DE 4771 : Plano 48 : 1 : P.gina 1 - Diário Económico
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CON<strong>DE</strong>R A CABEÇA NA AREIA<br />
JOÃO DUQUE<br />
Professor Catedrático, Presidente do ISEG e membro do júri do Prémio Inovação Reforma<br />
Poupar até morrer<br />
Todos conhecem bem a fábula<br />
dacigarraedaformiga.Porquê<br />
evocá-la? Porque, se tomarmos<br />
em consideração a situação actual<br />
do sistema de segurança<br />
social português, o estado das<br />
finanças públicas nacionais, a<br />
actual taxa de esforço fiscal que<br />
é imposta aos portugueses, e<br />
ainda a evolução expectável da<br />
demografia portuguesa, penso<br />
que mais do que nunca faz sentido<br />
recordar a sábia atitude da<br />
formiga. Senão vejamos.<br />
O actual sistema de segurança<br />
social português é basicamente<br />
um sistema redistributivo<br />
em que as contribuições dos<br />
activos de hoje são praticamente<br />
todas redistribuídas pelos que<br />
hoje delas necessitam. Isto é,<br />
quase não resta folga para a capitalização.<br />
O sistema actual<br />
distribui quase a totalidade do<br />
Penso que serei um<br />
felizardo se conseguir<br />
uma reforma a<br />
rondar os 50% do<br />
último salário dentro<br />
de 22 anos quando<br />
me reformarem<br />
compulsivamente.<br />
que recolhe, não dando espaço a<br />
qualquerpoupançaparasefazer<br />
face à velhice dos que hoje<br />
descontam. Tal sistema, em que<br />
os novos de hoje irão viver dos<br />
novos de amanhã, não está errado<br />
desde que se verifiquem<br />
alguns pressupostos.<br />
Em primeiro lugar, desde que<br />
existam novos amanhã. Podem<br />
não ima<strong>gina</strong>r um Portugal deserto<br />
com poucos nativos mas,<br />
se continuarmos a nascer e a<br />
morrer aos ritmos de hoje, a população<br />
vai cair muito significativamente<br />
e podemos ter 8<br />
milhões de habitantes dentro de<br />
50 anos. Mais grave ainda, desses<br />
8 milhões, uma percentagem<br />
ainda maior do que a de<br />
hoje será composta por pessoas<br />
com idade superior a 65 anos.<br />
Bonito! Muitos menos para sustentar<br />
muitos mais!<br />
Ora isso pode também não ser<br />
problema se tivermos poupado<br />
até lá o suficiente para viver em<br />
parte dos rendimentos da poupança.<br />
Ora, a poupança realizada<br />
atéhojeequesecifraempoucos<br />
biliões de euros, não permitirá<br />
pagar mais do que uns meses de<br />
reformas em caso de cessarem os<br />
descontos dos activos para redistribuir<br />
aos reformados.<br />
Também se poderia invocar<br />
que mesmo sem poupança colectiva<br />
poderíamos agravar os<br />
habitantes do futuro com mais<br />
contribuições para sustentarem<br />
os velhos de então. Desenganem-se.<br />
Pois se hoje, quando se<br />
fala no agravamento das contribuições<br />
para a Segurança Social,<br />
logo se ouvem palavras defesa<br />
do adiamento da entrada em vigor<br />
desse “pseudo-imposto”,<br />
como é que acham que vão rea-<br />
Quinta-feira 3 Dezembro 2009 <strong>Diário</strong> <strong>Económico</strong> 45<br />
David Moir / Reuters<br />
Quando os problemas são<br />
complexos e de difícil<br />
resolução, a estratégia de<br />
muitos é enterrar a<br />
cabeça na areia. Esta<br />
imagem ajuda a descrever<br />
a forma como muitos<br />
portugueses continuam a<br />
(não) encarar a<br />
inevitabilidade de,<br />
aquando da reforma,<br />
passarem a receber muito<br />
menos do que<br />
actualmente.<br />
A fotografia foi tirada no<br />
mês passado, numa praia<br />
escocesa, aquando da<br />
reunião do G20. O grupo<br />
‘Put the People First’<br />
protestava contra uma<br />
proposta de Gordon<br />
Brown, que sugeriu criar<br />
um imposto sobre<br />
transacções financeiras<br />
de forma a poder<br />
financiar eventuais novos<br />
‘bailouts’ bancários.<br />
gir os que no futuro ainda por<br />
cima terão de reembolsar a dívida<br />
pública que insistimos em<br />
aumentar à razão de 1,7 milhões<br />
de euros à hora?<br />
Sem pé-de-meia feito hoje,<br />
sem condições para aumentar<br />
as contribuições dos futuros<br />
portugueses activos, com o número<br />
de idosos a crescer dia a<br />
dia, e com uma população activaadecrescerdiaadia,oresultado<br />
da equação só poderá ser<br />
um:reduzirasreformasfuturas.<br />
Penso que serei um felizardo<br />
se conseguir uma reforma a<br />
rondar os 50% do último saláriodentrode22anosquando<br />
me reformarem compulsivamente<br />
(à luz das leis de hoje). E<br />
depois de mim ainda será pior!<br />
Daí um conselho aos que ainda<br />
vão a tempo: poupem. E façam-no<br />
até morrer! ■