos.<br />

2.6 Estrutura horizontal da produção <strong>de</strong> vergalhões<br />

O mercado <strong>de</strong> vergalhão é bastante concentrado horizontalmente. A figura 6 mostra as<br />

fatias <strong>de</strong> mercado <strong>de</strong> cada uma das gran<strong>de</strong>s empresas produtoras <strong>de</strong> vergalhão para o ano<br />

<strong>de</strong> 2000. Dadas as capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> ARCELORMITTAL do Brasil, Gerdau e<br />

Barra Mansa, não há porque acreditar que essa estrutura <strong>de</strong> mercado se alterou muito<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2000. A única mudança significativa que po<strong>de</strong>mos mapear é o aumento <strong>de</strong><br />

concentração em 2001, com a aquisição da AÇOMINAS pela GERDAU.<br />

Votorantins<br />

(Barra Mansa),<br />

8.2%<br />

* = Belgo Mineira seria seria<br />

adquirida em 2005 pela<br />

empresa européia Arcelor,<br />

que posteriormente seria<br />

adquirida pela Mittal,<br />

formando a Arcelor-Mittal<br />

** = Em 2001 a Açominas<br />

seria adquirida pela Gerdau<br />

Açominas**,<br />

4.9%<br />

Gerdau, 52.2%<br />

Outros, 1.4%<br />

Figura 6: Estrutura <strong>de</strong> Mercado <strong>de</strong> Vergalhões em 2000<br />

Belgo Mineira*,<br />

33.3%<br />

Fonte: Parecer 291/2002 da Secreataria<br />

<strong>de</strong> Acompanhamento Econômico do<br />

Ministério da Fazenda (SEAE)<br />

34


Com base nessa distribuição <strong>de</strong> fatias <strong>de</strong> mercado, o Índice <strong>de</strong> Herfidahl-Hirschman<br />

(IHH) para o mercado <strong>de</strong> vergalhão no ano 2000 era aproximadamente 4.000. 28 A soma<br />

das fatias <strong>de</strong> mercado dos três principais concorrentes (C3) era 93,7%. Para tornar mais<br />

concretos esses números, eles implicam que havia 2,55 concorrentes efetivos em 2000 29 .<br />

3. Demonstração do Comportamento <strong>de</strong> Conluio<br />

Essa seção contém quatro subseções. Nas duas primeiras mostramos a presença <strong>de</strong><br />

condições estruturais favoráveis à cartelização, tanto no período pré-con<strong>de</strong>nação como no<br />

período pós-con<strong>de</strong>nação. Ou seja, há oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cartelização. Em seguida,<br />

argumentamos que as barreiras à entrada são elevadas, tanto que se refere à importação<br />

como à implementação <strong>de</strong> uma operação doméstica. Além disso, o vergalhão é um<br />

produto homogêneo e o valor da propaganda é baixo. Com isso, o equilíbrio na ausência<br />

<strong>de</strong> cartel ten<strong>de</strong>ria a apresentar preços bastante baixos, porque as empresas teriam fortes<br />

incentivos a competir agressivamente na dimensão preço. Portanto, o ganho em cartelizar<br />

é bastante elevado, ou seja, há motivo para cartelização. Finalmente, o comportamento<br />

<strong>de</strong> preços e margens no mercado <strong>de</strong> vergalhões brasileiro permite i<strong>de</strong>ntificar o<br />

comportamento colusivo no período pós-con<strong>de</strong>nação.<br />

Antes <strong>de</strong> começar, precisamos <strong>de</strong>finir o que é cartel. Usamos a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> acordo com a<br />

Resolução 20 <strong>de</strong> 1999 do CADE:<br />

Cartéis: acordos explícitos ou tácitos entre concorrentes do mesmo<br />

mercado, envolvendo parte substancial do mercado relevante, em torno<br />

<strong>de</strong> itens como preços, quotas <strong>de</strong> produção e distribuição e divisão<br />

territorial, na tentativa <strong>de</strong> aumentar preços e lucros conjuntamente para<br />

níveis mais próximos dos <strong>de</strong> monopólio. Fatores estruturais po<strong>de</strong>m<br />

28 O Índice <strong>de</strong> Herfindhal-Hirschman (IHH) é, possivelmente, medida <strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> mercado mais<br />

utilizada em Economia Industrial. Ele é <strong>de</strong>finido pela soma dos quadrados das fatias <strong>de</strong> mercado<br />

multiplicada por 10.000. Em monopólio, o IHH alcança seu valor máximo, sendo igual a 10.000. Quando<br />

há um número arbitrariamente alto <strong>de</strong> firmas cada uma com uma fatia arbitrariamente pequena <strong>de</strong> mercado<br />

(fragmentação total) esse índice é arbitrariamente próximo <strong>de</strong> zero. Entre outras características <strong>de</strong>sejáveis,<br />

o IHH captura o fato <strong>de</strong> que não só o número <strong>de</strong> empresas importa, mas também a distribuição das fatias<br />

<strong>de</strong> mercado. Consi<strong>de</strong>re o seguinte exemplo. Dois mercados, A e B, têm duas empresas. No mercado A as<br />

duas empresas divi<strong>de</strong>m igualmente o mercado. No mercado B uma empresa tem 90% do mercado<br />

(<strong>de</strong>ixando, consequentemente, a outra com 10%). O HHI do mercado A é 5.000 (10.000 multiplicado por<br />

0,5 2 + 0,5 2 ). No mercado B o HHI é 8.200 (10.000 multiplicado por 0,9 2 + 0,1 2 ). Portanto, o IHH diz que a<br />

concentração é muito maior no mercando B, como seria <strong>de</strong> se esperar.<br />

29 O número efetivo <strong>de</strong> empresas no mercado é <strong>de</strong>finido como 10.000 multiplicado pelo inverso do IHH.<br />

Seguindo o exemplo da nota <strong>de</strong> rodapé, no mercado A há exatamente o número <strong>de</strong> empresas efetivas é dois.<br />

No mercado B, muito mais concentrado, o número efetivo <strong>de</strong> empresas é 10.000/8.200, ou seja, 1,2.<br />

35


favorecer a formação <strong>de</strong> cartéis: alto grau <strong>de</strong> concentração do mercado,<br />

existência <strong>de</strong> barreiras à entrada <strong>de</strong> novos competidores,<br />

homogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produtos e <strong>de</strong> custos, e condições estáveis <strong>de</strong> custos e<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>manda.<br />

Note que, pela <strong>de</strong>finição do CADE, não é preciso mostrar que o cartel praticou preços<br />

monopolísticos. Precisamos tão somente mostrar que os preços praticados são<br />

incompatíveis com a presença <strong>de</strong> um equilíbrio oligopolístico que prevaleceria na<br />

ausência do cartel. Isto está em conformida<strong>de</strong> com o estado da arte do conhecimento<br />

econômico teórico e empírico. Mostraremos que, além das condições <strong>de</strong> facilitação<br />

citadas na <strong>de</strong>finição da Res. 20/1999, o mercado <strong>de</strong> vergalhões no Brasil também<br />

apresenta uma série <strong>de</strong> outras condições que facilitam a sustentabilida<strong>de</strong> do equilíbrio<br />

colusivo.<br />

3.1 Período 1999-2005 (pré-con<strong>de</strong>nação)<br />

A presença <strong>de</strong> um cartel no mercado <strong>de</strong> vergalhões no período 1999-2005 está<br />

estabelecida por <strong>de</strong>cisão do Conselho Administrativo <strong>de</strong> Defesa Econômica (CADE).<br />

Para comparação com o período 2006-2008, faremos apenas um breve resumo dos<br />

pareceres da Secretaria <strong>de</strong> Defesa Econômica do Ministério da Justiça (SDE), da<br />

Secretaria <strong>de</strong> Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE) e da<br />

<strong>de</strong>cisão do CADE.<br />

3.1.1 Resumo do processo <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> cartel no mercado <strong>de</strong> vergalhões<br />

O processo que apurou a <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> prática coor<strong>de</strong>nada por parte dos fabricantes <strong>de</strong><br />

Aço-Longo teve como representantes o SINDUSCON/SP e o SECOVI-SP, e como<br />

representadas Gerdau S/A, Companhia Si<strong>de</strong>rúrgica Belgo Mineira (antigo nome da<br />

ArcelorMittal do Brasil) e Si<strong>de</strong>rúrgica Barra Mansa S/A. A <strong>de</strong>núncia referia-se à<br />

promoção <strong>de</strong> acordos operacionalizados pela fixação diferenciada <strong>de</strong> preços e<br />

conseqüente divisão <strong>de</strong> mercado no fornecimento <strong>de</strong> vergalhões <strong>de</strong> aço utilizados na<br />

construção civil.<br />

Na dimensão do produto, consi<strong>de</strong>rou-se como mercado relevante o <strong>de</strong> vergalhões, um<br />

produto homogêneo, sem processos <strong>de</strong> diferenciação, segmentação ou implantação <strong>de</strong><br />

melhorias técnicas. No âmbito geográfico, <strong>de</strong>finiu-se como mercado relevante o<br />

brasileiro. Quanto à concentração <strong>de</strong>sse mercado, observou-se que respon<strong>de</strong>m as<br />

representadas, juntas, por aproximadamente 95% das vendas do setor <strong>de</strong> aços longos<br />

36


comuns na espécie <strong>de</strong> vergalhões, caracterizando um mercado oligopolizado e altamente<br />

concentrado horizontalmente. Além disso, houve uma elevada verticalização neste setor a<br />

partir da entrada das empresas representadas na distribuição <strong>de</strong> vergalhões, fato que<br />

trouxe um impacto significativo para as distribuidoras in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, já que estas<br />

passaram a ter como concorrentes suas próprias fornecedoras.<br />

Importante para o processo foi o reconhecimento <strong>de</strong> o mercado <strong>de</strong> Aços-Longos possui<br />

evi<strong>de</strong>ntes barreiras à entrada, como altos investimentos necessários para se montar uma<br />

nova planta <strong>de</strong> aços logos (estimativa <strong>de</strong> US$ 100 milhões). Assim, consi<strong>de</strong>rou-se que as<br />

representadas <strong>de</strong>têm alto po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mercado para po<strong>de</strong>r, com efetivida<strong>de</strong>, formar um<br />

cartel.<br />

A conduta <strong>de</strong>nunciada dizia respeito à divisão do mercado nacional junto às construtoras<br />

e distribuidoras in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, que não conseguiam cotar preços com outras si<strong>de</strong>rúrgicas<br />

que não a habitual, ou, quando conseguiam tal cotação, esta era <strong>de</strong>masiadamente elevada.<br />

A comprovação foi feita através <strong>de</strong> documentos, dados obtidos por meio <strong>de</strong> pesquisas e<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>clarações realizadas por testemunhas.<br />

As testemunhas afirmaram que as distribuidoras in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes não tinham opção quanto<br />

ao produto que iriam adquirir. A confirmação <strong>de</strong>sta informação veio através <strong>de</strong> um ex-<br />

funcionário <strong>de</strong> uma das representadas que afirmou ter participado <strong>de</strong> reuniões nas quais<br />

gran<strong>de</strong>s clientes eram divididos entre as representadas. Uma testemunha (i) nomeou cada<br />

representante das empresas em uma reunião na qual se estabeleceu uma tabela <strong>de</strong> preços<br />

que <strong>de</strong>veria ser praticada por todos os distribuidores, (ii) registrou ameaças e penalida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>claradas, (iii) indicou processos falimentares originados por tais políticas <strong>de</strong> preço, (iv)<br />

inseriu o “modus operandi”; e (v) <strong>de</strong>clarou que há “um mapeamento e uma divisão <strong>de</strong><br />

clientes”.<br />

Em adição aos testemunhos, foram apresentadas como prova tabelas que indicam que o<br />

preço do vergalhão era exatamente igual para as diferentes empresas, e valiam pelo<br />

mesmo período. Quanto à fixação do preço <strong>de</strong> revenda, esta foi comprovada pelo<br />

<strong>de</strong>poimento dos proprietários <strong>de</strong> distribuidoras in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes.<br />

Em função das características do mercado em questão, das evidências e provas<br />

apresentadas e do enorme dano causado ao segmento <strong>de</strong> construção civil pela conduta<br />

<strong>de</strong>nunciada, o SBDC <strong>de</strong>cidiu pela con<strong>de</strong>nação das representadas.<br />

37


3.2 Período 2006-2008 (pós-con<strong>de</strong>nação)<br />

Essa subseção contém duas partes. Na primeira parte, argüiremos que as condições<br />

facilitadoras da cartelização seguiram presentes, ou mesmo se aprofundaram, no período<br />

pós-con<strong>de</strong>nação até o presente. Na segunda parte <strong>de</strong>monstraremos, com base na mo<strong>de</strong>rna<br />

teoria econômica e evidência empírica, que o comportamento dos preços e margens<br />

comprovam a presença <strong>de</strong> comportamento cartelizado no período 2006-2008.<br />

3.2.1 Oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cartelização no período 2006-2008<br />

Além das condições <strong>de</strong> facilitação citadas na <strong>de</strong>finição da Res. 20/1999, o mercado <strong>de</strong><br />

vergalhões no Brasil também apresenta uma série <strong>de</strong> outras condições que facilitam a<br />

sustentabilida<strong>de</strong> do equilíbrio colusivo. Na realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> <strong>de</strong>z condições facilitadoras, o<br />

mercado <strong>de</strong> vergalhões no Brasil aten<strong>de</strong> a pelo menos nove. Adicionalmente, em<br />

comparação com o período <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação, as condições para a cartelização no mínimo<br />

continuaram presentes. Mais provavelmente, elas se acentuaram.<br />

3.2.1.1 Concentração e Cartelização<br />

Acerca da estrutura <strong>de</strong> mercado há um fato relevante <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2000: a aquisição da<br />

Açominas pela Gerdau. Além disso, há indicações <strong>de</strong> que as capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produção <strong>de</strong><br />

Belgo (antigo nome <strong>de</strong> ArcelorMittal), Barra Mansa e Gerdau não se alteraram<br />

substancialmente no período. Além <strong>de</strong> um aumento da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção da Usina<br />

<strong>de</strong> Piracicaba (ArcelorMittal), <strong>de</strong> 500 mil toneladas/ano para 1 milhão <strong>de</strong> toneladas ano<br />

em 2004, as expansões orgânicas <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Gerdau e Barra Mansa parecem em<br />

linha com a expansão orgânica do mercado. Portanto, não se <strong>de</strong>ve esperar gran<strong>de</strong>s<br />

alterações na estrutura <strong>de</strong> mercado entre 2008 e 2000 por expansão diferenciada entre as<br />

empresas. Finalmente, não houve entrada relevante durante o período. Portanto, a melhor<br />

estimativa da estrutura <strong>de</strong> mercado em 2008 é feita alterando a estrutura <strong>de</strong> 2000 <strong>de</strong> modo<br />

a incorporar a aquisição da Açominas pela Gerdau.<br />

Como po<strong>de</strong>mos verificar esse é um mercado que há possibilida<strong>de</strong> factível das empresas<br />

exercerem po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mercado. Sustentar um cartel é sempre possível teoricamente, mas é<br />

menos provável em estruturas menos concentradas. 30 Nota-se que a estrutura é perfeita<br />

para a sustentação <strong>de</strong> cartel. Suficientemente concentrada, mas sem que a concentração<br />

fosse tal que tornasse irrelevante o conluio. Por exemplo, conluio é menos importante se<br />

30 Como discutido na Seção 1, um conluio é mais sustentável quando há menos participantes no cartel.<br />

Quando aumenta o número <strong>de</strong> participantes aumenta a tentação <strong>de</strong> trapacear o acordo <strong>de</strong> cartel porque o<br />

ganho em <strong>de</strong>sviar do cartel é maior e a perda é menor se o cartel pune o <strong>de</strong>svio.<br />

38


a participação <strong>de</strong> mercado mostrasse uma gran<strong>de</strong> empresa com 90% da produção e uma<br />

pequena com 10%. Em realida<strong>de</strong>, a con<strong>de</strong>nação prévia <strong>de</strong> GERDAU, BELGO<br />

SIDERURGIA e BARRA MANSA por cartelização confirma os argumentos teóricos<br />

sobre a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sustentação <strong>de</strong> conluio no mercado <strong>de</strong> vergalhões 31 . A figura 7<br />

mostra a estimada estrutura atual:<br />

Votorantins (Barra<br />

Mansa), 8.2%<br />

Gerdau, 57.1%<br />

Outros, 1.4%<br />

Arcelor-Mittal<br />

(antiga Belgo),<br />

33.3%<br />

Fonte: Parecer 291/2002 da Secreataria <strong>de</strong><br />

Acompanhamento Econômico do<br />

Ministério da Fazenda (SEAE) e cálculos<br />

dos autores<br />

Figura 7: Estrutura estimada do mercado <strong>de</strong> vergalhões em 2008<br />

Em comparação com a estrutura <strong>de</strong> mercado em 2000, po<strong>de</strong>-se verificar um aumento na<br />

concentração. IHH subiria para quase 4.450 em 2008, um amento <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 10% em<br />

relação ao IHH em 2000. O C3 aumenta para 98,6%. O número <strong>de</strong> concorrentes efetivos<br />

caiu <strong>de</strong> 2,55 para 2,25.<br />

Portanto, chega-se a duas conclusões no que se refere ao número <strong>de</strong> firmas no mercado<br />

vergalhão em 2008. Em termos absolutos, a estrutura <strong>de</strong> mercado é muito favorável à<br />

sustentação do conluio tácito porque há somente 2,25 firmas efetivas. Melhor do que isso<br />

somente quando há somente duas firmas no mercado. . Segundo, a facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

sustentação do conluio aumentou em relação a 2000, quando havia 2,55 firmas efetivas.<br />

Ou seja, ceteris paribus, se o conluio era sustentável em 2000 ele também o é em 2008.<br />

31 Ver acórdão do CADE referente ao Processo Administrativo 08012.004086/2000-21.<br />

39


3.2.1.2 Simetria e Cartelização<br />

A estrutura <strong>de</strong> mercado <strong>de</strong>scrita na figura 7 apresenta um grau elevado <strong>de</strong> simetria, um<br />

elemento facilitador <strong>de</strong> conluio tácito. Há duas empresas lí<strong>de</strong>res (Gerdau e<br />

ArcelorMittal), e uma pequena (Barra Mansa). Apesar <strong>de</strong> Gerdau ser maior, as duas<br />

empresas lí<strong>de</strong>res têm fatias relevantes <strong>de</strong> mercado. Um fator importante é que Barra<br />

Mansa tem baixa capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção em relação à Gerdau e ArcelorMittal. Portanto,<br />

seus incentivos <strong>de</strong> curto prazo a trair o cartel, que po<strong>de</strong>m ser altos por seu pequeno<br />

tamanho, são mitigados pela baixa capacida<strong>de</strong> relativa <strong>de</strong> produção.<br />

O grau <strong>de</strong> simetria em um mercado po<strong>de</strong> ser medido pelo seguinte índice, que é a razão<br />

entre o número <strong>de</strong> firmas e o número <strong>de</strong> firmas efetivas:<br />

Número <strong>de</strong> Firmas Efetivas<br />

Simetria =<br />

Número <strong>de</strong> Firmas<br />

1<br />

Essa varia entre um mínimo <strong>de</strong> (assimetria total) e 1 (simetria total). Calculando o<br />

N<br />

índice <strong>de</strong> simetria para o mercado <strong>de</strong> vergalhões em 2008, temos: 32<br />

2.25 9<br />

Simetria ≅<br />

4 16<br />

( 2008)<br />

= = 0.<br />

56<br />

Ou seja, em 2008 o mercado está mais próximo <strong>de</strong> simétrico (1) do que <strong>de</strong> assimétrico<br />

1<br />

( ). O índice <strong>de</strong> simetria em 2000 era:<br />

4<br />

2.55<br />

Simetria ≅<br />

5<br />

( 2000)<br />

= 0.<br />

51<br />

Portanto, chega-se a duas conclusões no que se refere à simetria da estrutura do mercado<br />

<strong>de</strong> vergalhão em 2008. Em termos absolutos, a estrutura <strong>de</strong> mercado é simétrica, o que<br />

facilita a sustentação do conluio tácito. Segundo, a simetria aumentou ao longo do tempo.<br />

3.2.1.3 Taxa <strong>de</strong> Juros e Cartelização<br />

Uma força contrária à sustentação <strong>de</strong> conluio tácito no Brasil (não só para o caso do<br />

vergalhão) é a alta taxa <strong>de</strong> juros real. No entanto, é preciso lembrar que as taxas <strong>de</strong> juros<br />

reais médias no período pós-con<strong>de</strong>nação (2006-2008) foram mais baixas no do que no<br />

32 Tratamos a categoria outros como uma firma.<br />

40


período pré-con<strong>de</strong>nação (1999-2005) 33 . Portanto, se o cartel era sustentável no período<br />

pré-con<strong>de</strong>nação, as taxas <strong>de</strong> juros o tornam ainda mais sustentável no período pós-<br />

con<strong>de</strong>nação, ceteris paribus.<br />

3.2.1.4 Probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sobrevivência e Cartelização<br />

O mercado <strong>de</strong> vergalhão é razoavelmente estável no sentido <strong>de</strong> que as inovações no<br />

processo <strong>de</strong> produção são lentas. Além disso, não há gran<strong>de</strong>s ameaças como o<br />

aparecimento <strong>de</strong> substitutos ao aço. Portanto, o mercado <strong>de</strong> vergalhão (ou mesmo aço <strong>de</strong><br />

modo geral) é i<strong>de</strong>al para a sustentação <strong>de</strong> um conluio tácito.<br />

3.2.1.5 Freqüência <strong>de</strong> Encontro e Cartelização<br />

É mais fácil sustentar conluio em mercados nos quais fornecedores e adquirentes se<br />

encontram mais freqüentemente. No caso do vergalhão, a freqüência <strong>de</strong> encontro é<br />

altíssima porque todos os dias centenas <strong>de</strong> pedidos <strong>de</strong> compra são feitos. Portanto, antes e<br />

<strong>de</strong>pois da con<strong>de</strong>nação, a freqüência dos encontros é um fator facilitador da sustentação do<br />

conluio tácito.<br />

3.2.1.6 Flutuações <strong>de</strong> Demanda e Cartelização<br />

É difícil sustentar conluio em mercados cuja <strong>de</strong>manda flutua muito, seja por razões<br />

aleatórias ou por razões sazonais. Não há sazonalida<strong>de</strong> na construção civil (as obras não<br />

ten<strong>de</strong>m a começar em <strong>de</strong>terminado mês no ano), o que retira uma gran<strong>de</strong> fonte <strong>de</strong><br />

flutuação que po<strong>de</strong>ria atrapalhar a sustentação do cartel.<br />

A construção civil é sensível à taxa <strong>de</strong> crescimento da economia. Portanto, a flutuação<br />

<strong>de</strong>corrente da ativida<strong>de</strong> macroeconômica <strong>de</strong>ve atrapalhar a sustentação do conluio. No<br />

entanto, não há razões para acreditar que a flutuação <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda advinda da ativida<strong>de</strong><br />

macroeconômica foi menor no período pré-con<strong>de</strong>nação do que no período pós-<br />

con<strong>de</strong>nação. Consi<strong>de</strong>re a seguinte tabela, que traz o crescimento real do PIB brasileiro, e<br />

a participação da construção civil no produto.<br />

33 Um CBD típico <strong>de</strong> pessoa física pagou 18,10% a.a. no período 1999-2005 e 11,25% a.a. no período<br />

2006-2008. A inflação medida pelo IPCA no período girou em torno <strong>de</strong> 7,99% a.a. no período précon<strong>de</strong>nação<br />

e em 3,61%. Portanto as taxas <strong>de</strong> juros reais foram maiores no período pré-con<strong>de</strong>nação.<br />

41


Tabela 1: Participação da Construção Civil no PIB Brasileiro.<br />

Ano<br />

Taxa <strong>de</strong> Crescimento Real do<br />

Produto Interno Bruto (em %)<br />

Participação da construção<br />

Civil no PIB (em %)<br />

1997 3,38 5,99<br />

1998 3,53 6,16<br />

1999 2,54 5,63<br />

2000 4,31 5,52<br />

2001 1,31 5,32<br />

2002 2,66 5,28<br />

2003 1,15 4,69<br />

2004 5,71 5,09<br />

2005 3,16 4,90<br />

2006 3,75 5,16<br />

2007 5,42 5,29<br />

Fonte: IPEADATA<br />

A tabela 1 mostra que o Brasil não cresceu espetacularmente no período pós-con<strong>de</strong>nação.<br />

Além disso, não houve (pelo menos até 2007, último ano com dados disponíveis) um<br />

boom imobiliário no Brasil.<br />

Conseqüentemente, novamente po<strong>de</strong>-se afirmar que, ceteris paribus, se o conluio era<br />

sustentável antes, também o é <strong>de</strong>pois.<br />

3.2.1.7 Contato Multimercado e Cartelização<br />

Havia e há bastante contato multimercado entre as empresas do cartel porque elas<br />

interagem em vários mercados regionais no Brasil. Portanto, contato multimercado era no<br />

período pré-con<strong>de</strong>nação, e segue sendo no período pós-con<strong>de</strong>nação um fator facilitador<br />

do conluio tácito.<br />

Além disso, há uma razão para acreditar que o contato multimercado aumentou a partir<br />

<strong>de</strong> 2005 com a internacionalização da Gerdau e a compra da Belgo pela ArcelorMittal.<br />

Esses movimentos fizeram com que as duas principais participantes do conluio agora<br />

interajam em mercados além do brasileiro (um <strong>de</strong>les é o norte-americano). Com isso,<br />

aumento a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> punição em vários mercados o que aumenta a chance do<br />

conluio ser sustentável.<br />

42


3.2.1.8 Verticalização da Distribuição e Cartelização<br />

Uma das práticas do cartel para aumentar sua sustentabilida<strong>de</strong> foi a exclusão da<br />

distribuição in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, o que motivou ações in<strong>de</strong>nizatórias em curso no Estado <strong>de</strong><br />

Minas Gerais. 34 Há razões teóricas pelas quais a verticalização aumenta a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

sustentar o conluio tácito <strong>de</strong> forma geral e em particular para o caso dos vergalhões 35 .<br />

Aqui, queremos somente notar que a o processo <strong>de</strong> verticalização se acentuou ao longo<br />

dos anos em ao menos um mercado regional importante no Brasil, o <strong>de</strong> Minas Gerais.<br />

Portanto, a redução na distribuição in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte é um fator adicional <strong>de</strong> facilitação do<br />

conluio no período pós-con<strong>de</strong>nação.<br />

3.2.1.9 Homogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Produtos e Cartelização<br />

A proposição <strong>de</strong> que a homogeneida<strong>de</strong> fator <strong>de</strong> facilitação do conluio é um corolário da<br />

proposição <strong>de</strong> que a observabilida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>manda facilita conluio. Se os produtos são<br />

diferenciados, dois membros do cartel po<strong>de</strong>m ser atingidos por choques diferenciados <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>manda, diminuindo a observabilida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>manda.<br />

No caso específico, ficou estabelecido nos pareceres da SDE e SEAE, e no julgamento no<br />

CADE que não há diferenciação entre os vergalhões produzidos pelas empresas<br />

argumentamos participantes do cartel. Portanto, mais um fator facilitador do conluio.<br />

3.2.1.10 Estrutura <strong>de</strong> Custos e Cartelização<br />

Além da similitu<strong>de</strong> entre produtos, estruturas similares <strong>de</strong> custos ajudam a sustentar o<br />

conluio tácito. A tecnologia <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> vergalhão é algo razoavelmente estabelecido,<br />

com poucas inovações tecnológicas. Ela consiste na transformação <strong>de</strong> minério <strong>de</strong> ferro<br />

em aço. Isso se dá diretamente do minério, como no caso das usinas integradas, ou do<br />

<strong>de</strong>rretimento <strong>de</strong> sucata, que é outra forma <strong>de</strong> minério <strong>de</strong> ferro, como no caso das mini-<br />

mills. A usina integrada exige maiores custos fixos e afundados <strong>de</strong> instalação (capex),<br />

mas produz a partir do minério <strong>de</strong> ferro, o que barateia os custos variáveis em relação às<br />

34 Vi<strong>de</strong>, por exemplo, Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Minas Gerais processo 1.0024.06.984815-8/00; 20ª Vara Cível<br />

e Comercial <strong>de</strong> Belo Horizonte, processo 0024.08.080806-6<br />

35 Os argumentos teóricos estão em parecer anterior que os autores prepararam por encomenda da<br />

COBRAÇO, um distribuidor importante em Minas Gerais que foi vítima <strong>de</strong> predação por parte da Belgo. O<br />

documento está disponível se requerido.<br />

43


mini-mills, que usam sucata. No cômputo final, a estrutura <strong>de</strong> custos é muito parecida nas<br />

duas tecnologias. Gerdau, por exemplo, usa ambas as tecnologias, o que sugere<br />

fortemente que elas são equivalentes 36 .<br />

3.3 Motivos para Cartelização<br />

Por que cartelizar? A resposta é trivial: para aumentar o lucro dos participantes do<br />

conluio. Esse aumento <strong>de</strong> lucro é tão maior quanto maior é a diferença entre o lucro<br />

implementável pelo cartel e o lucro que os participantes teriam na ausência do cartel.<br />

Nessa seção mostraremos que, no mercado brasileiro <strong>de</strong> vergalhões, os motivos para<br />

cartelização são fortíssimos. Primeiro, a <strong>de</strong>manda o produto é homogêneo e a única<br />

dimensão <strong>de</strong> concorrência (na ausência <strong>de</strong> cartel) é preço. Portanto, o lucro <strong>de</strong> oligopólio<br />

na ausência <strong>de</strong> cartel seria baixo. Segundo, não há substituto para o vergalhão e ele<br />

representa uma porcentagem pequena dos custos <strong>de</strong> uma obra. Portanto, a <strong>de</strong>manda por<br />

vergalhão ten<strong>de</strong> a ser inelástica, ou seja, insensível a preço. Assim, aumentos <strong>de</strong> preço<br />

causam uma pequena retração <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>, o que aumenta muito o lucro das empresas<br />

caso elas consigam implementar tal aumento <strong>de</strong> preços, i.e, formar um cartel. Finalmente,<br />

o preço excessivo do vergalhão po<strong>de</strong> induzir sua importação, retirando valor e, portanto,<br />

a raison d’être do cartel. Ou seja, os ganhos excepcionais po<strong>de</strong>m induzir entrada e/ou<br />

importação, diminuindo o valor do cartel e, novamente, tornando-o menos atrativo<br />

cartelizar. Neste contexto, mostramos que: i) há barreiras significativas à importação <strong>de</strong><br />

vergalhão; ii) as barreiras à importação aumentaram ao longo do tempo, principalmente<br />

pela redução da distribuição in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte; iii) há significativas barreiras à entrada para<br />

alguma empresa que tente abocanhar parte dos ganhos excepcionais advindos da<br />

cartelização, principalmente no curto prazo; iv) o vergalhão produzido pelos membros do<br />

cartel é um produto homogêneo, o que diminui o lucro em qualquer tipo <strong>de</strong> equilíbrio<br />

oligopolístico que prevaleceria na ausência do cartel; v) a <strong>de</strong>manda por vergalhão é<br />

fragmentada, principalmente na ausência <strong>de</strong> distribuição in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, o que diminui o<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> barganha no lado comprador e, conseqüentemente, aumenta a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

apreçamento do cartel.<br />

36 A ArcelorMittal é mais concentrada em usinas integradas. Isso se <strong>de</strong>ve provavelmente a razões<br />

históricas. A empresa é originária na Belgo-Mineira, com operações <strong>de</strong> produção concentradas em Minas<br />

Gerais, on<strong>de</strong> a proximida<strong>de</strong> às minas <strong>de</strong> mineira favorece a utilização <strong>de</strong> usinas verticalizadas.<br />

44


3.3.1 Barreiras à Importação<br />

No jargão dos analistas do setor, o aço longo em geral e o vergalhão em particular<br />

“viajam mal”, no sentido <strong>de</strong> que é caro transportá-los em relação ao valor do produto. O<br />

aço plano, por outro lado, viaja bem.<br />

A principal conseqüência disso é que os mercados domésticos <strong>de</strong> aço longo são mais<br />

“apartados” que os mercados domésticos <strong>de</strong> planos. O preço doméstico médio da<br />

tonelada <strong>de</strong> vergalhão (excluindo o Brasil) em 2008 gira em torno <strong>de</strong> U$805. O frete<br />

Porto <strong>de</strong> Tubarão (Brasil) – Porto <strong>de</strong> Beilun (China), por exemplo, esteve em U$80 em<br />

média durante 2008 37 . Portanto, o frete representa aproximadamente 10% do preço do<br />

vergalhão. Ao custo do frete, é preciso adicionar outros custos logísticos e capital giro<br />

para chegar ao custo total <strong>de</strong> importação.<br />

Esses custos certamente dificultam a importação. Mas não a impe<strong>de</strong>, como é testemunha<br />

o fato <strong>de</strong> que as si<strong>de</strong>rúrgicas brasileiras exportam. Além disso, dado o preço do vergalhão<br />

no Brasil, que gira em torno <strong>de</strong> U$2000 em 2008, certamente os custos <strong>de</strong> frete, logística<br />

e capital <strong>de</strong> giro não impediriam a exportação <strong>de</strong> aço para o Brasil. Por isso a importância<br />

das outras barreiras à importação.<br />

3.3.1.1 Norma Técnica<br />

Uma Barreira Técnica à entrada ocorre quando uma regulamentação que estabelece<br />

características para produtos e/ou restrições sobre processos <strong>de</strong> produção dificulta ou<br />

impe<strong>de</strong> a entrada <strong>de</strong> competidores em um <strong>de</strong>terminado mercado relevante. Barreiras<br />

técnicas à entrada po<strong>de</strong>m ser instrumentos bastante efetivos <strong>de</strong> se coibir competição em<br />

mercados.<br />

No mercado <strong>de</strong> aços longos, concomitantemente à forte concentração no mercado <strong>de</strong> aços<br />

longos comuns e à abertura comercial (forte redução das tarifas <strong>de</strong> importação) ocorridas<br />

na década <strong>de</strong> 1990, o estabelecimento da normatização <strong>de</strong> barras e fios <strong>de</strong> aços <strong>de</strong>stinados<br />

à armadura <strong>de</strong> concreto na construção civil constituiu a criação <strong>de</strong> uma séria Barreira<br />

Técnica à entrada.<br />

A normatização a que fazemos referência ocorreu no âmbito do Comitê Técnico <strong>de</strong><br />

Certificação <strong>de</strong> Aços Longos para Construção Civil (ABNT/CTC), através da norma<br />

NBR7480, <strong>de</strong> 1996, e da Portaria INMETRO 46/99. Esta norma eliminou a categoria <strong>de</strong><br />

vergalhões CA-40, exigindo que somente as barras <strong>de</strong> vergalhões CA-50 pu<strong>de</strong>ssem ser<br />

37 A fonte dos dados é Bloomberg.<br />

45


comercializadas 38 . Como o padrão em virtualmente todos os países 39 é o CA-40, tal<br />

regulamentação estabeleceu dificulda<strong>de</strong>s para a entrada <strong>de</strong> competidores externos no<br />

mercado <strong>de</strong> aços longos para a construção civil no Brasil 40 .<br />

O estabelecimento <strong>de</strong> um padrão diferente para o aço longo no Brasil impõe um custo a<br />

uma empresa que queira produzir para o Brasil, uma vez que ela terá que adaptar seu<br />

processo produtivo às especificações brasileiras. Essa adaptação implica a alteração da<br />

etapa 5 <strong>de</strong>scrita (corte e dobra), possivelmente envolvendo perdas <strong>de</strong> economia <strong>de</strong> escala.<br />

3.3.1.2 Distribuição Verticalizada<br />

Em ao menos um mercado regional importante, o <strong>de</strong> Minas Gerais, a distribuição <strong>de</strong><br />

vergalhão é majoritariamente verticalizada. A ausência da distribuição in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte com<br />

capacida<strong>de</strong> relevante é uma barreira à entrada e à importação 41 .<br />

Um produtor estrangeiro <strong>de</strong> vergalhões, ao consi<strong>de</strong>rar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> montar uma<br />

operação <strong>de</strong> vendas no mercado brasileiro, <strong>de</strong>ve ter à disposição um conjunto <strong>de</strong><br />

possíveis compradores que torne essa empreitada lucrativa. O acesso direto a<br />

consumidores finais po<strong>de</strong> ser dificultado pelo fato <strong>de</strong> eles serem muitos e difusos, e<br />

porque a informação sobre a existência e possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> importar não necessariamente<br />

difun<strong>de</strong>-se entre esses consumidores. Em havendo distribuidores in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, o acesso<br />

<strong>de</strong> um entrante a potenciais compradores é facilitado. De fato, é mais fácil contatar (ou<br />

ofertar a) um único distribuidor, que <strong>de</strong>sempenhará o papel <strong>de</strong> comprador, do que tentar<br />

angariar consumidores finais difusos. Além disso, com distribuidores in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes é<br />

mais fácil encontrar um parceiro estratégico local que faça o papel <strong>de</strong> buscar<br />

consumidores.<br />

Tem-se, então, que a existência <strong>de</strong> distribuidoras diminui as barreiras à importação.<br />

Mercados on<strong>de</strong> há o potencial <strong>de</strong> entrada o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> apreçamento dos ofertantes locais é<br />

menor. Conseqüentemente, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> importar vergalhão diminui como<br />

conseqüência do <strong>de</strong>saparecimento da distribuição in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte via integração vertical.<br />

Apesar <strong>de</strong> ser muito difícil separar empiricamente os efeitos das diversas barreiras à<br />

importação que há nesse mercado, sabe-se que tomadas em conjunto elas explicam a<br />

presença <strong>de</strong> um prêmio do preço doméstico do vergalhão em relação ao preço externo,<br />

prêmio esse consistente ao longo dos anos (vi<strong>de</strong> figura 16).<br />

38 Ver, por exemplo, em http://www3.belgo.com.br/images/stories/PDF/artigos/normabrasil.pdf o<br />

documento elaborado pela AcelorMittal Belgo Aços Longos, que <strong>de</strong>screve as exigências.<br />

39 As exceções são Paraguai e Bolívia.<br />

40 O efeito <strong>de</strong> barreira técnica à entrada <strong>de</strong> tal regulamentação foi reconhecido pelo Conselho<br />

Administrativo <strong>de</strong> Defesa Econômica (CADE) no ato <strong>de</strong> concentração 16, <strong>de</strong> 1994.<br />

41 Há evidência anedótica <strong>de</strong> que a distribuição in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte também diminuiu em São Paulo.<br />

46


É importante ressaltar que essa redução na atrativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exportar para o Brasil<br />

aumentou ao longo do tempo porque a verticalização da distribuição é um fenômeno<br />

relativamente recente. Portanto, esse é mais um fator que aumentou a sustentabilida<strong>de</strong> do<br />

conluio tácito no período pós-con<strong>de</strong>nação.<br />

3.3.1.3 Comentário<br />

Usando o jargão dos analistas do setor, o elevado “prêmio doméstico” do vergalhão<br />

<strong>de</strong>veria convidar produtores estrangeiros a direcionar sua produção para exportação ao<br />

Brasil.<br />

De fato, dada a gran<strong>de</strong> diferença entre os preços internos e externos, esperar-se-ia que os<br />

benefícios que uma empresa si<strong>de</strong>rúrgica estrangeira teria <strong>de</strong> em <strong>de</strong>stinar gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong><br />

sua produção ao mercado brasileiro seria enorme. Os custos <strong>de</strong> frete, logística e capital <strong>de</strong><br />

giro atrapalham, mas não po<strong>de</strong>m respon<strong>de</strong>r pelo prêmio doméstico. O estabelecimento <strong>de</strong><br />

um padrão diferente para o aço longo no Brasil e a falta <strong>de</strong> distribuidores in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

impõe tamanho custo a uma empresa que queira exportar para o Brasil que praticamente<br />

impe<strong>de</strong>m a importação.<br />

Para mostrar que estes custos são substanciais (e que garantem aos produtores locais<br />

pouca concorrência externa), veja nas tabelas 1 e 2 abaixo a produção nacional <strong>de</strong> aços<br />

longos para o período <strong>de</strong> Janeiro a Julho nos anos <strong>de</strong> 2007 e 2008 e a importação <strong>de</strong> aços<br />

longos para o período <strong>de</strong> Janeiro a Junho nos mesmos anos. 42<br />

Tabela 2: Produção Anual <strong>de</strong> Aços Longos<br />

Ano Produção <strong>de</strong> Aços Longos<br />

(em mil toneladas)<br />

2008 (jan/jul) 6.367,6<br />

2007 (jan/jul) 5.683,9<br />

Fonte: Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Si<strong>de</strong>rurgia<br />

Observe que a razão entre importação e produção <strong>de</strong> aços longos é <strong>de</strong> 0.045 (isto é, a<br />

importação equivale a 4.5% da produção interna) em 2008, e <strong>de</strong> 0.028 (importação<br />

equivale a 2.8% da produção interna) em 2007. Portanto, a diferença <strong>de</strong> padronização<br />

impõe <strong>de</strong> fato uma barreira substancial à entrada.<br />

42 Há uma diferença pequena (um mês) nos períodos consi<strong>de</strong>rados. Não temos dados para períodos<br />

equivalentes. Só queremos comparar as or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> magnitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> importação e produção <strong>de</strong> aços longos.<br />

47


Tabela 3: Importação Total Anual <strong>de</strong> Aços Longos<br />

Ano Importação Total <strong>de</strong> Aços Longos<br />

(em mil toneladas)<br />

2008 (jan/jun) 284,356<br />

2007 (jan/jun) 163,199<br />

Fonte: Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Si<strong>de</strong>rurgia<br />

A redução da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> entrada no mercado brasileiro é, por sua vez, essencial<br />

para que a cartelização do mercado <strong>de</strong> vergalhões seja bem sucedida.<br />

3.3.2 Barreiras à Entrada<br />

Outra maneira <strong>de</strong> tentar apropriar-se <strong>de</strong> parte dos ganhos extraordinários do cartel é<br />

estabelecer operação no Brasil. Há duas barreiras importantes à entrada dificultam essa<br />

estratégia: a ausência <strong>de</strong> distribuição in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e a escala <strong>de</strong> operação. Além disso,<br />

mesmo que a entrada se justifique economicamente, ela po<strong>de</strong> levar bastante tempo.<br />

3.3.2.1 Escala <strong>de</strong> Operação<br />

A escala <strong>de</strong> operação po<strong>de</strong> ser um impeditivo para a entrada. Em sua planta <strong>de</strong> Barra<br />

Mansa, a si<strong>de</strong>rúrgica Barra Mansa, a empresa <strong>de</strong> “menor” porte do mercado, produz 400<br />

mil toneladas <strong>de</strong> aço por ano. Isso sugere que pequenos entrantes provavelmente não<br />

seriam bem sucedidos. Por sua vez, isso restringe significativamente o grupo <strong>de</strong><br />

potenciais entrantes para aqueles <strong>de</strong> porte e experiência suficiente para operar em gran<strong>de</strong><br />

escala.<br />

3.3.2.2 Verticalização da Distribuição<br />

O argumento aqui é análogo ao feito para o caso <strong>de</strong> importação. Sem acesso a uma re<strong>de</strong><br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> distribuição, um potencial entrante teria enormes dificulda<strong>de</strong>s na<br />

comercialização do vergalhão porque os clientes – as construtoras – são bastante<br />

dispersos.<br />

Portanto, a falta <strong>de</strong> distribuição in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte implica que a entrada <strong>de</strong>ve ser<br />

verticalizada, o que aumenta a escala e complexida<strong>de</strong> da entrada. Além disso, nem todos<br />

48


os potenciais entrantes têm experiência em comercialização, muito menos no Brasil. Isso<br />

restringe ainda mais o grupo <strong>de</strong> potenciais entrantes.<br />

3.3.2.3 Comentário Final<br />

A dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> entrada é ilustrada pela gran<strong>de</strong> entrada que houve no setor: a compra da<br />

Belgo pela então si<strong>de</strong>rúrgica francesa Arcelor. 43 Um enorme player no mercado<br />

internacional, a Arcelor escolheu não entrar com uma operação nova (a chamada entrada<br />

<strong>de</strong> novo) mas sim comprar uma empresa estabelecida.<br />

A <strong>de</strong>speito da dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> entrada, o “prêmio doméstico” se manteve tão alto durante<br />

tanto tempo que a entrada finalmente está sendo incitada. Os primeiros movimentos nesse<br />

sentido vêm das próprias si<strong>de</strong>rúrgicas brasileiras que operam no mercado <strong>de</strong> aços planos.<br />

3.3.3 Homogeneida<strong>de</strong> do Vergalhão e Concorrência Unidimensional<br />

Ficou estabelecido nos pareceres da SDE e SEAE, e no julgamento no CADE que não há<br />

diferenciação entre os vergalhões produzidos pelas empresas participantes do cartel. Na<br />

maioria absoluta dos mo<strong>de</strong>los não-cooperativos <strong>de</strong> oligopólio, a homogeneida<strong>de</strong> do<br />

produto é um fator que diminui o lucro dos oligopolistas. Portanto, na ausência do cartel,<br />

seria esperado que o lucro das empresas fosse baixo o que aumenta os incentivos a<br />

cartelizar.<br />

Além disso, é raro o uso <strong>de</strong> outras dimensões <strong>de</strong> competição no mercado <strong>de</strong> vergalhões,<br />

como propaganda. Isso acirraria ainda mais a concorrência na dimensão preço na<br />

ausência <strong>de</strong> cartel, novamente diminuindo os lucros dos oligopolistas e,<br />

conseqüentemente, aumentando os incentivos a cartelizar.<br />

3.3.4 Fragmentação da Demanda por Vergalhão<br />

A <strong>de</strong>mandante original <strong>de</strong> vergalhão são as construtoras e as pessoas físicas que fazem<br />

obras <strong>de</strong> reforma ou construção. Portanto, a <strong>de</strong>manda original <strong>de</strong> vergalhão é<br />

fragmentada.<br />

A fragmentação da <strong>de</strong>manda diminui o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> barganha dos compradores se eles<br />

enfrentam um cartel e, portanto, aumenta a capacida<strong>de</strong> do cartel <strong>de</strong> comandar preço e,<br />

conseqüentemente, seu lucro e os incentivos a cartelizar.<br />

43 A Arcelor seria comprada pela indiana Mittal, formando a ArcelorMittal, a maior si<strong>de</strong>rúrgica do mundo.<br />

49


É importante notar que esse efeito fragmentação da <strong>de</strong>manda é mais forte na ausência <strong>de</strong><br />

distribuição in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. O distribuidor in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, na medida em que agrega as<br />

<strong>de</strong>mandas dispersas <strong>de</strong> vários construtores e pessoas, po<strong>de</strong>ria ter mais po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> barganha<br />

na negociação com o cartel. Portanto, a diminuição da distribuição in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte é um<br />

fator que aumentou ainda mais os incentivos a cartelizar.<br />

3.4 As Práticas Específicas para a Implementação do Cartel<br />

A principal prática <strong>de</strong> implementação do cartel, amplamente documentada para o período<br />

pré-con<strong>de</strong>nação foi a divisão <strong>de</strong> clientes 44 . Os clientes eram alocados entre as três<br />

empresas. Se um cliente “Gerdau” fizesse cotação <strong>de</strong> preços com qualquer uma das<br />

outras duas, ele ou não recebia uma cotação, ou recebia um preço não competitivo.<br />

Depois <strong>de</strong> fechado o acordo, as três, em princípio, po<strong>de</strong>m trair os outros dois<br />

participantes e ven<strong>de</strong>r para os outros clientes. O incentivo à traição <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> crucialmente<br />

da capacida<strong>de</strong> e velocida<strong>de</strong> que os outros participantes conseguem retaliar o traidor.<br />

Portanto, a observabilida<strong>de</strong> das ações dos participantes do conluio é um dos fatores<br />

fundamentais para a sustentabilida<strong>de</strong> do cartel. Como princípio geral, maior<br />

observabilida<strong>de</strong> implica maior chance <strong>de</strong> punição e, portanto, menos incentivo para o<br />

<strong>de</strong>svio. Essa prática <strong>de</strong> divisão <strong>de</strong> clientes não é à prova <strong>de</strong> traição. O que impe<strong>de</strong> a<br />

Gerdau <strong>de</strong> trair o acordo e cotar um preço baixo para recrutar um cliente “Belgo”? Em<br />

princípio, somente a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> retaliação e a conseqüente guerra <strong>de</strong> preços que<br />

prejudicaria seu lucro. A chance <strong>de</strong> retaliação <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> diretamente da capacida<strong>de</strong> da<br />

Arcelor-Mittal <strong>de</strong> observar a traição da Gerdau.<br />

A capacida<strong>de</strong> e velocida<strong>de</strong> da retaliação <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da observabilida<strong>de</strong> da traição. Frente<br />

a uma diminuição na quantida<strong>de</strong> comprada <strong>de</strong> um cliente seu, a Belgo sempre po<strong>de</strong> fazer<br />

uma pesquisa para tentar monitorar se essa queda é <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões normais <strong>de</strong><br />

mercado, ou se é porque a Gerdau traiu. O problema com essa tática é que ela parece<br />

altamente custosa.<br />

No entanto, há nesse caso duas maneiras <strong>de</strong> observar a traição. Pela interação repetida, as<br />

si<strong>de</strong>rúrgicas po<strong>de</strong>m conhecer bastante bem a dinâmica da <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> seus clientes,<br />

sejam eles distribuidores (o que tem diminuído ao longo do tempo), ou diretamente as<br />

construtoras. Por isso, as si<strong>de</strong>rúrgicas conseguem associar alterações significativas à<br />

traição e, portanto, retaliar. É preciso notar que a verificação <strong>de</strong> uma queda inesperada <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>manda ocorre razoavelmente rápido, digamos, mensal ou trimestralmente. Portanto,<br />

44 Ver parecer SEAE, SDE e o voto do relator do julgamento no CADE.<br />

50


além da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> retaliar, isso po<strong>de</strong> ocorrer rapidamente, diminuindo os incentivos a<br />

trair o cartel.<br />

Se a observação da <strong>de</strong>manda individual não for suficiente para inferir traição, há outro<br />

mecanismo <strong>de</strong> monitoramento. O Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Si<strong>de</strong>rurgia (IBS) é um ponto<br />

focal, um lócus on<strong>de</strong> as empresas se encontram. Para ilustração, consi<strong>de</strong>re a composição<br />

<strong>de</strong> seu conselho diretor 45 :<br />

Presi<strong>de</strong>nte:<br />

Flávio Roberto Silva <strong>de</strong> Azevedo (V&M do Brasil)<br />

Vice-presi<strong>de</strong>nte:<br />

André Bier Gerdau Johannpeter (Gerdau Aços Longos)<br />

Conselheiros:<br />

Albano Chagas Vieira (Votorantim Si<strong>de</strong>rurgia)<br />

Benjamin Steinbruch (CSN)<br />

Claudio Gerdau Johannpeter (Gerdau Açominas)<br />

Franz Struzl (Villares Metals)<br />

Jorge Gerdau Johannpeter (Gerdau Aços Especiais)<br />

José Armando <strong>de</strong> Figueiredo Campos (ArcelorMittal Tubarão)<br />

Marco Antônio Soares da Cunha Castello Branco (Usiminas /Cosipa)<br />

Omar Silva Junior (Usiminas/Cosipa)<br />

Paulo Geraldo <strong>de</strong> Sousa (ArcelorMittal Aços Longos)<br />

Paulo Perlott Ramos (Aços Villares)<br />

Paulo Roberto Magalhães Bastos (ArcelorMittal Inox Brasil)<br />

Ou seja, é inegável que o conselho diretor do IBS é um ponto focal. Ainda mais<br />

importante é o fato <strong>de</strong> que o IBS compila e publica dados mensais sobre produção <strong>de</strong><br />

aço. Consi<strong>de</strong>re a seguinte tabela, copiada do sítio web do IBS 46 :<br />

45 Informação disponível em http://www.ibs.org.br/institucional_conselho.asp.<br />

46 Ver http://www.ibs.org.br/estatisticas/estatisticas_julho_2008.htm.<br />

51


Como a fonte dos dados é o próprio IBS, infere-se que os dados são produzidos a partir<br />

<strong>de</strong> informações das próprias empresas. Portanto, não é inconcebível imaginar que as<br />

empresas observem, mensalmente, quantida<strong>de</strong>s umas das outras. Conseqüentemente, se<br />

Gerdau sofre uma queda expressiva em suas vendas num <strong>de</strong>terminado mês, ela po<strong>de</strong>, no<br />

mês seguinte, verificar se foi um efeito agregado (queda generalizada <strong>de</strong>vido a uma<br />

retração <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda), ou se seus concorrentes aumentaram suas quantida<strong>de</strong>s, sugerindo<br />

traição. Portanto, a traição se torna observável, e a punição célere.<br />

Outra prática <strong>de</strong> implementação do cartel amplamente documentada nos pareceres que<br />

embasaram a <strong>de</strong>cisão do CADE é o aumento coor<strong>de</strong>nado <strong>de</strong> preços por parte dos<br />

produtores <strong>de</strong> vergalhão.<br />

Como argumentado ao longo <strong>de</strong>ste parecer, os produtores se <strong>de</strong>param com aumentos <strong>de</strong><br />

custos advindos <strong>de</strong> mudanças <strong>de</strong> preços <strong>de</strong> um insumo fundamental 47 . Embora do ponto<br />

<strong>de</strong> vista teórico seja possível que, num mercado competitivo, um aumento em um<br />

componente comum <strong>de</strong> custos <strong>de</strong> empresas gere um aumento coor<strong>de</strong>nado <strong>de</strong> preços,<br />

argumentamos abaixo que aumentos coor<strong>de</strong>nados <strong>de</strong> preço são especialmente valiosos<br />

para membros <strong>de</strong> um cartel.<br />

Como argüido anteriormente, vergalhões po<strong>de</strong>m ser produzidos através <strong>de</strong> uma<br />

tecnologia que usa sucata ou uma tecnologia que usa minério <strong>de</strong> ferro. Observamos<br />

ambos os tipos <strong>de</strong> tecnologia sendo usados. Portanto, controlando-se para efeitos<br />

estratégicos, enquanto aumentos do custo <strong>de</strong> minério <strong>de</strong> ferro impliquem (pelos<br />

mecanismos tradicionais que equilibram mercados competitivos), em algum ponto no<br />

tempo, aumentos no preço da sucata, a resposta imediata <strong>de</strong> preços a um aumento os<br />

custos <strong>de</strong> minério <strong>de</strong> ferro <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do processo produtivo utilizado. Obviamente<br />

que efeitos estratégicos po<strong>de</strong>m levar a um aumento <strong>de</strong> preços por parte do produtor que<br />

47 De fato, usamos esta informação e a resposta ao aumento <strong>de</strong> custo dos preços internos em relação aos<br />

preços externos como um instrumento i<strong>de</strong>ntificador do Cartel.<br />

52


não teve seu custo alterado 48 . É mais difícil, no entanto, argumentar que o efeito<br />

estratégico levará ao grau <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação e similarida<strong>de</strong> observados.<br />

Um aumento coor<strong>de</strong>nado <strong>de</strong> preços por parte <strong>de</strong> membros <strong>de</strong> um cartel tem um efeito<br />

bastante benéfico, no entanto. É estabelecido na literatura <strong>de</strong> Organização Industrial, que,<br />

numa situação na qual é difícil <strong>de</strong> <strong>de</strong>tectar <strong>de</strong>svios por parte <strong>de</strong> um membro, os preços<br />

estabelecidos num <strong>de</strong>terminado mercado cartelizado são os mesmos para todos os<br />

membros in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> possíveis idiossincrasias (como um aumento <strong>de</strong> custo<br />

que afeta somente alguns dos participantes). 49 Isto implica que quaisquer aumentos <strong>de</strong><br />

preços <strong>de</strong>vem ser coor<strong>de</strong>nados.<br />

A razão pela qual o aumento <strong>de</strong> preços <strong>de</strong>ve ser coor<strong>de</strong>nado no caso em que é difícil <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>tectar <strong>de</strong>svios por parte <strong>de</strong> um membro é bastante simples. Suponha que não se observe<br />

perfeitamente o quanto um aumento no preço <strong>de</strong> um insumo impacta os custos dos<br />

produtores. Caso os aumentos não sejam totalmente coor<strong>de</strong>nados, os membros do cartel<br />

não conseguirão i<strong>de</strong>ntificar se (i) o produtor que não aumentou o fez para abocanhar uma<br />

fatia maior do mercado, burlando o acordo implícito ou (ii) se é porque ele não se<br />

<strong>de</strong>parou com uma mudança menor <strong>de</strong> custos. Esta incerteza induz que os membros do<br />

cartel <strong>de</strong>sviem, o que fará com que um cartel seja menos sustentável. Portanto, a Teoria<br />

Econômica prevê que aumentos coor<strong>de</strong>nados <strong>de</strong> preços ajudam a sustentar um cartel.<br />

3.5 Evidência <strong>de</strong> Preços e Margens<br />

3.5.1 Margens<br />

Uma primeira evidência sugestiva está na margem da operação <strong>de</strong> Gerdau no Brasil em<br />

comparação não só com outras si<strong>de</strong>rúrgicas em outros países, mas também em<br />

comparação com as margens própria Gerdau em suas operações em países estrangeiros.<br />

Não temos os dados para ARCELORMITTAL Brasil e Barra Mansa porque essas<br />

empresas não são abertas 50 . A tabela 3 mostra alguns dados <strong>de</strong> margens para si<strong>de</strong>rúrgicas<br />

que produzem majoritariamente aços longos. Apresentamos os dados <strong>de</strong> margens<br />

EBITDA, do inglês Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization. Em<br />

48<br />

Isto ocorre, por exemplo, num mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> competição por preços com produtos diferenciados à la<br />

Bertrand.<br />

49<br />

Tal ponto foi feito por Susan Athey, Kyle Bagwell e Chris Sanchirico no artigo “Collusion and Price<br />

Rigidity”, publicado em 2004, no Review of Economic Studies. Esse foi um dos artigos citados pela<br />

Associação Americana <strong>de</strong> Economia (American Economic Association) ao conce<strong>de</strong>r a Susan Athey a<br />

Medalha John Bates Clark. Tal prêmio é dado a cada dois anos a um Economista <strong>de</strong> menos <strong>de</strong> 40 anos com<br />

contribuições significativas à profissão <strong>de</strong> Economista. Depois do prêmio Nobel, essa é maior honraria<br />

acadêmica concedida em economia.<br />

50<br />

A rigor, a ArcelorMittal é listada em Nova Iorque. Sua operação brasileira não é listada separadamente.<br />

53


português isso é lucro bruto antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontar <strong>de</strong>spesas financeiras, tributação,<br />

<strong>de</strong>preciação e amortizações. Como <strong>de</strong>sconta <strong>de</strong>spesas financeiras, tributação, <strong>de</strong>preciação<br />

e amortizações, essa é uma boa medida para comparar margem entre si<strong>de</strong>rúrgicas com<br />

tecnologias diferentes (diferente amortização e <strong>de</strong>preciação), localizadas em países com<br />

níveis tributários diferentes e diferente legislação tributário (<strong>de</strong>ferentes permissões para<br />

<strong>de</strong>preciação) e que enfrentam diferentes custos <strong>de</strong> capital (diferente <strong>de</strong>spesa financeira).<br />

Ou seja, i<strong>de</strong>al para os nossos propósitos porque temos que comparar margens entre<br />

si<strong>de</strong>rúrgicas em diferentes países.<br />

Tabela 4: Margens EBITDA<br />

Gerdau Brasil 27.67%<br />

Gerdau EUA (AmeriSteel) 16.84%<br />

Gerdau America Latina 13.24%<br />

Nucor Corporation 17.96%<br />

Média EUA 1 15.48%<br />

Mediana EUA 1 16.50%<br />

Média Mundial 2 11.67%<br />

Desvio Padrão Mundial 2 6.40%<br />

Mediana Mundial 2 10.84%<br />

Percentil 95% 2 23.73%<br />

Máximo Mundial 2 27.94%<br />

Fonte: Reuters e relatórios <strong>de</strong> GERDAU S.A. EBITDA<br />

é <strong>de</strong>finido como Earnings Before Interest, Taxes,<br />

Depreciation and Amortization. A tradução é Lucro<br />

Antes <strong>de</strong> Juros, Tributação, Depreciação e Amortização.<br />

Dados do quarto trimestre <strong>de</strong> 2007.<br />

1 = Número <strong>de</strong> Empresas na Amostra é 6<br />

2 = Número <strong>de</strong> Empresas na Amostra é 61<br />

3 = Exclui o Brasil<br />

A tabela 3 contém vários fatos interessantes. Primeiramente, a margem EBITDA da<br />

operação brasileira da Gerdau (27,67%) é bastante alta em relação aos pares da indústria.<br />

Há somente uma entre as 61 si<strong>de</strong>rúrgicas produtoras <strong>de</strong> aço longo com margem EBITDA<br />

mais alta que Gerdau, e ainda sim somente um pouco maior (29,94%). A margem da<br />

Gerdau no Brasil é mais do que o dobro da média e da mediana mundial, estando a mais<br />

<strong>de</strong> dois <strong>de</strong>svios padrões da média mundial.<br />

Claro que a margem da Gerdau po<strong>de</strong> ser alta por seus méritos, como, por exemplo, por<br />

ela ter melhores processos gerenciais e, conseqüentemente, menores custos <strong>de</strong> operação.<br />

A evidência sugere o contrário. Primeiramente, é bom lembrar que a Gerdau, com<br />

exceção <strong>de</strong> sua operação da Açominas, usa a tecnologia <strong>de</strong> mini-mills que é <strong>de</strong> custo fixo<br />

54


aixo (em relação às usinas integradas). Portanto, não é o caso que, por escolha<br />

tecnológica, ela tenha que ter margens maiores para compensar o maior capex<br />

(investimento <strong>de</strong> capital).<br />

A segunda evidência contrária à hipótese <strong>de</strong> que menores custos explicam essa diferença<br />

gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> margem vem das margens da Gerdau em operações fora do Brasil. Nos EUA, a<br />

margem da Ameristeel (operação norte-americana da Gerdau) foi 16,84% no quarto<br />

trimestre <strong>de</strong> 2007, ou seja, somente um pouco acima da média e da mediana dos pares<br />

americanos (15,48% e 16,50%, respectivamente). 51 A diferença entre a margem da<br />

Gerdau e da média norte-americana é menor do que a meta<strong>de</strong> do <strong>de</strong>svio padrão. Portanto<br />

não são diferentes estatisticamente. Finalmente, a Gerdau EUA tem margem menor que a<br />

empresa lí<strong>de</strong>r nos EUA, a Nucor Corporation.<br />

Finalmente, é preciso ressaltar que essas diferenças não são aci<strong>de</strong>ntais, particulares ao<br />

quarto trimestre <strong>de</strong> 2007. A figura 8 abaixo mostra a evolução das margens da Gerdau em<br />

suas várias operações ao longo <strong>de</strong> 2007.<br />

%<br />

29<br />

27<br />

25<br />

23<br />

21<br />

19<br />

17<br />

15<br />

13<br />

1T2007 4T2007 1T2008<br />

Consolidado<br />

Brasil<br />

America do Norte<br />

America Latina<br />

Fonte: Relatórios<br />

Trimestrais, GERDAU<br />

Figura 8: Evolução Recente das Margens EBITDA da GERDAU por Área Geográfica <strong>de</strong><br />

Atuação<br />

Alguns relatórios <strong>de</strong> analistas do setor sugerem que a estrutura <strong>de</strong> mercado da sucata é<br />

um fator que favoreceria a margem no Brasil vis-à-vis nos EUA. Enquanto a oferta <strong>de</strong><br />

sucata é fragmentada no Brasil, ela é bastante concentrada nos EUA. Isso aumentaria o<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> barganha da Gerdau na aquisição <strong>de</strong> uma matéria prima importante seria maior<br />

51 Alguns relatórios <strong>de</strong> analistas do setor apontam que a estrutura <strong>de</strong> mercado da sucata é um fator que<br />

favoreceria a margem no Brasil vis-à-vis nos EUA. Enquanto a oferta <strong>de</strong> sucata é fragmentada no Brasil,<br />

ela é bastante concentrada nos EUA. Portanto, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> barganha da Gerdau na aquisição <strong>de</strong> uma matéria<br />

prima importante seria maior no Brasil do que nos EUA, o que po<strong>de</strong>ria explicar a diferença <strong>de</strong> margem.<br />

Como mostraremos mais adiante, se esse fator tivesse importância prática <strong>de</strong> primeira or<strong>de</strong>m, e se as<br />

empresas estivessem competindo, <strong>de</strong>veríamos esperar que ao menos parte <strong>de</strong>ssa economia fosse repassada<br />

para o consumidor na forma <strong>de</strong> menores preços. No entanto, os preços domésticos no Brasil são muito<br />

maiores do que nos EUA, o que é muito difícil <strong>de</strong> racionalizar se há uma diferença realmente gran<strong>de</strong> no<br />

custo da sucata.<br />

55


no Brasil do que nos EUA, diminuindo assim o seu preço no Brasil. Portanto, po<strong>de</strong>-se,<br />

em princípio, tentar explicar a diferença <strong>de</strong> margens <strong>de</strong> lucro da Gerdau observadas<br />

internamente e no mercado americano como resultante <strong>de</strong> uma diferença <strong>de</strong> custos <strong>de</strong><br />

produção. Esta explicação é inverossímil por uma razão bastante simples. Como<br />

discutido na seção teórica do Parecer, o preço que prevalece num mo<strong>de</strong>lo competição é<br />

a Nc<br />

p = + , on<strong>de</strong> c é o custo marginal <strong>de</strong> produção. Portanto, custos marginais<br />

N + 1 N + 1<br />

mais baixos implicam, controlando-se para outros fatores, preços mais baixos.<br />

Como conseqüência, se a explicação para as margens internas fosse os menores custos <strong>de</strong><br />

produção interna, observaríamos, ao mesmo tempo, em relação ao mercado americano<br />

margens altas e preços mais baixos, o que não é o caso.<br />

Um segundo fator que po<strong>de</strong>ria explicar a margem maior da Gerdau é a diferença entre<br />

estruturas <strong>de</strong> mercado no Brasil e em outros países. O mercado é muito mais concentrado<br />

no Brasil. A maioria dos mo<strong>de</strong>los oligopolísticos prevê maiores margens no Brasil<br />

mesmo que as empresas estivessem competindo aqui. Nesse caso, o relevante seria<br />

avaliar se as margens são altas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> controlar para o fato <strong>de</strong> que o mercado <strong>de</strong> aço<br />

longo no Brasil é mais concentrado do que em outros países. A figura 9 mostra dois<br />

gráficos: (i) a relação entre a dispersão das margens e o número médio <strong>de</strong> firmas nos<br />

mercados em que a empresa atua, e (ii) a previsão <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> regressão linear que<br />

associa margem ao número <strong>de</strong> firmas. Este mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> regressão linear é a contraparte<br />

empírica da previsão teórica contida na figura 2.<br />

0 10 20 30<br />

Margem EBITDA versus Número <strong>de</strong> Empresas<br />

Dispersão e Ajuste <strong>de</strong> Regressão Linear com Intervalo <strong>de</strong> Confiança <strong>de</strong> 95 %<br />

3 6 9 12 15 18 21<br />

Número <strong>de</strong> Empresas<br />

56


Figura 9: Margem EBITDA versus Número <strong>de</strong> Empresas. Gráfico <strong>de</strong> dispersão e ajuste<br />

por regressão linear simples.<br />

Margem EBITDA, do inglês Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and<br />

Amortization ou lucro antes do pagamento <strong>de</strong> juros, tributos, <strong>de</strong>preciação e amortização.<br />

Firmas com 5% menores EBITDAS e 5% maiores EBITDAS excluídas. O número <strong>de</strong><br />

firmas é aquele médio entre os mercados que a empresa participa, exceto para Gerdau,<br />

para qual sabemos número <strong>de</strong> empresas efetivas. FONTE: Reuters e sítios web <strong>de</strong><br />

associações nacionais <strong>de</strong> si<strong>de</strong>rurgia.<br />

Como prevê a teoria, a relação empírica entre o número <strong>de</strong> firmas e a margem é negativa<br />

(ver figura 2). Ou seja, quanto menor é o número <strong>de</strong> empresas, maior é o preço. Portanto,<br />

a proposição teórica <strong>de</strong> que a margem <strong>de</strong> Gerdau <strong>de</strong>veria ser mais alta no Brasil mesmo<br />

sem conluio tem mérito empírico. No entanto, ela nem chega perto <strong>de</strong> explicar a<br />

diferença <strong>de</strong> margem. Para mercados com 2,25 empresas efetivas a relação empírica<br />

prevê uma margem <strong>de</strong> quase 15%, ou seja, ainda muito menor do que a auferida por<br />

Gerdau no Brasil (27,67%). A margem <strong>de</strong> Gerdau está bem acima do intervalo <strong>de</strong><br />

confiança <strong>de</strong> 95% em torno da previsão do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> regressão linear. “Puxada” pelo<br />

Brasil, a margem consolidada do grupo Gerdau também fica significativamente acima da<br />

previsão do mo<strong>de</strong>lo regressão linear simples (e fora também do intervalo <strong>de</strong> confiança <strong>de</strong><br />

95%.).<br />

3.5.2 Preço<br />

Os preços domésticos do vergalhão no Brasil são simplesmente significativamente<br />

elevados quando comparados aos preços praticados em outros países. É impossível<br />

concebê-los como resultado <strong>de</strong> um processo competitivo normal.<br />

Dados <strong>de</strong> preços médios em 2008 disponíveis para o primeiro semestre <strong>de</strong> 2008<br />

confirmam essa percepção. Com eles, produz-se para o preço uma figura análoga àquela<br />

para margem. A figura 10 é o análogo empírico da previsão teórica contida na figura 1:<br />

em mercados cujo número <strong>de</strong> firmas é menor, o preço é maior.<br />

57


U$/Tonelada<br />

0 500 1000 1500 2000<br />

Preço versus Número <strong>de</strong> Empresas<br />

Dispersão e Ajuste <strong>de</strong> Regressão Linear com Intervalo <strong>de</strong> Confiança <strong>de</strong> 95 %<br />

Brasil<br />

França<br />

Países Baixos<br />

Alemanha<br />

Espanha<br />

Reino Unido<br />

Japão<br />

Estados Unidos<br />

Itália<br />

Turquia<br />

China<br />

2 6 10 14 18<br />

Número <strong>de</strong> Empresas<br />

Figura 10: Preço do Vergalhão versus Número <strong>de</strong> Empresas. Gráfico <strong>de</strong> dispersão e<br />

ajuste por regressão linear simples.<br />

Preço médio do vergalhão <strong>de</strong> aço, Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM)<br />

72142000/72131000 no primeiro semestre <strong>de</strong> 2008, medido em dólares norte-americanos<br />

por tonelada <strong>de</strong> vergalhão. O número <strong>de</strong> firmas é aquele médio entre os mercados que a<br />

empresa participa, exceto para Gerdau, para qual sabemos número <strong>de</strong> empresas efetivas.<br />

Fonte: Management, Engineering & Production Services (MEPS) International Ltd. 52<br />

Novamente confirmando a teoria, a relação empírica entre preço <strong>de</strong> número <strong>de</strong> firmas é<br />

negativa. Mais uma vez o Brasil é o “ponto fora da curva”. Todos os outros, sem exceção,<br />

estão <strong>de</strong>ntro do intervalo <strong>de</strong> confiança <strong>de</strong> 95% da previsão do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> regressão<br />

linear.<br />

O preço da tonelada no Brasil, perto <strong>de</strong> U$ 2.000 por tonelada, não só 136% maior do<br />

que a o preço médio entre os outros países na amostra. Ele é 33% maior do que o previsto<br />

pelo fato <strong>de</strong> haver somente 2,25 competidores efetivos no mercado <strong>de</strong> aços longos no<br />

Brasil. O fato <strong>de</strong> o Brasil estar fora da curva é forte evidência <strong>de</strong> que, na realida<strong>de</strong>, o<br />

preço no Brasil não foi produzido pelo mesmo regime <strong>de</strong> concorrência que nos outros<br />

países. Enquanto neles a previsão <strong>de</strong> Cournot funciona bastante bem, ela falha com o<br />

Brasil. Novamente, isso indica que o mercado brasileiro <strong>de</strong> vergalhão está sob<br />

conluio.<br />

52 A MEPS é uma importante empresa <strong>de</strong> consultoria especializada no setor <strong>de</strong> si<strong>de</strong>rurgia, mais<br />

especificamente aço. Entre outras coisas, ela publica os preços <strong>de</strong> vários produtos <strong>de</strong> aço em diversos<br />

países.<br />

58


Por essa razão, essa figura 10 subestima a diferença entre o preço efetivo no Brasil e<br />

aquele previsto pela estrutura <strong>de</strong> mercado do vergalhão no Brasil. A razão é simples.<br />

Toda evidência coletada <strong>de</strong>monstra que o mercado brasileiro continua sob<br />

cartelização. Portanto, os dados do Brasil não <strong>de</strong>vem ser utilizados para fazer a previsão<br />

do que seria o preço que prevaleceria se estivéssemos em concorrência monopolística <strong>de</strong><br />

Cournot. Excluindo o Brasil da regressão, temos:<br />

U$/Tonelada<br />

500 1000 1500 2000<br />

Preço versus Número <strong>de</strong> Empresas<br />

Dispersão e Ajuste <strong>de</strong> Regressão Linear com Intervalo <strong>de</strong> Confiança <strong>de</strong> 95 %<br />

França<br />

Brasil<br />

Países Baixos<br />

Alemanha<br />

Espanha<br />

Reino Unido<br />

Japão<br />

Estados Unidos<br />

Itália<br />

Turquia<br />

China<br />

2 6 10 14 18<br />

Número <strong>de</strong> Empresas<br />

Figura 11: Preço do Vergalhão versus Número <strong>de</strong> Empresas. Gráfico <strong>de</strong> dispersão e<br />

ajuste por regressão linear simples, excluindo o Brasil.<br />

Preço médio do vergalhão Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM)<br />

72142000/72131000 no primeiro semestre <strong>de</strong> 2008, medido em dólares norte-americanos<br />

por tonelada <strong>de</strong> vergalhão. O número <strong>de</strong> firmas é aquele médio entre os mercados que a<br />

empresa participa, exceto para o Brasil, cujo número <strong>de</strong> empresas efetivas nós sabemos.<br />

Regressão linear exclui o Brasil. Fonte: MEPS International Ltd.<br />

Agora, o preço no Brasil é 102% acima daquele previsto pela estrutura <strong>de</strong> mercado no<br />

Brasil. Enquanto a estrutura com 2,25 empresas efetivas prevê um preço <strong>de</strong> U$ 986 por<br />

tonelada no Brasil, o preço do vergalhão que prevaleceu até junho em 2008 foi <strong>de</strong><br />

U$1.993.<br />

Uma possível crítica à metodologia empírica é sua relação imperfeita com o mo<strong>de</strong>lo<br />

teórico <strong>de</strong>rivado acima. Enquanto nosso mo<strong>de</strong>lo é linear, a relação teórica em Cournot é<br />

59


<strong>de</strong>crescente e convexa. Portanto, <strong>de</strong>veríamos permitir uma relação teórica <strong>de</strong>crescente e<br />

convexa.<br />

Por essa razão, re-estimamos a relação empírica da forma mais conservadora, no sentido<br />

que esse novo mo<strong>de</strong>lo empírico favorece encontrar o resultado <strong>de</strong> que o preço no Brasil<br />

foi por um regime concorrencial <strong>de</strong> Cournot. Primeiro, supomos, contrariamente a toda<br />

evidência nesse parecer, que o preço do vergalhão no Brasil foi gerado competitivamente.<br />

Em seguida, estimamos uma relação quadrática entre preço e número <strong>de</strong> firmas. Portanto,<br />

o mo<strong>de</strong>lo agora permite que relação seja não só <strong>de</strong>crescente, mas também convexa. A<br />

figura 12 mostra os resultados.<br />

U$/Tonelada<br />

0 500 1000 1500 2000<br />

Preço versus Número <strong>de</strong> Empresas<br />

Dispersão e Ajuste <strong>de</strong> Regressão Quadrática com Intervalo <strong>de</strong> Confiança <strong>de</strong> 95 %<br />

Brasil<br />

França<br />

Países Baixos<br />

Alemanha<br />

Espanha<br />

Reino Unido<br />

Japão<br />

Estados Unidos<br />

Itália<br />

Turquia<br />

China<br />

2 6 10 14 18<br />

Número <strong>de</strong> Empresas<br />

Figura 12: Preço do Vergalhão versus Número <strong>de</strong> Empresas. Gráfico <strong>de</strong> dispersão e<br />

ajuste por regressão quadrática simples.<br />

Preço médio do vergalhão <strong>de</strong> aço Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM)<br />

72142000/72131000 no primeiro semestre <strong>de</strong> 2008, medido em dólares norte-americanos<br />

por tonelada <strong>de</strong> vergalhão. O número <strong>de</strong> firmas é aquele médio entre os mercados que a<br />

empresa participa, exceto para o Brasil, cujo número <strong>de</strong> empresas efetivas nós sabemos.<br />

Regressão linear exclui o Brasil. Fonte: MEPS International Ltd.<br />

A relação empírica entre o preço e o número <strong>de</strong> firmas é <strong>de</strong>crescente e quadrática é, como<br />

prevê a teoria. Novamente, rejeitamos fortemente a hipótese <strong>de</strong> que o preço do<br />

vergalhão no Brasil foi gerado em um regime concorrencial <strong>de</strong> Cournot. Como seria<br />

60


<strong>de</strong> se esperar, o preço previsto é R$1.167, um pouco maior do que o previsto pelo mo<strong>de</strong>lo<br />

linear. No entanto, o preço efetivo no Brasil ainda é 71% maior do que o externo.<br />

Para o período pré-2008, temos dados confiáveis <strong>de</strong> preço <strong>de</strong> vergalhão em um nível <strong>de</strong><br />

agregação maior do que o país. Como o mercado relevante é nacional em geral, é difícil<br />

<strong>de</strong>terminar o número <strong>de</strong> empresas no mercado. Portanto, não é possível replicar as figuras<br />

10 a 12 para os anos anteriores à 2008. No entanto, os movimentos <strong>de</strong> preços seguem<br />

sendo altamente informativos a respeito da dinâmica concorrencial em mercados<br />

distintos. A figura 13 mostra a evolução dos preços em diferentes regiões do mundo,<br />

incluindo o Brasil.<br />

U$/Tonelada<br />

500 1000 1500 2000 2500<br />

Evolução <strong>de</strong> Preços do Vergalhão em Diversas Regiões<br />

Jan/2004 - Jul-2008<br />

01 Jul 03 01 Jul 04 01 Jul 05 01 Jul 06 01 Jul 07 01 Jul 08<br />

Brasil China Leste<br />

União Européia Norte da Europa<br />

China Sul EUA-Importação<br />

Europa-Oeste<br />

Figura 13: Preço diário do vergalhão <strong>de</strong> aço Nomenclatura Comum do Mercosul NCM<br />

72142000/72131000 entre janeiro <strong>de</strong> 2004 e julho <strong>de</strong> 2008, medido em dólares norteamericanos<br />

por tonelada <strong>de</strong> vergalhão.<br />

Fonte: Metal Bulletin<br />

O preço do vergalhão <strong>de</strong> aço Nomenclatura Comum do Mercosul NCM<br />

72142000/72131000 é sistematicamente mais alto no Brasil que em todas as regiões<br />

incluídas no Metal Bulletin <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pelo menos 2005. Essa diferença é crescente a longo<br />

dos anos. Ou seja, os resultados nas figuras não são peculiares ao ano <strong>de</strong> 2008. Eles<br />

somente são mais fortes para esse ano, um padrão que como veremos abaixo nos ajuda<br />

i<strong>de</strong>ntificar o comportamento colusivo no período pós-con<strong>de</strong>nação.<br />

61


Para o ano 2008 duas regiões – Rússia-Ucrânia e Turquia - po<strong>de</strong>m ser incluídas na<br />

amostra. Por completu<strong>de</strong>, a figura 14 mostra o a evolução <strong>de</strong> preços no Brasil, Rússia-<br />

Ucrânia e Turquia em 2008.<br />

U$/Tonelada<br />

500 1000 1500 2000 2500<br />

Evolução <strong>de</strong> Preços do Vergalhão em Diversas Regiões<br />

Jan/2008 - Jul-2008<br />

01 Jan 08 01 Mar 08 01 May 08 01 Jul 08 01 Sep 08<br />

Brasil Rússia-Ucrânia<br />

Turquia<br />

Figura 14: Preço diário do vergalhão <strong>de</strong> aço Nomenclatura Comum do Mercosul NCM<br />

72142000/72131000 entre janeiro <strong>de</strong> 2008 e julho <strong>de</strong> 2008, medido em dólares norteamericanos<br />

por tonelada <strong>de</strong> vergalhão.<br />

Fonte: Metal Bulletin.<br />

Novamente o padrão não muda: o preço do vergalhão é significativamente mais alto no<br />

Brasil do que na Rússia, Ucrânia e Turquia.<br />

3.5.2.1 Movimentos <strong>de</strong> Custos e <strong>de</strong> Demanda Explicam a Diferença <strong>de</strong> Preço?<br />

Uma hipótese concebível é que a diferença <strong>de</strong> preços entre o mercado doméstico no<br />

Brasil e os preços que prevalecem em outros países reflita tão somente uma diferença <strong>de</strong><br />

custos <strong>de</strong> produção, e não uma diferença no regime <strong>de</strong> concorrência.<br />

Essa hipótese é inverossímil por duas razões. Primeiro, se fosse uma diferença <strong>de</strong> custos,<br />

então as margens da Gerdau não seriam tão mais altas no Brasil do que nos EUA.<br />

62


Os custos <strong>de</strong> produção <strong>de</strong>vem ser mais baixos no Brasil por duas razões. Primeiro, pela<br />

proximida<strong>de</strong> a uma matéria prima importante, o minério <strong>de</strong> ferro. Enquanto uma<br />

si<strong>de</strong>rúrgica chinesa paga U$80 <strong>de</strong> frete para importar minério <strong>de</strong> ferro brasileiro, as<br />

si<strong>de</strong>rúrgicas brasileiras não pagam esse frete. Segundo, como foi explicado acima, a<br />

alternativa ao minério <strong>de</strong> ferro, a sucata, também ten<strong>de</strong> a ser mais barata do que no EUA<br />

pela diferença <strong>de</strong> estrutura <strong>de</strong> mercada da oferta <strong>de</strong> sucata entre os dois países.<br />

A <strong>de</strong>speito <strong>de</strong>ssas duas razões, talvez os preços em geral aumentaram excepcionalmente<br />

no Brasil durante o período. A figura 15 mostra a evolução do preço do vergalhão vis-à-<br />

vis vários índices <strong>de</strong> preço, inclusive o Índice Nacional da Construção Civil (INCC), uma<br />

índice <strong>de</strong> preços específicos da construção civil.<br />

Figura 15: Variação do Preço Médio do Vergalhão <strong>de</strong> Aço (16mm) no Brasil<br />

Fonte: IBRE/FGV<br />

A figura 15 contém vários fatos interessantes. Até o fim <strong>de</strong> 1998, os índices <strong>de</strong> preços<br />

todos caminham um pouco mais rápido que o preço do vergalhão. A partir <strong>de</strong> 1999, o<br />

preço do vergalhão começa a se recuperar e subir mais rápido que os outros índices,<br />

inclusive o INCC. Coinci<strong>de</strong>ntemente, a con<strong>de</strong>nação do cartel se refere a um período que<br />

começa em 1999. A partir <strong>de</strong> meados <strong>de</strong> 2001, o preço do vergalhão começa a se <strong>de</strong>scolar<br />

fortemente dos outros índices <strong>de</strong> preço. Esse aumento po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scrito <strong>de</strong> várias formas,<br />

porém a mais ilustrativa é a seguinte: enquanto <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1999 a fevereiro <strong>de</strong> 2008, o<br />

preço do vergalhão subiu 315%, o INCC subiu 116% no mesmo período. Portanto, razões<br />

63


<strong>de</strong> custos, sejam elas externas ou domésticas não racionalizam os aumentos no preço do<br />

vergalhão no Brasil.<br />

Notável também é o fato do <strong>de</strong>scolamento do preço do vergalhão se tornar mais forte a<br />

partir <strong>de</strong> 2004, a <strong>de</strong>speito da con<strong>de</strong>nação no CADE em 2005. Como veremos na<br />

próxima subseção, essa última elevação <strong>de</strong> preços confirma nossa hipótese <strong>de</strong> que o cartel<br />

ficou mais sustentável a partir <strong>de</strong> 2004, quando o minério <strong>de</strong> ferro começou a encarecer<br />

fortemente no mercado internacional. É também inevitável a triste constatação <strong>de</strong> que<br />

a con<strong>de</strong>nação teve pouco ou nenhum efeito dissuasivo.<br />

A figura 16 abaixo mostra a evolução dos preços <strong>de</strong> vergalhão que vigoraram no mercado<br />

interno vis-à-vis aos preços <strong>de</strong> exportação. Ela mostra que o padrão <strong>de</strong> aumento<br />

exagerado do preço do vergalhão no Brasil não ocorreu somente em relação a outros<br />

preços domésticos, mas também em relação ao preço que as próprias si<strong>de</strong>rúrgicas<br />

brasileiras conseguem exportar vergalhão. Isso sugere fortemente uma anomalia<br />

competitiva no mercado doméstico <strong>de</strong> vergalhão.<br />

Figura 16: Preço Doméstico do Vergalhão e Preço <strong>de</strong> Exportação<br />

Fontes: Preço Médio Exportação: SECEX. Preço Médio Mercado Interno: IBRE/FGV.<br />

Preços <strong>de</strong> 2008 são referentes aos meses <strong>de</strong> janeiro e fevereiro <strong>de</strong> 2008.<br />

Esse <strong>de</strong>scolamento dos preços domésticos e <strong>de</strong> exportação do vergalhão po<strong>de</strong>ria ter<br />

ocorrido por razões <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda. No entanto, há ampla evidência <strong>de</strong> que o <strong>de</strong>scolamento<br />

<strong>de</strong> preços não é <strong>de</strong>vido a um aumento espetacular da <strong>de</strong>manda interna vis-à-vis a<br />

<strong>de</strong>manda mundial por vergalhão, durante o período. A <strong>de</strong>manda por vergalhão é<br />

64


asicamente <strong>de</strong>rivada da <strong>de</strong>manda por construção civil. Portanto, se fosse um movimento<br />

diferenciado <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda, não só o preço do vergalhão <strong>de</strong>veria ter se <strong>de</strong>scolado em<br />

relação, digamos, ao IGP-M, mas o INCC também <strong>de</strong>veria ter subido acima do IGP-M.<br />

Como mostra a figura 15, isso claramente não ocorreu.<br />

Por fim, a tabela 1 acima mostra o crescimento do PIB e a evolução da participação da<br />

construção civil no produto. Ela mostra que o Brasil não cresceu espetacularmente<br />

durante o período e a participação da construção civil no produto ficou praticamente<br />

constante. Isso, em adição à evidência nas figuras 15 e 16, afasta explicações pelo lado da<br />

<strong>de</strong>manda.<br />

3.5.3 Aumento do Preço do Minério <strong>de</strong> Ferro e Sustentação do Cartel<br />

Nesta seção associamos a dinâmica do prêmio doméstico (diferença entre os preços <strong>de</strong><br />

vergalhão no mercado interno e <strong>de</strong> exportação) expressos da figura 16 aos aumentos no<br />

custo <strong>de</strong> produção resultantes dos aumentos no preço <strong>de</strong> minério <strong>de</strong> ferro. Com isso, não<br />

só mostramos que o cartel se manteve no período pós-con<strong>de</strong>nação, como explicamos o<br />

aumento pronunciado no prêmio doméstico (diferença do preço doméstico e o <strong>de</strong><br />

exportação). Primeiramente mostramos que houve um pronunciado aumento no preço do<br />

minério <strong>de</strong> ferro, um importante insumo na produção <strong>de</strong> aço. Depois mostramos que a<br />

dinâmica do prêmio doméstico não po<strong>de</strong> ser racionalizada se há concorrência à la<br />

Cournot no mercado doméstico. Finalmente, mostramos que essa diferença é, sim,<br />

explicada se há conduta colusiva no mercado brasileiro <strong>de</strong> vergalhão.<br />

3.5.3.1 Aumentos nos Custos <strong>de</strong> Produção<br />

O principal vetor <strong>de</strong> aumento <strong>de</strong> custos <strong>de</strong> produção foi o <strong>de</strong>slocamento da <strong>de</strong>manda<br />

mundial por minério <strong>de</strong> ferro provocado pela China e, em menor grau, da Índia. A figura<br />

16 mostra a evolução dos preços <strong>de</strong> exportação do Carajás Sinter Feed (CFCJ) da VALE<br />

para a Europa <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1999. Vê-se na figura um aumento significativo do preço do minério<br />

<strong>de</strong> ferro a partir <strong>de</strong> 2004, aumento esse que ainda não arrefeceu.<br />

65


Minério <strong>de</strong> Ferro (Carajás Sinter Feed),<br />

em U$ cents/fe<br />

160<br />

140<br />

120<br />

100<br />

80<br />

60<br />

40<br />

20<br />

0<br />

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008<br />

Ano<br />

Figura 17: Preço do Minério <strong>de</strong> Ferro (Carajás Sinter Feed), em U$ cents/fe<br />

Fonte: VALE.<br />

3.5.3.2 O Aumento Diferenciado Po<strong>de</strong> Ocorrer se o Regime Doméstico <strong>de</strong> Concorrência<br />

é Cournot?<br />

A resposta do preço a aumento nos custos marginais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do número <strong>de</strong> empresas se<br />

o regime <strong>de</strong> concorrência é o <strong>de</strong> Cournot. Mais especificamente, temos:<br />

p<br />

Cournot<br />

∂p<br />

∂c<br />

2<br />

Cournot<br />

Cournot<br />

∂ p<br />

∂c∂N<br />

a N<br />

= + c<br />

N + 1 N + 1<br />

N<br />

= > 0<br />

N + 1<br />

=<br />

1<br />

( N + 1)<br />

2<br />

> 0<br />

Portanto, em concorrência à la Cournot, a sensibilida<strong>de</strong> do preço à mudança no custo<br />

marginal c é maior em mercados com mais firmas do que com menos firmas.<br />

Consi<strong>de</strong>re então o mercado brasileiro <strong>de</strong> vergalhão em comparação com os mercados<br />

externos. Como vemos na figura 10, o Brasil é, juntamente com a França e os Países<br />

Baixos, um dos mercados <strong>de</strong> aços longos mais concentrados. Portanto, frente ao aumento<br />

no custo do minério <strong>de</strong> ferro, o preço doméstico no Brasil <strong>de</strong>veria ter aumentado menos<br />

do que na maioria dos outros países. O que ocorre <strong>de</strong> fato?<br />

66


A primeira evidência está na figura 13. De modo geral, o preço do vergalhão no Brasil<br />

aumentou mais do que em outros lugares, contradizendo o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Cournot.<br />

Infelizmente, os preços europeus não estão por países antes <strong>de</strong> 2008, mas sim por macro<br />

regiões. Não sabemos ao certo quantas empresas <strong>de</strong> aço longo há para Europa-Oeste,<br />

Europa-Norte e União Européia, até porque não é claro que esse é o nível geográfico<br />

a<strong>de</strong>quado para <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> mercado relevante. Por isso, a comparação mais informativa<br />

é com a China e os EUA. Comparando com o preço norte-americano e com o Chinês,<br />

dois mercados cujo número <strong>de</strong> firmas é certamente maior do que o Brasil, fica claro que<br />

esse diferencial <strong>de</strong> aumento relativo <strong>de</strong> preços no Brasil é ainda mais pronunciado.<br />

A evidência na figura 16 confirma esse padrão. O preço que as si<strong>de</strong>rúrgicas brasileiras<br />

conseguem exportar é <strong>de</strong>terminado pelo regime <strong>de</strong> concorrência nos mercados<br />

internacionais. O número médio <strong>de</strong> empresas nos mercados internacionais é muito maior<br />

do que no Brasil, <strong>de</strong>ve-se esperar que o preço no mercado internacional seja resultado <strong>de</strong><br />

um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Cournot com muito mais empresas que no Brasil. Para uma conta rápida,<br />

consi<strong>de</strong>re os oito maiores produtores <strong>de</strong> aço do mundo em 2007: China (489 milhões <strong>de</strong><br />

toneladas (mmt)), Japão (120 mmt), EUA (98 mmt), Rússia (72,4 mmt), Índia (53 mmt),<br />

Coréia do Sul (51,5 mmt), Alemanha (48,6 mmt) e Ucrânia (42,8 mmt). O Brasil<br />

produziu 34 mmt em 2007. 53 Para esses países, temos informação <strong>de</strong> número <strong>de</strong><br />

si<strong>de</strong>rúrgicas <strong>de</strong> aços longos para China (17), Japão (8), EUA (8), Rússia (5) e Alemanha<br />

(4), todos com mais si<strong>de</strong>rúrgicas <strong>de</strong> aços longos do que o Brasil. Pon<strong>de</strong>rado pela<br />

produção, o número médio <strong>de</strong> si<strong>de</strong>rúrgicas nos países <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> produção para os quais<br />

temos informação <strong>de</strong> número <strong>de</strong> empresas é 12,81. No Brasil há 3 si<strong>de</strong>rúrgicas <strong>de</strong> aços<br />

longos, sendo que apenas 2,25 si<strong>de</strong>rúrgicas efetivas.<br />

Portanto, se a concorrência no mercado brasileiro seguisse o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Cournot a<br />

resposta do preço doméstico <strong>de</strong>veria ser significativamente menor do que a resposta<br />

do preço <strong>de</strong> exportação. Inspeção visual da figura 16 mostra exatamente o contrário.<br />

Mais precisamente, consi<strong>de</strong>remos 2004 como o começo do período <strong>de</strong> subida do preço do<br />

minério <strong>de</strong> ferro (ver figura 17). Entre 2004 e 2008, o preço doméstico no Brasil subiu <strong>de</strong><br />

U$909, ou seja, quase 106%. O preço <strong>de</strong> exportação também subiu, mas muito menos, <strong>de</strong><br />

U$346 para U$575, ou apenas 66%. 54 Em resumo, o preço doméstico sobe, em termos<br />

absolutos e relativos, muito mais do que o preço <strong>de</strong> exportação. Novamente, isso é<br />

incompatível com a hipótese <strong>de</strong> que no mercado doméstico o preço é <strong>de</strong>terminado<br />

em um regime <strong>de</strong> concorrência à la Cournot.<br />

53 A fonte <strong>de</strong>ssa informação é o Reuters.<br />

54 Os preços <strong>de</strong> exportação e doméstico para o ano <strong>de</strong> 2008 são referentes aos meses <strong>de</strong> janeiro e fevereiro.<br />

67


3.5.3.3 I<strong>de</strong>ntificação do Cartel da Produção <strong>de</strong> Aços-Longos<br />

Como po<strong>de</strong> ser visto na figura 16, observamos, ao longo do tempo, os dados dos preços<br />

<strong>de</strong> aço longo que prevalecem internamente e os preços <strong>de</strong> exportação. Adicionalmente,<br />

como discutido na Seção acima, ao longo do período <strong>de</strong> análise, houve substanciais<br />

aumentos no preço do minério <strong>de</strong> ferro, insumo fundamental para a produção <strong>de</strong> aços<br />

longos. Portanto, observamos ao longo do tempo choques que aumentaram o custo <strong>de</strong><br />

produção das empresas.<br />

A evidência contida nos dados é <strong>de</strong> que a diferença (positiva) entre preços internos e<br />

preços <strong>de</strong> exportação tem aumentado ao longo do tempo. Como houve aumentos<br />

substanciais dos custos <strong>de</strong> produção no período em questão, conclui-se que a resposta dos<br />

preços internos a um aumento <strong>de</strong> custos <strong>de</strong> produção foi maior internamente do que para<br />

as quantida<strong>de</strong>s exportadas (para as quais há competição). Portanto, supondo-se que todos<br />

os outros fatores relevantes sejam os mesmos, trata-se da primeira evidência <strong>de</strong> que as<br />

empresas formam um cartel no mercado interno e que esse cartel se manteve ao longo <strong>de</strong><br />

todo o período <strong>de</strong> análise.<br />

No entanto, os fatores relevantes não são os mesmos entre os mercados. De fato, há<br />

muito mais competidores no mercado externo que no mercado interno. Como discutido<br />

<strong>de</strong>talhadamente na Seção 1.3.2, se houvesse competição no mercado interno, isto<br />

implicaria que os preços <strong>de</strong> exportação respon<strong>de</strong>riam mais fortemente a um aumento <strong>de</strong><br />

custos que os preços internos. Como, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> haver menos competidores, os preços<br />

internos respon<strong>de</strong>m mais fortemente, temos a segunda evidência <strong>de</strong> que as empresas<br />

estão em conluio no mercado interno.<br />

4. Cálculo do Sobrepreço<br />

O CADE con<strong>de</strong>nou o cartel pelo período entre 1999-2005. Nesse parecer <strong>de</strong>monstramos<br />

a continuação da conduta colusiva após a con<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> 2005. Nessa seção computamos<br />

o sobrepreço advindo da conduta colusiva.<br />

68


4.1 Introdução<br />

Ao contrário da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> cartel, não há uma <strong>de</strong>finição legal <strong>de</strong> sobrepreço no Brasil.<br />

Isso mostra o ineditismo do caso presente. Na falta <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>finição formal, usaremos a<br />

<strong>de</strong>finição normalmente utilizada na prática antitruste norte-americana 55 .<br />

Definição: O sobrepreço é a diferença entre o preço pago pelo<br />

consumidor durante o período <strong>de</strong> cartelização e aquele que prevaleceria<br />

na ausência do cartel.<br />

A <strong>de</strong>finição é simples e intuitiva. Sem embargo, a simplicida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>finição escon<strong>de</strong> a<br />

complicação em calcular o sobrepreço. A dificulda<strong>de</strong> é: qual preço prevaleceria na<br />

ausência do cartel? Ou seja, qual é o preço <strong>de</strong> comparação (benchmark price, no jargão<br />

antitruste norte-americano)? Por <strong>de</strong>finição, esse exercício é contrafactual, ou seja, uma<br />

conjectura sobre o que teria sido caso o cartel não houvesse existido.<br />

Para ilustrar a dificulda<strong>de</strong>, suponha que soubéssemos os custos reais <strong>de</strong> produção dos<br />

participantes do cartel e a função <strong>de</strong>manda pelo produto. Nesse caso po<strong>de</strong>ríamos calcular<br />

o preço mínimo que os produtores po<strong>de</strong>riam cobrar e ainda sim obter um retorno<br />

condizente ao seu capital investido 56 . A esse preço mínimo dá-se o nome <strong>de</strong> preço <strong>de</strong><br />

concorrência perfeita. Seria o preço perfeitamente concorrencial um bom preço <strong>de</strong><br />

comparação? Não necessariamente porque é perfeitamente possível que, na ausência do<br />

cartel, um oligopólio prevaleceria. Nesse caso, o preço que prevaleceria na ausência <strong>de</strong><br />

cartel seria maior do que o preço <strong>de</strong> concorrência perfeita. Portanto, o preço <strong>de</strong><br />

comparação na ausência <strong>de</strong> cartel <strong>de</strong>veria ser aquele que prevaleceria sob o mo<strong>de</strong>lo<br />

concorrência na ausência <strong>de</strong> cartel. Se esse mo<strong>de</strong>lo é concorrência perfeita, então o<br />

preço <strong>de</strong> comparação é o <strong>de</strong> concorrência perfeita. Se esse mo<strong>de</strong>lo é, por exemplo, um<br />

oligopólio com três firmas, então o preço <strong>de</strong> comparação é aquele previsto por esse<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> oligopólio.<br />

55 Ver Connor, J. “Global Cartels Redux: The Amino Acid Lysine Antitrust Litigation (1996),” in The<br />

Antitrust Revolution, 4 a Edição, Editores J. Kwoka e L. White, Oxford, Reino Unido: Oxford University<br />

Press, 2004.<br />

56 Esse retorno po<strong>de</strong>ria ser, por exemplo, aquele que seria obtido caso o capital fosse aplicado em um<br />

instrumento <strong>de</strong> rendo fixa como um Certificado <strong>de</strong> Depósito Bancário (CDB).<br />

69


A <strong>de</strong>speito da dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> cálculo do sobrepreço, a teoria econômica e a prática<br />

antitruste norte-americana sugerem cinco métodos alternativos <strong>de</strong> cômputo do<br />

sobrepreço 57 . O método Comparativo (yardstick approach) envolve, primeiramente, a<br />

i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> um mercado similar ao cartelizado, cujos preços não tenham sido<br />

afetados pelo cartel. O sobrepreço computado será a diferença entre o preço cobrado no<br />

mercado cartelizado e o preço que prevalece no mercado similar. O método Comparativo<br />

é especialmente útil em situações nas quais o cartel se estabelece em uma <strong>de</strong>terminada<br />

região geográfica, uma vez que mercados para o mesmo bem <strong>de</strong> outras regiões po<strong>de</strong>m ser<br />

utilizados como mercados similares.<br />

O método do Antes-e-Depois utiliza um período <strong>de</strong> tempo nos qual o mercado não está<br />

cartelizado como referência para o cômputo do sobrepreço. O sobrepreço será a diferença<br />

entre os preços observados no período em que o cartel não esteve ativo e os preços que<br />

prevaleceram sob cartelização. Obviamente, a suposição é <strong>de</strong> que outras características<br />

do mercado que não as associadas à cartelização se mantiveram constante ao longo do<br />

tempo.<br />

O método <strong>de</strong> Cournot computa o sobrepreço como sendo a diferença entre os preços que<br />

prevalecem no mercado cartelizado e os preços que prevaleceriam conforme previsto<br />

pelo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Cournot, no qual as firmas competem por quantida<strong>de</strong>s.<br />

O método Baseado em Custo utiliza o fato <strong>de</strong> que, sob competição perfeita, as firmas<br />

estabelecem preços que são iguais ao seu custo marginal <strong>de</strong> produção. O sobrepreço é,<br />

então, computado como a diferença entre os preços que prevalecem sobre cartel e uma<br />

estimativa <strong>de</strong> custo marginal. O custo é o custo econômico, que incorpora o pagamento<br />

<strong>de</strong> todos os fatores <strong>de</strong> produção, retorno ao capital, inclusive, não o custo contábil. Há<br />

duas críticas imediatas a este método. A primeira refere-se ao fato que as firmas em um<br />

mercado não perfeitamente competitivo po<strong>de</strong>m adotar preços maiores que o custo<br />

marginal e não estarem em conluio. De fato, isto ocorre, por exemplo, no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

Cournot.<br />

O último método é o econométrico, no qual (i) os parâmetros comportamentais do<br />

mercado em questão (e.g., <strong>de</strong>manda e custos) são estimados e (ii) utilizando-se tais<br />

parâmetros e um mo<strong>de</strong>lo econômico, estima-se o preço que <strong>de</strong>veria prevalecer sob<br />

57 Ver Connor (2004) sup cit.<br />

70


competição. O sobrepreço será a diferença entre o preço observado e o preço que<br />

prevaleceria <strong>de</strong> acordo com as estimativas econométricas feitas.<br />

Nas próximas subseções implementamos quatro métodos <strong>de</strong> cálculo do sobrepreço para o<br />

caso do cartel dos vergalhões no Brasil. O primeiro é uma versão do método Ante-e-<br />

Depois. O segundo é inspirado no método Comparativo. Os terceiro e o quarto misturam<br />

o método Comparativo com o método <strong>de</strong> Cournot. Não utilizamos o método<br />

econométrico porque somos céticos quanto à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estimar <strong>de</strong> modo<br />

cientificamente confiável um mo<strong>de</strong>lo econométrico estrutural que recupere <strong>de</strong> forma<br />

confiável os parâmetros comportamentais com os dados disponíveis. Não implementamos<br />

o método Baseado em Custo porque, como explicamos acima, a diferença entre preço<br />

praticado e custo marginal nos dá o sobrepreço máximo e, portanto, provavelmente<br />

superestima o sobrepreço.<br />

4.2 Método 1<br />

Nosso primeiro método é inspirado no método Antes-e-Depois. Como temos uma<br />

con<strong>de</strong>nação no CADE pelo período 1999-2005, usamos o preço do vergalhão em janeiro<br />

<strong>de</strong> 1999 como benchmark para o preço que prevaleceria na ausência <strong>de</strong> cartel. O<br />

sobrepreço é a diferença entre o preço efetivo do vergalhão e o preço do vergalhão em<br />

janeiro <strong>de</strong> 1999 corrigido pelo Índice Nacional da Construção Civil (INCC). A correção<br />

pelo INCC capturará os fatores <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda que afetaram o setor durante o período.<br />

A figura 18 mostra o preço do vergalhão prevalecente durante o período 1999-2008, o<br />

preço do vergalhão <strong>de</strong> 1999 corrigido pelo INCC, e o sobrepreço, que é a diferença entre<br />

esses dois preços.<br />

71


Efetivo e Corrigido, R$/Ton<br />

3500<br />

3000<br />

2500<br />

2000<br />

1500<br />

1000<br />

500<br />

0<br />

J/99<br />

J/99<br />

N/99<br />

A/00<br />

S/00<br />

F/01<br />

Figura : Sobrepreço, Método 1<br />

J/01<br />

D/01<br />

M/02<br />

O/02<br />

M/03<br />

A/03<br />

J/04<br />

J/04<br />

N/04<br />

A/05<br />

S/05<br />

F/06<br />

J/06<br />

D/06<br />

M/07<br />

O/07<br />

Preço Efetivo (R$/Ton) Preço Corrigido, INCC Sobrepreço<br />

Figura 18: Cálculo do Sobrepreço do Vergalhão Usando o Método 1<br />

Tabela 5: Sobrepreço pelo Método 1<br />

Ano 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008<br />

Sobrepreço<br />

(R$/Ton)<br />

85 210 267 500 950 1280 1669 1549 1516 1548<br />

O método 1 tem dois gran<strong>de</strong>s méritos. Primeiro, sua simplicida<strong>de</strong>. Segundo, ele usa um<br />

preço contrafactual que, segundo a con<strong>de</strong>nação do SBDC, po<strong>de</strong>ria ser um preço na<br />

ausência <strong>de</strong> cartel em 1999. Porém, ele tem dois problemas. Primeiro, o preço que<br />

prevaleceria na ausência <strong>de</strong> cartel em 2005 (por exemplo) po<strong>de</strong> ser diferente do preço<br />

competitivo <strong>de</strong> 1999 corrigido pelo INCC, por razões <strong>de</strong> custos. Variações no INCC<br />

capturarão as variações na <strong>de</strong>manda por construção civil. No entanto, aumentos <strong>de</strong> custos<br />

<strong>de</strong> produção que são específicos ao vergalhão possivelmente serão apenas<br />

imperfeitamente capturados pelo INCC.<br />

O INCC é um índice, ou seja, uma média pon<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> preços <strong>de</strong> insumos da construção<br />

civil. Portanto, o preço vergalhão é um <strong>de</strong> seus componentes. Como vimos, o preço do<br />

vergalhão variou fortemente para cima no período analisado. Por isso, boa parte da<br />

variação do INCC po<strong>de</strong> vir do preço do vergalhão.<br />

2000<br />

1800<br />

1600<br />

1400<br />

1200<br />

1000<br />

800<br />

600<br />

400<br />

200<br />

0<br />

Sobrepreço, R$/Ton<br />

72


Uma das razões pela qual o preço do vergalhão subiu muito no período está na figura 17:<br />

o preço do minério <strong>de</strong> ferro aumentou significativamente no período. Como o minério<br />

afeta os custos <strong>de</strong> produção do aço, mas não <strong>de</strong> outros insumos da construção civil, o<br />

INCC po<strong>de</strong> subestimar o verda<strong>de</strong>iro aumento <strong>de</strong> custos <strong>de</strong> produção do vergalhão.<br />

Em <strong>de</strong>fesa do método, fazemos uma constatação. Como mostra a figura 15, o preço do<br />

minério realmente subiu no mercado internacional a partir <strong>de</strong> 2005. No entanto, a<br />

diferença entre o INCC e o preço do vergalhão é significativa <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2001. Portanto o<br />

preço doméstico do vergalhão e o INCC começaram a <strong>de</strong>scolar bem antes da subida forte<br />

do preço do minério no mercado internacional.<br />

4.3 Método 2<br />

Dado à potencial imperfeição do método 1, calculamos o sobrepreço por três métodos<br />

alternativos<br />

O método 2, que é inspirado no método Comparativo, se aproveita <strong>de</strong> uma feliz<br />

coincidência <strong>de</strong>sse mercado: as si<strong>de</strong>rúrgicas brasileiras exportam o vergalhão para outros<br />

países. Fazemos duas suposições: i) o preço <strong>de</strong> exportação é <strong>de</strong>terminado pelo regime <strong>de</strong><br />

concorrência no exterior; ii) na ausência do cartel, o regime <strong>de</strong> concorrência no Brasil<br />

seria o mesmo do exterior. Nesse cenário, o preço <strong>de</strong> exportação po<strong>de</strong> ser utilizado como<br />

yardstick no cálculo do sobrepreço. Esse método tem a vantagem adicional <strong>de</strong> que,<br />

mesmo se o preço <strong>de</strong> exportação não for consi<strong>de</strong>rado um bom yardstick para o cálculo do<br />

sobrepreço, ele é bastante mais sensível às alterações no preço do minério <strong>de</strong> ferro do que<br />

o INCC. Portanto, ele serve no mínimo ao propósito <strong>de</strong> avaliar o quanto o método 1 é<br />

vulnerável à critica <strong>de</strong> que os custos <strong>de</strong> produção do vergalhão aumentaram mais do que<br />

o INCC. Os preços internacionais são cotados em dólar. Portanto, precisamos computar o<br />

sobrepreço em dólar para <strong>de</strong>pois convertê-lo a reais. A figura 18, que é a contraparte em<br />

reais da figura 16 contém a evolução do sobrepreço calculado pelo método 2. A tabela 6<br />

mostra o sobrepreço (em reais por tonelada) por ano.<br />

73


Doméstico e Exportação, R$/Ton<br />

3500<br />

3000<br />

2500<br />

2000<br />

1500<br />

1000<br />

500<br />

0<br />

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008<br />

Preço Exportação Preço Doméstico Sobrepreço<br />

Figura 19: Cálculo do Sobrepreço do Vergalhão Usando o Método 2<br />

Tabela 6: Sobrepreço pelo Método 2<br />

Ano 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008<br />

Sobrepreço<br />

(R$/Ton)<br />

2500<br />

2000<br />

1500<br />

1000<br />

484 883 576 995 1418 1649 2270 2167 2199 1942<br />

Em comparação com o método 1, o método 2 apura sobrepreços maiores. Há duas razões<br />

para isso. Primeiro, o método 1 supõe que 1999 começa com preço concorrencial. Com<br />

isso, por construção o sobrepreço nos primeiros anos (em particular em 1999) é<br />

significativamente mais baixo que no método 2, que supõe que o preço <strong>de</strong> exportação em<br />

1999 (mais baixo que o doméstico) era o que prevaleceria na ausência do cartel. A<br />

segunda razão é mecânica. Como vimos, o INCC é um índice cujo um dos componentes é<br />

o preço vergalhão. Por isso, boa parte da variação do INCC po<strong>de</strong> vir do preço do<br />

vergalhão e, <strong>de</strong>ssa forma, o método 1 subestimaria o sobrepreço. 58<br />

Dito isso, a diferença do sobrepreço entre os dois métodos é pequena. Ou seja, o cálculo<br />

do sobrepreço pelo método 1 é robusto à crítica <strong>de</strong> que o minério <strong>de</strong> ferro po<strong>de</strong> ter subido<br />

mais do que o INCC.<br />

58 Lembrado o argumento feito acima. No limite, se apenas o preço do vergalhão houvesse aumentado no<br />

período, o sobrepreço seria por construção igual a 0.<br />

500<br />

0<br />

Sobrepreço, R$/Ton<br />

74


A diferença entre o preço doméstico e o externo é bastante sugestiva da presença do<br />

cartel e informativa a respeito do sobrepreço. No entanto, é sempre possível argumentar<br />

que o preço que prevaleceria em Cournot é diferente o preço <strong>de</strong> exportação. Como o<br />

relevante para o cálculo do sobrepreço é aquele que prevaleceria em concorrência<br />

oligopolística, o método 2 po<strong>de</strong> superestimar ou subestimar o sobrepreço. Por essa razão,<br />

implementamos dois métodos adicionais - 3 e 4 - que são inspirados no método <strong>de</strong><br />

Cournot.<br />

4.4 Método 3<br />

Consi<strong>de</strong>re a evidência apresentada na figura 10. Utilizando dados <strong>de</strong> outros mercados<br />

para o ano <strong>de</strong> 2008, a figura 10 apresenta o cálculo da relação empírica entre número <strong>de</strong><br />

firma, impondo linearida<strong>de</strong> da relação.<br />

Para 2008, vemos que, se há 2,25 empresas, como é o caso do mercado brasileiro <strong>de</strong><br />

vergalhões, o preço previsto pelo mo<strong>de</strong>lo linear é U$986. Como o preço praticado pelo<br />

cartel foi em média U$1.993 em 2008, o sobrepreço é U$1.007, ou aproximadamente<br />

50% do preço praticado. A figura 20, que é uma reprodução da figura 10, ilustra<br />

graficamente esse ponto:<br />

U$/Tonelada<br />

0 500 1000 1500 2000<br />

Preço versus Número <strong>de</strong> Empresas<br />

Dispersão e Ajuste <strong>de</strong> Regressão Linear com Intervalo <strong>de</strong> Confiança <strong>de</strong> 95 %<br />

Brasil<br />

França<br />

Países Baixos<br />

Alemanha<br />

Espanha<br />

Sobrepreço = 50%<br />

do preço praticado<br />

Reino Unido<br />

Japão<br />

Estados Unidos<br />

Itália<br />

Turquia<br />

China<br />

2 6 10 14 18<br />

Número <strong>de</strong> Empresas<br />

Figura 20: Preço do Vergalhão versus Número <strong>de</strong> Empresas. Gráfico <strong>de</strong> dispersão,<br />

ajuste por regressão linear simples e sobrepreço.<br />

Preço médio do vergalhão NCM 72142000/72131000 no primeiro semestre <strong>de</strong> 2008,<br />

medido em dólares norte-americanos por tonelada <strong>de</strong> vergalhão. O número <strong>de</strong> firmas é<br />

75


aquele médio entre os mercados que a empresa participa, exceto para Gerdau, para qual<br />

sabemos número <strong>de</strong> empresas efetivas. Fonte: MEPS International Ltd.<br />

A falta <strong>de</strong> dados nos força a projetar o sobrepreço para os anos anteriores a 2008. Essa<br />

projeção é feita da seguinte forma. Os dados <strong>de</strong> 2008 indicam que a meta<strong>de</strong> do preço<br />

cobrado no Brasil po<strong>de</strong> ser atribuída a sobrepreço porque o preço no Brasil em 2008 é o<br />

dobro daquele previsto pela relação linear entre preço e número <strong>de</strong> firmas.<br />

A partir <strong>de</strong>sse fato, adotamos uma postura conservadora e calculamos o preço <strong>de</strong> Cournot<br />

que prevaleceria no mercado da seguinte forma. Se o preço doméstico é maior do que o<br />

dobro do preço <strong>de</strong> exportação, consi<strong>de</strong>ramos a meta<strong>de</strong> do preço doméstico como preço <strong>de</strong><br />

Cournot. Caso contrário, o preço <strong>de</strong> exportação é o preço <strong>de</strong> Cournot (e nesse caso o<br />

sobrepreço é igual ao obtido utilizando o método 2). É importante notar que esse método<br />

é mais conservador do que o método 2 porque sempre escolhe o preço <strong>de</strong> Cournot como o<br />

maior entre duas possibilida<strong>de</strong>s e, portanto, o sobrepreço é o menor entre duas<br />

possibilida<strong>de</strong>s.<br />

É importante notar que a falta <strong>de</strong> informação para os anos anteriores a 2008 não é<br />

completa. Apesar <strong>de</strong> não conseguirmos reproduzir as figuras 10 e 20 para os anos<br />

anteriores a 2008, a figura 13 (reproduzida abaixo como figura 21) mostra que o preço do<br />

vergalhão no Brasil esteve consistentemente mais alto em relação aos preços<br />

internacionais a partir <strong>de</strong> 2003 59 .<br />

59 Não conseguimos reproduzir a figura 20 para os anos anteriores usando os dados da figura 21 porque na<br />

última os dados <strong>de</strong> preço internacionais estão excessivamente agregados, ou seja, não estão no nível do país<br />

(por exemplo, França), mas no nível <strong>de</strong> macro-regiões (por exemplo, Europa-Oeste).<br />

76


U$/Tonelada<br />

500 1000 1500 2000 2500<br />

Evolução <strong>de</strong> Preços do Vergalhão em Diversas Regiões<br />

Jan/2004 - Jul-2008<br />

01 Jul 03 01 Jul 04 01 Jul 05 01 Jul 06 01 Jul 07 01 Jul 08<br />

Brasil China Leste<br />

União Européia Norte da Europa<br />

China Sul EUA-Importação<br />

Europa-Oeste<br />

Figura 21: Preço diário do vergalhão NCM 72142000/72131000 entre janeiro <strong>de</strong> 2004 e<br />

julho <strong>de</strong> 2008, medido em dólares norte-americanos por tonelada <strong>de</strong> vergalhão.<br />

Fonte: Metal Bulletin<br />

Isso sugere fortemente que, caso pudéssemos reproduzir as figuras 10 e 20 para os anos<br />

anteriores a 2008, obteríamos um padrão muito similar ao das figuras 10 e 20.<br />

A figura 22 contém a evolução do sobrepreço calculado pelo método 3. A tabela 7 mostra<br />

o sobrepreço (em reais por tonelada) por ano.<br />

77


Figura 22: Cálculo do Sobrepreço do Vergalhão Usando o Método 3<br />

Tabela 7: Sobrepreço pelo Método 3<br />

Ano 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008<br />

Sobrepreço<br />

(R$/Ton)<br />

460 712 408 795 1098 1649 1330 1593 1600 1638<br />

Como era esperado o sobrepreço pelo método 3 é menor do que aquele apurado pelo<br />

método 2. No entanto, os números são bastante parecidos, o que confirma a robustez dos<br />

métodos <strong>de</strong> cálculo.<br />

4.5 Método 4<br />

Nosso último método é o mais conservador. Ele é baseado na idéia por trás da construção<br />

da figura 12. Como o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Cournot prevê uma relação convexa entre preço e<br />

número <strong>de</strong> firmas no mercado, a figura 12 trás uma regressão quadrática simples <strong>de</strong> preço<br />

em número <strong>de</strong> firmas. Em congruência com a teoria, a relação <strong>de</strong> fato parece convexa.<br />

Segundo essa relação, para o ano <strong>de</strong> 2008, o preço que prevaleceria em uma estrutura <strong>de</strong><br />

Cournot com 2,25 firmas efetivas (como é o caso do Brasil) é U$1.167. Como o preço<br />

praticado pelo cartel foi em média U$1.993 em 2008, o sobrepreço é U$826, ou 41% do<br />

78


preço praticado. A figura 23 abaixo (que reproduz a figura 12) ilustra esse ponto<br />

graficamente.<br />

U$/Tonelada<br />

0 500 1000 1500 2000<br />

Preço versus Número <strong>de</strong> Empresas<br />

Dispersão e Ajuste <strong>de</strong> Regressão Quadrática com Intervalo <strong>de</strong> Confiança <strong>de</strong> 95 %<br />

Brasil<br />

França<br />

Países Baixos<br />

Alemanha<br />

Espanha<br />

Reino Unido<br />

Japão<br />

Estados Unidos<br />

Itália<br />

Turquia<br />

China<br />

2 6 10 14 18<br />

Número <strong>de</strong> Empresas<br />

Figura 23: Preço do Vergalhão versus Número <strong>de</strong> Empresas. Gráfico <strong>de</strong> dispersão e<br />

ajuste por regressão quadrática simples.<br />

Preço médio do vergalhão NCM 72142000/72131000 no primeiro semestre <strong>de</strong> 2008,<br />

medido em dólares norte-americanos por tonelada <strong>de</strong> vergalhão. O número <strong>de</strong> firmas é<br />

aquele médio entre os mercados que a empresa participa, exceto para o Brasil, cujo<br />

número <strong>de</strong> empresas efetivas nós sabemos. Regressão linear exclui o Brasil. Fonte:<br />

MEPS International Ltd.<br />

Assim como no método 3, não temos dados para estimar essa mesma relação para os anos<br />

anteriores. Portanto, usamos mesmo procedimento conservador para projetar o<br />

sobrepreço nos anos anteriores a 2008. Se a diferença entre o preço <strong>de</strong> exportação e o<br />

preço praticado domesticamente é menor do que 41% do preço doméstico, então o<br />

sobrepreço é a diferença entre o preço praticado domesticamente e o <strong>de</strong> exportação (e<br />

nesse caso o sobrepreço é igual ao método 2). Se essa diferença é maior do que 41%,<br />

então o sobrepreço é 41% do preço doméstico. A figura 21 contém a evolução do<br />

sobrepreço (em reais por tonelada) calculado pelo método 4. A tabela 8 mostra o<br />

sobrepreço por ano.<br />

Sobrepreço = 41%<br />

do preço praticado<br />

79


Figura 24: Cálculo do Sobrepreço do Vergalhão Usando o Método 4<br />

Tabela 8: Sobrepreço pelo Método 4<br />

Ano 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008<br />

Sobrepreço<br />

(R$/Ton)<br />

4.6 Conclusão<br />

382 591 399 660 911 1105 1323 1302 1328 1360<br />

A tarefa <strong>de</strong> calcular o sobrepreço cobrado pelo cartel evolve enorme dificulda<strong>de</strong>. Em<br />

última instância é preciso estimar qual teria sido o preço na ausência do cartel, um<br />

exercício contrafactual. Não obstante a dificulda<strong>de</strong> em encontrar esse preço contrafactual,<br />

apresentamos quatro métodos inspirados nos métodos comumente utilizados na prática<br />

antitruste norte-americana. Eles produzem sobrepreços bastante similares, a <strong>de</strong>speito do<br />

fato <strong>de</strong> que usam majoritariamente três fontes diferentes <strong>de</strong> informação: a variação do<br />

INCC, o preço <strong>de</strong> exportação do vergalhão e os preços prevalecentes em mercados<br />

internacionais. Essa similitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstra que o procedimento <strong>de</strong> cálculo do sobrepreço é<br />

bastante robusto ao método específico.<br />

80


5. Consi<strong>de</strong>rações sobre o Cálculo do Dano Causado pelo Cartel<br />

Tendo obtido medidas <strong>de</strong> sobrepreço alternativos, calculamos o dano causado ao setor <strong>de</strong><br />

construção civil pela cobrança <strong>de</strong> sobrepreço.<br />

Normalmente, o dano é calculado multiplicando o sobrepreço pela quantida<strong>de</strong> consumida<br />

pela parte prejudicada. Calculado <strong>de</strong>ssa forma, o dano representa tão somente um limite<br />

inferior para as reais perdas e, portanto, subestima as reais perdas. Dizemos que esse é<br />

um limite inferior porque ele é o efeito sobre o lucro da construção supondo que os<br />

construtores construiriam o mesmo número <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s se o preço cobrado pelo<br />

vergalhão fosse competitivo. Portanto, as perdas seriam ainda maiores caso pudéssemos<br />

calcular quantas unida<strong>de</strong>s seriam produzidas na ausência do cartel.<br />

Um exemplo ajuda a enten<strong>de</strong>r tanto o princípio do cálculo tradicional do sobrepreço<br />

como a afirmação <strong>de</strong> que ele muito provavelmente subestima o dano real para as<br />

construtoras. Suponha que o preço <strong>de</strong> cartel seja R$10, e que o preço <strong>de</strong> Cournot seja 5,<br />

<strong>de</strong> modo que o sobrepreço é R$5. Por simplicida<strong>de</strong>, supomos que o custo médio <strong>de</strong><br />

produção é custo vergalhão acrescido <strong>de</strong> um adicional <strong>de</strong> R$2 reais. Suponha que, dados<br />

esses custos, uma construtora maximize lucro ao construir 1.000 unida<strong>de</strong>s. O preço das<br />

unida<strong>de</strong>s, que a construtora não escolhe (toma como dado), é R$20. Portanto, com a<br />

produção <strong>de</strong> vergalhão cartelizada, o lucro da construtora é:<br />

Lucro sob Cartel no<br />

vergalhão<br />

644<br />

4 Receita 74448<br />

6444444<br />

Custo 74444444<br />

8 647<br />

Receita 48 647<br />

Custo48<br />

= Preço × Quantida<strong>de</strong> − Custo Médio sob Cartel × Quantida<strong>de</strong> = 20 × 1.000 −12<br />

× 1.<br />

000 =<br />

Qual é o dano à construtora causado pelo cartel <strong>de</strong> vergalhão? Se os produtores <strong>de</strong><br />

vergalhão concorressem à la Cournot, o custo médio total cairia para R$7. O ponto<br />

crucial é que, se a construtora produzia 1,000 unida<strong>de</strong>s quando o custo médio total era <strong>de</strong><br />

R$12, não há nenhuma razão para acreditar que ela não possa continuar a fazê-lo agora<br />

quando custo médio total caiu para R$7. Portanto, se ela for completamente passiva e<br />

continuar a produzir 1.000 unida<strong>de</strong>s, seu lucro passa a ser:<br />

Lucro sob Cournot no vergalhão (cenário passivo)<br />

644<br />

4 Receita 74448<br />

64444444<br />

Custo 744444448<br />

647<br />

Receita 48 647<br />

Custo 48<br />

= Preço × Quantida<strong>de</strong> − Custo Médio sob Cournot × Quantida<strong>de</strong> = 20 × 1.000 − 7 × 1.<br />

000 = 13.<br />

000<br />

O dano seria a diferença entre os dois lucros. Ou seja:<br />

8.<br />

000<br />

81


Dano (cenário passivo)<br />

= Lucrosob<br />

Cournot no Vergalhão(cenário<br />

passivo) -<br />

Lucrosob<br />

Cartel no Vergalhão=<br />

5.000<br />

Alternativamente esse dano po<strong>de</strong>ria ser calculado como o sobrepreço vezes a quantida<strong>de</strong><br />

produzida:<br />

( 10 - 5)<br />

× 1.000 5.000<br />

Dano (cenáriopassivo)<br />

= Sobrepreço×<br />

quantida<strong>de</strong> =<br />

=<br />

Note, no entanto, que nada impe<strong>de</strong> que a firma produza mais quando o preço do<br />

vergalhão é mais baixo (cenário ativo). Suponha a firma aumente sua produção para<br />

1.500, mas que ao fazê-lo os “outros” custos unitários aumentam <strong>de</strong> R$2 para R$3. O<br />

lucro nesse cenário ativo é:<br />

Lucro sob Cournot no vergalhão (cenário ativo)<br />

644<br />

4 Receita 74448<br />

64444444<br />

Custo 744444448<br />

647<br />

Receita 48 647<br />

Custo 48<br />

= Preço × Quantida<strong>de</strong> − Custo Médio sob Cournot × Quantida<strong>de</strong> = 20 × 1.500 − 8×<br />

1.<br />

500 = 18.<br />

000<br />

Nesse caso o dano é:<br />

Dano (cenário ativo)<br />

= Lucro sob Cournot no Vergalhão (cenário ativo) -<br />

Lucro sob Cartel no Vergalhão<br />

= 10.000<br />

Infelizmente, com os dados disponíveis, não é possível estimar <strong>de</strong> forma cientificamente<br />

robusta a quantida<strong>de</strong> que as construtoras produziriam ativamente na ausência do cartel.<br />

No entanto, é preciso ter em mente que o cálculo do dano pelo método direto subestima<br />

o real dano.<br />

O argumento <strong>de</strong> subestimação do dano pelo caráter passivo da multiplicação do<br />

sobrepreço pela quantida<strong>de</strong> consumida <strong>de</strong> vergalhão não <strong>de</strong>ve ser confundido com a<br />

questão da remuneração que a construtora conseguiria receber no capital que lhe foi<br />

subtraído pela atuação do cartel. Em outras palavras, a análise acima não diz a respeito ao<br />

que construtora faria com o capital que lhe foi subtraído, mas sim que esse capital seria<br />

maior. Outra maneira <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r a diferença é a seguinte. Com a mesma estrutura física<br />

e o mesmo maquinário (o que se chama capex no jargão <strong>de</strong> negócios), a construtora<br />

po<strong>de</strong>ria escolher produzir mais unida<strong>de</strong>s caso o preço do vergalhão fosse menor. Se o<br />

fizesse, como ilustramos acima, o dano seria ainda maior do que a aquele calculado<br />

usando a quantida<strong>de</strong> efetivamente vendida multiplicada pelo sobrepreço. Outro tema se<br />

refere ao <strong>de</strong>stino do recurso que seria economizado, ou seja, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comprar<br />

82


mais maquinários, contratar mais gente ou abrir operações em outros lugares (outros<br />

escritórios).<br />

Como calcular o retorno que a construtora teria nesses investimentos contrafactuais? Essa<br />

é uma conta difícil porque haveria que apurar o retorno sobre o capital investido <strong>de</strong> cada<br />

uma das construtoras, um processo <strong>de</strong>morado e custoso. No entanto, po<strong>de</strong>-se novamente<br />

<strong>de</strong> maneira conservadora colocar como limite inferior a remuneração <strong>de</strong> uma aplicação <strong>de</strong><br />

renda fixa, como o Certificado <strong>de</strong> Depósito Bancário (CDB). Dizemos <strong>de</strong> modo<br />

conservador porque é razoável pensar que o retorno dos projetos das construtoras é maior<br />

que o retorno do CDB, senão elas não estariam investindo em construção, mas sim<br />

colocando o dinheiro em CDB. Como parâmetro <strong>de</strong> comparação, recolhemos<br />

informações financeiras das construtoras e incorporadoras <strong>de</strong> capital aberto disponíveis<br />

no sítio eletrônico da Bolsa <strong>de</strong> Valores <strong>de</strong> São Paulo (BOVESPA). Em 2007, o retorno<br />

anual médio líquido sobre o patrimônio líquido foi <strong>de</strong> 23,68% (<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontado<br />

Imposto <strong>de</strong> Renda Pessoa Jurídica (IRPJ)) 60 . Já um CDB para uma pessoa jurídica não<br />

financeira pagou em média 10,45% no acumulado do ano <strong>de</strong> 2007 61 . É preciso<br />

reconhecer que o retorno sobre o patrimônio líquido médio das empresas listadas não é<br />

uma medida perfeita <strong>de</strong> qual seria o retorno para as construtoras. Por isso é possível que o<br />

uso da renda fixa seja mais prático. No entanto, o retorno estimado <strong>de</strong> 23,68% para as<br />

empresas abertas sugere fortemente que o uso da renda fixa subestima a remuneração<br />

que teria o capital das construtoras e, portanto, subestima o dano.<br />

Assim, é preciso ter em mente que o cálculo das perdas pelo método direto subestima os<br />

reais danos e lucros cessantes às construtoras e à coletivida<strong>de</strong>.<br />

De forma subestimada, mas objetiva, entretanto, po<strong>de</strong>mos afirmar que o limite inferior<br />

das perdas causadas pelo cartel às construtoras seria:<br />

Danos Lucros cessantes<br />

(limite inferior)<br />

Sobrepreço x Quantida<strong>de</strong><br />

Adquirida (ton./ano)<br />

Variação Anual do CDB<br />

60 Os dados financeiros estão disponíveis publicamente no sítio eletrônico da IBOVESPA<br />

http://www.bovespa.com.br/. O método <strong>de</strong> cálculo do retorno sobre patrimônio líquido está <strong>de</strong>scrito no<br />

apêndice A.III.<br />

61 Os dados sobre a rentabilida<strong>de</strong> do CDB po<strong>de</strong>m ser encontrados no sítio eletrônico do Banco Central do<br />

Brasil http://www.bacen.gov.br/?INDECO.<br />

83


6. Conclusão<br />

Neste parecer, constatamos que a prática <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> cartel por parte <strong>de</strong> GERDAU,<br />

ARCELORMITTAL e BARRA MANSA, con<strong>de</strong>nada pelo CADE para o período 1999-<br />

2005, perdura no período pós-con<strong>de</strong>nação. Esta constatação foi feita através <strong>de</strong> extensas<br />

análises teóricas e empíricas aplicadas, que <strong>de</strong>monstram <strong>de</strong> maneira inequívoca a<br />

persistência do comportamento <strong>de</strong> conluio das empresas mencionadas após o período <strong>de</strong><br />

con<strong>de</strong>nação. Segundo, calculamos o sobrepreço cobrado pelo cartel usando quatro<br />

métodos diferentes. Terceiro, mostramos que o dano causado pelo cartel à construção<br />

civil é possivelmente muito maior do que se possa estimar e ressarcir.<br />

A subestimação do dano tem uma implicação direta bastante in<strong>de</strong>sejável no que diz<br />

respeito ao comportamento das empresas do cartel. Mesmo que o dano (computado) seja<br />

recuperado pelas construtoras, as empresas produtoras <strong>de</strong> aço longo continuarão a ter<br />

incentivo para proce<strong>de</strong>r como um cartel. De fato, a subestimação do dano faz com que os<br />

ganhos <strong>de</strong> Cartelização das empresas sejam maiores que as perdas ex-post (<strong>de</strong>rivadas da<br />

restituição do dano computado às construtoras). Tal constatação é o que justifica, por<br />

exemplo, a permissão a um juiz <strong>de</strong> multiplicar por três o montante <strong>de</strong> dano para casos <strong>de</strong><br />

violação das Leis Anti-Truste nos Estados Unidos. A esta permissão é dado o nome <strong>de</strong><br />

treble damages.<br />

Dada a impossibilida<strong>de</strong> legal <strong>de</strong> se aplicar treble damages ao caso em questão, é mister<br />

que se estabeleçam remédios comportamentais, já não parece ser possível aplicar ao caso<br />

nenhum dos remédios estruturais tradicionais.<br />

Em primeiro lugar, o <strong>de</strong>smembramento <strong>de</strong> uma empresa em várias com diferentes áreas<br />

<strong>de</strong> atuação (line of business divestiture) não terá implicações sobre o comportamento<br />

colusivo, uma vez que as a atuação nas outras áreas (produção <strong>de</strong> aços planos, por<br />

exemplo) não é a principal fonte <strong>de</strong> sustentabilida<strong>de</strong> do cartel.<br />

Em segundo, o <strong>de</strong>smembramento da área <strong>de</strong> aços longos <strong>de</strong> uma dada empresa em<br />

diversas empresas distintas induzirá perdas <strong>de</strong> eficiência produtiva, <strong>de</strong>rivadas <strong>de</strong>, entre<br />

outros, economias <strong>de</strong> escala e alto nível <strong>de</strong> investimento. Adicionalmente, sem<br />

monitoramento apropriado, nada impediria que, mesmo que o <strong>de</strong>smembramento pu<strong>de</strong>sse<br />

cumprir algum papel, as partes <strong>de</strong>smembradas re-estabelecessem algum tipo <strong>de</strong> acordo<br />

implícito.<br />

Por fim, dadas as peculiarida<strong>de</strong>s da produção <strong>de</strong> aços longos (questões relacionadas à<br />

escala, alto investimento inicial, acesso à distribuição e insumos), não parece ser trivial se<br />

84


estabelecer remédios que induzam a entrada substancial <strong>de</strong> novos produtores no mercado,<br />

<strong>de</strong> modo a restaurar a competição.<br />

Pelo fato <strong>de</strong> as empresas se <strong>de</strong>parem com competição no mercado externo, tem-se<br />

informação a respeito do preço que po<strong>de</strong> prevalecer em mercado interno caso haja<br />

competição. Isto sugere um remédio factível, efetivo e restaurador dos efeitos <strong>de</strong><br />

competição: o estabelecimento da obrigação <strong>de</strong> uma empresa produtora <strong>de</strong> aços<br />

longos ven<strong>de</strong>r a consumidores internos aos mesmos preços que estabelecem para<br />

consumidores externos. Alternativamente, e em acordo com o segundo método que<br />

utilizamos para computar o sobrepreço, po<strong>de</strong> se impor que as empresas estabeleçam<br />

como preços para os consumidores internos o preço que prevaleceria dadas as<br />

características do mercado interno, sob o regime <strong>de</strong> competição <strong>de</strong> Cournot. Para tal<br />

fim, a tabela 9 abaixo mostra o preço praticado em julho <strong>de</strong> 2008 pelo cartel, o preço que<br />

pré-cartel (janeiro <strong>de</strong> 1999) atualizado pelo INCC (método 1), o preço <strong>de</strong> exportação em<br />

julho <strong>de</strong> 2008 (método 2) e, finalmente o preço previsto pelo método 4 (Cournot<br />

quadrático).<br />

Tabela 9: Preço atual e possíveis preços para aplicação <strong>de</strong> remédio comportamental.<br />

Em Reais por Tonelada <strong>de</strong> Vergalhão.<br />

Preço Atual<br />

Praticado pelo<br />

Cartel (média jan.jul.<br />

2008)<br />

3.324<br />

Fonte: FGV/IBRE e<br />

CBIC<br />

Preço Pré-Cartel<br />

Atualizado pelo<br />

INCC (fev. 2008)<br />

1.730<br />

Fonte: FGV/IBRE<br />

e CBIC<br />

Preço <strong>de</strong> Exportação<br />

(média jan.-jul.<br />

2008)<br />

1.344<br />

Fonte: SECEX/MDIC<br />

Preço <strong>de</strong> Mercado<br />

Oligopolista<br />

(Cournot -<br />

Quadrático)<br />

(jul. 2008)<br />

1.916<br />

Fonte: Parecer<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista do bem-estar social, é <strong>de</strong> fundamental importância que se coíba a<br />

prática <strong>de</strong> cartelização no mercado <strong>de</strong> aços longos. Como discutido amplamente neste<br />

parecer, uma implicação <strong>de</strong> uma cartelização bem sucedida é a redução da quantida<strong>de</strong><br />

total produzida por parte <strong>de</strong> seus membros, o que necessariamente gera um menor<br />

número <strong>de</strong> construções por parte das construtoras. Num país como nosso, no qual o<br />

déficit habitacional é uma questão <strong>de</strong> primeiríssima importância, é difícil minimizar os<br />

malefícios trazidos pela cartelização.<br />

85


Apêndice A.I – Demonstrações Formais dos Determinantes da<br />

Sustentabilida<strong>de</strong> do Conluio<br />

Nesse apêndice <strong>de</strong>senvolvemos os argumentos teóricos por trás das condições <strong>de</strong><br />

facilitação do conluio tácito. Derivamos um mo<strong>de</strong>lo teórico formal do qual retiramos os<br />

resultados. Em cada item, além do mo<strong>de</strong>lo formal, apresentamos argumentos intuitivos.<br />

Um arcabouço Geral<br />

Consi<strong>de</strong>re uma economia on<strong>de</strong> existam N fabricantes <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado produto<br />

homogêneo. Para simplificar, sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong>, supõe-se que cada produtor tem<br />

custos marginais constantes iguais a c. Além disso, em cada instante do tempo, a<br />

<strong>de</strong>manda pelo bem é linear, dada pela seguinte expressão:<br />

P = a − bQ<br />

t<br />

on<strong>de</strong><br />

t<br />

(1)<br />

b > 0 e a > c.<br />

Seja it q e it p a quantida<strong>de</strong> vendida e o preço fixado pela firma i no<br />

instante t. O lucro <strong>de</strong> da firma i no período t é dado por:<br />

π it = qit pit<br />

− qitc<br />

(2)<br />

O primeiro termo <strong>de</strong> (2) equivale a receita total da firma e o segundo o custo total.<br />

Supomos que as firmas competem via preço, isto é, consi<strong>de</strong>ramos um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

oligopólio <strong>de</strong> Bertrand. A firma que oferecer o menor preço aten<strong>de</strong> a todos os<br />

consumidores. Caso mais <strong>de</strong> uma firma estabeleça o mesmo preço, supomos que elas irão<br />

dividir o mercado igualmente. Finalmente, supomos que as firmas preferem produzir a<br />

não produzir quando as duas opções geram o mesmo lucro.<br />

A.I.1 – Jogo estático<br />

Quando consi<strong>de</strong>ramos o jogo estático, isto é, analisamos o que acontece quando as firmas<br />

interagem em um único período no mercado. O único equilíbrio possível é todas as<br />

firmas escolherem seu preço igual ao custo marginal.<br />

86


Primeiramente, argumentamos que o perfil <strong>de</strong> estratégias “estabelecer o preço igual ao<br />

custo marginal” é um equilíbrio <strong>de</strong> Nash, isto é, dado que todas as outras firmas escolhem<br />

preço igual ao custo marginal, é ótimo para a firma i fazer isso também. Suponha que a<br />

firma i aumente seu preço para além do seu custo marginal. Ao fazê-lo, esta firma não irá<br />

ven<strong>de</strong>r uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção (os consumidores irão comprar das outras firmas que<br />

praticam menores preços) e terá lucro zero. Por (2), lucro zero é obtido quando a firma i<br />

escolhe o preço igual ao custo marginal <strong>de</strong> produção. Como as firmas preferem produzir<br />

a não produzir quando obtém o mesmo lucro, aumentar o preço não é ótimo.<br />

Consi<strong>de</strong>remos agora uma tentativa <strong>de</strong> fixar o preço abaixo do custo marginal. Como<br />

todas as outras firmas fixam seus preços no custo marginal, a firma i ven<strong>de</strong>ria para todos<br />

os consumidores. Todavia, novamente por (2), ven<strong>de</strong>r abaixo do custo marginal implica<br />

incorrer em prejuízo. Logo, nenhuma empresa tem incentivos a <strong>de</strong>sviar da estratégia<br />

“estabelecer o preço igual ao custo marginal” quando todas as outras colocam em prática<br />

esta estratégia, o que a caracteriza como equilíbrio <strong>de</strong> Nash.<br />

Um conluio ocorre quando as firmas combinam o preço a ser praticado <strong>de</strong> tal forma a<br />

maximizarem o lucro conjuntamente. Isto equivale, neste mo<strong>de</strong>lo, as firmas fixarem<br />

preços e quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> monopólio. A quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> monopólio é dada pela seguinte<br />

expressão:<br />

max PQ<br />

− cQ = max(<br />

a − bQ ) Q − cQ<br />

Q<br />

t<br />

t<br />

t<br />

t<br />

Q<br />

t<br />

t<br />

t<br />

Resolvendo o problema acima, a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> monopólio é dada por:<br />

Q m<br />

t<br />

( a − c)<br />

=<br />

2b<br />

Substituindo (3) em (2), o preço <strong>de</strong> monopólio é dado por:<br />

P m<br />

t<br />

( a + c)<br />

=<br />

2<br />

t<br />

Vamos investigar agora se o perfil <strong>de</strong> estratégias “todas as firmas fixam o preço igual ao<br />

preço <strong>de</strong> monopólio” é um equilíbrio <strong>de</strong> Nash. Isto equivale a investigar se um conluio é<br />

possível no jogo estático. Suponha que as firmas acertem que irão cobrar o preço <strong>de</strong><br />

monopólio. Caso esse acordo seja cumprido por todas as firmas, o lucro da firma i é:<br />

π = P<br />

i<br />

m<br />

t<br />

m<br />

Qt<br />

N<br />

m<br />

Qt<br />

− c<br />

N<br />

(3)<br />

(4)<br />

(5)<br />

87


Substituindo (4) e (3) em (5) chega-se a:<br />

m<br />

π i<br />

( a − c)<br />

=<br />

4bN<br />

2<br />

> 0<br />

Para saber se o conluio é um equilíbrio, <strong>de</strong>vemos perguntar: dado que as outras firmas<br />

fixam seus preços iguais ao preço <strong>de</strong> monopólio, é ótimo para firma i também fazer isso?<br />

Caso a firma i pratique um preço maior que o <strong>de</strong> monopólio ela não ven<strong>de</strong>rá nenhuma<br />

unida<strong>de</strong> e seu lucro será igual a zero. Desvios para preços maiores que o <strong>de</strong> monopólio<br />

não são ótimos. Consi<strong>de</strong>re agora que a firma i escolha um preço menor que o <strong>de</strong><br />

monopólio, isto é, = − ε<br />

m<br />

p p , ε > 0.<br />

Dado que todas as outras firmas praticam o<br />

i<br />

t<br />

monopólio, este <strong>de</strong>svio faz com que a firma i capture todo o mercado. A quantida<strong>de</strong><br />

vendida pela firma i, ao <strong>de</strong>sviar da estratégia, é dada por:<br />

*<br />

Qi ( a − c)<br />

ε<br />

= +<br />

2b<br />

b<br />

O lucro ao <strong>de</strong>sviar da estratégia “adotar preço <strong>de</strong> monopólio” é dado por:<br />

* ( a − c)<br />

ε<br />

π i = −<br />

4b<br />

b<br />

2<br />

Para N > 1 e ε próximo <strong>de</strong> zero, é fácil verificar que o valor <strong>de</strong> (8) é maior que o valor<br />

<strong>de</strong> (6). Isto é, dado que todas as outras firmas fixam o preço no nível <strong>de</strong> monopólio, vale<br />

a pena para uma firma qualquer diminuir seu preço um pouco. Ao fazê-lo, esta firma<br />

captura todo o mercado e obtém lucros muito próximos daqueles que seriam obtidos por<br />

um monopolista atuando sozinho no mercado. Logo, o acordo <strong>de</strong> firmas para praticarem<br />

preços equivalentes a <strong>de</strong> um monopólio não é sustentável. Tal acordo falharia pois as<br />

firmas tem incentivo para <strong>de</strong>sviar <strong>de</strong>le e praticar preços menores. Em outras palavras,<br />

conluio não é factível quando consi<strong>de</strong>ramos apenas um período. De fato, apesar <strong>de</strong> não<br />

<strong>de</strong>monstrarmos aqui, a estratégia “fixar o preço igual ao custo marginal” é o único<br />

equilíbrio do jogo <strong>de</strong> um período.<br />

Veremos a seguir que quando consi<strong>de</strong>ramos o mesmo jogo com infinitos períodos, a<br />

estratégia <strong>de</strong> conluio po<strong>de</strong> ser sustentada, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do número <strong>de</strong> participantes do<br />

mercado.<br />

A.I.2 – Jogo Dinâmico<br />

(6)<br />

(7)<br />

(8)<br />

88


Consi<strong>de</strong>re o mesmo jogo acima, isto é, N empresas produzindo um bem homogêneo e<br />

competindo via preço. A diferença agora é que as firmas vão ao mercado em períodos<br />

consecutivos. Supomos que a firmas valorizam o lucro em períodos futuros por meio <strong>de</strong><br />

uma taxa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconto 0 ≤ θ ≤ 1.<br />

Em outras palavras, o valor presente no período 1 <strong>de</strong><br />

uma quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lucro X no período 2 é dada por θ X , no período 3 é X<br />

2<br />

θ , no<br />

período 4 é X<br />

3<br />

θ e assim por diante. θ = 0 significa que as empresas não valoram o<br />

futuro. θ = 1 significa que as empresas são muito pacientes e valoram lucro no futuro<br />

tanto quanto valoram lucro no presente. Supomos também que as firmas observam o<br />

preço praticado pelas outras firmas nos períodos anteriores e po<strong>de</strong>m usar esta informação<br />

para fixar preços nos períodos futuros. Neste ambiente o acordo <strong>de</strong> conluio é sustentável?<br />

Vimos que na seção anterior que quando todas as outras firmas escolhem o preço <strong>de</strong><br />

monopólio, é ótimo para uma firma qualquer <strong>de</strong>sviar <strong>de</strong>sta política. No caso <strong>de</strong><br />

sucessivas interações no mercado, o conluio só é possível se houver a ameaça <strong>de</strong> punição,<br />

isto é, a estratégia <strong>de</strong> conluio <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>screver como as firmas que <strong>de</strong>sviam do acordo são<br />

punidas. A ameaça <strong>de</strong> serem punidas po<strong>de</strong> fazer com não seja ótimo para uma firma<br />

<strong>de</strong>sviar em um período.<br />

Consi<strong>de</strong>re a seguinte estratégia para as firmas: no período 1, escolher<br />

monopólio). Nos próximos períodos, fixar o preço em<br />

anteriores, todas as firmas escolheram o preço<br />

preço<br />

m<br />

P (preço <strong>de</strong><br />

m<br />

Pt caso, em todos os períodos<br />

m<br />

P . Caso alguma firma tenha <strong>de</strong>sviado do<br />

m<br />

P em períodos anteriores, fixar o preço em c. Em outras palavras, esta estratégia<br />

po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scrita como: no primeiro período cumpra o acordo do cartel. Continue<br />

cumprindo o acordo até que algum <strong>de</strong>svio seja observado, isto é, até que alguma empresa<br />

pratique preços abaixo do combinado. Caso isso ocorra, puna o <strong>de</strong>sviante iniciando uma<br />

guerra <strong>de</strong> preços praticando o menor preço possível e mantenha esta guerra para sempre.<br />

Um cartel é sustentável se esta estratégia for um equilíbrio e, conseqüentemente, em<br />

nenhum período as firmas praticam preços menores que o <strong>de</strong> monopólio. Note que se<br />

todas as firmas seguirem a estratégia a risca, nenhuma <strong>de</strong>sviará do preço <strong>de</strong> monopólio<br />

em nenhum período, e a guerra <strong>de</strong> preços (punição) nunca acontecerá.<br />

Uma condição suficiente para que a estratégia <strong>de</strong>scrita acima seja um equilíbrio e que não<br />

haja incentivos para <strong>de</strong>sviar <strong>de</strong>sta estratégia no primeiro período. Dado que todas as<br />

firmas adotam esta estratégia, se a firma i não <strong>de</strong>sviar do acordo, ela, em todos os<br />

períodos, receberá o lucro <strong>de</strong> cartel. Logo, o valor presente dos seus lucros é dado por:<br />

89


π<br />

π<br />

π<br />

cartel<br />

i<br />

cartel<br />

i<br />

cartel<br />

i<br />

( a − c)<br />

=<br />

4bN<br />

( a − c)<br />

=<br />

4bN<br />

( a − c)<br />

=<br />

4bN<br />

2<br />

2<br />

2<br />

( a − c)<br />

+ θ<br />

4bN<br />

1<br />

1−<br />

θ<br />

2<br />

2<br />

2 ( a − c)<br />

+ θ<br />

4bN<br />

( 1+<br />

θ + θ + ... + θ + ...)<br />

T<br />

2<br />

T ( a − c)<br />

+ ... + θ<br />

4bN<br />

Agora, vejamos o valor presente dos lucros quando a firma i <strong>de</strong>svia da estratégia <strong>de</strong> cartel<br />

no primeiro período. O melhor <strong>de</strong>svio que a firma i po<strong>de</strong> fazer é fixar o preço um pouco<br />

abaixo do preço <strong>de</strong> monopólio. Dado que todas as firmas praticam o preço <strong>de</strong> monopólio,<br />

ao fazer isso, a firma i toma todo o mercado obtém um lucro no primeiro período dado<br />

por (8). As outras firmas observam o <strong>de</strong>svio e passam, nos próximos períodos, a fixar<br />

seus preços em c (punem a firma <strong>de</strong>sviante). A guerra <strong>de</strong> preços faz com que o lucro da<br />

firma i caia para zero nos períodos subseqüentes. Logo, o valor presente do lucro quando<br />

a firma i <strong>de</strong>svia é dado por:<br />

π<br />

π<br />

<strong>de</strong>svio<br />

i<br />

<strong>de</strong>svio<br />

i<br />

( a − c)<br />

=<br />

4b<br />

( a − c)<br />

=<br />

4b<br />

2<br />

2<br />

2<br />

ε<br />

2 3<br />

T<br />

− + θ 0 + θ 0 + θ 0 + ... + θ 0 + ....<br />

b<br />

2<br />

ε<br />

−<br />

b<br />

Como ε po<strong>de</strong> ser tão pequeno quanto a firma i <strong>de</strong>seje (e, <strong>de</strong> fato, o melhor <strong>de</strong>svio é<br />

2<br />

+ ...<br />

escolher ε muito pequeno), o lucro do <strong>de</strong>svio po<strong>de</strong> ser reescrito simplesmente como:<br />

π<br />

<strong>de</strong>svio<br />

i<br />

( a − c)<br />

=<br />

4b<br />

2<br />

(9)<br />

(10)<br />

(10)’<br />

O conluio é equilíbrio se (9) for maior que (10)’, isto é, se nenhuma firma tem incentivos<br />

para <strong>de</strong>sviar do acordo. (9) é maior que (10)’ se, e somente se,<br />

1<br />

> N<br />

1−θ<br />

Em outras palavras, o conluio tácito será mais sustentável se as firmas forem mais<br />

pacientes. Reescrevendo (11), temos:<br />

θ ><br />

N −1<br />

N<br />

(11)<br />

(12)<br />

90


A análise <strong>de</strong> sustentabilida<strong>de</strong> do conluio tácito se dá toda através da expressão (12).<br />

Dizemos que a situação A é mais favorável à sustentação do cartel do que a situação B se<br />

a taxa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconto mínima para sustentar o conluio tácito é menor.<br />

A.I.3 Taxa <strong>de</strong> Juros<br />

Para quantificar a importância dos ganhos futuros <strong>de</strong> se manter um cartel em relação aos<br />

benefícios imediatos <strong>de</strong> se <strong>de</strong>sviar, uma medida do valor monetário do futuro é<br />

necessária. A taxa <strong>de</strong> juros prevalente é o objeto a<strong>de</strong>quado para se converter valores<br />

monetários futuros em termos presentes.<br />

Quanto maior a taxa <strong>de</strong> juros, menos vale hoje uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> moeda amanhã. Como<br />

conseqüência, mantidas constantes todas as outras dimensões relevantes, um aumento na<br />

taxa <strong>de</strong> juros diminui a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um cartel ser sustentável, uma vez que os<br />

benefícios futuros do cartel serão relativamente menores.<br />

Formalmente, a taxa <strong>de</strong> juros afeta a taxa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconto. Se r é a taxa <strong>de</strong> juros, então um<br />

real amanhã vale<br />

<strong>de</strong>sconto é:<br />

1<br />

θ =<br />

1+<br />

r<br />

1<br />

reais hoje. Portanto, a maneira mais simples <strong>de</strong> pensar na taxa <strong>de</strong><br />

1+<br />

r<br />

Portanto, um aumento da aumentar a taxa <strong>de</strong> juros r causa uma diminuição da taxa <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sconto, ou seja, um aumento da impaciência. Isso torna o cartel menos sustentável.<br />

A.I.4 Freqüência da Interação<br />

A primeira e mais importante condição para que um cartel se estabeleça é que seus<br />

membros interajam <strong>de</strong> maneira repetida e freqüente ao longo do tempo. Isto porque, ao<br />

estabelecer quantida<strong>de</strong>s menores que as que prevaleceriam sem o acordo implícito, cada<br />

uma das empresas no cartel tem o incentivo trair o acordo e produzir mais que o sugerido<br />

por ele.<br />

(13)<br />

91


De fato, cada um dos participantes do cartel po<strong>de</strong> ter um ganho imediato ao aumentar<br />

(diminuir) unilateralmente sua quantida<strong>de</strong> produzida (seu preço) <strong>de</strong> forma a capturar uma<br />

parcela maior do que aquela <strong>de</strong>stinada a ele pelo acordo implícito do cartel. Para coibir<br />

tal tentação, é necessário que o cartel imponha punições ao <strong>de</strong>sviante.<br />

Como a constituição <strong>de</strong> um cartel é ilegal, estas punições não po<strong>de</strong>m ser estabelecidas <strong>de</strong><br />

maneira formal e/ou contratual. 62 Assim, o cartel usa os lucros futuros para dissuadir o<br />

comportamento <strong>de</strong>sviante. Um exemplo <strong>de</strong> punição a um <strong>de</strong>sviante é a concessão <strong>de</strong><br />

menores market shares futuros. Uma guerra <strong>de</strong> preços é outra forma pela qual o cartel<br />

po<strong>de</strong> punir <strong>de</strong>sviantes.<br />

Para que essas punições sejam efetivas, é necessário que as perdas futuras implicadas por<br />

elas sejam maiores que os ganhos imediatos <strong>de</strong> se trair o cartel. É evi<strong>de</strong>nte que quanto<br />

mais freqüente e relevante a interação futura entre os participantes, mais efetivas serão as<br />

punições futuras, o que fará com que seja mais provável que o cartel seja sustentável.<br />

Formalmente, po<strong>de</strong>mos mo<strong>de</strong>lar essas idéias da seguinte forma. Imagine agora que nosso<br />

mundo é tal que as firmas só se encontram <strong>de</strong> dois em dois períodos. Agora, a taxa<br />

relevante <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconto já não θ mas sim<br />

2 N −1<br />

N −1<br />

θ > ↔ θ ><br />

N<br />

N<br />

2<br />

θ . Portanto, a condição relevante agora é:<br />

N − 1<br />

Como é número menor do que 1, a condição (14) é mais forte do que a condição<br />

N<br />

(12).<br />

A.I.5 Probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sobrevivência e Inovação<br />

De maneira geral, tudo que afeta a existência do futuro e sua importância, afeta a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sustentar o cartel. Se há uma alta probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que a firma não exista<br />

no futuro, ela terá muito pouco incentivo a cooperar com o cartel hoje produzindo sua<br />

quantida<strong>de</strong> assinalada.<br />

Por essa razão vemos poucos cartéis em mercados <strong>de</strong> alta tecnologia, cuja taxa <strong>de</strong><br />

inovação é muito alta. A probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aparecer uma inovação que torne obsoletas as<br />

atuais firmas ten<strong>de</strong> a ser suficientemente gran<strong>de</strong> para <strong>de</strong>sestimular a formação <strong>de</strong> cartéis.<br />

62 Claro que há outras maneiras, também ilegais, <strong>de</strong> castigar os <strong>de</strong>sviantes, como ameaça ou efetivamente<br />

<strong>de</strong> dano físico. Desconsi<strong>de</strong>raremos essas táticas.<br />

(14)<br />

92


Do ponto <strong>de</strong> vista prático, o peso que um cartel dá ao futuro combina a freqüência das<br />

interações com o nível da taxa <strong>de</strong> juros e a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sobrevivência. Maior<br />

freqüência implica mais peso ao futuro, enquanto maiores taxas <strong>de</strong> juros implicam menos<br />

peso ao futuro. Dada uma taxa <strong>de</strong> juros, quanto maior a freqüência da interação, mais<br />

sustentável será o cartel.<br />

Formalmente, imagine que há uma probabilida<strong>de</strong> γ <strong>de</strong> sobrevivência da firma no próximo<br />

período. A maneira mais natural <strong>de</strong> introduzir a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sobrevivência na análise<br />

é através da taxa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconto intertemporal. Como um real amanhã vale<br />

1<br />

mas apenas<br />

1+<br />

r<br />

se a firma sobreviver (o que ocorre com probabilida<strong>de</strong> apenas γ), po<strong>de</strong>-se modificar a<br />

expressão (13):<br />

γ<br />

θ = (15)<br />

1+<br />

r<br />

Portanto, uma queda em γ (que po<strong>de</strong> ser entendida como um aumento <strong>de</strong> inovação<br />

tecnológica na indústria) diminui a taxa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconto e, portanto, diminui a<br />

sustentabilida<strong>de</strong> do cartel.<br />

A.I.6 Número <strong>de</strong> Firmas no Mercado<br />

A <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> que a sustentabilida<strong>de</strong> do cartel diminui com o número <strong>de</strong> firmas vem<br />

diretamente da expressão (12). Para um dado nível <strong>de</strong> impaciência θ , quanto maior é o<br />

número <strong>de</strong> firmas no mercado, menor é a possibilida<strong>de</strong> do conluio ser sustentado. Um<br />

número <strong>de</strong> empresas (N) muito gran<strong>de</strong> faz com que (10), o valor presente do lucro ao<br />

<strong>de</strong>sviar do acordo, seja maior que (9), o valor presente do lucro ao seguir as normas do<br />

cartel.<br />

Portanto, para um dado nível <strong>de</strong> impaciência θ , quanto maior é o número <strong>de</strong> firmas no<br />

mercado, menor é a possibilida<strong>de</strong> do conluio ser sustentado. Um número <strong>de</strong> empresas (N)<br />

muito gran<strong>de</strong> faz com que (10), o valor presente do lucro ao <strong>de</strong>sviar do acordo, seja maior<br />

que (9), o valor presente do lucro ao seguir as normas do cartel.<br />

A intuição para este fato é bastante simples. Quanto maior o número <strong>de</strong> empresas, menor<br />

a parcela total do lucro gerado pelo acordo <strong>de</strong> conluio que cabe a uma <strong>de</strong>terminada<br />

empresa, isto é, menores são os benefícios <strong>de</strong> fazer conluio. Ao <strong>de</strong>sviar do acordo <strong>de</strong><br />

conluio em um período, uma empresa é capaz <strong>de</strong> tomar todo o mercado neste período e<br />

93


obter um lucro excepcionalmente gran<strong>de</strong>, tão gran<strong>de</strong> que compense a perda <strong>de</strong> lucro<br />

<strong>de</strong>vido à guerra <strong>de</strong> preços no futuro. Desviar, então, po<strong>de</strong> ser um bom negócio, mesmo<br />

que isso implique que no futuro a firma seja punida e só tenha o lucro que ela teria na<br />

repetição do resultado do oligopólio <strong>de</strong> Bertrand. A tentação a <strong>de</strong>sviar é, portanto,<br />

crescente no número <strong>de</strong> empresas no mercado. O mo<strong>de</strong>lo acima mostra <strong>de</strong> forma simples<br />

um dos resultados consagrados da literatura <strong>de</strong> cartel: uma condição necessária para que<br />

o cartel seja factível é a existência <strong>de</strong> poucas empresas atuando no mercado. Além <strong>de</strong><br />

diminuir os benefícios da colusão, um maior número <strong>de</strong> firmas dificulta a coor<strong>de</strong>nação<br />

entre elas, o que também <strong>de</strong>sestimula o estabelecimento <strong>de</strong> cartéis.<br />

A.I.7 Simetria: Participação Assimétrica nos Lucros <strong>de</strong> Cartel e Diferença <strong>de</strong> Custos<br />

Analisamos os efeitos <strong>de</strong> duas possíveis fontes <strong>de</strong> assimetria entre firmas em um mercado<br />

e seu impacto na sustentabilida<strong>de</strong> do conluio. A primeira se refere a uma diferença na<br />

participação que as firmas têm sobre os resultados <strong>de</strong> conluio. A segunda diz respeito a<br />

uma diferença <strong>de</strong> custos marginais <strong>de</strong> produção entre as firmas. Por simplicida<strong>de</strong>, mas<br />

sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong>, faremos a análise com N = 2.<br />

Primeiramente, consi<strong>de</strong>raremos o caso em que há diferenças nas participações sobre os<br />

resultados do cartel. Imagine a firma 1 tem uma fatia α > ½ dos lucros do conluio e,<br />

conseqüentemente, a firma 2 tem 1- α < ½. Consi<strong>de</strong>re o problema da firma 2. No<br />

arcabouço do jogo analisado acima, se ela se mantém no conluio, ela tem<br />

( ) monopólio<br />

1−α Π <strong>de</strong> lucro. Se ela trai o conluio, ganha imediatamente<br />

monopólio<br />

α Π mas<br />

parte ( ) monopólio<br />

1−α Π para sempre. Seguindo a mesma linha <strong>de</strong> raciocínio, ela se manterá<br />

no conluio se e somente se:<br />

monopólio<br />

monopólio 2<br />

monopólio<br />

( 1−<br />

α ) Π + θ ( 1−<br />

) Π + ...<br />

α Π < θ<br />

α<br />

Resolvendo para θ, temos uma condição simples para que a firma dois se mantenha do<br />

conluio:<br />

θ > α<br />

(16)<br />

Para a firma 1 é a mesmo raciocínio, mas as fatias se invertem:<br />

θ > 1 − α<br />

(17)<br />

94


Como por suposição α > ½, se a condição (16) for satisfeita, a condição (17)<br />

automaticamente também é satisfeita. Portanto, é a menor firma (a 2) quem <strong>de</strong>termina a<br />

sustentabilida<strong>de</strong> do cartel. Note que sob assimetria a condição para sustentabilida<strong>de</strong> é<br />

sempre mais difícil <strong>de</strong> ser satisfeita do que na situação simétrica (α = ½).<br />

Suponhamos, agora, que as firmas tenham custos marginais <strong>de</strong> produção diferentes. Mais<br />

especificamente, o custo <strong>de</strong> produção da firma 2, c 2 , é maior que o custo <strong>de</strong> produção da<br />

firma 2, c 1 . É fácil ver que, no único Equilíbrio <strong>de</strong> Nash relevante do jogo estático,63<br />

ambas as firmas adotam preços iguais ao custo marginal <strong>de</strong> produção da firma menos<br />

eficiente, c 2 , e só a firma 1 produz.<br />

Por sua vez, o esquema <strong>de</strong> conluio ótimo envolveria (i) a adoção <strong>de</strong> preços <strong>de</strong> monopólio<br />

e produção somente por parte da firma 1. Como neste esquema, a firma 2 tem lucro zero,<br />

ela sempre (e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do fator <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconto θ) terá incentivo a trair o cartel e<br />

abocanhar uma lucro instantâneo estritamente maior que zero. Segue, portanto, que o<br />

esquema ótimo <strong>de</strong> conluio nunca será sustentável para o caso em que os custos são<br />

diferentes, o que não era o caso para a situação <strong>de</strong> custos iguais.<br />

O exemplo acima, no qual as firmas tentam estabelecer o esquema ótimo <strong>de</strong> conluio e isto<br />

não é factível para qualquer fator <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconto, é claramente extremo e só foi feito para<br />

ilustrar as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> se sustentar um cartel com custos distintos. Potencialmente,<br />

outros esquemas <strong>de</strong> conluio, que não o ótimo, serão factíveis. No entanto, caso as firmas<br />

tivessem o mesmo custo, elas necessariamente conseguiriam sustentar um esquema<br />

melhor que o sustentável com custos distintos. Portanto, similitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> custos ajuda na<br />

sustentação <strong>de</strong> um cartel.<br />

A.I.8 Contato Multimercado<br />

Uma idéia que perpassa toda e qualquer teoria <strong>de</strong> conluio/cartelização é a <strong>de</strong> que, quanto<br />

maior a punição factível a ser efetuada pelo cartel a um potencial traidor, maior é a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um esquema <strong>de</strong> conluio ser implantado. A razão é que o cartel estabelece<br />

preços (quantida<strong>de</strong>s) que são maiores (menores) que os (as) que prevaleceriam na<br />

ausência <strong>de</strong> conluio. Portanto, cada participante tem incentivo <strong>de</strong> aumentar (diminuir)<br />

unilateralmente sua quantida<strong>de</strong> (seu preço) um pouco <strong>de</strong> forma a capturar uma parcela<br />

maior que a <strong>de</strong>stinada a ele pelo acordo implícito do cartel.<br />

63 Formalmente, o único Equilíbrio <strong>de</strong> Nash que não envolve a adoção <strong>de</strong> estratégias fracamente dominadas<br />

por parte das firmas.<br />

95


Punindo traidores, o cartel po<strong>de</strong>, sob algumas circunstâncias, inibir tais <strong>de</strong>svios. Períodos<br />

<strong>de</strong> guerra <strong>de</strong> preço são exemplos <strong>de</strong> tais punições. As “circunstâncias” referem-se, entre<br />

outras coisas, a quão duras são as punições críveis. Quanto maiores as punições<br />

disponíveis ao cartel, menos incentivos seus participantes terão <strong>de</strong> <strong>de</strong>sviar, fazendo com<br />

que aumente a probabilida<strong>de</strong> sua sustentabilida<strong>de</strong>.<br />

Numa situação em que os membros do cartel produzem e se relacionam em vários<br />

mercados comuns, a punição imposta a um <strong>de</strong>sviante é aumentada: qualquer <strong>de</strong>svio será<br />

punido em todos os mercados em que as empresas competem.<br />

Portanto, caso haja contato em vários mercados (produção comum em vários mercados<br />

ou para inúmeros consumidores), a sustentabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um cartel será maior. Os<br />

mercados comuns <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>finidos <strong>de</strong> maneira ampla: aspectos geográficos,<br />

diferentes bens produzidos e diferentes serviços prestados <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>rados como<br />

facilitadores da sustentabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um cartel.<br />

Apesar <strong>de</strong> nossos argumentos teóricos serem todos feitos para concorrência através <strong>de</strong><br />

quantida<strong>de</strong> (Cournot), as <strong>de</strong>rivações abaixo são feitas para concorrência através <strong>de</strong> preço<br />

(Bertrand). A razão para isso é simplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exposição. Todos os argumentos são<br />

válidos <strong>de</strong> a concorrência é via quantida<strong>de</strong>. Porém, a álgebra seria um tanto mais<br />

complicada.<br />

Voltemos, novamente por simplicida<strong>de</strong> e sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong>, para o mo<strong>de</strong>lo com<br />

duas firmas N = 2. Agora, as firmas competem em dois e não um mercado, o mercado A e<br />

o mercado B. Os dois mercados são idênticos exceto pelo fato <strong>de</strong> que o mercado A se<br />

encontra duas vezes mais freqüentemente que o mercado B. Suporemos que o mercado A<br />

se encontra todo período e o mercado B a cada dois períodos.<br />

- Mercados Separados<br />

No mercado que se encontra freqüentemente, a condição para que o cartel seja<br />

sustentável é:<br />

1 monopólio monopólio<br />

monopólio<br />

Π<br />

2<br />

↔<br />

1<br />

< θΠ<br />

2<br />

θ<br />

1 < ↔ θ ><br />

1−<br />

θ<br />

1<br />

2<br />

1 2<br />

+ θ Π<br />

2<br />

+ ...<br />

No mercado infreqüente, que se encontra <strong>de</strong> dois em dois períodos, a condição é:<br />

96


1<br />

Π<br />

2<br />

↔<br />

monopólio<br />

2<br />

θ<br />

2<br />

1 < ↔ θ 2<br />

1−<br />

θ<br />

Portanto, para<br />

1 2<br />

< θ Π<br />

2<br />

><br />

2<br />

2<br />

1<br />

2<br />

monopólio<br />

↔ θ ><br />

1 4<br />

+ θ Π<br />

2<br />

2<br />

2<br />

sustentável do mercado infreqüente.<br />

- Contato Multimercado<br />

monopólio<br />

+ ...<br />

1<br />

> θ > o cartel é sustentável do mercado freqüente mas não é<br />

2<br />

Suponha agora que as firmas competem nos dois mercados. Agora, quando a firma<br />

<strong>de</strong>svia, ela o faz em um período que o mercado infreqüente se encontra e o faz nos dois<br />

mercados. Então o ganho do <strong>de</strong>svio é:<br />

1<br />

Π<br />

2<br />

monopólio<br />

1<br />

+ Π<br />

2<br />

monopólio<br />

= Π<br />

monopólio<br />

A punição também ocorre nos dois mercados. Ou seja, ela per<strong>de</strong> meta<strong>de</strong> do lucro <strong>de</strong><br />

monopólio dos dois mercados:<br />

θΠ<br />

2<br />

θ Π<br />

monopólio<br />

2<br />

monopólio<br />

2<br />

2<br />

θ Π<br />

+<br />

4<br />

monopólio<br />

2<br />

θ Π<br />

+<br />

monopólio<br />

2<br />

+ L<br />

+ L<br />

Portanto, o cartel é sustentável se:<br />

monopólio<br />

↔ 4θ<br />

+ θ − 2 > 0 ↔ θ > 0.<br />

593<br />

→<br />

→<br />

Perda <strong>de</strong> Lucro Futuro no Mercado<br />

Perda <strong>de</strong> Lucro Futuro no Mercado<br />

θΠ + θ Π + L+<br />

θΠ<br />

+ θ Π + L<br />

> Π<br />

2<br />

2<br />

2<br />

monopólio<br />

monopólio<br />

4<br />

monopólio<br />

A<br />

B<br />

monopólio<br />

97


2<br />

Lembremos que sem contato Multimercado a condição era θ > > 0.<br />

593<br />

2<br />

Portanto, o contato Multimercado facilita a cartelização.<br />

I.9 – Flutuação <strong>de</strong> Demanda<br />

A tentação <strong>de</strong> um potencial <strong>de</strong>svio por parte <strong>de</strong> um membro do cartel <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> dos lucros<br />

imediatos que ele po<strong>de</strong> auferir ao produzir mais do que o acordado (ou cobrar preços<br />

menores que o acordado).<br />

Com a <strong>de</strong>manda aquecida, os benefícios imediatos <strong>de</strong> um <strong>de</strong>svio são maiores, uma vez<br />

que o <strong>de</strong>svio implicará uma maior participação sobre um mercado que está aquecido. Em<br />

princípio, sustentar um cartel é mais difícil com melhores condições <strong>de</strong> mercado.<br />

A forma pela qual o cartel po<strong>de</strong> contornar os incentivos a <strong>de</strong>sviar com <strong>de</strong>manda aquecida<br />

é mercado é ajustando as quantida<strong>de</strong>s (e preços a serem cobrados) para diferentes<br />

condições <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda. Apesar <strong>de</strong> potencialmente efetivo como mecanismo que previne<br />

<strong>de</strong>svios, o ajuste <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> e/ou preços têm duas implicações. Em primeiro lugar, ele<br />

diminui os benefícios gerados pelo cartel para as empresas. De fato, os ganhos que um<br />

cartel traz para seus membros estão vinculados à sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> restringir quantida<strong>de</strong>s<br />

(e aumentar preço). Qualquer necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se aumentar quantida<strong>de</strong>s resultará em<br />

menores ganhos. Em segundo lugar, ajustes requererão estratégias mais complicadas (e<br />

uma maior coor<strong>de</strong>nação) por parte dos participantes do cartel. Ambos os aspectos fazem<br />

com que seja mais difícil sustentar um cartel em situações <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> flutuações <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>manda.<br />

Exatamente os mesmos argumentos se aplicam a quaisquer tipos <strong>de</strong> instabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Mercado em dimensões relevantes para as empresas. Um cartel se favorece <strong>de</strong> uma<br />

ambiente estável.<br />

Consi<strong>de</strong>raremos um mo<strong>de</strong>lo em que duas firmas, A e B, competem em preços em um<br />

único mercado. Além disso, vamos assumir que a <strong>de</strong>manda será estocástica. Mais<br />

1<br />

especificamente, a <strong>de</strong>manda po<strong>de</strong> ser baixa (q=D1(p)) com probabilida<strong>de</strong> ou alta (q=<br />

2<br />

1<br />

D2(p)), também com probabilida<strong>de</strong> (D2(p) > D1(p) para qualquer preço p). As firmas<br />

2<br />

participam <strong>de</strong> um jogo que é repetido infinitamente e observam o estado da <strong>de</strong>manda<br />

antes <strong>de</strong> escolherem seus preços.<br />

98


Procuramos um par <strong>de</strong> preços {p1, p2} tal que as firmas escolhem p1 se a <strong>de</strong>manda é baixa<br />

e p2 se a <strong>de</strong>manda é alta. Este par <strong>de</strong>ve ser um equilíbrio perfeito em sub-jogos, ou seja,<br />

não <strong>de</strong>ve ser privadamente ótimo para nenhuma firma <strong>de</strong>sviar. O fluxo <strong>de</strong> lucros<br />

<strong>de</strong>scontado é dado pela seguinte expressão:<br />

( p1<br />

)<br />

( p − c)<br />

⎛<br />

= ∑θ ⎜<br />

+<br />

⎝<br />

⎛ ( )<br />

⎜ ( − ) +<br />

⎝<br />

−θ<br />

∞<br />

t 1 D1<br />

1<br />

V<br />

1<br />

t=<br />

0 2 2<br />

2<br />

1 D1<br />

p1<br />

1 D2<br />

p1<br />

c<br />

2 2<br />

2 2<br />

1<br />

D<br />

( p2<br />

)<br />

( p − c)<br />

2<br />

2<br />

( p2<br />

)<br />

( p − c)<br />

2<br />

⎞<br />

⎟<br />

⎠<br />

2<br />

On<strong>de</strong> c é o custo marginal <strong>de</strong> cada uma das firmas e θ é o fator <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconto<br />

intertemporal.<br />

Vamos supor que ambas as firmas escolhem o preço <strong>de</strong> monopólio e verificaremos quais<br />

as condições necessárias para que isto seja sustentável em equilíbrio. Desta forma, a<br />

estratégia das firmas será:<br />

i) Escolher { m<br />

p1 ,<br />

estratégia.<br />

⎞<br />

⎟ =<br />

⎠<br />

m<br />

p2 } enquanto observam a outra firma adotando esta mesma<br />

ii) Escolher {c, c} para sempre caso tenha sido observado algum <strong>de</strong>svio em períodos<br />

Vale lembrar que<br />

anteriores (“Reversão a Nash”).<br />

m<br />

p2 (isto quer dizer que<br />

m<br />

p1 induz um lucro <strong>de</strong> monopólio menor do que o lucro induzido por<br />

Π < Π ).<br />

m<br />

1<br />

m<br />

2<br />

Caso estas estratégias constituam um equilíbrio do jogo <strong>de</strong>scrito acima, o valor dos fluxos<br />

futuros <strong>de</strong>scontados será:<br />

V<br />

=<br />

m<br />

m<br />

1 Π1<br />

1 Π 2<br />

+<br />

m<br />

2 2 2 2 Π1<br />

+ Π<br />

=<br />

1−<br />

θ 4 −<br />

m<br />

2<br />

( 1 θ )<br />

Mas <strong>de</strong>vemos notar que a tentação da firma <strong>de</strong>sviar <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá do estado da <strong>de</strong>manda, já<br />

que quanto mais alta a <strong>de</strong>manda do período mais alto será o lucro obtido pela firma ao<br />

<strong>de</strong>sviar (a firma <strong>de</strong>svia diminuindo um pouco o seu preço). Consi<strong>de</strong>rando que a firma<br />

<strong>de</strong>sviante obtenha todo o lucro <strong>de</strong> monopólio no período do <strong>de</strong>svio e que ela obtenha<br />

lucro zero a partir daí, a condição <strong>de</strong>terminante para que o conluio seja sustentável será:<br />

θ<br />

θV<br />

=<br />

m m ( Π + Π )<br />

4<br />

1<br />

2<br />

Π<br />

><br />

m<br />

2<br />

( 1−<br />

θ ) 2<br />

99


Já que, como <strong>de</strong>scrito anteriormente, caso a firma queira <strong>de</strong>sviar ela o fará em um<br />

período <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda alta.<br />

Rearranjando a equação acima, temos:<br />

θ ><br />

Π<br />

2Π<br />

m<br />

1<br />

m<br />

2<br />

+ 3Π<br />

m<br />

2<br />

Vale notar que quanto maior for a diferença entre<br />

m<br />

Π 1 e<br />

m<br />

Π 2 , maior será a taxa <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sconto intertemporal necessária para o sustento do conluio. Além disso, po<strong>de</strong>mos<br />

1<br />

perceber que esta taxa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconto <strong>de</strong>verá ser maior que .<br />

2<br />

Suponhamos a partir <strong>de</strong> agora que:<br />

1<br />

≤ θ <<br />

2<br />

3Π<br />

2Π<br />

m<br />

2<br />

m<br />

2<br />

+ Π<br />

m<br />

1<br />

Neste caso o conluio não po<strong>de</strong>ria ser sustentado. Mas conseguiríamos sustentar algo que<br />

fosse menos do que uma situação completamente cartelizada? Para verificar esta<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vemos solucionar o problema <strong>de</strong> otimização do cartel, que é:<br />

( p ) 1 ( p )<br />

⎛ 1 Π1<br />

1 Π 2<br />

max⎜<br />

+<br />

p1<br />

, p2<br />

⎝ 2 2 2 2<br />

Sujeito a:<br />

2<br />

⎞<br />

⎟<br />

⎠<br />

( 1−<br />

θ )<br />

( p ) 1 Π ( p ) 1 ( )<br />

Π 1 ⎛ 1 1 Π 2 p2<br />

⎞<br />

≤ θ ⎜ + ⎟ −<br />

2 ⎝ 2 2 2 2 ⎠<br />

( 1 )<br />

1 θ<br />

( p ) 1 Π ( p ) 1 ( )<br />

Π 2 ⎛ 1 1 Π 2 p2<br />

⎞<br />

≤ θ⎜ + ⎟ −<br />

2 ⎝ 2 2 2 2 ⎠<br />

( 1 )<br />

2 θ<br />

Mais uma vez utilizaremos o fato <strong>de</strong> ser mais difícil sustentar o cartel quando a <strong>de</strong>manda<br />

é alta para afirmarmos que a restrição ativa do problema será a dada pela equação (19).<br />

Se resolvermos o programa chegaremos a um par <strong>de</strong> preços <strong>de</strong> equilibro em que<br />

e<br />

m<br />

p p2<br />

2 < ( 1<br />

<strong>de</strong>manda).<br />

p po<strong>de</strong> <strong>de</strong> maior ou menor que 2<br />

(18)<br />

(19)<br />

m<br />

p1 = p1<br />

p , <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo dos movimentos <strong>de</strong><br />

100


A intuição para estes preços está na restrição (19). Analisando-a (e consi<strong>de</strong>rando que<br />

aumentos em 1 p e em 2 p aumentam 1<br />

Π e 2<br />

Π , respectivamente) po<strong>de</strong>mos verificar que<br />

aumentos em p 1 relaxam a restrição (as firmas passam a ter mais a per<strong>de</strong>r, em média,<br />

com o <strong>de</strong>svio) enquanto aumentos em p 2 pioram a restrição (as firmas têm mais a ganhar<br />

no <strong>de</strong>svio).<br />

Isto implica que se θ está no intervalo <strong>de</strong>scrito acima alguma cartelização é sustentável.<br />

Isto quer dizer que nos períodos <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda baixa as firmas cobram o preço <strong>de</strong><br />

monopólio enquanto nos períodos <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda alta as firmas cobram um preço abaixo do<br />

<strong>de</strong> monopólio. Isto aponta para uma possível guerra <strong>de</strong> preços em períodos <strong>de</strong> forte<br />

<strong>de</strong>manda.<br />

A.I.9 Observabilida<strong>de</strong> da Demanda<br />

Um fator <strong>de</strong> suma importância diz respeito ao que é observado pelos membros do cartel.<br />

A razão é simples: para po<strong>de</strong>r punir <strong>de</strong>svios, é necessário que se infira <strong>de</strong> maneira algo<br />

precisa que houve um <strong>de</strong>svio por parte <strong>de</strong> um participante <strong>de</strong> um cartel. Caso os membros<br />

do cartel não observem nenhum sinal relacionado às <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> preço e quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

seus competidores, não será possível infligir a um <strong>de</strong>sviante as punições necessárias para<br />

a sustentação <strong>de</strong> um cartel.<br />

Como conseqüência, quanto mais precisa for a observação por parte dos membros do<br />

cartel a respeito das <strong>de</strong>cisões relevantes <strong>de</strong> seus competidores, mais provável <strong>de</strong> ser<br />

sustentável será o cartel, uma vez que <strong>de</strong>svios em relação ao acordo tácito serão mais<br />

facilmente <strong>de</strong>tectáveis.<br />

Apêndice A.II – Formalização do Teste 2: Resposta dos Preços<br />

<strong>de</strong> Cartel A Um Aumento <strong>de</strong> Custos<br />

O teste 2 tem duas fases. A fase 1 consiste na análise das respostas do preço <strong>de</strong> Cournot a<br />

aumentos no custo marginal para diferentes estruturas <strong>de</strong> mercado. Se na fase 1 for<br />

rejeitada a hipótese <strong>de</strong> concorrência à la Cournot no mercado <strong>de</strong> vergalhão no Brasil,<br />

101


passa-se à fase 2, que provê uma explicação para os aumentos <strong>de</strong> preço com base em um<br />

argumento <strong>de</strong> sustentação do conluio.<br />

A.II.1 Fase 1<br />

Consi<strong>de</strong>re o preço <strong>de</strong> Cournot com N firmas <strong>de</strong>rivado acima:<br />

p = a − bQ =<br />

a N<br />

+ c<br />

N + 1 N + 1<br />

A reação do preço <strong>de</strong> equilíbrio <strong>de</strong> Cournot a um aumento no custo marginal é dado pela<br />

<strong>de</strong>rivada <strong>de</strong>ssa expressão em relação a c:<br />

∂p<br />

=<br />

∂c<br />

N<br />

N + 1<br />

Portanto, quanto maior N maior será a resposta do preço a uma alteração no custo<br />

marginal c. Como a estrutura <strong>de</strong> mercado no Brasil é uma das mais concentradas no<br />

mundo, se o preço do vergalhão no Brasil aumentou do que em outros países em resposta<br />

aos aumentos no preço do minério <strong>de</strong> ferro, então é rejeitada a hipótese <strong>de</strong> concorrência à<br />

la Cournot no mercado brasileiro <strong>de</strong> vergalhão.<br />

A.II.2 Fase 2<br />

A.II.2.1 Consi<strong>de</strong>rações Iniciais<br />

O argumento econômico da fase 2 é o seguinte. Consi<strong>de</strong>re dois mercados idênticos<br />

(mesmo número <strong>de</strong> empresas, com os mesmos custos <strong>de</strong> produção e uma mesma<br />

<strong>de</strong>manda <strong>de</strong> mercado), a menos do fato <strong>de</strong> que em um há competição enquanto no outro<br />

as firmas formam um cartel. Mostraremos aqui que no mercado cartelizado o aumento <strong>de</strong><br />

preços po<strong>de</strong> ser muito mais forte do que no mercado em concorrência.<br />

Como discutido amplamente na introdução <strong>de</strong>ssa seção, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um cartel <strong>de</strong><br />

coibir <strong>de</strong>svios é fundamental para que ele seja sustentável. Por sua vez, um aumento <strong>de</strong><br />

custos reduz <strong>de</strong> maneira significativa os incentivos que um membro do cartel tem <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sviar. Isto ocorre pela seguinte razão. Um cartel bem-sucedido age <strong>de</strong> maneira a<br />

reduzir as quantida<strong>de</strong>s produzidas por cada uma das firmas, <strong>de</strong> modo que elas possam<br />

conjuntamente ven<strong>de</strong>r a preços maiores. Um <strong>de</strong>svio (traição do cartel) por parte <strong>de</strong> um<br />

membro, portanto, estará associado a uma produção maior do que a implicitamente<br />

acordado. Isto ocorrerá <strong>de</strong> duas formas. Primeiramente, a empresa <strong>de</strong>sviante, no exato<br />

102


período em que <strong>de</strong>svia, produzirá uma quantida<strong>de</strong> maior que a prescrita pelo cartel. De<br />

fato, esta é a forma pela qual o <strong>de</strong>svio lhe gera benefícios porque com a traição ela obtém<br />

uma maior participação <strong>de</strong> mercado imediata. Em segundo lugar, a resposta do cartel ao<br />

<strong>de</strong>svio (a punição) envolverá a adoção <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>s por todas as firmas <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>s<br />

que sejam maiores (e preços menores) que os acordados pelo cartel. Quando os custos <strong>de</strong><br />

produção aumentam, produzir mais se torna custoso. Portanto, por ambas as frentes, os<br />

benefícios <strong>de</strong> se <strong>de</strong>sviar do cartel ficam substancialmente menores quando há aumento <strong>de</strong><br />

custos. Como conseqüência, mantidas constantes todas as outras variáveis, se o cartel<br />

conseguia estabelecer uma <strong>de</strong>terminada quantida<strong>de</strong> a um <strong>de</strong>terminado custo, ela<br />

conseguirá restringir ainda mais as quantida<strong>de</strong>s produzidas quando o custo <strong>de</strong> produção<br />

aumenta. Isto, por sua vez, fará com que os preços reagirão mais fortemente a um<br />

aumento <strong>de</strong> custos sob conluio do que ocorreria sob competição.<br />

Em suma, do ponto <strong>de</strong> vista teórico, se o cartel for bem sucedido, a reposta dos preços a<br />

um aumento <strong>de</strong> custos será necessariamente maior do que o que seria em competição.<br />

Mostramos este ponto <strong>de</strong> maneira formal na seção abaixo<br />

A.II.2.2 O Argumento Formal<br />

Mo<strong>de</strong>lo<br />

Consi<strong>de</strong>ramos aqui o mo<strong>de</strong>lo mais simples possível, um Cournot com duas firmas.<br />

Há duas firmas, 1 e 2, que competem estabelecendo quantida<strong>de</strong>s e . Tais<br />

quantida<strong>de</strong>s são produzidas a custos respectivamente. As firmas se <strong>de</strong>param<br />

com uma <strong>de</strong>manda inversa com a seguinte forma:<br />

on<strong>de</strong> e (<strong>de</strong> modo que alguma produção sempre ocorrerá).<br />

Analisamos duas situações distintas. Na primeira, as firmas competem entre si. Na<br />

segunda, as firmas formam um cartel com o objetivo <strong>de</strong> elevar seus lucros conjuntos.<br />

Nosso interesse está na resposta dos preços que prevalecem em cada uma <strong>de</strong>ssas<br />

instâncias a uma variação do custo <strong>de</strong> produção c.<br />

Competição<br />

No caso em que as firmas competem à la Cournot, as quantida<strong>de</strong>s que prevalecem são<br />

tais que, para cada uma das firmas, a quantida<strong>de</strong> escolhida maximiza seus lucros dada a<br />

103


quantida<strong>de</strong> escolhida pela outra firma. Isto é, as quantida<strong>de</strong>s escolhidas formam um<br />

Equilíbrio <strong>de</strong> Nash do jogo em questão.<br />

Fixando a quantida<strong>de</strong> escolhida pela firma 2, , consi<strong>de</strong>remos as escolhas da firma 1.<br />

Ela escolherá suas quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> forma a resolver o seguinte problema:<br />

A solução <strong>de</strong>ste problema é:<br />

Como as firmas são simétricas, dada a quantida<strong>de</strong> escolhida pela firma 1, , a firma 2<br />

produzirá:<br />

As quantida<strong>de</strong>s que prevalecem num Equilíbrio <strong>de</strong> Nash resolvem o sistema <strong>de</strong> equações<br />

acima. A solução é:<br />

As quantida<strong>de</strong>s totais produzidas serão:<br />

Os preços que prevalecem são:<br />

q total<br />

2<br />

=<br />

3<br />

[ a − c]<br />

<strong>de</strong> modo que a resposta dos preços a um aumento <strong>de</strong> custos é:<br />

que é igual à<br />

Cartel<br />

Total<br />

∂q<br />

− b .<br />

∂c<br />

∂p<br />

=<br />

∂c<br />

2<br />

3<br />

,<br />

104


Num cartel, o objetivo das firmas é maximizar seu lucro conjunto sob a restrição <strong>de</strong> que<br />

<strong>de</strong>svios unilaterais (traição por parte dos participantes) não ocorram. Uma das hipóteses<br />

teóricas para que um cartel possa ocorrer é que as firmas interajam um número in<strong>de</strong>finido<br />

<strong>de</strong> vezes. Suponha que elas o façam e que, por serem impacientes, <strong>de</strong>scontam o futuro a<br />

uma taxa 0


Em palavras o objetivo do cartel é maximizar a soma das quantida<strong>de</strong>s produzidas sujeito<br />

à restrição <strong>de</strong> que, para cada uma das firmas, é melhor seguir o acordo implícito<br />

estabelecido pelo cartel do que <strong>de</strong>sviar (trair) o acordo.<br />

Nos casos empiricamente relevantes, a restrição do problema acima vigora com<br />

igualda<strong>de</strong>. Nesses casos, a quantida<strong>de</strong> que prevalecerá é <strong>de</strong>finida como sendo a<br />

quantida<strong>de</strong> mais próxima da <strong>de</strong> monopólio que satisfaz a restrição. Para um dado custo, é<br />

fácil ver que a quantida<strong>de</strong> que resolve a equação é:<br />

q conluio<br />

( 0)<br />

( a − c)(<br />

10δ<br />

−18)<br />

=<br />

b(<br />

−27<br />

+ 3δ<br />

) .<br />

Consi<strong>de</strong>re agora o efeito estratégico, num cartel, <strong>de</strong> uma tendência <strong>de</strong> aumento <strong>de</strong> custos<br />

no tempo. Dado o processo produtivo <strong>de</strong> aços longos, o <strong>de</strong>svio (maior produção) por<br />

parte <strong>de</strong> um membro do cartel não é imediato, leva algum tempo, às vezes <strong>de</strong>manda a<br />

instalação <strong>de</strong> uma nova usina. Consi<strong>de</strong>re um aumento <strong>de</strong> custos em Δ > 0 que afete as<br />

<strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> um membro do cartel quando ele <strong>de</strong>svia e para todo o futuro.<br />

Definindo-se por m<br />

q a quantida<strong>de</strong> que seria escolhida por um monopolista, temos que a<br />

quantida<strong>de</strong> que prevalecerá em Cartel será a maior entre a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> monopólio e a<br />

quantida<strong>de</strong> que resolve a seguinte equação:<br />

q<br />

2<br />

δ ⎡q<br />

1−<br />

δ ⎢<br />

⎣2<br />

[ a − bq − c]<br />

+ [ a − bq − ( c + Δ)<br />

]<br />

( a − ( c + ) )<br />

δ ⎡ Δ<br />

− ⎢<br />

1−<br />

δ ⎣ 9b<br />

A solução é dada por:<br />

q conluio<br />

( Δ)<br />

= −<br />

2<br />

⎤<br />

⎥ = 0<br />

⎦<br />

⎡<br />

q ⎤⎡<br />

⎡<br />

q ⎤ ⎤<br />

⎢a<br />

− ( c + Δ)<br />

− b<br />

( )<br />

2 ⎥⎢<br />

⎢a<br />

− c + Δ − b<br />

⎤<br />

2 q ⎥ ⎥<br />

⎥ − ⎢<br />

⎥⎢a<br />

− b⎢<br />

+ ⎥ − ( c + Δ)<br />

⎥<br />

⎦ ⎢ 2b<br />

⎥⎢<br />

⎢ 2b<br />

2⎥<br />

⎥<br />

⎢⎣<br />

⎥⎦<br />

⎢⎣<br />

⎢⎣<br />

⎥⎦<br />

⎥⎦<br />

2<br />

2 2<br />

2<br />

[ 72(<br />

c + Δ)<br />

− 40a(<br />

c + Δ)<br />

δ − 36a<br />

− 36(<br />

c + Δ)<br />

+ 20a<br />

δ + 20(<br />

c + Δ)<br />

δ ]<br />

108ab<br />

− 72bc<br />

− 36(<br />

c + Δ)<br />

− 36abδ<br />

− 36b(<br />

c + Δ)<br />

δ<br />

m<br />

{ q }<br />

cartel<br />

conluio<br />

A quantida<strong>de</strong> que prevalece em Cartel será q max q ( Δ)<br />

.<br />

= . A diferença<br />

cartel conluio<br />

q − q ( 0)<br />

condicionará a resposta dos preços sob conluio a um incremento <strong>de</strong> Δ<br />

no custo. Em particular, a resposta dos preços a um incremento em custos variará em<br />

cartel conluio<br />

conluio será maior em competição se o valor absoluto <strong>de</strong> q − q ( 0)<br />

for maior que<br />

.<br />

106


2Δ<br />

, que é o módulo da resposta das quantida<strong>de</strong>s a um incremento <strong>de</strong> custos sob<br />

3b<br />

competição.<br />

A figura abaixo (figura 3) faz um gráfico com a resposta dos preços a um incremento <strong>de</strong><br />

custos. Neste exemplo, a = 10, c = 6, b=1 e δ = 0,<br />

3 . Supomos que a cada ano haja um<br />

incremento <strong>de</strong> ∆ = 0.01. Os mesmos resultados vigoram para uma gama enorme <strong>de</strong><br />

parâmetros.<br />

Note que a resposta dos preços é sempre maior sob conluio que sob competição, o que<br />

faz com que conluio possa explicar os preços observados no mercado <strong>de</strong> aços longos.<br />

Em geral, po<strong>de</strong>-se concluir que para valores dos parâmetros para os quais:<br />

• os benefícios intertemporais que as firmas po<strong>de</strong>m obter com o cartel são<br />

substanciais<br />

• o acordo implícito induzido pelo cartel é tal que há tentação por parte <strong>de</strong> seus<br />

membros <strong>de</strong> <strong>de</strong>sviar,<br />

a reposta <strong>de</strong> uma cartel a um incremento <strong>de</strong> custos é maior que em competição.<br />

Portanto, um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> sustentação <strong>de</strong> conluio explica uma resposta mais forte do preço<br />

a mudanças no custo marginal. Esse fato será usado, conjuntamente com a evidência <strong>de</strong><br />

aumento no preço do minério <strong>de</strong> ferro e as respostas do preço do vergalhão em outros<br />

países, para i<strong>de</strong>ntificar a conduta colusiva no período 2005-2008.<br />

Apêndice A.III – Método <strong>de</strong> Cálculo do Retorno sobre o<br />

Patrimônio Líquido das Empresas <strong>de</strong> Construção Civil<br />

Listadas no IBOVESPA.<br />

Começamos com uma amostra composta <strong>de</strong> todas as empresas <strong>de</strong> construção civil<br />

listadas na BOVESPA. São elas: ABYARA PLANEJAMENTO IMOBILIARIO S.A.,<br />

AGRA EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS S.A., BRASCAN RESIDENTIAL<br />

PROPERTIES S.A., CAMARGO CORREA DESENV. IMOBILIARIO S.A., CIMOB<br />

PARTICIPACOES S.A., COMPANY S.A., CONSTRUTORA ADOLPHO<br />

LINDENBERG S.A., CONSTRUTORA TENDA S.A., CR2 EMPREENDIMENTOS<br />

IMOBILIARIOS S.A., CYRELA BRAZIL REALTY S.A.EMPREEND E PART, EVEN<br />

107


CONSTRUTORA E INCORPORADORA S.A., EZ TEC EMPREEND. E<br />

PARTICIPACOES S.A., GAFISA S.A., HELBOR EMPREENDIMENTOS S.A., INPAR<br />

S.A., JHSF PARTICIPACOES S.A., JOAO FORTES ENGENHARIA S.A., KLABIN<br />

SEGALL S.A., MRV ENGENHARIA E PARTICIPACOES S.A., PDG REALTY S.A.<br />

EMPREEND E PARTICIPACOES, RODOBENS NEGOCIOS IMOBILIARIOS S.A.,<br />

ROSSI RESIDENCIAL S.A., SERGEN SERVICOS GERAIS DE ENG S.A., TECNISA<br />

S.A. e TRISUL S.A. Excluímos da amostra CIMOB PARTICIPACOES S.A. porque<br />

apresentou patrimônio líquido negativo em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006 e a CONSTRUTORA<br />

TENDA S.A., para a qual não há informação sobre a posição do patrimônio líquido em<br />

<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006.<br />

Com a amostra final, o retorno sobre o patrimônio líquido é calculado pela seguinte<br />

fórmula:<br />

Retorno sobre Patrimônio<br />

= 100 ×<br />

∑<br />

i=<br />

1<br />

I<br />

∑<br />

i=<br />

1<br />

I<br />

= 100×<br />

Lucro Líquido 2007<br />

i<br />

I<br />

∑<br />

i=<br />

1<br />

Patrimônio Líquido 2006<br />

Lucro Líquido 2007i<br />

Patrimônio Líquido 2006<br />

i<br />

I<br />

∑<br />

i=<br />

1<br />

i<br />

× Patrimônio Líquido 2006<br />

Patrimônio Líquido 2006<br />

on<strong>de</strong> I é o número <strong>de</strong> empresas na amostra final e i in<strong>de</strong>xa as empresas. Em outras<br />

palavras. Para cada empresa, calculamos seu retorno dividindo o lucro líquido (<strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

impostos) acumulado durante o ano pelo capital disponível para investimento no final no<br />

ano anterior (o patrimônio líquido). Então calculamos a média pon<strong>de</strong>rada pelo próprio<br />

patrimônio líquido, <strong>de</strong> modo a produzir um número representativo do mercado <strong>de</strong><br />

empresas listadas.<br />

i<br />

108<br />

i

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