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Videmus nunc per speculum”: A (des)construção da memória ... - UTP

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cronológica dos fatos, mas antes “conservar uma ordem de uma<br />

conjunção mais apta, segundo a qual pareciam combinar melhor em<br />

temas diferentes acontecimentos do mesmo tempo, ou em um mesmo<br />

tema acontecimentos de tempos diferentes” (LM, Prólogo, 4). Isso<br />

quer dizer que o Ministro geral não <strong>des</strong>ejava mesmo apresentar um São<br />

Francisco “histórico”. Na ver<strong>da</strong>de, sua intenção era diametralmente<br />

outra, isto é, a Legen<strong>da</strong> Maior queria “tirar” São Francisco <strong>da</strong> História,<br />

como bem recordou Giovanni Merlo, para quem<br />

(...) o caráter absoluto do fim evitava reconstruir a concreta<br />

historici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ex<strong>per</strong>iência evangélica de Frei Francisco e repropor<br />

os episódios de sua vi<strong>da</strong> que, por exemplo, fizessem aparecer as<br />

conflitantes relações do “santo” com sua Fraterni<strong>da</strong>de/Ordem<br />

e, portanto, oferecessem pontos de apoio que justificassem os<br />

conflitos do presente (MERLO, Op cit., p. 120).<br />

Isso ocorria porque a Legen<strong>da</strong> Maior não havia sido escrita -<br />

ou compila<strong>da</strong> – para celebrar um santo, nem mesmo para tornar a<br />

trajetória humana de Francisco de Assis mais precisa aos olhos de<br />

todos. A nova Legen<strong>da</strong> havia nascido para “coroar”, de certa forma,<br />

o programa formativo inaugurado por Frei Boaventura, cujas bases já<br />

se encontravam nas Constituições de Narbonna. Segundo Theophile<br />

Desbonnets, esta “manobra bonaventuriana” era necessária porque<br />

(...) esta legislação não poderia agra<strong>da</strong>r a todos. Boaventura<br />

passou, então, à segun<strong>da</strong> fase de seu projeto: escrever uma vi<strong>da</strong><br />

do Fun<strong>da</strong>dor que demonstrasse que a legislação <strong>da</strong> Ordem, isto é,<br />

as Constituições de Narbonne, era boa e estava dentro <strong>da</strong> linha<br />

correta do espírito de Francisco (DESBONNETS, Op. cit., p. 140).<br />

Se a Legen<strong>da</strong> Maior deveria refletir, literária e hagiograficamente,<br />

os posicionamentos contidos nas Constituições de Narbonne, a<br />

nova biografia do fun<strong>da</strong>dor deveria oferecer aos fra<strong>des</strong> um caminho<br />

formativo a ser observado com rigor. Assim, o “novo” São Francisco<br />

deveria ser<br />

(...) literária e hagiograficamente construído segundo as linhas<br />

e modelos escolhidos e impostos pelo Geral e por aqueles que<br />

apoiavam a interpretação bonaventuriana. É um São Francisco útil<br />

à Ordem e interpretado em chave teológico-espiritual (MERLO,<br />

Op. cit., p. 119).<br />

Isso explicaria porque o São Francisco “retratado” na Legen<strong>da</strong><br />

Maior parecia evitar ou mesmo <strong>des</strong>conhecer as discussões sobre os<br />

temas polêmicos que assaltavam a Ordem, ain<strong>da</strong> enquanto o santo<br />

vivia e mais ain<strong>da</strong> no tempo em Frei Boaventura escreveu. Explicaria<br />

também porque alguns episódios narrados nas vitas de Tomás de<br />

Celano e nas outras legen<strong>da</strong>s condena<strong>da</strong>s foram simplesmente<br />

“esquecidos”, excluídos ou mesmos reinterpretados pelo Ministro<br />

geral na sua nova biografia. Em outras palavras, para Frei Boaventura,<br />

sua Legen<strong>da</strong> deveria mostrar aos fra<strong>des</strong>, num momento turbulento<br />

vivido pela Ordo Minorum, o caminho tomado pelo santo fun<strong>da</strong>dor para<br />

chegar até Deus e, <strong>des</strong>te modo, em sua pe<strong>da</strong>gogia, recor<strong>da</strong>r as crises<br />

estruturais e individuais do movimento franciscano era considerado<br />

<strong>des</strong>necessário ou até mesmo prejudicial.<br />

São Francisco era para Frei Boaventura um “uomo di Dio” (“um<br />

homem de Deus”) e era no campo <strong>da</strong> teologia e <strong>da</strong> mística que o santo<br />

deveria ser compreendido. Daí que a Legen<strong>da</strong> Maior foi compila<strong>da</strong><br />

seguindo uma ordem temática – e não cronológica – que pretendia<br />

a ilustrar e ensinar aos fra<strong>des</strong> o posicionamento teológico de Frei<br />

Boaventura. Como observou Certeau, hagiografia e teologia caminham<br />

sempre juntas:<br />

(...) uma teologia está sempre investi<strong>da</strong> no discurso hagiográfico.<br />

Ela é particularmente evidente lá onde a vi<strong>da</strong> do santo serve<br />

Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 42<br />

| História | 2011

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