12.05.2013 Views

A noção do tempo e o Ensino de História

A noção do tempo e o Ensino de História

A noção do tempo e o Ensino de História

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

LPH - Revista <strong>de</strong> <strong>História</strong>, v.2, n. 1, 1991<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

A NOÇÃO DO TEMPO E O ENSINO DE HISTÓRIA<br />

Raquel Glezer<br />

Depto. <strong>de</strong> <strong>História</strong> - IEA/USP<br />

“En fait, l’historien ne sort jamais du temps <strong>de</strong> l’histoire : le temps colle à as pensée comme la terre à la bêche du<br />

jardinier.” 1<br />

Um <strong>do</strong>s aspectos interessantes na questão da formação <strong>de</strong> historia<strong>do</strong>res no Brasil é<br />

o da pouca atenção que vem sen<strong>do</strong> dada ao estu<strong>do</strong> das variáveis obrigatórias: Espaço e<br />

Tempo.<br />

Deixamos a discussão <strong>do</strong> Espaço para geógrafos, e nem mesmo acompanhamos, à<br />

distância, os <strong>de</strong>bates e as transformações que estão ocorren<strong>do</strong> na área vizinha. Geohistória,<br />

história <strong>do</strong>s climas, geopolítica não atraem a atenção <strong>do</strong>s jovens historia<strong>do</strong>res nacionais.<br />

Quanto ao Tempo, parece-nos haver uma atitu<strong>de</strong> generalizada <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar o tema<br />

arcaico, ultrapassa<strong>do</strong>, envelheci<strong>do</strong>. Sentimos que alguns historia<strong>do</strong>res, quan<strong>do</strong> lhes é colocada<br />

a questão, simbolicamente, puxam os revólveres e atiram: “<strong>tempo</strong> é cronologia”; “<strong>tempo</strong> é<br />

periodização”; “<strong>tempo</strong> é i<strong>de</strong>ologia”, ou mesmo, “<strong>tempo</strong> é periodizaçao europocêntrica”.<br />

Propor o tema é quase uma ousadia.<br />

As discussões sobre velhos temas, velhas histórias, velhas preocupações, como<br />

questões epistemológicas, escolas historiográficas, méto<strong>do</strong>s e técnicas estão hoje,<br />

aparentemente, fora <strong>do</strong> atual saber histórico. Relações vivenciais, emoções, parecem que se<br />

tornaram mais significativas para a prática <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r. 2<br />

Raros textos conceituais retomam as questões clássicas. 3<br />

Entretanto, para to<strong>do</strong>s que trabalham na difícil e problemática área da<br />

Epistemologia e Teoria da <strong>História</strong>, Tempo e <strong>História</strong> é ato <strong>de</strong> reflexão obrigatória. 4<br />

Tempo, para <strong>História</strong>, além <strong>de</strong> ser variável, é uma questão teórica fundamental.<br />

O surgimento da <strong>História</strong> como campo <strong>de</strong> conhecimento, apreensão da realida<strong>de</strong>,<br />

com teorias, méto<strong>do</strong>s e técnicas <strong>de</strong> trabalho, tornou-se possível com a laicização <strong>do</strong><br />

pensamento filosófico. Quan<strong>do</strong> a <strong>História</strong> e Filosofia <strong>de</strong> <strong>História</strong> <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser uma<br />

unida<strong>de</strong>, o processo <strong>de</strong> conhecimento histórico pô<strong>de</strong> <strong>de</strong>finir seu objeto <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> – a ação<br />

<strong>do</strong>s homens entre si e com a natureza.<br />

Ao ocorrer a separação, <strong>História</strong> manteve o conceito Tempo, que se era, até então,<br />

sagra<strong>do</strong> e escatológico, passou a ser laico, mas manteve a finalida<strong>de</strong>, qualquer que fosse o<br />

nome da<strong>do</strong> a ela: Juízo Final foi substituí<strong>do</strong> por Liberda<strong>de</strong>, Razão, Esta<strong>do</strong>, Progresso,<br />

Evolução, Revolução.<br />

A <strong>noção</strong> <strong>do</strong> Tempo laiciza<strong>do</strong> continuou sen<strong>do</strong> a <strong>do</strong> Tempo sagra<strong>do</strong>, cristão, com<br />

passa<strong>do</strong>, presente e futuro. Ocorreu uma permuta <strong>de</strong> significação: Criação e Queda da<br />

Humanida<strong>de</strong> transformou-se em Passa<strong>do</strong>; Oferta <strong>de</strong> Salvação, em Presente; Juízo Final em<br />

Futuro. O Tempo <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser o meio <strong>de</strong> expressão da Providência Divina para ser o<br />

Tempo da vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong>s homens, direciona<strong>do</strong> por eles. Esse Tempo tornou-se um absoluto.<br />

Para a <strong>História</strong>, o Tempo variável obrigatória, acabou sen<strong>do</strong> o fator básico,<br />

elemento <strong>de</strong> união, explicação em si, fator <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s homens, que,<br />

1 BRAUDEL, Fernand. Écrits sur l’histoire. Paris: Flammarion, 1969. p.75<br />

2 Vi<strong>de</strong> VIEIRA, M. M. <strong>do</strong> Pilar et alii. A pesquisa em <strong>História</strong>. São Paulo: Ática, 1989.<br />

3 Vi<strong>de</strong> CARDOSO, Ciro Flammarion. Ensaios racionalistas. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Campus, 1988 e ZAIDAN FILHO,<br />

Michel. A crise da razão histórica. Campinas: Papirus, 1989.<br />

4 Escolhi para discutir neste texto a questão <strong>do</strong> Tempo no ensino <strong>do</strong>s cursos <strong>de</strong> graduação em <strong>História</strong>, tanto por<br />

estar no campo nos últimos anos, como pelo fato <strong>de</strong> que, apesar das dificulda<strong>de</strong>s conceituais, Ernesta Zamboni e<br />

Circe Maira Fernan<strong>de</strong>s Bittencourt têm, nos últimos anos, <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> alguns artigos à questão <strong>do</strong> ensino <strong>de</strong> 1 o e 2 o<br />

graus.<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

1


LPH - Revista <strong>de</strong> <strong>História</strong>, v.2, n. 1, 1991<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

mais estavam no caminho da Salvação, estavam imersos na estrada <strong>do</strong> Futuro (qualquer<br />

que fosse o nome da<strong>do</strong> a ele).<br />

O Tempo permitiu a relação entre socieda<strong>de</strong>s com formas diferentes <strong>de</strong> contagem, a<br />

comparação entre elas, a articulação <strong>de</strong> elementos aparentemente <strong>de</strong>sconexos. Ele tornouse<br />

a explicação causal, primária, elementar: fatos eram agrega<strong>do</strong>s por proximida<strong>de</strong><br />

cronológica. Com o progressivo <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> conhecimento teórico, a questão<br />

<strong>tempo</strong>ral transformou-se em recurso técnico, classificatório.<br />

A preocupação a <strong>História</strong> Universal (<strong>História</strong> Católica) valorizou as periodizações:<br />

eras, épocas, impérios, ida<strong>de</strong>s. Questões proféticas, escatológicas que foram<br />

tranqüilamente assumidas pela histórica ciência, pois o estatuto científico <strong>do</strong> conhecimento<br />

garantia a neutralida<strong>de</strong> e a objetivida<strong>de</strong>. A Cronologia, como estu<strong>do</strong> comparativo <strong>do</strong>s<br />

diferentes calendários, correspon<strong>de</strong>ntes a diversas civilizações e formas <strong>de</strong> contagem <strong>de</strong><br />

<strong>tempo</strong>, <strong>de</strong>senvolveu-se, tornan<strong>do</strong>-se um instrumento <strong>de</strong> pesquisa básico para articulação <strong>de</strong><br />

contagens originalmente diferentes. A progressiva especialização <strong>do</strong> conhecimento<br />

histórico introduziu os marcos <strong>tempo</strong>rais, a partir <strong>do</strong> único <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> como <strong>do</strong>minante: o<br />

nascimento <strong>de</strong> Cristo. Novos marcos foram paulatinamente sen<strong>do</strong> introduzi<strong>do</strong>s, bem como<br />

recortes <strong>tempo</strong>rais, etapas, marcos simbólicos.<br />

A percepção <strong>do</strong> Tempo como elemento articula<strong>do</strong>r se transformou em pano <strong>de</strong><br />

fun<strong>do</strong>. Não havia o que discutir, o que falar sobre o Tempo. Afinal, ele sempre<br />

esteve/está/estará à disposição <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r como elemento explicativo.<br />

A introjeção <strong>do</strong> Tempo como fator explicativo em si mesmo po<strong>de</strong> ser acompanhada<br />

na leitura atenta <strong>do</strong>s manuais <strong>de</strong> introdução aos estu<strong>do</strong>s históricos, que, <strong>do</strong> século passa<strong>do</strong><br />

a nossos dias, servem <strong>de</strong> apresentação <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> consensual <strong>do</strong> conhecimento histórico.<br />

Do clássico Langlois & Seignobos, ficamos com o Tempo como categoria<br />

classificatória <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos e <strong>de</strong>pois <strong>do</strong>s fatos. 5<br />

Bauer separou claramente em <strong>do</strong>is momentos diferentes o uso <strong>do</strong> Tempo na<br />

periodização e na Cronologia, uma ciência auxiliar. 6<br />

A questão <strong>do</strong> Tempo não é assunto trata<strong>do</strong> nos manuais, nem em livros <strong>de</strong> Teoria<br />

da <strong>História</strong>. É um da<strong>do</strong> apenas. Des<strong>de</strong> quan<strong>do</strong> Brau<strong>de</strong>l introduziu a questão das<br />

<strong>tempo</strong>ralida<strong>de</strong>s, que é um recurso classificatório <strong>de</strong> fenômenos, pouco mais se avançou no<br />

<strong>de</strong>bate. 7<br />

Em textos recentes discutem-se questões como formas <strong>de</strong> contagem <strong>de</strong> <strong>tempo</strong> e <strong>de</strong><br />

como historia<strong>do</strong>res submetem o Tempo em seu processo explicativo, 8 ou como os<br />

conceitos explicativos relaciona<strong>do</strong>s à questão <strong>tempo</strong>ral se <strong>de</strong>senvolveram como calendário,<br />

passa<strong>do</strong>/presente, ida<strong>de</strong>s míticas, antigo/mo<strong>de</strong>rno, escatologia e <strong>de</strong>cadência. 9<br />

Po<strong>de</strong>mos comprovar que, mesmo para historia<strong>do</strong>res preocupa<strong>do</strong>s com a questão<br />

teórica, Tempo é percebi<strong>do</strong> como elemento articula<strong>do</strong>r pelo uso indiferencia<strong>do</strong> <strong>do</strong> termo,<br />

como sinônimo <strong>de</strong> época, era, ida<strong>de</strong>, momento, i<strong>de</strong>ologia e <strong>História</strong>. 10<br />

A utilização camaleônica <strong>do</strong> termo Tempo indica que, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com os próprios<br />

especialistas, o conceito não é claro. Como não estudamos a questão <strong>do</strong> Tempo, este segue<br />

5<br />

LANGLOIS, Ch.V. e SEIGNOBOS, Ch. Introdução aos estu<strong>do</strong>s históricos. São Paulo: Renascença, 1946. p.<br />

74-172 (1 a ed.1898).<br />

6 a<br />

BAUER, Wilhelm. Introducción al estudio <strong>de</strong> la historia. Barcelona: Bosch, 1970 (1 ed.1921);<br />

7 a<br />

BRAUDEL, Fernand. A longa duração. IN: <strong>História</strong> e Ciências Sociais. Lisboa:Presença, 1972. (1 ed. 1958).<br />

8<br />

CORDOLIANI, A. Comput, chronologie, calendries, e BEAUJOUAN, G.Les temps historiques. IN:<br />

SAMARAN, Ch. (org). L’historie et ses mètho<strong>de</strong>s. Bruges:Gallimard, 1961, p.31-51 e 51-67.<br />

9<br />

LE GOFF, J. (org). Memória – <strong>História</strong>. Enciclopédia Einaudi, v.1, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da<br />

Moeda, 1984. p.260, 293, 311, 370, 393 e 425.<br />

10<br />

Ver, entre outros, VILAR, Pierre. O <strong>tempo</strong> <strong>do</strong> Quijote; BAGU, S. Tiempo, realidad social y conocimientos;<br />

ARIÉS, Ph. O <strong>tempo</strong> da história; e ainda, Le Goff, Duby, Foucault, Thompson, Taylor, etc.<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

2


LPH - Revista <strong>de</strong> <strong>História</strong>, v.2, n. 1, 1991<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

sen<strong>do</strong>, como em senso comum, o articula<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s atos humanos, fator explicativo em si<br />

mesmo, inquestionável, pois é percebi<strong>do</strong> sensível e empiricamente.<br />

Falta aos especialistas a retomada da questão básica <strong>do</strong> <strong>tempo</strong>. Em alguns campos<br />

já se está recolocan<strong>do</strong> a questão como fundamental, para a compreensão <strong>do</strong> próprio<br />

conhecimento científico. 11<br />

Não po<strong>de</strong> o ensino <strong>de</strong> <strong>História</strong>, nos cursos <strong>de</strong> graduação, ficar limita<strong>do</strong> a apresentar<br />

a questão <strong>do</strong> Tempo como restrita a <strong>do</strong>is gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>bates teórico-i<strong>de</strong>ológicos, como a<br />

questão das periodizações europocêntricas ou etapistas, 12 e, a questão da seleção <strong>do</strong>s<br />

marcos simbólicos sociais, <strong>do</strong>s vence<strong>do</strong>res e <strong>do</strong>s venci<strong>do</strong>s. 13<br />

Ao fazer crítica a seleções i<strong>de</strong>ológicas <strong>tempo</strong>rais, como a periodização e o marco<br />

<strong>tempo</strong>ral <strong>do</strong> vence<strong>do</strong>r, não se <strong>de</strong>ve jogar fora a questão <strong>do</strong> Tempo.<br />

Mesmo os críticos mais acirra<strong>do</strong>s das periodizações não aban<strong>do</strong>nam o Tempo<br />

tripartite. 14 Afinal, para to<strong>do</strong>s nós, é claro que o aban<strong>do</strong>no <strong>do</strong> Tempo leva a <strong>História</strong> à<br />

extinção. Na socieda<strong>de</strong> con<strong>tempo</strong>rânea, encharcada <strong>de</strong> informações e da<strong>do</strong>s aleatórios, a<br />

consciência histórica não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser um elemento articula<strong>do</strong>r.<br />

O <strong>de</strong>scaso com a questão Tempo <strong>de</strong>ixa a socieda<strong>de</strong> diante <strong>de</strong> uma perplexida<strong>de</strong>:<br />

diversos Tempos/diversas <strong>História</strong>s levarão à incompreensão e à certeza <strong>de</strong> que o Tempo é<br />

o soluciona<strong>do</strong>r das questões que o homem colocou em seu caminhar, e ele, o Tempo, é um<br />

<strong>de</strong>us “ex-machina” que resolverá os problemas que os homens não pu<strong>de</strong>ram resolver.<br />

A sacralização <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, que tanto os historia<strong>do</strong>res combateram, retornará pela<br />

sacralização <strong>do</strong> Tempo.<br />

11<br />

Vi<strong>de</strong> POMIAN, K. L’ordre du temps. Paris: Gallimard, 1984 e Current Sociology, 37 (3), winter 1989 – The<br />

sociology of Time, org. Gilles Pronovost.<br />

12 a<br />

Vi<strong>de</strong> CHESNEAUX, J. Hacemos tabla rasa <strong>de</strong>l pasa<strong>do</strong>? Madrid: Siglo Veintiuno, 1984 (1 ed 1976) e<br />

FERRO, Marc. A manipulação da história no ensino e nos meios <strong>de</strong> comunicação. São Paulo: IBRASA, 1983.<br />

(1 a ed 1981) e FERRO, Marc. A história vigiada. São Paulo: Martins Fontes, 1989.<br />

13<br />

Vi<strong>de</strong> VEZENTINI, C. & DE DECCA, E. A Revolução <strong>do</strong> vence<strong>do</strong>r. Contraponto. Rio <strong>de</strong> Janeiro: 1976 e DE<br />

DECCA, Edgar. O silêncio <strong>do</strong>s venci<strong>do</strong>s. São Paulo: Brasiliense, 1981. Ver também BENJAMIN, Walter. Obras<br />

escolhidas. São Paulo:Brasiliense, 1985, 1987, 1989.<br />

14<br />

CHESNEAUX, Jean. L’axe passé/présent/avenir. Espaces Temps. Paris, n. 29, 1985, p.13, on<strong>de</strong> diz:<br />

“L’histoire c’est, d’une part, un esemble <strong>de</strong> tecniques: tout le mon<strong>de</strong> ne peut pas’improviser spécialiste <strong>de</strong> la<br />

connaissance historique ... d’autre part, représente la continuité interne <strong>de</strong> la dimension du temps, l’articulacion<br />

d’une à une autre”.<br />

FONTE<br />

ANAIS DO VII ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA DA ANPUH – MG – Crise <strong>de</strong> I<strong>de</strong>ologias – Mariana,<br />

24 a 28 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1990. Separata da Revista <strong>de</strong> <strong>História</strong>, vol.2 – número 1 – 1991 – Depto. <strong>de</strong> <strong>História</strong> da<br />

UFOP, p. 38 a 41.<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

3


IEA/USP - ESTUDOS AVANÇADOS Coleção DOCUMENTOS<br />

Série Estu<strong>do</strong>s Sobre o Tempo - fevereiro 1991<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

1<br />

O TEMPO NA HISTÓRIA 1<br />

Raquel Glezer<br />

Depto. <strong>de</strong> <strong>História</strong> - IEA/USP<br />

Apesar <strong>de</strong> não ter combina<strong>do</strong> com o Bruni 2 por on<strong>de</strong> começaria, só posso mesmo<br />

começar quan<strong>do</strong> a Filosofia da <strong>História</strong> se separa da <strong>História</strong> e, o que chamamos <strong>de</strong><br />

<strong>História</strong> como um processo <strong>de</strong> conhecimento, uma forma <strong>de</strong> apreensão da realida<strong>de</strong>,<br />

tornou-se possível ao ser humano, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da Providência Divina, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da<br />

vonta<strong>de</strong> divina, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> algo transcen<strong>de</strong>nte aos homens, à natureza e à própria<br />

<strong>História</strong>. A laicização <strong>do</strong> pensamento permitiu a existência da <strong>História</strong> e ela surge com<br />

duas variáveis obrigatórias: o espaço e o <strong>tempo</strong>. O <strong>tempo</strong> da história, quan<strong>do</strong> ela se<br />

estrutura como conhecimento, é um <strong>tempo</strong> que chamamos tripartite. É o <strong>tempo</strong> que vem<br />

<strong>do</strong> cristianismo, laiciza<strong>do</strong>, mas a ligação com o futuro permaneceu forte e marcada. O<br />

<strong>tempo</strong> da história inclui, obrigatoriamente, o passa<strong>do</strong>, o presente e o futuro. Esse futuro,<br />

quer seja o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> progresso, quer o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, quer o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> razão, está<br />

sempre liga<strong>do</strong> a uma idéia <strong>de</strong> progresso intelectual, material, <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, da<br />

submissão da natureza à força humana, aos atos humanos, à vonta<strong>de</strong> humana. A<br />

separação da Filosofia da <strong>História</strong>, que permitiu a criação da <strong>História</strong>, a formulação <strong>do</strong><br />

pensamento histórico, fez com que o <strong>tempo</strong>, na história, passasse a ser encara<strong>do</strong>, pelo<br />

menos naquele momento, como um absoluto. Não se discutiu a questão <strong>do</strong> <strong>tempo</strong>, porque<br />

o <strong>tempo</strong> é o elemento organiza<strong>do</strong>r <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> da humanida<strong>de</strong>, permite o arranjo e a<br />

comparação das diversas socieda<strong>de</strong>s, permite a articulação <strong>de</strong> elementos aparentemente<br />

<strong>de</strong>sconexos. Se para a filosofia existe o problema <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> material ser um mun<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>grada<strong>do</strong>, para a <strong>História</strong> , quan<strong>do</strong> se formula, ao se separar da Filosofia da <strong>História</strong>, na<br />

qual a explicação <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> o que o ser humano fez, faz ou fará, era dada pela<br />

transcendência divina ou qualquer outro processo <strong>de</strong> explicação <strong>do</strong>a atos humanos, o<br />

elemento <strong>tempo</strong> entrou como elemento <strong>de</strong> articulação, como uma conexão causal,<br />

primária, extremamente elementar. Os fatos foram agrega<strong>do</strong>s por proximida<strong>de</strong>, mas é o<br />

<strong>tempo</strong> que vai permitir ao homem explicar os fatos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da vonta<strong>de</strong> divina. O<br />

<strong>tempo</strong> também vai permitir a periodização, a criação <strong>do</strong>s recortes <strong>tempo</strong>rais e é estranho<br />

que à medida que a <strong>História</strong> se separa da Filosofia da <strong>História</strong>, mantenha elementos da<br />

própria Filosofia da <strong>História</strong>. Ela mantém, por exemplo, a idéia <strong>de</strong> uma história universal,<br />

uma história católica. Essa história universal, na história laica, vai manter a periodização<br />

em ida<strong>de</strong>s. É claro que a origem das ida<strong>de</strong>s, tal como as conhecemos, numa visão<br />

europocêntrica, bem mediterrânea, é ligada ao Renascimento. É uma periodização que<br />

tem si<strong>do</strong> bastante criticada pelos historia<strong>do</strong>res, porque, como se preten<strong>de</strong> uma<br />

periodização universal, a história <strong>do</strong>s povos não mediterrâneos só passa por essa história<br />

universal quan<strong>do</strong> esbarra na história <strong>do</strong>s povos <strong>do</strong> Mediterrâneo. Entretan<strong>do</strong>, essa<br />

concepção europocêntrica que presidiu a to<strong>do</strong> o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> conhecimento<br />

histórico, resiste a duras penas às críticas que vêm sen<strong>do</strong> feitas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> mea<strong>do</strong>s da década<br />

<strong>de</strong> cinquenta, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scolonização <strong>do</strong>s povos africanos e<br />

asiáticos. Mesmo os autores europeus, a partir da década <strong>de</strong> sessenta criticam essa<br />

periodização em ida<strong>de</strong>s universais <strong>de</strong>finidas, estruturadas, iguais para to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>.<br />

Entretanto, ela continua como referência, é um recorte, permite que o <strong>tempo</strong> se divida e é<br />

1 Comunicação transcrita da mesa-re<strong>do</strong>nda O Tempo na Filosofia e na <strong>História</strong>, auditório <strong>de</strong> Cinema da Escola<br />

<strong>de</strong> Comunicação e Artes da USP em 29 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1989, páginas 14 a 19.<br />

2<br />

A autora refere-se ao Prof.José Carlos Bruni, professor <strong>do</strong> Departamento <strong>de</strong> Sociologia da FFLCH-USP e<br />

também autor nesta coleção.


IEA/USP - ESTUDOS AVANÇADOS Coleção DOCUMENTOS<br />

Série Estu<strong>do</strong>s Sobre o Tempo - fevereiro 1991<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

na divisão <strong>do</strong> <strong>tempo</strong> que as explicações históricas se articulam. Ao la<strong>do</strong> da periodização<br />

da história universal, encontramos a periodização <strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> produção, hoje em dia<br />

tão criticada, tão atacada quanto a periodização universal. Da crítica à periodização<br />

homogeneizada, algumas vezes fica para as pessoas que acompanham a discussão na<br />

área, a idéia <strong>de</strong> que o <strong>tempo</strong> se tornou um elemento <strong>de</strong>snecessário, <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser<br />

importante, fundamental, para o trabalho <strong>de</strong> explicação. Entretanto, quer o historia<strong>do</strong>r<br />

trabalhe com explicações causais muito simples, muito ligadas à cronologia, a um <strong>tempo</strong><br />

direto, quer ele trabalhe com <strong>tempo</strong>ralida<strong>de</strong>s, está sempre amarra<strong>do</strong> ao <strong>tempo</strong>. Des<strong>de</strong> o<br />

final da década <strong>de</strong> cinquenta, os historia<strong>do</strong>res trabalham com um <strong>tempo</strong> <strong>de</strong>composto,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> <strong>História</strong> que estejam fazen<strong>do</strong>, <strong>do</strong> material disponível, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong><br />

da concepção <strong>de</strong> <strong>História</strong>. Eles po<strong>de</strong>m trabalhar com um <strong>tempo</strong> breve, um <strong>tempo</strong> médio e<br />

um <strong>tempo</strong> longo. Normalmente, as pessoas acham que os historia<strong>do</strong>res trabalham com o<br />

<strong>tempo</strong> numa sequência cronológica amarrada. Na prática, o <strong>tempo</strong> <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r é to<strong>do</strong><br />

lacunar. A amarração é dada pela narrativa, é dada pela construção. Não existe a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r reconstituir em sua explicação, tu<strong>do</strong> o que aconteceu. Ele<br />

trabalha com resíduos aleatórios <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, o seu trabalho com esses resíduos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> momento em que está viven<strong>do</strong>, daquilo que a socieda<strong>de</strong> lhe permite pensar, lhe<br />

permite usar como instrumental e lhe <strong>de</strong>fina como objetivo <strong>do</strong> conhecimento. O<br />

historia<strong>do</strong>r usa as lacunas <strong>tempo</strong>rais como se elas não existissem. Ele sabe que elas<br />

existem, sabe que são partes integrantes da narrativa e elas são simplesmente ignoradas.<br />

A característica da narrativa histórica normal é que ela é uma narrativa linear; as pessoas<br />

que a lêem nunca encontram as lacunas <strong>tempo</strong>rais. A impressão que dá é que tu<strong>do</strong><br />

aconteceu numa or<strong>de</strong>m direta, arrumada, cronológica e, obviamente, foi aquilo mesmo<br />

que aconteceu. A montagem das lacunas, a montagem da narrativa, a seleção <strong>do</strong> material<br />

é to<strong>do</strong> o trabalho <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r. O historia<strong>do</strong>r po<strong>de</strong> optar com qual <strong>tempo</strong> vai trabalhar,<br />

com qual material e com qual perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> duração. Quan<strong>do</strong> falamos numa narrativa <strong>de</strong><br />

<strong>tempo</strong> breve, falamos numa <strong>História</strong> que tem si<strong>do</strong> chamada <strong>de</strong> história factual, <strong>de</strong> história<br />

tradicional. Uma <strong>História</strong> que se pren<strong>de</strong> ao fato histórico, na narrativa consi<strong>de</strong>rada como<br />

uma narrativa dramática, cuja característica da produção nos dias <strong>de</strong> hoje é o que<br />

chamamos <strong>de</strong> história imediata – a história que está sen<strong>do</strong> escrita praticamente no<br />

momento em que está acontecen<strong>do</strong>. Essa história fatual é uma história que vai sen<strong>do</strong><br />

montada <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a seleção <strong>do</strong>s acontecimentos da vida cotidiana. É uma história<br />

montada muito em cima <strong>do</strong> dramático. Tradicionalmente, tem-se consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> a história<br />

política como a história <strong>do</strong> <strong>tempo</strong> breve, a história <strong>do</strong>s rápi<strong>do</strong>s acontecimentos. Os<br />

historia<strong>do</strong>res, na primeira meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século vinte, discutiram muito como <strong>de</strong>struir essa<br />

história política e colocar no lugar da história <strong>do</strong>s reis, <strong>do</strong>s heróis, das guerras, <strong>do</strong>s<br />

trata<strong>do</strong>s, uma outra história. De certa forma, na <strong>de</strong>composição <strong>do</strong> <strong>tempo</strong> histórico, eles<br />

fazem isso. E o fazem crian<strong>do</strong> outras formas <strong>de</strong> <strong>História</strong>. Uma outra forma <strong>de</strong> trabalhar o<br />

<strong>tempo</strong> em <strong>História</strong> é através <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> <strong>tempo</strong> médio, <strong>tempo</strong> <strong>de</strong> conjuntura, que é o<br />

<strong>tempo</strong> da história econômica e social. É uma concepção <strong>de</strong> <strong>tempo</strong> que a história extrai da<br />

economia: literalmente pega os ciclos econômicos e transporta a idéia para sua história<br />

quantitativa, crian<strong>do</strong> ciclos diferentes, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o fenômeno que é estuda<strong>do</strong>.<br />

Algumas vezes, as pessoas leigas pensam que uma história <strong>de</strong> conjuntura possui<br />

obrigatoriamente uma duração <strong>de</strong>finida. Isso não ocorre. Ela possui a duração que o<br />

historia<strong>do</strong>r <strong>de</strong>fine, a partir <strong>do</strong> assunto que escolhe como tema <strong>de</strong> pesquisa, <strong>do</strong> material<br />

que seleciona. Então, temos histórias <strong>de</strong> conjuntura <strong>de</strong> <strong>de</strong>z a cem anos, histórias <strong>de</strong><br />

conjuntura <strong>de</strong> duzentos anos. Depen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>do</strong> material que se conseguiu selecionar, que<br />

se conseguiu recuperar, que se conseguiu articular, temos histórias muito diferentes <strong>do</strong><br />

que tradicionalmente se concebia como história, que é a história <strong>do</strong> <strong>tempo</strong> curto. Temos<br />

histórias <strong>de</strong> técnicas, <strong>de</strong> instituições políticas, história das ciências, história <strong>de</strong><br />

______________________________________________________________________________________________<br />

2


IEA/USP - ESTUDOS AVANÇADOS Coleção DOCUMENTOS<br />

Série Estu<strong>do</strong>s Sobre o Tempo - fevereiro 1991<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

civilizações mesmo, como histórias conjunturais. A terceira fase da <strong>de</strong>composição<br />

<strong>tempo</strong>ral é a chamada história estrutural, história <strong>de</strong> <strong>tempo</strong> longo, história <strong>de</strong> longa<br />

duração. Essa história <strong>de</strong> longa duração fez com que historia<strong>do</strong>res procurassem trabalhar<br />

com fenômenos <strong>de</strong> persistência extremamente <strong>de</strong>morada. Trabalhava-se<br />

fundamentalmente com história da cultura, com a geohistória, no momento <strong>de</strong> seu<br />

lançamento. Tentou-se passar, nos anos seguintes, para a história das mentalida<strong>de</strong>s.<br />

Quan<strong>do</strong> o historia<strong>do</strong>r fala em estrutura, nesse momento, não está pensan<strong>do</strong> nem na<br />

estrutura antropológica, nem na estrutura no senti<strong>do</strong> marxista; está pensan<strong>do</strong> em<br />

realida<strong>de</strong>s que existem <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> <strong>tempo</strong>. Ele não consegue dar outro nome senão<br />

estrutura, mas vai <strong>de</strong>fini-la como realida<strong>de</strong> que o <strong>tempo</strong> <strong>de</strong>mora muito para movimentar,<br />

agitar e <strong>de</strong>sgastar. É um <strong>tempo</strong> que os historia<strong>do</strong>res <strong>de</strong>finem como um <strong>tempo</strong> quase<br />

imóvel. As três velocida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> <strong>tempo</strong> somaram-se às críticas das periodizações e fizeram<br />

com que a produção histórica con<strong>tempo</strong>rânea se tornasse completamente fragmentada.<br />

Muitas vezes, não é a especialida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>fine a <strong>tempo</strong>ralida<strong>de</strong>. Nós vamos encontrar<br />

simultaneamente histórias <strong>do</strong> imaginário <strong>de</strong> <strong>tempo</strong> breve, médio e longo. Vamos<br />

encontrar histórias da família que são histórias <strong>de</strong> longa duração, mas também histórias<br />

<strong>de</strong> família <strong>de</strong> curta duração. A fragmentação se torna tão complexa que a discussão <strong>do</strong><br />

<strong>tempo</strong> <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> aparecer na narrativa histórica, fechan<strong>do</strong>-se no campo restrito da Teoria<br />

da <strong>História</strong>. E a narrativa histórica continua sen<strong>do</strong> feita praticamente como se o <strong>tempo</strong>, na<br />

sua utilização e <strong>de</strong>composição, não tivesse si<strong>do</strong> altera<strong>do</strong>. Dificilmente o historia<strong>do</strong>r<br />

coloca um aviso na sua obra <strong>de</strong> quer a sua narrativa é uma história <strong>de</strong> longa duração,<br />

<strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> a discussão para outro tipo <strong>de</strong> obra, fazen<strong>do</strong> a separação, o corte. Isso acaba<br />

provocan<strong>do</strong> no leitor a idéia <strong>de</strong> que o <strong>tempo</strong>, para o historia<strong>do</strong>r, é sempre uma<br />

continuida<strong>de</strong>, que é sempre um <strong>tempo</strong> contínuo, com conexão sempre causal direta e que<br />

toda explicação é estruturada em cima da continuida<strong>de</strong>. Na verda<strong>de</strong>, qualquer que seja o<br />

<strong>tempo</strong> que escolha, o historia<strong>do</strong>r trabalha com a <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>, com o lacunar e com<br />

um <strong>tempo</strong> <strong>de</strong> difícil apreensão e <strong>de</strong> difícil captação. Só que na sua narrativa isso não<br />

aparece. A narrativa é sempre uma narrativa estruturada como sequencial. A<br />

fragmentação das concepções <strong>de</strong> <strong>tempo</strong>, das periodizações, aparece na escolha <strong>do</strong>s<br />

objetos. A fragmentação surge como <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong> <strong>tempo</strong> <strong>do</strong> capital, da percepção<br />

multidimensional e consciente <strong>do</strong> fluxo <strong>de</strong> pensamentos que caracterizam a socieda<strong>de</strong><br />

con<strong>tempo</strong>rânea.<br />

FONTE:<br />

INSTITUTO DE ESTUDOS AVANÇADOS<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo / FFLCH<br />

Coleção <strong>do</strong>cumentos – Série Estu<strong>do</strong>s sobre o <strong>tempo</strong> – vol.2<br />

O Tempo na Filosofia e na <strong>História</strong><br />

Participantes: Maria Helena Oliva Augusto, José Carlos Bruni, Raquel Glezer e Milton<br />

Santos.<br />

Fevereiro/91<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

3


IEA/USP - ESTUDOS AVANÇADOS Coleção DOCUMENTOS<br />

Série Estu<strong>do</strong>s Sobre o Tempo - maio 1991<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

TEMPO & HISTÓRIA: A VARIÁVEL INCONSTANTE 1<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

1<br />

Raquel Glezer<br />

Depto. <strong>de</strong> <strong>História</strong> - IEA/USP<br />

“C’est dans le temps se déroule la vie <strong>de</strong> l’homme, c’est dans le temps que se succè<strong>de</strong>nt les événements et les mo<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

pensée <strong>do</strong>nt le ensemble constitue l’histoire du mon<strong>de</strong>, c’est à travers le temps que l’homme écrit l’histoire”. 2<br />

Este texto é uma parte da reflexão sobre o Tempo na <strong>História</strong> como elemento <strong>de</strong><br />

ruptura e significação, discussão <strong>do</strong> ano em curso <strong>do</strong> Grupo <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s sobre o Tempo <strong>do</strong><br />

IEA/USP.<br />

Falar sobre o Tempo e <strong>História</strong> é ato <strong>de</strong> retomada <strong>de</strong> algumas questões básicas <strong>de</strong><br />

reflexão sobre o conhecimento histórico, tal como se tem concretiza<strong>do</strong> em termos <strong>de</strong><br />

Epistemologia e Teoria da <strong>História</strong>.<br />

O que significa Tempo para a <strong>História</strong>? A resposta clássica é que o Tempo é uma<br />

das variáveis obrigatórias, ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> Espaço. Truísmo consolida<strong>do</strong>, repeti<strong>do</strong><br />

mecanicamente no <strong>de</strong>correr <strong>do</strong>s anos. A ninguém ocorre questionar a origem das variáveis,<br />

percebidas como evi<strong>de</strong>ntes em si mesmas, verda<strong>de</strong> dada e inquestionável, tornan<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>snecessária a preocupação com o significa<strong>do</strong> <strong>de</strong>las e as suas relações com o<br />

conhecimento histórico.<br />

Quan<strong>do</strong> retraçamos a relação da <strong>História</strong> com o Tempo, temos a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

verificar que a questão é complexa, envolven<strong>do</strong> facetas multiformes.<br />

Tempo, para a <strong>História</strong>, além <strong>de</strong> ser uma variável obrigatória, é, fundamentalmente,<br />

uma questão teórica.<br />

O surgimento da <strong>História</strong> como campo <strong>de</strong> conhecimento, apreensão da realida<strong>de</strong>,<br />

com teorias, méto<strong>do</strong>s e técnicas <strong>de</strong> trabalho, tornou-se possível com a separação <strong>do</strong><br />

pensamento filosófico da Filosofia Cristã <strong>de</strong> <strong>História</strong>. Quan<strong>do</strong> a <strong>História</strong> <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser a<br />

<strong>História</strong> da Humanida<strong>de</strong> (<strong>História</strong> Universal, isto é, Católica), distinguin<strong>do</strong>-se da Filosofia,<br />

o processo <strong>de</strong> conhecimento histórico po<strong>de</strong> <strong>de</strong>finir seu objeto: o estu<strong>do</strong> da ação <strong>do</strong>s<br />

homens, a relação <strong>do</strong>s homens com a natureza, a relação <strong>do</strong>s homens entre si.<br />

Na separação, a <strong>História</strong> manteve o conceito <strong>de</strong> Tempo cristão, que se era, até<br />

então, sacro, escatológico, passou a ser laico, mas manteve a finalida<strong>de</strong>, qualquer que fosse<br />

o nome atribuí<strong>do</strong> a ela: Salvação pelo Juízo Final foi substituí<strong>do</strong> por Liberda<strong>de</strong>, Razão,<br />

Progresso, Evolução, Revolução, etc.<br />

A <strong>noção</strong> <strong>de</strong> Tempo, apesar <strong>de</strong> laiciza<strong>do</strong>, continuou sen<strong>do</strong> o <strong>do</strong> Tempo cristão:<br />

passa<strong>do</strong>, presente e futuro. Ocorreu apenas uma permuta <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>s: Cristão e Queda<br />

da Humanida<strong>de</strong> transformaram-se em Passa<strong>do</strong>; Oferta da Salvação em Presente e Juízo<br />

Final em Futuro.<br />

Tempo <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser a expressão da Providência Divina e tornou-se expressão da<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong>s homens, direciona<strong>do</strong> por eles. Esse Tempo transformou-se em absoluto.<br />

Para a <strong>História</strong>, Tempo acabou sen<strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong> como fator básico, elemento <strong>de</strong><br />

união, fator explicativo, coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s homens, que não estan<strong>do</strong> mais<br />

inseri<strong>do</strong>s na caminhada para a Salvação, estavam imersos no Tempo, no caminhar <strong>do</strong>s<br />

homens em direção ao Futuro, qualquer que fosse o nome da<strong>do</strong> a ele.<br />

Tempo permitiu aos historia<strong>do</strong>res estabelecer relações entre as socieda<strong>de</strong>s com<br />

diferentes formas <strong>de</strong> contagem, diversos calendários, marcos <strong>de</strong>sconexos. Surgiu a<br />

Cronologia, como ciência auxiliar, que permitiu a formulação <strong>de</strong> tabelas cronológicas,<br />

1<br />

Texto retira<strong>do</strong> da Sessão <strong>de</strong> Grupos <strong>de</strong> Pesquisa “Grupo <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s sobre o Tempo <strong>do</strong> IEB/USP” realiza<strong>do</strong><br />

em 3 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1990 durante o X Encontro <strong>de</strong> <strong>História</strong> – Movimentos Sociais – <strong>do</strong> núcleo <strong>de</strong> São Paulo da<br />

Associação Nacional <strong>do</strong>s Professores Universitários <strong>de</strong> <strong>História</strong> – ANPUH, em Franca/SP.<br />

2<br />

CORDOLIANT, A. Comput, chronologie, calandriers, In: SAMARAN, Ch. (org.) L’histoire et ses métho<strong>de</strong>s.<br />

(Bruges) Gallimard (1961), p. 31-51.


IEA/USP - ESTUDOS AVANÇADOS Coleção DOCUMENTOS<br />

Série Estu<strong>do</strong>s Sobre o Tempo - maio 1991<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

relacionan<strong>do</strong> calendários diversos, com marcos <strong>tempo</strong>rais próprios, e, possibilitan<strong>do</strong> a<br />

articulação entre elas e os fatos aparentemente isola<strong>do</strong>s.<br />

Tempo tornou-se a explicação causal, primária, elementar: fatos eram agrega<strong>do</strong>s<br />

por proximida<strong>de</strong>s cronológicas, e isso bastava para a inserção e explicitação mútuas.<br />

Com o progressivo <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> conhecimento histórico, a questão <strong>tempo</strong>ral<br />

transformou-se em recurso técnico, classificatório. Estudaram-se as periodizações, que<br />

também tinham vin<strong>do</strong> da <strong>História</strong> Universal, conten<strong>do</strong> impérios, ida<strong>de</strong>s, eras. A crescente<br />

especialização <strong>do</strong> conhecimento introduziu marcos, recortes <strong>tempo</strong>rais, etapas, para melhor<br />

manejar e explicar o conjunto sempre amplia<strong>do</strong> <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos. Simultaneamente, a cada<br />

escolha <strong>de</strong> marcos <strong>tempo</strong>rais significativos, cada socieda<strong>de</strong> restruturava seu passa<strong>do</strong> e<br />

construía sua teia <strong>de</strong> significações.<br />

A percepção <strong>de</strong> <strong>tempo</strong> como elemento articula<strong>do</strong>r acabou transforman<strong>do</strong>-o em pano<br />

<strong>de</strong> fun<strong>do</strong>, cenário imutável, a disposição <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r como elemento explicativo. Não<br />

havia o que falar ou discutir sobre o Tempo.<br />

A introjeção <strong>do</strong> Tempo como fator explicativo em si mesmo po<strong>de</strong> ser acompanhada<br />

pela leitura atenta <strong>do</strong>s manuais <strong>de</strong> introdução aos estu<strong>do</strong>s históricos, que <strong>do</strong> século passa<strong>do</strong><br />

a este servem <strong>de</strong> apresentação <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> consensual <strong>do</strong> conhecimento histórico aos<br />

iniciantes.<br />

No clássico Langlois & Seignobos 3 encontramos o Tempo como categoria<br />

classificatória <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos e <strong>de</strong>pois <strong>do</strong>s fatos.<br />

No livro <strong>de</strong> Bauer 4 aparece claramente a separação da utilização <strong>do</strong> fator Tempo em<br />

<strong>do</strong>is momentos diferencia<strong>do</strong>s: um, na periodização, e, outro, na Cronologia, como ciência<br />

auxiliar.<br />

A questão <strong>do</strong> Tempo não é assunto trata<strong>do</strong> nos manuais, e nem nos livros <strong>de</strong> Teoria<br />

da <strong>História</strong>. Tempo aparece como um da<strong>do</strong> apenas.<br />

Somente na década <strong>de</strong> 50, Fernand Brau<strong>de</strong>l introduziu o <strong>de</strong>bate sobre a longa<br />

duração, e logo as <strong>tempo</strong>ralida<strong>de</strong>s brau<strong>de</strong>lianas foram introjetadas, utilizadas normalmente,<br />

e se transformaram em recurso classificatório <strong>de</strong> fenômenos <strong>de</strong> difícil articulação em um<br />

Tempo pensa<strong>do</strong> como uniforme e contínuo. 5<br />

Nos textos <strong>do</strong>s mais recentes manuais discute-se formas <strong>de</strong> contagem <strong>de</strong> <strong>tempo</strong> e<br />

como os historia<strong>do</strong>res o submetem a seu processo explicativo, 6 ou como os conceitos<br />

relaciona<strong>do</strong>s a questão <strong>tempo</strong>ral se <strong>de</strong>senvolveram, como calendário; passa<strong>do</strong>/presente:<br />

ida<strong>de</strong>s míticas; antigo/mo<strong>de</strong>rno; escatologia e <strong>de</strong>cadência. 7<br />

Como o tema <strong>do</strong> Tempo não é objeto <strong>de</strong> atenção nos livros que, em tese, <strong>de</strong>veriam<br />

estar centra<strong>do</strong>s na discussão <strong>do</strong> conhecimento histórico, seu <strong>de</strong>senvolvimento, sua prática e<br />

seus problemas, não <strong>de</strong>vemos estranhar que a gran<strong>de</strong> parte <strong>do</strong>s historia<strong>do</strong>res<br />

con<strong>tempo</strong>râneos utilize o termo Tempo como sinônimo <strong>de</strong> época, era, ida<strong>de</strong>, momento,<br />

i<strong>de</strong>ologia e <strong>História</strong>. 8<br />

A utilização indiscriminada <strong>do</strong> termo indica que o conceito é pouco claro para os<br />

historia<strong>do</strong>res e, em razão disso, é usa<strong>do</strong> como elemento articula<strong>do</strong>r, fator explicativo em si<br />

mesmo.<br />

3<br />

LANGLOIS, Ch. V. & SEIGNOBOS, Ch. Introdução aos estu<strong>do</strong>s históricos. São Paulo: Renascença, 1946, p.<br />

74 e 172 (1 a ed.1898).<br />

4 a<br />

BAUER, Wilhelm. Introducción al estudio <strong>de</strong> la historia. Barcelona:Bosch (1970). (1 ed. 1921)<br />

5 a<br />

BRAUDEL, Fernand. A longa duração. In: <strong>História</strong> e Ciências Sociais. (Lisboa) Presença, 1972. (1 ed. 1958).<br />

6<br />

CORDOLIANI, A. op.cit., e BEAUJOUN, G. Les temps historiques, op.cit. p.51-67.<br />

7<br />

LE GOFF, Jacques (org.) Memória-história. Enciclopédia Einaudi, v.01 (Lisboa) Imprensa Nacional-Casa da<br />

Moeda (1984), ver. p. 260, 293, 311, 370, 393 e 425.<br />

8<br />

Ver, entre outros, BAGU, Sergio. Tiempo, realidad social y conocimiento; VILAR, P. El tiempo <strong>de</strong>l Quijote;<br />

TOULMIN, S. y GOODFIELD, J. El <strong>de</strong>scubrimiento <strong>de</strong>l tiempo; também LE GOFF, THOMPSON, TAYLOR,<br />

CHESNEAUX, etc.<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

2


IEA/USP - ESTUDOS AVANÇADOS Coleção DOCUMENTOS<br />

Série Estu<strong>do</strong>s Sobre o Tempo - maio 1991<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

Se o conceito é pouco claro aos especialistas, como então <strong>de</strong>ve se apresentar ao<br />

público leitor?<br />

Aos leigos, a questão <strong>tempo</strong>ral é completamente elidida. O Tempo é sempre<br />

apresenta<strong>do</strong> como contínuo, linear, eixo articula<strong>do</strong>r on<strong>de</strong> os fatos (notáveis, estranhos,<br />

exóticos ou <strong>do</strong> cotidiano) se inserem.<br />

Aos historia<strong>do</strong>res é <strong>de</strong>snecessário lembrar que o seu trabalho é estrutura<strong>do</strong> sobre<br />

resíduos aleatórios <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, aos quais se agregam solicitações con<strong>tempo</strong>râneas,<br />

preocupações sociais, técnicas e recursos existentes.<br />

Ao público leitor tu<strong>do</strong> isso é escamotea<strong>do</strong>. E contribui para sua ilusão a forma<br />

como historia<strong>do</strong>res referem-se ao Tempo, como “O Tempo <strong>do</strong> Quixote” <strong>de</strong> Vilar, ou, “O<br />

Tempo das Catedrais”, <strong>de</strong> Duby.<br />

Os historia<strong>do</strong>res permutam o uso <strong>do</strong>s termos <strong>História</strong> e Tempo, sem o menor aviso<br />

ao leitor, <strong>de</strong> forma preocupante. Como exemplo <strong>de</strong> permutação, po<strong>de</strong>mos usar duas obras.<br />

Uma <strong>de</strong>las é o ensaio <strong>de</strong> Halevy, Essai sur l’accélération <strong>de</strong> l’histoire, escrito na década <strong>de</strong><br />

40, cujo tema central é o da aceleração <strong>tempo</strong>ral <strong>do</strong>s fatos históricos. 9 Outra, <strong>de</strong> recente<br />

tradução em português, em sua segunda edição, é o conjunto <strong>de</strong> ensaios <strong>de</strong> Philippe Ariès,<br />

<strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> O <strong>tempo</strong> da <strong>História</strong>, que versa sobre sua trajetória pessoal como<br />

historia<strong>do</strong>r. 10<br />

Se especialistas renoma<strong>do</strong>s utilizam <strong>de</strong> forma indiferenciada Tempo e <strong>História</strong>,<br />

como po<strong>de</strong> o público leitor se orientar?<br />

Não <strong>de</strong>vemos estranhar que na linguagem diária Tempo e <strong>História</strong> continuem a ser<br />

utiliza<strong>do</strong>s como sinônimos, termos equivalentes, e também não <strong>de</strong>vemos reclamar quan<strong>do</strong><br />

ao Tempo é dada a função primordial <strong>de</strong> explicação <strong>do</strong> que ocorreu. Não po<strong>de</strong>mos nos<br />

queixar da a-historicida<strong>de</strong> da socieda<strong>de</strong> con<strong>tempo</strong>rânea, pois ela se vê imersa no Tempo,<br />

sinônimo <strong>de</strong> <strong>História</strong>.<br />

Falta a nós, historia<strong>do</strong>res, a retomada da questão <strong>do</strong> Tempo, que não po<strong>de</strong> ficar<br />

restrita a questões teórico-i<strong>de</strong>ológicas, como o <strong>de</strong>bate sobre as periodizações<br />

europocêntricas ou etapistas, 11 ou, ao <strong>de</strong>bate sobre a seleção <strong>do</strong>s marcos <strong>tempo</strong>rais<br />

simbólicos sociais, <strong>do</strong>s vence<strong>do</strong>res e <strong>do</strong>s venci<strong>do</strong>s. 12<br />

Enquanto historia<strong>do</strong>res utilizarem Tempo e <strong>História</strong> como sinônimos, a variável<br />

Tempo não po<strong>de</strong>rá ter seu conceito esclareci<strong>do</strong>. E ao público leitor, restará a<br />

incompreensão <strong>do</strong> termo, e, a certeza <strong>de</strong> que o Tempo é o gran<strong>de</strong> soluciona<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s<br />

problemas que o ser humano se colocou em sua caminhada, e, ao <strong>tempo</strong>, como um <strong>de</strong>us<br />

“ex-machina” caberá resolver to<strong>do</strong>s os problemas que os homens não conseguiram<br />

selecionar.<br />

E em uma estranha trajetória, <strong>do</strong>is séculos e meio <strong>de</strong>pois <strong>do</strong>s historia<strong>do</strong>res terem<br />

laiciza<strong>do</strong> seu saber, a sacralização retornará, via sacralização <strong>do</strong> Tempo como soluciona<strong>do</strong>r<br />

<strong>do</strong>s problemas humanos. E novamente, passa<strong>do</strong>/presente/futuro será sacraliza<strong>do</strong>, e aos<br />

homens restará apenas aguardar seu <strong>de</strong>stino.<br />

FONTE: INSTITUTO DE ESTUDOS AVANÇADOS<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />

Coleção Documentos<br />

9 HAVELY, Daniel. Essai sur l’accélération <strong>de</strong> l’histoireí. Paris: Self, 1948 (2 a ed).<br />

10 ARIÈS, Philippe. O <strong>tempo</strong> da história. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Francisco Alves, 1989.<br />

11 Vi<strong>de</strong> CHESNEAAX, J. Hacemos tabla rasa <strong>de</strong>l pasa<strong>do</strong>? Madrid: Siglo Veintiuno ed, 1984 (1 a ed.1976), e<br />

FERRO, Marc, A manipulação da história no ensino e nos meios <strong>de</strong> comunicação. São Paulo: IBRASA (1983),<br />

e i<strong>de</strong>m, A história vigiada. São Paulo: Martins Fontes (1989).<br />

12 Vi<strong>de</strong> VESENTINI, C.A. e DE DECCA, E. A revolução <strong>do</strong> vence<strong>do</strong>r. Contraponto. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1976; DE<br />

DECCA, E. O silêncio <strong>do</strong>s venci<strong>do</strong>s, São Paulo: Brasiliense, 1981 e BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas, São<br />

Paulo: Brasiliense, 1985, 1987, 1989.<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

3


IEA/USP - ESTUDOS AVANÇADOS Coleção DOCUMENTOS<br />

Série Estu<strong>do</strong>s Sobre o Tempo - maio 1991<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

Série Estu<strong>do</strong>s sobre o Tempo – Volume 3 – uma proposta interdisciplinar<br />

Participantes: Nelson Marques, Luiz Menna-Barreto, Maria Dora Mourão e Raquel Glezer<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

4


IEA/USP - ESTUDOS AVANÇADOS Coleção DOCUMENTOS<br />

Série Estu<strong>do</strong>s Sobre o Tempo - maio 1992<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

TEMPO E OS HOMENS: DOM, SERVIDOR E SENHOR 1<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

1<br />

Raquel Glezer<br />

Depto. <strong>de</strong> <strong>História</strong> - IEA/USP<br />

A proposta <strong>de</strong> discutir a relação “Tempo e Po<strong>de</strong>r” como ativida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Grupo <strong>de</strong><br />

Estu<strong>do</strong>s sobre o Tempo <strong>do</strong> IEA/USP em uma sessão <strong>de</strong> comunicação coor<strong>de</strong>nada no XVI<br />

Simpósio Nacional da ANPUH, para e com historia<strong>do</strong>res, apresentou-se como muito<br />

atraente. Entretanto, mais <strong>do</strong> que a bibliografia disponível, as possíveis questões a serem<br />

exploradas e o <strong>tempo</strong> <strong>de</strong> exposição previsto forçaram a uma seleção restritiva. Em função<br />

das limitações concretas escolhi, na perspectiva <strong>de</strong> historia<strong>do</strong>r, apoiada em historia<strong>do</strong>res,<br />

apenas um <strong>do</strong>s múltiplos enfoques possíveis, o que discute a transformação das relações<br />

<strong>do</strong>s homens com o Tempo, <strong>de</strong> maneira generalizada, valorizan<strong>do</strong>-as como indica<strong>do</strong>res <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r.<br />

Para a formulação <strong>do</strong> texto foram utiliza<strong>do</strong>s apenas algumas obras <strong>de</strong> alguns<br />

historia<strong>do</strong>res, relaciona<strong>do</strong>s nas notas finais, seleciona<strong>do</strong>s tanto em função <strong>do</strong> tema como <strong>do</strong><br />

enfoque.<br />

Preten<strong>do</strong> explorar sumariamente a relação que os homens <strong>de</strong>senvolveram com o<br />

Tempo, na perspectiva da civilização oci<strong>de</strong>ntal.<br />

Na tradição oci<strong>de</strong>ntal cristã, ou na européia oci<strong>de</strong>ntal, a percepção <strong>do</strong> Tempo está<br />

mais relacionada à tradição judaico-cristã <strong>do</strong> que à helênica.<br />

Para os gregos, o Tempo <strong>do</strong>s homens, quer entendi<strong>do</strong> como cíclico, <strong>de</strong> eterno<br />

retorno, quer como sub-lunar, <strong>de</strong>grada<strong>do</strong>, sujeito à <strong>de</strong>struição, foi percebi<strong>do</strong>, concebi<strong>do</strong> e<br />

trabalha<strong>do</strong> por seus historia<strong>do</strong>res como um <strong>tempo</strong> não linear, presentifica<strong>do</strong>, limita<strong>do</strong> em<br />

alcance pela vida e memória humanas. 2<br />

1. O TEMPO COMO DOM<br />

Na tradição judaico-cristã, Tempo é elemento fundamental, articula<strong>do</strong>r da história,<br />

da vida <strong>do</strong>s homens – eixo linear progressivo e explicativo: o Tempo possui um fim em si<br />

mesmo, “telos”, que embora pu<strong>de</strong>sse ser confundi<strong>do</strong> com a Eternida<strong>de</strong>, imaginada como<br />

estática, não o é. 3<br />

Para o Cristianismo, em seu <strong>de</strong>senvolvimento, Tempo, elemento explicativo acabou<br />

sen<strong>do</strong> um processo <strong>de</strong> raciocínio e formulação <strong>de</strong> razões.<br />

A concepção <strong>de</strong> Tempo na Bíblia e no cristianismo primitivo era a <strong>de</strong> <strong>tempo</strong><br />

teológico, inicia<strong>do</strong> por Deus e <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> por ele, pois Tempo era condição necessária e<br />

natural <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os atos divinos. A Eternida<strong>de</strong> surgia como a dilatação <strong>do</strong> <strong>tempo</strong> até o<br />

Infinito, permitin<strong>do</strong> a percepção <strong>de</strong> que entre ambos havia diferença quantitativa.<br />

Os textos <strong>do</strong> Novo Testamento introduziram uma questão diferenciada, nova: o<br />

Tempo como dimensão histórica, pois passou a haver um centro, Cristo, e uma finalida<strong>de</strong>,<br />

a Salvação: “<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Criação até Cristo, toda a história <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, tal como é relatada<br />

no Antigo Testamento, passou a fazer parte da história da Salvação”.<br />

Surgiu então uma ambiguida<strong>de</strong>, pois os pensa<strong>do</strong>res cristãos, diversamente <strong>do</strong>s<br />

ju<strong>de</strong>us, que concebiam o Futuro <strong>de</strong> forma escatológica e coletiva, a Encarnação passou a<br />

1<br />

Texto apresenta<strong>do</strong> na sessão <strong>de</strong> Comunicação Coor<strong>de</strong>nada Tempo e Po<strong>de</strong>r, realizada no XVI Simpósio<br />

Nacional Memória, <strong>História</strong> e Historiografia, da Associação Nacional <strong>do</strong>s Professores Universitários <strong>de</strong> <strong>História</strong><br />

– ANPUH, no campus da Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro – UERJ, em 23 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1991.<br />

2<br />

Vi<strong>de</strong> O Tempo na Filosofia e na <strong>História</strong>, vvaa. São Paulo: IEA/USP, fev.1991 (Coleção Documentos, Série<br />

Estu<strong>do</strong>s sobre o Tempo, 2).<br />

3<br />

Vi<strong>de</strong> LE GOFF, Jacques. Para um novo conceito <strong>de</strong> Ida<strong>de</strong> Média. Tempo, trabalho e cultura no Oci<strong>de</strong>nte,<br />

Lisboa: Estampa, 1980.


IEA/USP - ESTUDOS AVANÇADOS Coleção DOCUMENTOS<br />

Série Estu<strong>do</strong>s Sobre o Tempo - maio 1992<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

dar senti<strong>do</strong> ao Tempo, pois com a certeza da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvação, trazida pelo Cristo,<br />

a realização <strong>de</strong>la foi transferida para a história coletiva ou para a individual.<br />

Santo Agostinho, em suas reflexões, explicou a ambivalência pelo fato <strong>de</strong> que no<br />

âmbito da Eternida<strong>de</strong>, os homens, subordina<strong>do</strong>s à Providência, <strong>do</strong>minam seu próprio e o da<br />

Humanida<strong>de</strong> simultaneamente.<br />

Nos séculos seguintes, <strong>do</strong> VI ao XI, a socieda<strong>de</strong> medieval praticamente congelou a<br />

reflexão histórica, retiran<strong>do</strong> o Tempo da <strong>História</strong> ao assimilá-la à <strong>História</strong> da Igreja,<br />

renegan<strong>do</strong> a <strong>História</strong>, preferin<strong>do</strong> como gêneros a epopéia e a canção <strong>de</strong> gesta, provocan<strong>do</strong><br />

o esvaimento da historicida<strong>de</strong>, resultante da atuação <strong>do</strong>s pensa<strong>do</strong>res políticos liga<strong>do</strong>s ao<br />

agostinianismo.<br />

A questão <strong>do</strong> Tempo só foi retomada posteriormente, quan<strong>do</strong> o tema <strong>do</strong> “final <strong>do</strong>s<br />

<strong>tempo</strong>s”, que ressurgira nas heresias escatológicas e no milenarismo <strong>do</strong>s grupos oprimi<strong>do</strong>s<br />

e esfomea<strong>do</strong>s, aos quais o Apocalipse surgira como esperança e alimento, se esgotara em si<br />

mesmo.<br />

Sem o contrapeso <strong>do</strong> milenarismo, no século XII, o Tempo apareceu instala<strong>do</strong> na<br />

Eternida<strong>de</strong>, isto é, como Tempo linear, com senti<strong>do</strong>, direção, caminhan<strong>do</strong> para Deus, e as<br />

transformações econômicas propiciaram a retomada da reflexão sobre a <strong>História</strong>,<br />

principalmente à partir <strong>do</strong> <strong>de</strong>saparecimento <strong>do</strong> Império Romano, da barbarização <strong>do</strong><br />

Oci<strong>de</strong>nte, da restauração carolíngea e da restauração otoniana. O cristianismo, inseri<strong>do</strong> na<br />

evolução histórica, <strong>do</strong>minada esta pela Providência, e or<strong>de</strong>nada pela Salvação, precisava<br />

esclarecer as causas segundas, estruturais ou contingentes. Havia a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

ultrapassar um duplo obstáculo: a visão judaica da Eternida<strong>de</strong> estática e o simbolismo<br />

medieval, que não permitiam a investigação e a sistematização da realida<strong>de</strong> concreta <strong>do</strong><br />

<strong>tempo</strong> da <strong>História</strong>, para se obter uma concepção <strong>de</strong> <strong>tempo</strong> maleável.<br />

Hugues <strong>de</strong> Saint-Victor, segun<strong>do</strong> Le Goff na obra citada, recuperou a história:<br />

“historia est rerum gestarum narratio”, uma narração seriada, com sucessão organizada,<br />

continuida<strong>de</strong>, articulação, elos <strong>de</strong> um senti<strong>do</strong> – iniciativas <strong>de</strong> Deus, fatos <strong>de</strong> Salvação. Esta<br />

<strong>História</strong> retomou uma das vias que já fora outrora trilhada: a teoria das ida<strong>de</strong>s, <strong>do</strong>s<br />

clássicos gregos, que então passou a ser semelhante aos Dias da Criação da Bíblia. <strong>História</strong><br />

que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então passou a usar a <strong>noção</strong> <strong>de</strong> transferência, “translações”, a história das<br />

civilizações percebida como uma história <strong>de</strong> transferências, tanto no campo intelectual – o<br />

conhecimento se transferiu <strong>de</strong> Atenas para Roma, <strong>de</strong> Roma para Paris, como no campo<br />

político, on<strong>de</strong> o Império fizera também uma transferência. A ligação entre senti<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

<strong>tempo</strong> e senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> espaço aparece como uma novida<strong>de</strong> revolucionária, a qual se soma a<br />

concepção organicista <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> João <strong>de</strong> Salisbury.<br />

Mas, até então, Tempo era percebi<strong>do</strong> como Dom, isto é, <strong>do</strong>ação <strong>de</strong> Deus para<br />

usufruto <strong>do</strong>s homens, da mesma forma que ele <strong>do</strong>ara o usufruto <strong>de</strong> outros elementos da<br />

natureza, como o sol e a água. Claramente, o Tempo como Dom não po<strong>de</strong>ria ser submeti<strong>do</strong><br />

ao controle <strong>do</strong>s homens, não po<strong>de</strong>ria ser utiliza<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma a permitir ganho material aos<br />

homens, pois tal fato significaria a exploração <strong>de</strong> algo que não pertencia aos homens.<br />

De maneira quase imperceptível, o <strong>de</strong>senvolvimento econômico <strong>do</strong>s séculos XI e<br />

XII, o processo <strong>de</strong> aceleração econômica e as transformações das condições mentais,<br />

introduziram uma nova percepção <strong>de</strong> Tempo.<br />

2. O TEMPO COMO SERVIDOR<br />

Nos textos eruditos se elaborava lentamente uma nova percepção <strong>do</strong> Tempo, mas na<br />

vida concreta também uma nova realida<strong>de</strong> estava sen<strong>do</strong> criada e concebida.<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

2


IEA/USP - ESTUDOS AVANÇADOS Coleção DOCUMENTOS<br />

Série Estu<strong>do</strong>s Sobre o Tempo - maio 1992<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

O merca<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Oci<strong>de</strong>nte europeu, que vagarosamente <strong>de</strong>lineara suas ativida<strong>de</strong>s,<br />

numa organização política-militar-religiosa na qual não encontrava muito espaço <strong>de</strong><br />

atuação, foi um elemento básico para a ruptura da concepção <strong>de</strong> Tempo como Dom.<br />

O merca<strong>do</strong>r, que atuava no espaço <strong>do</strong> Mediterrâneo Oci<strong>de</strong>ntal e no espaço<br />

hanseático, estava submeti<strong>do</strong> ao <strong>tempo</strong> natural, dia e noite; metereológico, ciclo das<br />

estações, aci<strong>de</strong>ntes naturais como tempesta<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>sastres marítimos e terrestres. Diante <strong>de</strong><br />

tais condições nada podia ele fazer, a não ser se submeter humil<strong>de</strong>mente às contingências<br />

naturais.<br />

Entretanto, no processo <strong>de</strong> alargamento <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> conheci<strong>do</strong>, o problema <strong>do</strong> <strong>tempo</strong><br />

<strong>de</strong> viagem não ficou restrito às preocupações <strong>do</strong>s merca<strong>do</strong>res. O Esta<strong>do</strong>, principalmente os<br />

que realizaram a proeza <strong>do</strong> alargamento <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, ficou com problema semelhante.<br />

Segun<strong>do</strong> Vitorino Magalhães Godinho: “Em 1512 afonso <strong>de</strong> Albuquerque escreve a<br />

D.Manuel: “olhe bem Vossa Alteza o que assina pera a Índia, que é muito longe”..., e<br />

D.João <strong>de</strong> Castro, em 1546, parece fazer-lhe eco: ‘primeiro que hajamos respostas <strong>de</strong><br />

nossas cartas e Vossa Alteza queira socorrer as nossas necessida<strong>de</strong>s, dá o sol muitas<br />

voltas, e que acaba <strong>de</strong> fazer duas inteiras revoluções.’” 4<br />

Questões novas para merca<strong>do</strong>res e para Esta<strong>do</strong>s: distâncias a serem calculadas em<br />

<strong>tempo</strong>, outra forma <strong>de</strong> organização comercial, questões <strong>de</strong> armazenagem <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>rias,<br />

questões <strong>de</strong> empate <strong>de</strong> capital.<br />

Distâncias, <strong>de</strong>moras, dificulda<strong>de</strong>s <strong>do</strong> meio físico, dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicações:<br />

“Para a Índia as naus <strong>do</strong> reino tem <strong>de</strong> <strong>de</strong>saferrar <strong>de</strong> Lisboa em Março ou primeiras<br />

semanas <strong>de</strong> Abril, para lá chegarem em Setembro; <strong>de</strong> Cochim e Goa levantam ancora em<br />

<strong>de</strong>zembro, para ancorarem no Tejo na segunda quinzena <strong>de</strong> Junho até a primeira <strong>de</strong><br />

Setembro ... As ilhas <strong>de</strong> Cabo Ver<strong>de</strong> estão a umas duas semanas <strong>de</strong> Lisboa, São Jorge da<br />

Mina a uns quarenta e cinco dias <strong>de</strong> navegação. Entre a capital portuguesa e La Rochelle<br />

gastam-se sete a oito dias, até o porto <strong>de</strong> Antuérpia ou a Amsterdão uns <strong>do</strong>ze ou quinze ...<br />

os navios que vem carregar sal a Setubal contem com um mês <strong>de</strong> viagem: entre o Tejo e<br />

Livorno há que contar com umas três semanas ...”.<br />

Da mesma forma que o espaço se tornava objeto <strong>de</strong> contagem e medida, também o<br />

<strong>tempo</strong>, porque tinha que ser leva<strong>do</strong> em consi<strong>de</strong>ração na viagem, na organização das re<strong>de</strong>s<br />

comerciais, nos preços <strong>do</strong>s produtos e mesmo na duração <strong>do</strong> trabalho artesanal.<br />

A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regulamentar o <strong>tempo</strong> foi se impon<strong>do</strong>, pois estava recomeçan<strong>do</strong> a<br />

cunhagem <strong>de</strong> moedas <strong>de</strong> ouro; a diversificação das moedas reais; o bimetalimo começava a<br />

se impor e as flutuações <strong>de</strong> valor começavam a se fazer sentir: o câmbio se organizava, a<br />

Bolsa estava em germinação.<br />

A questão da justa medida <strong>do</strong> <strong>tempo</strong> aparecia também <strong>de</strong> um outro ângulo, além <strong>do</strong><br />

comercial, que exigia contabilida<strong>de</strong>, relações <strong>de</strong> viagem, práticas comerciais consensuais,<br />

letras <strong>de</strong> câmbio, naquele das corporações <strong>de</strong> ofício, com seus estatutos.<br />

O Tempo que surgia era um <strong>tempo</strong> novo, mensurável, orienta<strong>do</strong>, previsível,<br />

sobreposto ao Tempo eternamente recomeça<strong>do</strong> e imprevisível <strong>do</strong> meio natural.<br />

Apareceram os primeiros relógios comunais que marcavam as horas das transações<br />

comerciais e as horas <strong>de</strong> trabalho <strong>do</strong>s artesãos, operários têxteis – os merca<strong>do</strong>res da<br />

comuna instalavam o instrumento, que assinalava o seu <strong>do</strong>mínio sobre o Tempo <strong>do</strong><br />

trabalho.<br />

Ocorreu a transformação <strong>do</strong> Tempo, que passou a ser racionaliza<strong>do</strong>, laiciza<strong>do</strong>,<br />

mensurável, mecaniza<strong>do</strong>, com valor. Ao Tempo da Igreja, marca<strong>do</strong> por sinos, por ofícios<br />

religiosos, pelos quadrantes solares ou pelas clepsidras – <strong>tempo</strong> concreto, se opôs o Tempo<br />

<strong>do</strong>s merca<strong>do</strong>res: <strong>tempo</strong> <strong>do</strong> relógio, que marcava as tarefas laicas e profanas, o <strong>tempo</strong><br />

4 Vi<strong>de</strong> GODINHO, Vitorino Magalhães. Os <strong>de</strong>scobrimentos e a economia mundial. Lisboa:Arcádia, 1963.<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

3


IEA/USP - ESTUDOS AVANÇADOS Coleção DOCUMENTOS<br />

Série Estu<strong>do</strong>s Sobre o Tempo - maio 1992<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

urbano <strong>do</strong> trabalho e das transações, medi<strong>do</strong> como o espaço, pela duração <strong>de</strong> um trajeto,<br />

pela maleabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outros caminhos.<br />

Le Goff exemplificou a profunda alteração que a nova relação Tempo e Espaço<br />

trouxe pela introdução da perspectiva.<br />

As transformações trazidas pela introdução da vida urbana, pela formação <strong>de</strong> uma<br />

socieda<strong>de</strong> urbana, provocaram a divisão <strong>do</strong> Tempo em três esferas, o que acabou<br />

contribuin<strong>do</strong> para transformar a relação <strong>do</strong>s homem com ele.<br />

2.1. O TEMPO DO TRABALHO<br />

No Oci<strong>de</strong>nte europeu medieval o dia <strong>de</strong> trabalho era <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> pelas condições<br />

naturais, o levantar e pôr <strong>do</strong> sol: uma unida<strong>de</strong> única para medir o dia <strong>de</strong> trabalho no campo<br />

e o trabalho urbano, cujas divisões eram as horas religiosas, reminiscências da Antiguida<strong>de</strong><br />

romana.<br />

A ativida<strong>de</strong> humana, dizen<strong>do</strong> melhor, o trabalho era <strong>de</strong>marca<strong>do</strong> pela luminosida<strong>de</strong>:<br />

o <strong>tempo</strong> <strong>de</strong> trabalho era o <strong>de</strong> uma economia <strong>de</strong>terminada pelos ritmos agrários, sem pressa,<br />

sem preocupação com exatidão, sem inquietu<strong>de</strong>s sobre produtivida<strong>de</strong>. Segun<strong>do</strong> Le Goff,<br />

tal <strong>de</strong>scrição correspon<strong>de</strong> a <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> sóbria e pudica, sem gran<strong>de</strong>s apetites, pouco<br />

exigente, pouco capaz <strong>de</strong> esforços quantitativos.<br />

Po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar, da mesma forma que o autor cita<strong>do</strong>, o marco da transformação<br />

a introdução <strong>do</strong> trabalho noturno: heresia urbana, interditada e punida com pesadas multas.<br />

Mas, a divisão interna <strong>do</strong> dia <strong>de</strong> trabalho lentamente estava sen<strong>do</strong> alterada, em<br />

evolução pouco notada: a hora “none” que correspon<strong>de</strong>ria às 14h foi recuada para as 12h,<br />

introduzin<strong>do</strong> a pausa para uma refeição na oficina, inician<strong>do</strong> um processo <strong>de</strong> subdivisão <strong>do</strong><br />

dia <strong>de</strong> trabalho.<br />

No final <strong>do</strong> século XIII o conflito pelo horário <strong>de</strong> trabalho já estava firmemente<br />

estabeleci<strong>do</strong>, com o avanço <strong>do</strong> trabalho noturno, inician<strong>do</strong>-se o questionamento da <strong>noção</strong><br />

<strong>de</strong> “dia laboral”.<br />

Na crise <strong>do</strong> século XIV a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> “dia laboral” tornou-se mais eficiente:<br />

inicialmente os operários solicitaram sua ampliação, <strong>de</strong>pois solicitaram aumento salarial,<br />

com o argumento que haviam aumenta<strong>do</strong> os pesos e as dimensões <strong>do</strong>s teci<strong>do</strong>s.<br />

Le Goff consi<strong>de</strong>ra tais argumentações como expediente <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res têxteis<br />

para aliviar a crise, com a <strong>de</strong>terioração <strong>do</strong>s salários reais e a alta <strong>do</strong>s preços.<br />

A autorização <strong>do</strong> trabalho noturno foi dada por Felipe, o Belo.<br />

Por sua vez, os patrões procuraram regulamentar rigorosamente o dia <strong>de</strong> trabalho,<br />

instituin<strong>do</strong> os “sinos <strong>de</strong> trabalho”, torres com sinos especiais que regulavam o trabalho nas<br />

cida<strong>de</strong>s têxteis, <strong>de</strong>limitan<strong>do</strong> o <strong>tempo</strong> <strong>do</strong>s tecelões, que era também o <strong>tempo</strong> <strong>do</strong>s novos<br />

mestres em uma conjuntura <strong>de</strong> crise e ascenção social se tornara possível.<br />

A introdução <strong>do</strong>s “sinos <strong>de</strong> trabalho” não ocorreu <strong>de</strong> forma pacífica. Em diversas<br />

localida<strong>de</strong>s, os trabalha<strong>do</strong>res se revoltaram contra eles. Entre o século XIV e início <strong>do</strong><br />

século XV a questão entre patrões e operários esteve centrada na duração <strong>do</strong> dia <strong>de</strong><br />

trabalho, incorren<strong>do</strong> em pesadas multas aqueles que <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>cessem aos horários. A<br />

redução <strong>do</strong> dia <strong>de</strong> trabalho foi motivo, da mesma forma que a criação da diferença entre<br />

dia e dia laboral; a inserção <strong>do</strong> <strong>tempo</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>scanso no <strong>de</strong>correr <strong>do</strong> dia laboral, a admissão<br />

<strong>do</strong> <strong>tempo</strong> para o trabalho pessoal.<br />

Devemos consi<strong>de</strong>rar que nas comunas o <strong>tempo</strong> marca<strong>do</strong> pelo “sino <strong>do</strong> trabalho”,<br />

pelo “sino <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>”, que assinalava o <strong>tempo</strong> urbano, diverso <strong>do</strong> <strong>tempo</strong> religioso, servia<br />

simultaneamente para as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, administração, convocação <strong>de</strong> reunião <strong>de</strong><br />

conselho e juramentos.<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

4


IEA/USP - ESTUDOS AVANÇADOS Coleção DOCUMENTOS<br />

Série Estu<strong>do</strong>s Sobre o Tempo - maio 1992<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

A vida urbana começava a ser lentamente aprisionada pelo sistema cronológico –<br />

<strong>tempo</strong> <strong>do</strong> quotidiano, <strong>tempo</strong> <strong>de</strong> horas certas, <strong>tempo</strong> <strong>do</strong> trabalho medi<strong>do</strong>. As igrejas<br />

per<strong>de</strong>ram o monopólio <strong>do</strong> controle <strong>do</strong> <strong>tempo</strong>, sinal importante <strong>do</strong> início <strong>do</strong> processo <strong>de</strong><br />

laicização.<br />

Le Goff <strong>de</strong>staca com atenção especial o fato <strong>de</strong> que os “sinos <strong>de</strong> trabalho” na<br />

realida<strong>de</strong> não traziam consigo qualquer inovação tecnológica e, significavam uma nova<br />

relação com o Tempo, pois a separação entre <strong>tempo</strong> natural, <strong>tempo</strong> profissional e <strong>tempo</strong><br />

sobrenatural acabou <strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong> novas formas <strong>de</strong> pensamento, especialmente a que<br />

possibilitou a separação da profissão da Salvação.<br />

2.2. O TEMPO DO ESTADO E DA IGREJA<br />

Indica<strong>do</strong>r preciso <strong>do</strong> grau profun<strong>do</strong> das transformações que estavam ocorren<strong>do</strong> no<br />

Oci<strong>de</strong>nte medieval europeu, o novo Tempo, originário das necessida<strong>de</strong>s burguesas,<br />

rapidamente passou a ser expressão <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r real: os sinos <strong>de</strong> Paris, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1370, com<br />

Carlos V, <strong>de</strong>veriam ser regula<strong>do</strong>s pelo relógio real.<br />

O Esta<strong>do</strong>, ainda que na figura <strong>de</strong> um soberano, passou a ser o indica<strong>do</strong>r <strong>do</strong> <strong>tempo</strong><br />

racionaliza<strong>do</strong>, transforman<strong>do</strong> o novo <strong>tempo</strong> em Tempo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.<br />

No interior da Igreja surgiu também uma outra conceituação <strong>de</strong> Tempo. No <strong>de</strong>bate<br />

entre essencialistas e nominalistas a questão <strong>do</strong> Tempo como o campo das <strong>de</strong>cisões<br />

imprevisíveis <strong>de</strong> Deus onipotente foi sen<strong>do</strong> formulada.<br />

No discurso <strong>do</strong>s místicos, Tempo assumiu também uma nova visão, uma nova<br />

dimensão <strong>tempo</strong>ral: na primeira meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século XIV, a perda <strong>de</strong> <strong>tempo</strong> transformou-se<br />

em peca<strong>do</strong>, um escândalo espiritual.<br />

Na busca da unificação das consciências, rompida pelas novas formulações <strong>do</strong><br />

Tempo, a Igreja recorreu a evolução da confissão, introduzin<strong>do</strong> manuais <strong>de</strong> confissão: a<br />

questão da coerência <strong>de</strong> comportamento tornou-se importante, e nela, os que rompiam com<br />

a relação natural <strong>do</strong> <strong>tempo</strong>, podiam, por obras beneficentes, recuperar a relação com a<br />

religião, ou melhor ainda, no final da vida, <strong>do</strong>ar seus bens e retirar-se para um mosteiro.<br />

Houve também o <strong>de</strong>senvolvimento da legislação canônica, e o surgimento <strong>de</strong> uma reflexão<br />

moral sobre a usura.<br />

No Renascimento reapareceu o senti<strong>do</strong> helênico <strong>de</strong> Tempo, como <strong>tempo</strong> cíclico,<br />

<strong>tempo</strong> <strong>do</strong> eterno retorno. O reencontro com a concepção aristotélica <strong>de</strong> <strong>tempo</strong> como<br />

movimento, apoia<strong>do</strong> por São Tomás <strong>de</strong> Aquino criou a base <strong>de</strong> articulação <strong>do</strong> Tempo da<br />

Igreja com o Tempo <strong>do</strong>s homens.<br />

2.3. O TEMPO DOS HOMENS<br />

O homem <strong>do</strong> Renascimento, o humanista, por <strong>de</strong>finição era o senhor <strong>de</strong> seu <strong>tempo</strong>.<br />

Em oposição à medievalida<strong>de</strong>, Tempo, <strong>do</strong>m <strong>de</strong> Deus, transformou-se em Tempo,<br />

proprieda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s homens.<br />

Le Goff cita Alberti sobre as três coisas que pertencem ao homem: fortuna, corpo e<br />

<strong>tempo</strong>.<br />

A hora tornou-se medida <strong>de</strong> vida, o homem passou a ter controle sobre ela: nunca<br />

per<strong>de</strong>r uma hora transformou-se em virtu<strong>de</strong>, tanto para a visão católica da disciplina e<br />

organização, como para o humanista, cuja virtu<strong>de</strong> era a temperança.<br />

A nova iconografia que surgiu atribuiu ao relógio a medida <strong>de</strong> todas as coisas.<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

5


IEA/USP - ESTUDOS AVANÇADOS Coleção DOCUMENTOS<br />

Série Estu<strong>do</strong>s Sobre o Tempo - maio 1992<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

A transformação foi radical: o homem <strong>do</strong> Renascimento tornou-se o senhor <strong>de</strong> seu<br />

<strong>tempo</strong>, porque passou caber a ele <strong>de</strong>finir políticas, ativida<strong>de</strong>s econômicas e posições<br />

intelectuais. Por sua Fortuna e por sua Virtú, podia ele <strong>de</strong>cidir os atos e fatos da sua vida.<br />

O Tempo, <strong>do</strong>m <strong>de</strong> Deus, transformou-se em Tempo, servi<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s homens, pois os<br />

merca<strong>do</strong>res passaram a usá-lo, na socieda<strong>de</strong> urbana que se instalava na Europa oci<strong>de</strong>ntal,<br />

tanto como medida <strong>do</strong> <strong>tempo</strong> <strong>de</strong> trabalho <strong>do</strong> operário, <strong>de</strong>finin<strong>do</strong> e <strong>de</strong>marcan<strong>do</strong> as<br />

ativida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> trabalho, rompen<strong>do</strong> com o esquema <strong>do</strong> dia natural, como um elemento <strong>de</strong><br />

cálculo <strong>de</strong> lucro, permitin<strong>do</strong> o ganho em cima <strong>do</strong> <strong>tempo</strong>.<br />

No momento que aos homens passou a ser da<strong>do</strong> o controle <strong>do</strong> Tempo,<br />

transforman<strong>do</strong>-o em serviçal, permitin<strong>do</strong> o lucro sobre seu transcurso, abriu-se também,<br />

para um <strong>de</strong>senvolvimento lento e paulatino, a possibilida<strong>de</strong> que, se servi<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s homens, o<br />

Tempo se transformasse em Senhor.<br />

De início, apenas os trabalha<strong>do</strong>res urbanos estavam submeti<strong>do</strong>s ao <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong><br />

<strong>tempo</strong> <strong>do</strong> trabalho, mas com o <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico, to<strong>do</strong>s os trabalha<strong>do</strong>res,<br />

manuais ou não, se transformaram em serviçais <strong>do</strong> <strong>tempo</strong>.<br />

3. O TEMPO COMO SENHOR DOS HOMENS<br />

E.P.Thompson chamou a atenção para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sincronização no trabalho<br />

da socieda<strong>de</strong> industrial, a exigência <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> novos hábitos <strong>de</strong> trabalho, com<br />

disciplina e divisão, levan<strong>do</strong> a interiorização <strong>do</strong> <strong>tempo</strong> controla<strong>do</strong>, em estu<strong>do</strong> muito<br />

conheci<strong>do</strong>. 5<br />

Aos trabalha<strong>do</strong>res, a submissão ao Tempo foi sen<strong>do</strong> cada vez mais exigida, <strong>de</strong><br />

forma que eles se tornaram serviçais <strong>do</strong> <strong>tempo</strong> da máquina, da mecanização.<br />

Hoje, no momento con<strong>tempo</strong>râneo, <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> por alguns autores <strong>de</strong><br />

“mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>”, Tempo adquire uma nova percepção, uma nova forma <strong>de</strong> atuação, que<br />

esvazia a duração <strong>tempo</strong>ral, que trabalha só com o fragmento, o <strong>de</strong>scontínuo, o<br />

instantâneo, o efêmero, o imediato – <strong>tempo</strong> hegemônico que se impõe ao indivíduo, o<br />

<strong>do</strong>mina em sua lógica <strong>de</strong>spótica – <strong>tempo</strong> come<strong>do</strong>r <strong>do</strong> <strong>tempo</strong>. 6<br />

3.1. O TEMPO DO TRABALHO<br />

No <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> capitalismo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu início, havia a preocupação <strong>de</strong><br />

ganhar <strong>tempo</strong>, pois o ganho sobre o <strong>tempo</strong> aumentava os lucros. No século XIX o <strong>tempo</strong><br />

<strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong>s homens foi submeti<strong>do</strong> totalmente ao <strong>tempo</strong> das ativida<strong>de</strong>s das máquinas. O<br />

investimento capitalista, buscan<strong>do</strong> sempre o máximo <strong>de</strong> rentabilida<strong>de</strong>, explora homens e<br />

máquinas. Taylor, no início <strong>de</strong>ste século, organizou o <strong>tempo</strong> industrial, em blocos<br />

<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s<br />

pela máxima produtivida<strong>de</strong>. Em nossos dias, progresso tecnológico significa caça ao <strong>tempo</strong><br />

morto e obsessão pela rapi<strong>de</strong>z.<br />

Diferentemente <strong>do</strong> capitalismo clássico, que se expandiu pelo espaço, no <strong>de</strong> hoje, o<br />

Tempo é um <strong>do</strong>s campos principais <strong>de</strong> sua expansão: o crescimento capitalista se <strong>de</strong>slocou<br />

para a dimensão <strong>do</strong> Tempo, exploran<strong>do</strong> mais rigorosamente ca<strong>de</strong>ias <strong>tempo</strong>rais, <strong>de</strong>finin<strong>do</strong><br />

as durações, reduzin<strong>do</strong>-o a partículas cada vez menores, asseguran<strong>do</strong> no interior <strong>de</strong>le a<br />

5 THOMPSON, E.T. Tiempo, disciplina y capitalismo. In: Tradición, revulta y consciencia <strong>de</strong> clase. Estudios<br />

sobre la crisis <strong>de</strong> la sociedad preindustrial. Barcelon: Crítica, 1979.<br />

6 Vi<strong>de</strong> CHESNEAUX, Jean. De la mo<strong>de</strong>rnité. Paria: La Découverte-Maspero, 1983.<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

6


IEA/USP - ESTUDOS AVANÇADOS Coleção DOCUMENTOS<br />

Série Estu<strong>do</strong>s Sobre o Tempo - maio 1992<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

reconversão <strong>de</strong> uma expansão capitalista, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> espaço, e se firman<strong>do</strong> no<br />

presente e imediato.<br />

Cada vez mais, o controle <strong>de</strong> tarifas é feito por cálculo <strong>de</strong> <strong>tempo</strong> <strong>de</strong> utilização e não<br />

por distância.<br />

O Tempo se transformou em hegemônico e <strong>de</strong>spótico. Por sua vez, o uso <strong>de</strong><br />

equipamentos cada vez mais rápi<strong>do</strong>s, passou a exigir maior <strong>tempo</strong> <strong>de</strong> preparação, <strong>de</strong><br />

planejamento prévio (como previsão financeira, previsão <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>, planos <strong>de</strong><br />

distribuição), to<strong>do</strong>s elementos que no concreto alongam o <strong>tempo</strong> da produção.<br />

Diante <strong>de</strong> tanta velocida<strong>de</strong>, tanta pressão, os seres humanos resistem, pois a<br />

precisão <strong>do</strong> <strong>tempo</strong> das máquinas agri<strong>de</strong> o <strong>tempo</strong> <strong>do</strong>s homens, o <strong>tempo</strong> vivi<strong>do</strong>.<br />

Na realida<strong>de</strong> diária, o ganho <strong>de</strong> <strong>tempo</strong> realiza<strong>do</strong> por um processo tecnológico acaba<br />

sen<strong>do</strong> perdi<strong>do</strong> nas restrições humanas, necessárias para o seu uso. Por exemplo, o <strong>tempo</strong> <strong>de</strong><br />

vôo diminuiu, mas o <strong>tempo</strong> <strong>de</strong> viagem aumentou: os aeroportos foram afasta<strong>do</strong>s da área<br />

urbana; o <strong>tempo</strong> <strong>de</strong> espera nos saguões <strong>do</strong>s aeroportos aumentou pelo sistema <strong>de</strong> controle e<br />

segurança; o <strong>tempo</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sembarque diminuiu, mas o <strong>tempo</strong> para atingir o outro local<br />

aumentou, pelo mesmo processo <strong>de</strong>scrito acima.<br />

3.2.O TEMPO DOS HOMENS<br />

Hoje, to<strong>do</strong>s nós somos serviçais e prisioneiros <strong>do</strong> Tempo: pelo mo<strong>de</strong>lo econômico,<br />

pela lógica <strong>do</strong> capitalismo, pelas exigências da or<strong>de</strong>m social, as ca<strong>de</strong>ias <strong>do</strong> <strong>tempo</strong><br />

invadiram a vida privada <strong>do</strong>s indivíduos.<br />

Mesmo o <strong>tempo</strong> fora <strong>do</strong> trabalho, o <strong>tempo</strong> pessoal, foi submeti<strong>do</strong> ao mesmo<br />

tratamento: a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo invadiu, programou, sincronizou tu<strong>do</strong>: zonas<br />

turísticas, residências secundárias, artigos culturais.<br />

O homem <strong>de</strong> hoje possui “fome <strong>de</strong> <strong>tempo</strong>”, não po<strong>de</strong> perdê-lo, dispendê-lo.<br />

“Ganhar <strong>tempo</strong>” literalmente significa ganhar algo sobre alguém: não po<strong>de</strong> haver ganhos<br />

<strong>de</strong> <strong>tempo</strong> sem que ocorra perdas <strong>de</strong> <strong>tempo</strong> – o <strong>tempo</strong> <strong>do</strong>s conflitos <strong>de</strong> interesses.<br />

Na socieda<strong>de</strong> con<strong>tempo</strong>rânea os seres humanos introjetaram um relógio interior,<br />

que serve <strong>de</strong> instrumento <strong>de</strong> servidão <strong>tempo</strong>ral. “Gerir o <strong>tempo</strong>”, ter “<strong>tempo</strong> livre”<br />

transformou-se em anseio e pesa<strong>de</strong>lo, tanto para os aposenta<strong>do</strong>s, como para os<br />

<strong>de</strong>semprega<strong>do</strong>s; também para uma classe ociosa em busca <strong>de</strong> lazer, e para as classes mais<br />

favorecidas.<br />

O ser humano está preso ao Tempo: há uma forte pressão social para a programação<br />

rígida: planos, programas, estratégias – atos assegura<strong>do</strong>res, mas também invasores.<br />

Tu<strong>do</strong> é <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> pelo Tempo efêmero e instantâneo, até o próprio <strong>tempo</strong> pessoal –<br />

a própria vida afetiva mascara mal a relação com o mo<strong>de</strong>lo econômico <strong>do</strong>minante.<br />

A socieda<strong>de</strong> superprogramada, supersincronizada, foge à realida<strong>de</strong> profunda <strong>do</strong><br />

<strong>tempo</strong> vivi<strong>do</strong> pelos homens, escamotean<strong>do</strong> o <strong>de</strong>slocamento unívoco no eixo da vida <strong>do</strong><br />

indivíduo em direção à morte. Não há o reconhecimento <strong>do</strong>s <strong>tempo</strong>s diferencia<strong>do</strong>s, tais<br />

como o <strong>tempo</strong> da <strong>do</strong>ença, o da juventu<strong>de</strong>, o da “terceira ida<strong>de</strong>”. Não há<br />

complementarida<strong>de</strong> entre os diversos <strong>tempo</strong>s, nem há relação <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>.<br />

Entretanto, <strong>de</strong>vemos <strong>de</strong>stacar que o <strong>tempo</strong> individual é profundamente diverso <strong>do</strong><br />

<strong>tempo</strong> <strong>do</strong> equipamento mecânico, crian<strong>do</strong> novos problemas médicos, <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>: uso<br />

incorreto da visão; ritmo <strong>de</strong> trabalho em vinte e quatro horas, atravessan<strong>do</strong> dia e noite;<br />

inversão <strong>do</strong> uso <strong>do</strong> organismo humano através das estações, que até recentemente<br />

repousava no inverno e aproveitava o verão para o trabalho, ritmo inverti<strong>do</strong> em nossos<br />

dias, com o verão utiliza<strong>do</strong> como <strong>tempo</strong> <strong>de</strong> férias, e inverno como máximo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>.<br />

Desta maneira, o Tempo transformou-se em senhor <strong>do</strong>s homens.<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

7


IEA/USP - ESTUDOS AVANÇADOS Coleção DOCUMENTOS<br />

Série Estu<strong>do</strong>s Sobre o Tempo - maio 1992<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

3.3.O TEMPO COMO SENHOR<br />

O <strong>tempo</strong> na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> é o <strong>tempo</strong> seqüencial, enca<strong>de</strong>a<strong>do</strong> por gestos, operações,<br />

controles, para que renda plenamente, forma<strong>do</strong>, composto por séries rígidas, organizadas<br />

em or<strong>de</strong>m imutável.<br />

Programar o <strong>tempo</strong> é colocá-lo em or<strong>de</strong>m unívoca, em um eixo <strong>tempo</strong>ral linear,<br />

<strong>do</strong>minante, inelutável, irreversível.<br />

A socieda<strong>de</strong> sincrônica integral, como resulta<strong>do</strong> da programação <strong>do</strong> <strong>tempo</strong>, isto é,<br />

da quantificação <strong>de</strong>le, funcionan<strong>do</strong> em <strong>tempo</strong> real, que é o <strong>tempo</strong> congela<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

instantâneo, sem perspectiva <strong>de</strong> duração é a nossa, <strong>do</strong>minante e hegemônica.<br />

Cada vez mais a ativida<strong>de</strong> humana vai sen<strong>do</strong> regulada pela complexida<strong>de</strong> crescente<br />

<strong>de</strong> interconexões <strong>tempo</strong>rais, amplian<strong>do</strong> a sincronização que pesa sobre os trabalha<strong>do</strong>res: a<br />

ativida<strong>de</strong> regulada por números crescentes <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s <strong>tempo</strong>rais torna-se mais pesada,<br />

mesmo que a duração <strong>tempo</strong>ral <strong>de</strong>la seja menor.<br />

a sincronização abrange cida<strong>de</strong>s, como zonas espaço-<strong>tempo</strong>rais monoprogramadas,<br />

rompen<strong>do</strong> velhos conceitos e hábitos, forçan<strong>do</strong> todas as pessoas a uma programação<br />

rigorosa <strong>do</strong> <strong>tempo</strong>, tanto para o transporte diário para o trabalho, como para o <strong>de</strong>sfrute <strong>do</strong><br />

lazer.<br />

Este Tempo, cada vez mais compartimenta<strong>do</strong>, dividi<strong>do</strong>, possui valor financeiro, <strong>de</strong><br />

uso e consumo. Como exemplo da socieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> instantâneo e <strong>do</strong> efêmero, temos os<br />

relógios digitais, que mostram apenas o momento e não mais a duração, onipresentes no<br />

espaço urbano central; a refeição em “fast food” e não mais a alimentação como ato <strong>de</strong><br />

civilização. Mas no mun<strong>do</strong> agrário, sempre pensa<strong>do</strong> como incólume ao <strong>tempo</strong> controla<strong>do</strong>r,<br />

as colheitas agrícolas <strong>de</strong>vem ocorrer mais rapidamente, para aumentar o valor <strong>do</strong> terreno, a<br />

lucrativida<strong>de</strong> da ativida<strong>de</strong>, pagar os investimentos.<br />

Na socieda<strong>de</strong> con<strong>tempo</strong>rânea, sincronizada globalmente, em que o Tempo e não<br />

mais o espaço é a fronteira da expansão última <strong>do</strong> capitalismo, o “<strong>tempo</strong> real”, o <strong>tempo</strong> das<br />

máquinas eletrônicas, <strong>do</strong>mina a vida humana, regula suas ativida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>termina seu próprio<br />

valor.<br />

Hoje, não há nação que esteja imune ao “<strong>tempo</strong> real”, pois tanto os Esta<strong>do</strong>s como o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento científico o tornaram homogêneo e <strong>do</strong>minante.<br />

Entretanto, os seres humanos resistem, criam conflitos: as <strong>tempo</strong>ralida<strong>de</strong>s são<br />

justapostas mas não integradas. O <strong>tempo</strong> <strong>do</strong> repouso <strong>do</strong> corpo e da mente não está<br />

integra<strong>do</strong> ao <strong>tempo</strong> <strong>do</strong> trabalho remunera<strong>do</strong>; da mesma forma, o <strong>tempo</strong> livre das ativida<strong>de</strong>s<br />

materiais indispensáveis à continuida<strong>de</strong> da vida é o mesmo <strong>tempo</strong> <strong>do</strong> <strong>tempo</strong> lúdico – o<br />

verda<strong>de</strong>iro <strong>tempo</strong> livre.<br />

Esta socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> “<strong>tempo</strong> real” <strong>de</strong>sloca a relação com o passa<strong>do</strong>, <strong>de</strong>compon<strong>do</strong>-o,<br />

esmaga o presente no imediato e instantâneo, <strong>de</strong>strói o futuro como pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

possibilida<strong>de</strong>s.<br />

A duração torna-se um pesa<strong>de</strong>lo, quase um valor negativo, se confun<strong>de</strong> com a perda<br />

<strong>de</strong> <strong>tempo</strong> – é o pleno <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> “presentismo”, o presente em si mesmo, reproduzin<strong>do</strong> a<br />

si mesmo, uma socieda<strong>de</strong> fechada no in<strong>tempo</strong>ral, cortada <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, cortada <strong>do</strong> futuro,<br />

com o conta<strong>do</strong>r sempre no zero.<br />

Ironicamente, esta socieda<strong>de</strong>, <strong>do</strong>minada pelo “<strong>tempo</strong> real”, transformou o ser<br />

humano em seu servi<strong>do</strong>r.<br />

Se o sinal <strong>de</strong> partida para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> capitalismo foi a transformação <strong>do</strong><br />

<strong>tempo</strong> que era Dom em Tempo como Servi<strong>do</strong>r, nos dias atuais, Tempo é Senhor, pois os<br />

seres humanos estão escraviza<strong>do</strong>s ao Tempo, são seus servi<strong>do</strong>res, e, quanto mais ocupa<strong>do</strong><br />

o <strong>tempo</strong>, tanto mais importante social e economicamente o homem é.<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

8


IEA/USP - ESTUDOS AVANÇADOS Coleção DOCUMENTOS<br />

Série Estu<strong>do</strong>s Sobre o Tempo - maio 1992<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

Se o homem <strong>do</strong> Renascimento <strong>de</strong>monstrava seu po<strong>de</strong>r regulan<strong>do</strong> o uso <strong>do</strong> Tempo<br />

entre trabalho e lazer, o homem con<strong>tempo</strong>râneo serve ao seu senhor fielmente, seguin<strong>do</strong><br />

um ritmo <strong>de</strong> vida que tenta acompanhar o “<strong>tempo</strong> real” das máquinas, em suas <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong><br />

negócios.<br />

Nesse ritmo acelera<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>tempo</strong>, a <strong>História</strong> foi sen<strong>do</strong> esmagada: fisicamente, pela<br />

transposição <strong>do</strong> conhecimento em da<strong>do</strong>s quantificáveis e acumuláveis – os únicos que<br />

interessam, e, concretamente, pelo crescimento exponencial infinito em <strong>tempo</strong> finito, que<br />

leva ao esgotamento <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento. Ela se transformou em objeto <strong>de</strong> uso<br />

rentável: moda das antigüida<strong>de</strong>s; moda <strong>de</strong> objetos autênticos; moda <strong>de</strong> simulacros baratos,<br />

apenas modas.<br />

A mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> recusa o passa<strong>do</strong>, ela se vê como in<strong>tempo</strong>ral, um fim em si mesmo.<br />

Entretanto, os seres humanos resistem duramente à escravização total pelo Tempo:<br />

tanto em seus locais <strong>de</strong> trabalho, como em sua vida particular, apelan<strong>do</strong> ao passa<strong>do</strong> com o<br />

objetivo <strong>de</strong> procurar um outro futuro.<br />

Há esperanças <strong>de</strong> um outro futuro formula<strong>do</strong> com uma nova divisão <strong>de</strong> trabalho:<br />

trabalhos em <strong>tempo</strong> parcial; flexibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> horários; trabalhos alterna<strong>do</strong>s; trabalhos nas<br />

residências e retirada progressiva <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> trabalho, para que o homem se torne<br />

novamente Senhor <strong>do</strong> Tempo.<br />

FONTE:<br />

Instituto <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Avança<strong>do</strong>s<br />

USP/S.Paulo<br />

Série Estu<strong>do</strong>s sobre o <strong>tempo</strong> – número 6<br />

Tempo e Po<strong>de</strong>r<br />

maio <strong>de</strong> 1992<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

9


Anais <strong>do</strong> III Encontro Nacional <strong>de</strong> Pesquisa<strong>do</strong>res <strong>do</strong> ensino <strong>de</strong> <strong>História</strong> setembro 1997<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

TEMPO HISTÓRICO: UM BALANÇO<br />

Raquel Glezer<br />

Para nós, historia<strong>do</strong>res <strong>do</strong> final <strong>do</strong> século XX, a variável <strong>tempo</strong> <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser um<br />

simples elemento explicativo <strong>de</strong> casualida<strong>de</strong>, na qual um fato era explica<strong>do</strong> por outro, em<br />

seqüência <strong>tempo</strong>ral, cronológica, linear, teleologicamente direciona<strong>do</strong>, e se transformou,<br />

sob a influência das mutações que os estu<strong>do</strong>s históricos sofreram, na segunda meta<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ste século, em sua prática e teoria, em um elemento complexo, reconhecidamente<br />

etnocêntrico, não linear, não teleológico, fragmenta<strong>do</strong>, e po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ocorrer em velocida<strong>de</strong>s<br />

diferentes, as <strong>tempo</strong>ralida<strong>de</strong>s, segun<strong>do</strong> os fenômenos estuda<strong>do</strong>s.<br />

Retratar a separação da <strong>História</strong> <strong>do</strong> mito, momento em que a dinâmica superou a<br />

estática, em que os homens assumiram o lugar <strong>do</strong>s <strong>de</strong>uses como construtores <strong>de</strong> sua<br />

história, em que a circularida<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>tempo</strong>, estagna<strong>do</strong>, fixo, eterno, foi substituída pela<br />

linearida<strong>de</strong> não é mais necessário.<br />

Da mesma forma, a nosso ver, é redundante, já que não explica como nós<br />

trabalhamos e concebemos o <strong>tempo</strong> histórico: retomar a <strong>tempo</strong>ralida<strong>de</strong> sublunar e a<br />

presentificação <strong>do</strong>s fatos <strong>do</strong>s gregos; a Retórica romana como “mestra da vida”; a<br />

introdução <strong>do</strong> eixo passa<strong>do</strong>/presente/futuro da tradição judaico-cristã; a Filosofia Cristã<br />

<strong>de</strong> <strong>História</strong>, ten<strong>do</strong> a <strong>História</strong> Sagrada como eixo condutor <strong>do</strong>s homens e a teleologia<br />

escatológica <strong>do</strong> Juízo Final no horizonte; o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sacralização da <strong>História</strong>; a<br />

substituição da teleologia sagrada pela profana (Razão, Progresso, Revolução); a <strong>História</strong><br />

como ciência, preocupada com o <strong>de</strong>vir, pensan<strong>do</strong> o <strong>tempo</strong> linear <strong>de</strong> casualida<strong>de</strong> primária,<br />

disputan<strong>do</strong> espaço com a <strong>História</strong> cíclica, <strong>de</strong> <strong>tempo</strong> repetitivo; a substituição <strong>do</strong> <strong>tempo</strong> da<br />

natureza pelo <strong>tempo</strong> social; <strong>do</strong> <strong>tempo</strong> <strong>do</strong> trabalho natural pelo <strong>tempo</strong> <strong>do</strong> trabalho<br />

industrial ; o <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> <strong>tempo</strong> pelo homem e o <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> homem pelo <strong>tempo</strong>. 1<br />

No processo <strong>de</strong> construção da disciplina <strong>História</strong> e da ciência no século XIX<br />

consoli<strong>do</strong>u-se a laicização, processo que vinha <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVIII, houve o aban<strong>do</strong>no<br />

da Filosofia Cristã <strong>de</strong> <strong>História</strong> como processo explicativo da história da humanida<strong>de</strong>, os<br />

homens foram vistos como direciona<strong>do</strong>s pelo seu <strong>de</strong>vir, mas o <strong>tempo</strong> continuou sen<strong>do</strong> a<br />

variável controla<strong>do</strong>ra, elemento explicativo da casualida<strong>de</strong>.<br />

Para os historia<strong>do</strong>res da <strong>História</strong> metódica, <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>s “positivistas”,<br />

“cientificistas”, “empíricos”, <strong>tempo</strong> era uma questão <strong>de</strong> calendário, tabelas cronológicas,<br />

contagens comparativas. Boas fontes, tratadas <strong>de</strong> forma a<strong>de</strong>quada, dariam boas datas. Ele<br />

1 Ver:<br />

AUERBACH, Eric. Mimesis. A representação da realida<strong>de</strong> na literatura oci<strong>de</strong>ntal. São Paulo: Perspectiva,<br />

1971;<br />

CARDOSO, Ciro Flammarion. O <strong>tempo</strong> das ciências naturais e o <strong>tempo</strong> da <strong>História</strong>. IN: Ensaios racionalistas.<br />

Filosofia, Ciências Naturais e <strong>História</strong>. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Campus, 1988, p.25-40;<br />

CHAUNU, Pierre. De l’histoire à la prospective. Paris: Robert Lafont, 1975;<br />

DONATO, Ernani. <strong>História</strong> <strong>do</strong> calendário. São Paulo: Melhoramentos/INL/MEC/EDUSP, 1976.<br />

GLEZER, Raquel. O <strong>tempo</strong> e os homens: <strong>do</strong>m, servi<strong>do</strong>r e senhor. IN: CONTIER, Arnal<strong>do</strong> D. <strong>História</strong> em<br />

<strong>de</strong>bate. São Paulo: INFOUR/CNPq, 1992;<br />

_______. A <strong>noção</strong> <strong>do</strong> <strong>tempo</strong> e o ensino da <strong>História</strong>. LPH – Revista <strong>de</strong> <strong>História</strong>, Mariana:MG,<br />

Dep.<strong>História</strong>/UFOP, 2 (1): 38-41, 1991;<br />

_______. O <strong>tempo</strong> na <strong>História</strong>. IN: O <strong>tempo</strong> na Filosofia e na <strong>História</strong>. São Paulo: IEA/USP, fev. 1991, p.14-<br />

19;<br />

_______. Tempo & <strong>História</strong>: a variável inconstante. IN: Uma proposta interdisciplinar. São Paulo: IEA/USP,<br />

maio 1991, p.10-13;<br />

ROSSI, Paolo. Os sinais <strong>do</strong> <strong>tempo</strong>. <strong>História</strong> da terra e história das nações <strong>de</strong> Hooke a Vico. São Paulo:<br />

Companhia das Letras, 1992;<br />

TOULMIN, S. y GOODFIELD, J. El <strong>de</strong>scubrimiento <strong>de</strong>l tiempo. Buenos Aires: Paid[os, 1968.<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

1


Anais <strong>do</strong> III Encontro Nacional <strong>de</strong> Pesquisa<strong>do</strong>res <strong>do</strong> ensino <strong>de</strong> <strong>História</strong> setembro 1997<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

era percebi<strong>do</strong> e trata<strong>do</strong> como linear, progressivo e homogêneo. Não era um problema,<br />

mas ao contrário, a explicação <strong>do</strong>s fatos. O enca<strong>de</strong>amento das datas e <strong>do</strong>s fatos era a<br />

<strong>História</strong> e se explicava por si mesmo.<br />

To<strong>do</strong>s nós conhecemos os livros que estruturaram sua organização em causas<br />

próximas e remotas. Estas, <strong>de</strong> tão remotas, lembravam a preocupação com as origens:<br />

como tu<strong>do</strong> começou? Estávamos a um passo <strong>de</strong> Adão e Eva, a um passo <strong>do</strong> Gênesis.<br />

Há numerosas, famosas e repetidas ane<strong>do</strong>tas sobre historia<strong>do</strong>res tão preocupa<strong>do</strong>s<br />

em conhecer como tu<strong>do</strong> havia começa<strong>do</strong> que passaram a vida nos arquivos, pesquisan<strong>do</strong><br />

e juntan<strong>do</strong> <strong>do</strong>cumentos, sem nunca escrever uma linha sobre o assunto, pois não<br />

conseguiram atingir as causas iniciais.<br />

Des<strong>de</strong> o final <strong>do</strong> século XIX e início <strong>de</strong>ste, várias correntes interpretativas <strong>de</strong><br />

<strong>História</strong> questionaram a causalida<strong>de</strong> <strong>tempo</strong>ral primária, valorizan<strong>do</strong> a relativida<strong>de</strong> da<br />

observação, da percepção, <strong>do</strong> espírito <strong>do</strong> <strong>tempo</strong>, da construção <strong>do</strong> objeto e portanto da<br />

cronologia, <strong>de</strong>sligan<strong>do</strong> a explicação <strong>do</strong> fato histórico <strong>do</strong> <strong>tempo</strong> seqüencial cronológico.<br />

Na segunda meta<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste século, os historia<strong>do</strong>res, que já haviam se <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> como<br />

cientistas sociais, separaram-se totalmente da Filosofia na questão <strong>do</strong> <strong>tempo</strong>, trabalhan<strong>do</strong><br />

com <strong>tempo</strong> social, compreendi<strong>do</strong> como o <strong>tempo</strong> construí<strong>do</strong>, o <strong>tempo</strong> histórico relativo. O<br />

problema <strong>tempo</strong>/eternida<strong>de</strong> foi aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>. Filósofos ainda hoje discutem como os<br />

historia<strong>do</strong>res <strong>de</strong>vem/<strong>de</strong>veriam discutir e atuar na questão <strong>do</strong> <strong>tempo</strong>. Mas na prática a<br />

discussão não nos atinge mais.<br />

Nós aban<strong>do</strong>namos a concepção <strong>de</strong> <strong>tempo</strong> linear contínuo e homogêneo, com<br />

calendários, cronologias e causalida<strong>de</strong> primária.<br />

Se os problemas políticos das décadas <strong>de</strong> vinte e trinta levaram vários<br />

historia<strong>do</strong>res a questionar o <strong>de</strong>vir, a <strong>noção</strong> <strong>de</strong> progresso contínuo e homogêneo, a<br />

Segunda Guerra Mundial com a <strong>de</strong>struição sistemática <strong>de</strong> bens e valores <strong>do</strong>s inimigos (<strong>de</strong><br />

ocasião), o subsequente processo da Guerra Fria e a <strong>de</strong>scolonização da África e Ásia<br />

encaminharam o processo <strong>de</strong> autocrítica da percepção <strong>tempo</strong>ral, <strong>do</strong> etnocentrismo<br />

europeu e da homogeneização <strong>tempo</strong>ral teleológica.<br />

A <strong>de</strong>smontagem <strong>do</strong>s impérios coloniais levou ao questionamento da periodização<br />

clássica européia, que havia si<strong>do</strong> imposta como parte <strong>do</strong> processo coloniza<strong>do</strong>r e<br />

civilizatório. As ida<strong>de</strong>s, eras e impérios correspondiam à herança cultural da civilização<br />

oci<strong>de</strong>ntal cristã mediterrânica, significativas para seus formula<strong>do</strong>res, mas ex<strong>tempo</strong>râneas<br />

para outras civilizações e outras culturas.<br />

As experiências políticas das nações que na segunda meta<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste século se<br />

libertaram <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio imperialista (quer europeu quer asiático) encaminharam outras<br />

questões sobre o <strong>de</strong>vir da <strong>História</strong>, até então pensa<strong>do</strong> como uniforme e direciona<strong>do</strong>.<br />

A crítica ao etnocentrismo, ao caminho unívoco da humanida<strong>de</strong> se <strong>de</strong> um la<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>struiu certezas e criou inseguranças, por outros possibilitou novos olhares, novas<br />

perspectivas, novas interpretações.<br />

Para os historia<strong>do</strong>res, os estruturalismos trouxeram angústias e questionamentos.<br />

O <strong>tempo</strong> <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser percebi<strong>do</strong> como uniforme, unívoco e homogêneo. A relativida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> <strong>tempo</strong> como fenômeno científico, a fragmentação <strong>do</strong> <strong>tempo</strong> que a literatura absorvera<br />

nas décadas iniciais <strong>do</strong> século, que outras ciências já haviam introjeta<strong>do</strong>, atingiu a<br />

<strong>História</strong>.<br />

Brau<strong>de</strong>l formulou as <strong>tempo</strong>ralida<strong>de</strong>s, velocida<strong>de</strong>s diversas <strong>de</strong> <strong>tempo</strong> conforme os<br />

fenômenos estuda<strong>do</strong>s: <strong>tempo</strong> curto/fatual, <strong>tempo</strong> médio/conjuntural, <strong>tempo</strong><br />

longo/estrutural. Com ele a <strong>História</strong> reabsorvia a <strong>noção</strong> <strong>de</strong> ciclos, vinda da Economia, <strong>de</strong><br />

duração variável, <strong>de</strong> percepção complexa. 2<br />

2 Ver:<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

2


Anais <strong>do</strong> III Encontro Nacional <strong>de</strong> Pesquisa<strong>do</strong>res <strong>do</strong> ensino <strong>de</strong> <strong>História</strong> setembro 1997<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

Po<strong>de</strong>mos dizer que a <strong>História</strong> <strong>de</strong> <strong>tempo</strong> linear, uniforme e progressivo, no<br />

momento em que sua marca teleológica começava a ser questionada, abarca a <strong>História</strong><br />

cíclica, repetitiva, que por sua vez aban<strong>do</strong>nava <strong>de</strong> apogeu e <strong>de</strong>cadência, passan<strong>do</strong> a<br />

marcar ciclos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>, que se integraram e fundiram na <strong>História</strong> com<br />

<strong>tempo</strong>ralida<strong>de</strong>s. 3<br />

Hoje a <strong>História</strong> cíclica <strong>de</strong>u lugar à história <strong>do</strong>s ciclos, das repetições, das<br />

permanências. <strong>História</strong> que corre em velocida<strong>de</strong>s diferentes, em níveis diversos <strong>de</strong><br />

fenômenos, a escolha <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r: rápida no dia-a-dia da história fatual; média e<br />

escalonada nas conjunturas <strong>de</strong> 5, 10, 15, 20, 25, 50 ou 100 anos, e, lenta, quase imóvel<br />

nas permanências, nas estruturas multi seculares ou milenares.<br />

<strong>História</strong> com <strong>tempo</strong>ralida<strong>de</strong>s com novos objetos, novas fontes, novas questões,<br />

novos recortes, novos enfoques: “Nouvelle Histoire” na França; “New Social History”<br />

nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s; “Micro-<strong>História</strong>” na Itália, “Novo Historicismo” na Europa e<br />

Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s.<br />

Não que a <strong>História</strong> cíclica “tout court” tenha <strong>de</strong>sapareci<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> alguns<br />

segui<strong>do</strong>res sau<strong>do</strong>sos <strong>de</strong> Spengler e Toynbee. Há em realização uma <strong>História</strong> Universal,<br />

promovida pela UNESCO, cujo enfoque teórico é o da <strong>História</strong> cíclica e comparativa<br />

entre civilizações.<br />

Não <strong>de</strong>vemos esquecer que as concepções cíclicas não <strong>de</strong>sapareceram, estan<strong>do</strong><br />

apenas submersas, talvez aguardan<strong>do</strong> seu <strong>tempo</strong> <strong>de</strong> retorno. Afinal, periodicamente<br />

recuperamos e revalorizamos historia<strong>do</strong>res <strong>de</strong> outrora, tais como Jules Michelet, na<br />

década passada, e agora Vico, ambos vincula<strong>do</strong>s à história cíclica.<br />

Se a <strong>História</strong> <strong>do</strong>s historia<strong>do</strong>res é linear e progressiva e se apresenta como<br />

<strong>do</strong>minante, não <strong>de</strong>vemos esquecer que na literatura <strong>de</strong> ficção científica, on<strong>de</strong> o <strong>tempo</strong> é o<br />

<strong>do</strong> futuro, a visão <strong>de</strong> <strong>História</strong> pre<strong>do</strong>minante é a cíclica, pois, conforme vários autores em<br />

diversas trilogias/quatrilogias, o Futuro será <strong>do</strong> Império: um Império intergalático,<br />

tentacular entre as estrelas, com uma aristocracia militar, disputan<strong>do</strong> espaço, po<strong>de</strong>r, glória<br />

como outrora foi feito na Europa medieval. 4<br />

As discussões teóricas sobre o <strong>tempo</strong> e como os historia<strong>do</strong>res se relacionam com<br />

ele são constantes e algumas obras recentemente foram escritas e publicadas sobre o<br />

assunto. 5<br />

Mas os historia<strong>do</strong>res fogem <strong>de</strong> tais <strong>de</strong>bates, pois aparentemente já resolveram tais<br />

questões: a flexibilização <strong>do</strong> <strong>tempo</strong> nos estu<strong>do</strong>s históricos é a marca <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s<br />

con<strong>tempo</strong>râneos. Depen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>do</strong> objeto que pretenda estudar o historia<strong>do</strong>r estrutura a sua<br />

periodização, escolhe os seus marcos <strong>tempo</strong>rais, seleciona o seu recorte, seu enfoque<br />

teórico – meto<strong>do</strong>lógico e as suas fontes. Por exemplo: o século XX, breve ou longo? 6<br />

BRAUDEL, Fernand. La Méditerranée et le mon<strong>de</strong> méditerranéen à l’époque <strong>de</strong> Phipippe II. Paris: Armand<br />

Colin, 1949;<br />

_______. La longue durée. IN: Écrits sur l’histoire. Paris: Flammarion, 1969;<br />

_______. O <strong>tempo</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Lisboa: Teorema, 1996 (v.3 <strong>de</strong> Civilização material, economia e capitalismo,<br />

séculos XV-XVIII).<br />

3<br />

Ver:<br />

BATRA, Ravi. 1990. A gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão. São Paulo: Cultura, 1988.<br />

4<br />

Ver a quatrilogia <strong>de</strong> I.Asimov. Fundação, e a trilogia <strong>de</strong> F.Herbert. Duna.<br />

5<br />

Ver:<br />

WEHLING, Arno. Tempo e história nas diferentes culturas. IN: A invenção da <strong>História</strong>: estu<strong>do</strong>s sobre o<br />

historicismo. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Universida<strong>de</strong> Gama Filho/Ed.Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Fluminense, 1994. p.51-58.<br />

DOMINGUES, Ivan. O fio e a trama: reflexões sobre o <strong>tempo</strong> e a história. São Paulo:Iluminuras/Belo<br />

Horizonte: Ed.UFMG, 1996.<br />

REIS, José Carlos. Tempo, história e evasão. Campinas/SP: Papirus, 1994.<br />

6<br />

Ver:<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

3


Anais <strong>do</strong> III Encontro Nacional <strong>de</strong> Pesquisa<strong>do</strong>res <strong>do</strong> ensino <strong>de</strong> <strong>História</strong> setembro 1997<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

A introjeção da etnocentricida<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>tempo</strong>, da relativida<strong>de</strong> das <strong>tempo</strong>ralida<strong>de</strong>s, da<br />

fragmentação, da periodização individualizada, para os historia<strong>do</strong>res solucionou os<br />

conflitos com o <strong>tempo</strong> linear, progressivo, direciona<strong>do</strong> pelo <strong>de</strong>vir. Ele não é mais a<br />

explicação externa <strong>do</strong>s fatos históricos. O <strong>tempo</strong> histórico é a criação, seleção e opção <strong>do</strong><br />

historia<strong>do</strong>r, teci<strong>do</strong> intrica<strong>do</strong> no objeto, nas fontes, nas análises e nas interpretações.<br />

FONTE:<br />

ANAIS DO III ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES DO ENSINO DE<br />

HISTÓRIA; realiza<strong>do</strong> em 15 a 17 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1997, Campinas, SP, com a<br />

coor<strong>de</strong>nação geral <strong>de</strong> Ernesta Zamboni. Campinas/SP: Gráfica da FE/UNICAMP, 1999,<br />

p. 37 a 43.<br />

ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX. Dinheiro, po<strong>de</strong>r e as origens <strong>de</strong> nosso <strong>tempo</strong>. São<br />

Paulo:Contraponto/EDUNESP, 1996.<br />

HOBSBAWM, Eric.J. Era <strong>do</strong>s extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras,<br />

1995.<br />

______________________________________________________________________________________________<br />

4

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!