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Videmus nunc per speculum”: A (des)construção da memória ... - UTP

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(...) essa estrutura estável <strong>da</strong> disposição a testemunhar faz do<br />

testemunho um fator de segurança no conjunto <strong>da</strong>s relações<br />

constitutivas do vínculo social; por sua vez, essa contribuição <strong>da</strong><br />

confiabili<strong>da</strong>de de uma proporção importante dos agentes sociais<br />

à segurança geral faz do testemunho uma instituição. (...) O que<br />

faz uma instituição é inicialmente a estabili<strong>da</strong>de do testemunho<br />

pronto a ser reiterado, em segui<strong>da</strong> a contribuição <strong>da</strong> confiabili<strong>da</strong>de<br />

de ca<strong>da</strong> testemunho à segurança do vínculo social na medi<strong>da</strong> em<br />

que este repousa na confiança na palavra de outrem (RICOEUR,<br />

Ibid., p. 174).<br />

Diante <strong>des</strong>sas considerações sobre a natureza <strong>da</strong> testemunha, e<br />

diante do fato de um hagiógrafo medieval – que é ao mesmo tempo<br />

um teólogo e um su<strong>per</strong>ior de uma ordem religiosa – ter se inclinado a<br />

inserir em dois documentos oficiais (uma de cunho jurídico e outra de<br />

cunho hagiográfico) o testemunho de fra<strong>des</strong> altamente credenciados<br />

dentro <strong>da</strong> Ordem franciscana, pode levar ao seguinte dilema: a inserção<br />

<strong>des</strong>sas testemunhas, por Frei Boaventura, teve apenas como intenção<br />

atender às exigências dos modelos hagiográficos vigentes (ou mesmo<br />

de <strong>da</strong>r certa “historici<strong>da</strong>de” às narrativas) ou, tais testemunhas foram<br />

utiliza<strong>da</strong>s com o intuito de apontar para uma reali<strong>da</strong>de e um projeto<br />

maior, onde o que importava mesmo não era o “testemunho ocular”,<br />

mas sim, a fideli<strong>da</strong>de aos valores originais deixados pelo santo e que,<br />

naquele momento, estavam sendo esquecidos?<br />

Se, por um lado, optarmos pela primeira alternativa, o decreto de<br />

1266 ficaria reduzido a um documento somente coercitivo, fruto do<br />

capricho de um poder centralizador, dependente de uma biografia cujas<br />

testemunhas seriam estéreis e inúteis. Por outro lado, se optarmos<br />

pelo segundo posicionamento, tanto o decreto quanto a nova Legen<strong>da</strong><br />

ganhariam uma nova luz de interpretação e um novo sentido na<br />

tentativa de articular os diferentes documentos produzidos no <strong>per</strong>íodo<br />

boaventuriano. Antes de nos apegarmos a uma ou outra posição,<br />

analisemos as intenções explicitas e implícitas <strong>da</strong> Legen<strong>da</strong> Maior<br />

bem como seu lugar no programa de reestruturação boaventuriana <strong>da</strong><br />

identi<strong>da</strong>de franciscana.<br />

3.3 Um novo são francisco para uma nova<br />

identi<strong>da</strong>de franciscana: a legen<strong>da</strong> maior<br />

A busca por um “rosto” para São Francisco de Assis parecia, ao<br />

menos para Frei Boaventura, encerra<strong>da</strong> com apresentação <strong>da</strong> Legen<strong>da</strong><br />

Maior, em 1263, e com a <strong>des</strong>truição <strong>da</strong>s vitas mais antigas, em 1266.<br />

Quarenta anos depois de sua morte, finalmente, o santo poderia<br />

requiere in pacem (“<strong>des</strong>cansar em paz”). Naquele momento, era<br />

mesmo importante, como já foi recor<strong>da</strong>do acima por Desbonnets, que<br />

São Francisco, já “embalsamado” por Frei Boaventura em sua Legen<strong>da</strong><br />

Maior, dormisse, ou melhor, acor<strong>da</strong>sse no “paraíso eterno” e ficasse<br />

por lá, deixando de interferir nos novos caminhos <strong>da</strong> Ordem por ele<br />

fun<strong>da</strong><strong>da</strong>.<br />

Já foi dito que a Legen<strong>da</strong> Maior, mesmo sendo apresenta<strong>da</strong> como<br />

uma “novi<strong>da</strong>de” para o conhecimento <strong>da</strong> “ver<strong>da</strong>deira” vi<strong>da</strong> de São<br />

Francisco, tinha, ao menos literariamente, pouca coisa de novo. Neste<br />

sentido, quando o decreto de 1266, ao oficializar a nova Legen<strong>da</strong> feita<br />

pelo Ministro geral, utilizou claramente o verbo latino “compilare”<br />

(compilar), o termo parece bem apropriado já que hoje sabemos, pela<br />

crítica <strong>da</strong>s fontes franciscanas, que a Legen<strong>da</strong> Maior retomou partes<br />

ou episódios inteiros <strong>da</strong> Vita I, Vita II e Tractatus Miraculis, de Frei<br />

Tomás de Celano, e até mesmo <strong>da</strong>s obras de Juliano de Spira.<br />

No prólogo <strong>da</strong> Legen<strong>da</strong> Maior, Frei Boaventura fez questão de<br />

esclarecer que para evitar confusão, achou melhor não seguir a ordem<br />

Monografias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 41<br />

| História | 2011

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