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Videmus nunc per speculum”: A (des)construção da memória ... - UTP

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(...) o esquecimento e o <strong>per</strong>dão [devem ser refletidos] (...)<br />

separa<strong>da</strong> e conjuntamente (...). Separa<strong>da</strong>mente, na medi<strong>da</strong> em<br />

que ca<strong>da</strong> um deles depende de uma problemática distinta: no caso<br />

do esquecimento, a <strong>da</strong> <strong>memória</strong> e <strong>da</strong> fideli<strong>da</strong>de ao passado; no<br />

do <strong>per</strong>dão, a <strong>da</strong> culpabili<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> reconciliação com o passado.<br />

Conjuntamente, na medi<strong>da</strong> que seus respectivos itinerários se<br />

recruzam num lugar que não é um lugar, e que o termo horizonte<br />

<strong>des</strong>igna mais corretamente. Horizonte de uma <strong>memória</strong> apazigua<strong>da</strong>,<br />

e até mesmo de um esquecimento feliz (RICOEUR, Op. cit., p.<br />

423).<br />

A julgar pela Legen<strong>da</strong> Maior e sua preocupação em “ouvir” os<br />

testemunhos <strong>da</strong>queles primeiros e fiéis companheiros do santo de<br />

Assis, pela atenção que esta biografia deu à observância <strong>da</strong> Regra,<br />

mesmo quando Frei Boaventura mandou queimar as antigas legen<strong>da</strong>s,<br />

que para ele manchavam a “pureza <strong>da</strong>s origens”,<br />

(...) o que está “em jogo é a projeção de um tipo de escatologia<br />

<strong>da</strong> <strong>memória</strong> e, na sua esteira, <strong>da</strong> história e do esquecimento (...),<br />

[de uma fideli<strong>da</strong>de ao passado que gira em] (...) torno do <strong>des</strong>ejo<br />

de uma <strong>memória</strong> feliz e apazigua<strong>da</strong>, <strong>da</strong> qual algo se transmite na<br />

prática <strong>da</strong> história e até o âmago <strong>da</strong>s insu<strong>per</strong>áveis incertezas (...)<br />

(RICOEUR, Ibid., p. 466).<br />

Enfim, nesse processo de reestruturação <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de franciscana,<br />

proposto por Frei Boaventura, a imagem de São Francisco construí<strong>da</strong> na<br />

Legen<strong>da</strong> Maior, a partir dos conceitos ricoeurianos de “apaziguamento<br />

<strong>da</strong> <strong>memória</strong>” e de um “esquecimento feliz”, além de uma excelente<br />

ferramenta simbólica de renovação de uma trajetória de vi<strong>da</strong> religiosa,<br />

tanto individual quanto institucional, tornou-se também um pedido de<br />

<strong>per</strong>dão. Uma oração, presente na Vita II, de Frei Tomás de Celano,<br />

mesmo sendo condena<strong>da</strong> pelo Capítulo geral de 1266, embora, de<br />

alguma forma, escondi<strong>da</strong> na entrelinhas <strong>da</strong> Legen<strong>da</strong> Maior, poderia <strong>da</strong>r<br />

uma ideia <strong>des</strong>te pedido de <strong>per</strong>dão ao passado: “[Pai São Francisco]<br />

o pequeno rebanho já te segue com passo inseguro. Nossos pobres<br />

olhos ofuscados não suportam os raios de tua <strong>per</strong>feição. Renova<br />

nossos dias, como no começo, ó espelho exemplar dos <strong>per</strong>feitos, e<br />

não <strong>per</strong>mitas que tenham vi<strong>da</strong> diferente <strong>da</strong> tua os que são conformes<br />

a ti pela profissão!” (2 Cel 221). No caso boaventuriano, a julgar pelas<br />

fontes documentais aqui analisa<strong>da</strong>s, o <strong>des</strong>ejo era que o <strong>per</strong>dão se<br />

tornasse uma espécie de es<strong>per</strong>ança.<br />

CONCLUSÃO<br />

Uma tradição posterior ao <strong>per</strong>íodo aqui estu<strong>da</strong>do, <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> do século<br />

XIV, preservou um relato emblemático sobre os primeiros tempos do<br />

movimento franciscano que pode nos oferecer algumas luzes sobre<br />

como compreender, ou melhor, sobre o que “colher” (legere) - utilizando<br />

um verbo mais caro aos hagiógrafos medievais – <strong>des</strong>ses quase quarenta<br />

anos de produção <strong>da</strong> <strong>memória</strong> hagiográfica de São Francisco de Assis,<br />

produção esta que, como foi <strong>per</strong>corri<strong>da</strong> e analisa<strong>da</strong> pelo presente<br />

trabalho, deu-se dos festejos de sua canonização, ocorri<strong>da</strong> em 1228,<br />

até a dramática decisão capitular de 1266. O referido episódio foi<br />

narrado numa obra intitula<strong>da</strong> Actus beati Francisci et sociorum eius40 (“Atos do bem-aventurado Francisco e dos seus companheiros”), obra<br />

que serviu de base para uma tardia, mas também medieva, “versão”<br />

italiana, mais conheci<strong>da</strong> universalmente por sua linguagem popular, os<br />

I Fioretti di San Francesco.<br />

A história narra um feito do primeiro companheiro de São Francisco,<br />

chamado Frei Bernardo de Quintavalle. Antes de se tornar um seguidor<br />

do “Pobre de Assis”, Bernardo havia estu<strong>da</strong>do Direito Civil e Direito<br />

Canônico, ain<strong>da</strong> jovem, na universi<strong>da</strong>de de Bolonha. Conta-se que um<br />

dia o santo, com a intenção de exercitá-lo na virtude <strong>da</strong> humil<strong>da</strong>de,<br />

Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 46<br />

| História | 2011

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